Direito Constitucional

Fenômenos do Direito Constitucional Intertemporal

Fenômenos do Direito Constitucional Intertemporal

 

 

Ravênia Márcia de Oliveira Leite*

 

 

O Poder Constituinte Originário classifica-se como inicial, estabelecendo uma norma ordem jurídica no país; autônomo, tendo se em vista que inicia uma norma ordem constitucional sozinho; e incondicionado, posto que não existe nenhuma norma superior ao mesmo.

 

Todavia, apesar dessas características existem limites ao Poder Constituinte Originário, apesar de não existirem limites jurídicos, deve se afirmar que existem limites metajurídicos, atrelados ao estado de avanço da sociedade, os quais não permitem um retrocesso. Trata se de limitações sociais, políticas, ideológicas, históricas etc..

 

Assim, frente a  um novo poder constituinte originário surgem fenômenos de direito intertemporal que devem ser manejados a fim de estabelecer a segurança jurídica do sistema e dos cidadãos.

 

Os fenômenos do direito constitucional intertemporal são consequências do surgimento de uma nova constituição face à existência de uma constituição anterior.

 

Portanto, somente deixa de ocorrer na presença da primeira constituição do Estado, denominada Poder Constituinte Fundacional.

 

A sucessão de ordens jurídicas no tempo conzuds a três fenômenos com relação às normas infraconstitucionais:

 

a.       Recepção: é o fenômeno pelo qual uma nova  ordem constitucional recebe a normatividade anterior se estar normas forem materialmente compatíveis com a nova constituição;

b.      Revogação: é o fenômeno pelo qual uma nova ordem constitucional não recebe a normatividade anterior se esta for incompatível com a nova constituição. Denominada, também, por parte da doutrina como inconstitucionalidade superveniente, e

c.       Repristinação: é o fenômeno pelo qual certa legislação infra constitucional que perdeu sua eficácia diante de um texto constitucional posterior, por não ter sido recepcionada, se restaura pelo surgimento de uma nova constituição.

 

A recepção e a revogação só ocorrem do ponto de vista material, a forma não é importante, sendo que a norma não deixará de ser aceita por questões procedimentais, por exemplo, o texto constitucional de 1969 admitia o decreto lei, mas a Constituição Federal de 1988 não o admite, no entanto, algumas normas, como o Código Penal Brasileiro (Decreto Lei n.º 2.848/1940), foram materialmente recepcionadas.

 

A recepção só deixará de ocorrer se um texto constitucional futuro, por exemplo, expressamente proibi-la.

 

O fenômeno da recepção ocorre automaticamente, não necessita de disposição no texto constitucional, contudo, tal pode ocorrer, por exemplo, no art. 34, § 5º, dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Senão vejamos:

 

“Art. 34. O sistema tributário nacional entrará em vigor a partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até então, o da Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda nº 1, de 1969, e pelas posteriores.

(…)

§ 3º – Promulgada a Constituição, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão editar as leis necessárias à aplicação do sistema tributário nacional nela previsto.

§ 4º – As leis editadas nos termos do parágrafo anterior produzirão efeitos a partir da entrada em vigor do sistema tributário nacional previsto na Constituição.

§ 5º – Vigente o novo sistema tributário nacional, fica assegurada a aplicação da legislação anterior, no que não seja incompatível com ele e com a legislação referida nos §3º e § 4º.”

 

De outra sorte, pode se ainda no ADCT estabelecer um revogação futura como nos arts. 25, 27 e 29, § 3º da referida parte estrutural da Constituição Federal, com segue:

 

“Art. 25. Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a:

I – ação normativa;

II – alocação ou transferência de recursos de qualquer espécie.

§ 1º – Os decretos-lei em tramitação no Congresso Nacional e por este não apreciados até a promulgação da Constituição terão seus efeitos regulados da seguinte forma:

I – se editados até 2 de setembro de 1988, serão apreciados pelo Congresso Nacional no prazo de até cento e oitenta dias a contar da promulgação da Constituição, não computado o recesso parlamentar;

II – decorrido o prazo definido no inciso anterior, e não havendo apreciação, os decretos-lei alí mencionados serão considerados rejeitados;

III – nas hipóteses definidas nos incisos I e II, terão plena validade os atos praticados na vigência dos respectivos decretos-lei, podendo o Congresso Nacional, se necessário, legislar sobre os efeitos deles remanescentes.

§ 2º – Os decretos-lei editados entre 3 de setembro de 1988 e a promulgação da Constituição serão convertidos, nesta data, em medidas provisórias, aplicando-se-lhes as regras estabelecidas no art. 62, parágrafo único”.

 

(…)

“Art. 27. O Superior Tribunal de Justiça será instalado sob a Presidência do Supremo Tribunal Federal.

§ 1º – Até que se instale o Superior Tribunal de Justiça, o Supremo Tribunal Federal exercerá as atribuições e competências definidas na ordem constitucional precedente.

§ 2º – A composição inicial do Superior Tribunal de Justiça far-se-á:

I – pelo aproveitamento dos Ministros do Tribunal Federal de Recursos;

II – pela nomeação dos Ministros que sejam necessários para completar o número estabelecido na Constituição.

§ 3º – Para os efeitos do disposto na Constituição, os atuais Ministros do Tribunal Federal de Recursos serão considerados pertencentes à classe de que provieram, quando de sua nomeação.

§ 4º – Instalado o Tribunal, os Ministros aposentados do Tribunal Federal de Recursos tornar-se-ão, automaticamente, Ministros aposentados do Superior Tribunal de Justiça.

§ 5º – Os Ministros a que se refere o § 2º, II, serão indicados em lista tríplice pelo Tribunal Federal de Recursos, observado o disposto no art. 104, parágrafo único, da Constituição.

§ 6º – Ficam criados cinco Tribunais Regionais Federais, a serem instalados no prazo de seis meses a contar da promulgação da Constituição, com a jurisdição e sede que lhes fixar o Tribunal Federal de Recursos, tendo em conta o número de processos e sua localização geográfica.

§ 7º – Até que se instalem os Tribunais Regionais Federais, o Tribunal Federal de Recursos exercerá a competência a eles atribuída em todo o território nacional, cabendo-lhe promover sua instalação e indicar os candidatos a todos os cargos da composição inicial, mediante lista tríplice, podendo desta constar juízes federais de qualquer região, observado o disposto no § 9º.

§ 8º – É vedado, a partir da promulgação da Constituição, o provimento de vagas de Ministros do Tribunal Federal de Recursos.

§ 9º – Quando não houver juiz federal que conte o tempo mínimo previsto no art. 107, II, da Constituição, a promoção poderá contemplar juiz com menos de cinco anos no exercício do cargo.

§ 10 – Compete à Justiça Federal julgar as ações nela propostas até a data da promulgação da Constituição, e aos Tribunais Regionais Federais bem como ao Superior Tribunal de Justiça julgar as ações rescisórias das decisões até então proferidas pela Justiça Federal, inclusive daquelas cuja matéria tenha passado à competência de outro ramo do Judiciário.”

(…)

“Art. 29. Enquanto não aprovadas as leis complementares relativas ao Ministério Público e à Advocacia-Geral da União, o Ministério Público Federal, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, as Consultorias Jurídicas dos Ministérios, as Procuradorias e Departamentos Jurídicos de autarquias federais com representação própria e os membros das Procuradorias das Universidades fundacionais públicas continuarão a exercer suas atividades na área das respectivas atribuições.

(…)

§ 3º – Poderá optar pelo regime anterior, no que respeita às garantias e vantagens, o membro do Ministério Público admitido antes da promulgação da Constituição, observando-se, quanto às vedações, a situação jurídica na data desta”.

 

O controle dos fenômenos da recepção são são feitos mediante Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental e não via Ação Direta de Inconstitucionalidade ou Ação Declaratória de Constitucionalidade.

 

Por outro lado, o fenômeno da repristinação não é automático, deve ser expresso na lei.

 

Por fim, deve se citar que a desconstitucionalização de normas deve ser, também, expressa, sendo o ato pelo qual as normas da constituição anterior continuam em vigor como lei de grau inferior.

 

Portanto, esposou-se, de forma simplicada os importantes fenômenos do direito constitucional intertemporal que conferem segurança jurídica frente à novas ordens constitucionais ou mesma novas normas constitucionais, em razão do Poder Constituinte Reformador.

 

 

* Delegada de Polícia Civil em Minas Gerais. Bacharel em Direito e Administração – Universidade Federal de Uberlândia. Pós graduada em Direito Público – Universidade Potiguar. Pós-graduada em Direito Penal – Universidade Gama Filho.

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Ravênia Márcia de Oliveira. Fenômenos do Direito Constitucional Intertemporal. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/fenomenos-do-direito-constitucional-intertemporal/ Acesso em: 25 abr. 2024