Direito Constitucional

Síndrome de Inefetividade das Normas Constitucionais

Síndrome de Inefetividade das Normas Constitucionais

 

 

Ravênia Márcia de Oliveira Leite*

 

 

A Síndrome de Inefetividade das Normas Constitucionais refere-se, basicamente, às hipóteses em que existindo norma constitucional de eficácia limitada o Poder Público ou órgão administrativo que deva regulamentá-la, não o faz, surgindo portanto a omissão legal ou administrativa a qual deve ser rechaçada através de duas ações constitucionalmente previstas, quais sejam, a Ação Direita de Inconstitucionalidade por Omissão (ADIn por omissão) ou o Mandado de Injunção.

 

A ADIn por omissão encontra-se entre as permissivas constitucionais de controle concentrado, por outro lado, no Mandado de Injunção, o controle é difuso, pela via de exceção ou defesa, sendo diferentes os legitimados e os efeitos da decisão.

 

Como salienta Aricê Moacyr Amaral Santos, tanto o mandado de injunção quanto a ação direta de inconstitucionalidade por omissão “cuidam de um assunto comum: inércia de norma constitucional, decorrente de omissão normativa”, concluindo mais adiante que “a questão da inércia constitucional não constitui fenômeno caboclo, pois atinge fronteiras as mais distantes (Mandado de injunção. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989. p. 31).

 

A omissão pode ser total ou parcial. A omissão total refere-se à completa ausência do dever de legislar, imposto constitucionalmente. Já no que tange omissão parcial a legislação infraconstitucional, apesar de existente, é insuficiente.

 

Na omissão parcial propriamente dita a lei existe, mas regula de forma deficiente o texto constitucional, e na omissão parcial relativa a lei existe e outorga determinado benefício a uma certa categoria, todavia, deixa de conceder a outra que deveria ter concedido.

 

Segundo Luís Roberto Barroso “são impugnáveis, no controle abstrato por omissão, a inércia legislativa em editar quaisquer dos atos normativos primários suscetíveis de impugnação em ação direta de inconstitucionalidade. O Objeto aqui, porém, é mais amplo: também caberá a fiscalização da omissão inconstitucional em se tratando de atos normativos secundários, como regulamentos, de competência do executivo, e até mesmo, eventualmente, de atos próprios dos órgãos judiciários.”

 

Os legitimados para a propositura da ADIn por omissão são os mesmos da ADIn genérica. Senão vejamos:

 

“I – o Presidente da República;

II – a Mesa do Senado Federal;

III – a Mesa da Câmara dos Deputados;

IV – a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; (Inciso com redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

V – o Governador de Estado ou do Distrito Federal; (Inciso com redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

VI – o Procurador-Geral da República;

VII – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

VIII – partido político com representação no Congresso Nacional;

IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. “

 

O Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADIn não poderá legislar, em obediência ao Princípio da Separação dos Poderes, todavia, sua decisão tem caráter mandamental, constituindo em mora o poder competente ou atribuindo prazo de 30 (trinta) dias ao órgão administrativo para elaborar a lei, sob pena de responsabilidade.

 

Como regra geral, a decretação da omissão atingirá a todos, de forma retroativa.

 

O mandado de injunção nasceu em 1988, por ocasião da promulgação da atual Constituição e trata-se de uma Ação Constitucional de natureza civil. Encontra seu fundamento constitucional no art. 5°, LXXI, conforme transcrição abaixo:  

 

“LXXI – conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania; ”

 

Canotilho, ao discorrer sobre as perspectivas do mandado de injunção e da inconstitucionalidade por omissão no direito brasileiro, fez a seguinte observação: “resta perguntar como o mandado de injunção ou a ação constitucional de defesa perante omissões normativas é um passo significativo no contexto da jurisdição constitucional das liberdades. Se um mandado de injunção puder, mesmo modestamente, limitar a arrogante discricionariedade dos órgãos normativos, que ficam calados quando a sua obrigação jurídico-constitucional era vazar em moldes normativos regras atuativas de direitos e liberdades constitucionais; se, por outro lado, através de uma vigilância judicial que não extravase da função judicial, se conseguir chegar a uma proteção jurídica sem lacunas; se, através de pressões jurídicas e políticas, se começar a destruir o `rochedo de bronze’ da incensurabilidade do silêncio, então o mandado de injunção logrará os seus objetivos” (CANOTILHO, J. J. Gomes. As garantias do cidadão na justiça. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 367.)

 

Segundo Alexandre de Morais, “não caberá, portanto, mandado de injunção para, sob a alegação de reclamar a edição de norma regulamentadora de dispositivo constitucional, pretender-se a alteração de lei ou ato normativo já existente, supostamente incompatível com a constituição ou para exigir-se uma certa interpretação à aplicação da legislação infraconstitucional, ou ainda para pleitear uma aplicação “mais justa” da lei existente. Da mesma forma, não cabe mandado de injunção contra norma constitucional auto-aplicável. O mandado de injunção somente se refere à omissão de regulamentação de norma constitucional. Como já decidiu o Supremo Tribunal Federal, não há possibilidade de “ação injuncional, com a finalidade de compelir o Congresso Nacional a colmatar omissões normativas alegadamente existentes na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em ordem a viabilizar a instituição de um sistema articulado de recursos judiciais, destinado a dar concreção ao que prescreve o Artigo 25 do Pacto de S. José da Costa Rica”.

 

O tema mais controvertido no estudo das ações epigrafadas é o que diz respeito aos efeitos da decisão. Formaram-se duas grandes correntes acerca destes efeitos. A corrente concretista e não concretista.

 

A corrente concretista subdivide-se em concretista geral e concretista individual, ao mesmo tempo esta subdivide-se em individual intermediária e individual direta.

 

Conforme Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, a concretista geral tem como delineamento a regra de que “sempre que presentes os requisitos constitucionais exigidos para o mandado de injunção, o Poder Judiciário deveria reconhecer a existência da omissão legislativa ou administrativa e possibilitar efetivamente a concretização do exercício do direito, até que fosse editada a regulamentação pelo órgão competente.”

 

Por outro lado, a posição concretista individual direta é aquela em que o Poder Judiciário implementa o direito apenas para o autor da ação. Segundo a concretista individual intermediária, julgado procedente o mandado de injunção, é fixado ao órgão competente um prazo para elaborar a norma regulamentadora; com o fim de tal prazo, permanecendo a inércia, o autor passa a ter assegurado o seu direito. De acordo com a corrente não concretista, a decisão apenas decreta a mora do poder omisso, reconhecendo-se a sua inércia.

 

O Supremo Tribunal Federal normalmente adotava a teoria não concretista, ou seja, não dava efeito concreto a suas decisões, deixando de suprir a omissão legislativa pleiteada no âmbito de inúmeros mandados de injunção propostos. Limitava-se, em regra, a declarar a omissão, com fundamento no princípio da separação dos Poderes. Demonstra tal posicionamento a ementa do MI 695/MA , in verbis:

 

“EMENTA: Mandado de injunção: ausência de regulamentação do direito ao aviso prévio proporcional previsto no art. 7º, XXI, da Constituição da República. Mora legislativa: critério objetivo de sua verificação: procedência, para declarar a mora e comunicar a decisão ao Congresso Nacional para que a supra. “

 

Tal posição parece se inverter, pois caminha no sentido de dar concretude aos direitos constitucionalmente previstos e carentes de regulamentação.

 

O Supremo concluiu o julgamento de três mandados de injunção no dia 25 de outubro de 2007 e, em todos eles, adotou a corrente concretista geral, garantindo o exercício do direito até que a norma seja editada pelo órgão competente.

 

O informativo de jurisprudência nº 485, referente ao período de 22 a 26 de outubro de 2007, trouxe a notícia referente aos mandados de injunção 670/ES, 708/DF e 712/PA, conforme transcrição abaixo:  

 

“O Tribunal concluiu julgamento de três mandados de injunção impetrados, respectivamente, pelo Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Espírito Santo – SINDIPOL, pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Município de João Pessoa – SINTEM, e pelo Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do Estado do Pará – SINJEP, em que se pretendia fosse garantido aos seus associados o exercício do direito de greve previsto no art. 37, VII, da CF (“Art. 37. … VII – o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica;”) – v. Informativos 308, 430, 462, 468, 480 e 484. O Tribunal, por maioria, conheceu dos mandados de injunção e propôs a solução para a omissão legislativa com a aplicação, no que couber, da Lei 7.783/89, que dispõe sobre o exercício do direito de greve na iniciativa privada.  MI 670/ES, rel. orig. Min. Maurício Corrêa, rel. p/ o acórdão Min. Gilmar Mendes, 25.10.2007. (MI-670). MI 708/DF, rel. Min. Gilmar Mendes.

 

Assim, verifica-se que a Suprema Corte, atualmente, preocupa-se com a eficácia dos dispositivos constitucionais, a fim de não permitir que as normas constitucionais se degradem a ponto de deixar sua eficácia subalterna à pura vontade do legislador ordinário, buscando sanar efetivamente a síndrome de inefetividade das normas constitucionais, a fim de alcançarem-se os direitos e garantias fundamentais expressa ou implicitamente previstos na Constituição da República Federativa do Brasil.

 

 

* Delegada de Polícia Civil em Minas Gerais. Bacharel em Direito e Administração – Universidade Federal de Uberlândia. Pós graduada em Direito Público – Universidade Potiguar. Pós-graduanda em Direito Penal – Universidade Gama Filho.

 

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Ravênia Márcia de Oliveira. Síndrome de Inefetividade das Normas Constitucionais. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/sindrome-de-inefetividade-das-normas-constitucionais/ Acesso em: 18 abr. 2024