Direito Constitucional

A Jurisprudência brasileira na crise sanitária

Resumo: A jurisprudência brasileira sobre a Covid-19 mostrou um STF sensível e consciente à gravidade da pandemia ora enfrentada. A isto, não se pode denominar de “ativismo judicial” e, sim, o cumprimento fiel da honrosa missão de guardião da Constituição Federal Brasileira.

Palavras- Chave: STF. Ativismo judicial. Covid-19. Medidas Sanitárias. Enfrentamento da pandemia de coronavírus. Constituição Federal do Brasil.

Com elevados números de óbitos por Covid-19, com o sistema de saúde público e privado[1] colapsado e sem vagas para atender aos infectados, quase meio milhão de vítimas fatais, e cogita-se que iremos para a terceira onda.

Infelizmente, sofremos barbaramente pela omissão presidencial em face da pandemia e, recentemente, foi instalada uma CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar os fatos que se retratam numa cadeia infinda de atos comissivos e omissivos que tanto facilitaram a extensão da tragédia que é sanitária, econômica e, principalmente, democrática.

Nesse crucial momento tanto o Congresso Nacional como o Supremo Tribunal Federal estão sendo observados e avaliados por toda sociedade brasileira. Aprovada a Lei 13.979/2020 que dispôs sobre o enfrentamento da pandemia, autorizando as medidas sanitárias necessárias para a proteção emergencial do direito à saúde já estatuído no texto constitucional vigente no artigo 196[2].

Depois, a Lei 14.010/2020 que seguiu os exemplos de outros países como os EUA, Alemanha e Reino Unido para disciplinar as relações privadas durante a pandemia e, ainda, a Emenda Constitucional 106/2020 que regulamentou o orçamento de guerra, e a Emenda 107/2020 que previu o adiamento das eleições municipais, adiando de 15 de novembro para 29 do mesmo mês, iniciativa negociada com o Tribunal Superior Eleitoral, os partidos políticos e a sociedade civil[3].

A Lei Complementar 173/2020 criando o programa federativo de enfrentamento do coronavírus, alterando a Lei 101?2020 e contemplando os recursos para os Estados, Distrito Federal e para os municípios, além de prover outras medidas.

O STF mostrou-se sensível e consciente a gravidade da crise sanitária, inclusive trabalhando mesmo que ainda remotamente através de audiências online, ainda operou de forma mais unida e convergente. Afinal, informam os principais manuais de direito constitucional que as funções básicas da jurisdição constitucional[4] consistem em: proteger o pacto federativo, garantir a efetividade da normatividade constitucional e dos pressupostos democracia e, ainda, atuar como instância contramajoritária.

O STF inclusive lançou em 25.3.2021 um site especial intitulado “Combate à Covid-19” onde elenca sua atuação, tanto no campo jurisdicional, dando respostas às principais demandas da sociedade, quanto na prevenção à doença dentro de suas instalações.

O portal é acessível através do link:  http://portal.stf.jus.br/covid19/

O site consolida as principais ações do STF que viabilizaram a realização de sessões por videoconferência, o que garantiu a continuidade da prestação jurisdicional sem colocar em risco a saúde de seus membros e serventuários.

Entre essas medidas estão a adoção de um modelo diferenciado de gestão, como métodos e ferramentas que permitiram o trabalho remoto e o trabalho de vigilância epidemiológica, destinado a identificar e monitorar[5] casos suspeitos ou confirmados de contaminação, e a realização de testes rápidos em servidores e colaboradores do STF que permaneceram no trabalho presencial em atividades essenciais.

Em verdade, o Plenário decidiu, no início da pandemia, em 2020, que União, Estados, Distrito Federal e municípios têm competência concorrente na área da saúde pública para realizar ações de mitigação dos impactos do novo coronavírus. Esse entendimento foi reafirmado pelos ministros do STF em diversas ocasiões. Mesmo assim, recentemente, a AGU reprisa pedido da Presidência da República no sentido de impedir as medidas como lockdowns e outras de isolamento social para evitar a disseminação do coronavírus.

A CPI da Covid já reuniu bastante provas e comprovações cabais sobre a total ingerência no enfrentamento à Covid-19, além da negligência deliberada em comprar, tempestivamente, as vacinas oferecidas no mercado mundial. E, ainda, a deliberada propaganda do chamado Kit-Preventivo de Covid-19 inclui a hidroxicloroquina, a azitromicina, a ivermectina e a nitazoxanida, além dos suplementos de zinco e das vitaminas C e D.

Esse mix farmacológico não é reconhecido ou chega a ser contraindicado por entidades como a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos e da Europa, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).

E, com tais nobres missões construiu a chamada jurisprudência da crise[6]. Foram cerca de oito mil decisões do STF, a saber:

ACO 3.363/2020 – Autor Estado de São Paulo. A decisão beneficiou, depois, outros Estados. Foi concedida liminar permitindo o não pagamento das parcelas da dívida com a União e utilização dos recursos para o combate à pandemia. A ação perdeu objeto diante a aprovação da EC 106/2020 cuidando do orçamento de guerra[7].

ADI 6357 – DF, Relator: Alexandre de Moraes. Autorizando o poder público, a partir de uma inédita interpretação conforme de dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal, a fazer gastos não previstos no orçamento.

ADPF 672, aforada pela OAB, Relator: Min. Alexandre de Morais. Reconheceu a competência concorrente[8] para a edição das iniciativas necessárias para o combate à pandemia, retirando, assim, o papel centralizador da União. Esta medida foi responsável pelo salvamento de muitas vidas, considerando o modo negacionista como o governo federal tem enfrentado a pandemia.

ADI 6351, Relator Min. Alexandre de Morais. Decisão suspendeu a eficácia de dispositivos da lei de acesso à informação que contrariavam as exigências constitucionais relativas à publicidade e transparência.

ADPF 635, Relator Min. Fachin. Foi deferida liminar proibindo as operações da polícia militar em favelas do Rio de Janeiro, preservando muitas vidas, particularmente de pessoas jovens, pobres e negras.

ADPF 669 aforada pela REDE (e 668 pela CNTM). Concedida liminar pelo Ministro Barroso proibindo a campanha publicitária “O Brasil não pode parar”, por levar mensagem não condizente com a gravidade da pandemia. Esta decisão, também, salvou muitas vidas.

ADPF 709, aforada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil e cinco partidos políticos (PSB, PCdoB, PSOL, PT e PDT) para impedir o genocídio dos povos indígenas. Cautelar concedida pelo Ministro Barroso determinando a colocação de barreiras nos acessos às terras indígenas e uma sala de situação para acompanhar a evolução dos programas de proteção às populações originárias.

Veio o STF alterar o seu Regimento Interno para autorizar a sua atuação colegiada através do Plenário Virtual, o que deu maior presteza e celeridade na apreciação de temas que foram sendo levados à julgamento.

Infelizmente é flagrante o uso abusivo da lei da segurança nacional durante a pandemia. Experimentamos vicissitudes que testam a nossa frágil democracia, tanto que já tivemos impeachment de dois presidentes. Totalizam-se 127 pedidos de impeachment[9] contra Bolsonaro, o atual Presidente da República. Ao todo, 1492 pessoas e mais de 500 organizações assinaram pedidos de impeachment do presidente Jair Bolsonaro. Foram enviados 118 documentos ao presidente da Câmara dos Deputados, sendo 65 pedidos originais, 7 aditamentos e 46 pedidos duplicados. Até agora, apenas 6 (seis) pedidos foram arquivados ou desconsiderados. Os outros 112 aguardam análise.

Lembremos que a normatividade constitucional, os direitos fundamentais, a imprensa, o Congresso Nacional e STF sofrem constantes ataques, sendo testados em suas capacidades de resiliência. Há nítida corrosão dos alicerces democráticos no Brasil, e o atual Presidente expressa seu franco namoro com a ideia de golpe de Estado, tantas vezes conhecidos em nossa história.

Registre-se, ainda, que o STF analisou cerca de quarenta pautas econômicas relacionadas à pandemia de Covid-19 no derradeiro ano.

Foi um dos casos emblemáticos foi analisado pelo STF em abril do ano passado: o Plenário, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6341, decidiu que a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios têm competência concorrente para realizar ações de mitigação dos impactos da pandemia.

Esse entendimento foi reafirmado em diversas ocasiões, de forma a deixar claro que é responsabilidade de todos os entes da federação adotar medidas em benefício da população para enfrentamento da pandemia.

A Suprema Corte negou pedidos de municípios que não queriam aderir a planos estaduais (STPs – Suspensão de Tutela Provisória 442 e 449) e manteve a validade de decreto do Amazonas que proibiu o transporte fluvial de passeio (RCL 39871) e de decretos do Rio de Janeiro que flexibilizaram o isolamento social (RCL[10] 41791).

As atribuições, a autonomia e a competência dos entes da federação também são o tema de fundo de diversas outras ações. Na ADI 6343, o Plenário decidiu, em maio, que Estados e municípios, no âmbito de suas competências, podem adotar medidas de restrição à locomoção, sem a necessidade de autorização do Ministério da Saúde para a decretação de isolamento, quarentena e outras providências.

Frisemos que a saúde é um direito fundamental do ser humano e, tem como fim garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social, segundo arts. 2º e 3º, parágrafo único, da Lei 8.080/1990, a Lei Orgânica da Saúde (LOS), que adota o conceito da Organização Mundial da Saúde.

Prevê ainda que a análise dos níveis de saúde da população expressa a organização social e econômica do país, tendo como fatores determinantes e condicionantes, destacando, dentre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais.

Na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental[11] (ADPF) 672, também foi dada competência à União para a decretar as mesmas medidas, no âmbito de suas atribuições, quando houver interesse nacional. Em outubro, foi referendada liminar para assegurar aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios liberdade para adotar medidas de combate à Covid-19, no exercício de suas atribuições e no âmbito de seus territórios.

Vejamos as pautas econômicas, a seguir:

Em maio de 2020, o Plenário referendou medida cautelar (ADI 6357) para afastar as exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000) e da Lei de Diretrizes Orçamentárias (Lei 13.898/2019) relativas à demonstração de adequação e compensação orçamentária em programas públicos destinados ao enfrentamento da Covid-19. Posteriormente, o Congresso aprovou o chamado “Orçamento de Guerra”, destinado exclusivamente a ações de combate à pandemia.

No julgamento da ADI 6362, o Supremo decidiu que todas as requisições administrativas de bens e serviços realizadas por Estados, municípios e Distrito Federal para o combate ao coronavírus não dependem de prévia análise nem de autorização do Ministério da Saúde, mas devem se fundamentar em evidências científicas e serem devidamente motivadas.

Na Ação Cível Originária (ACO[12]) 3463, o Ministro Ricardo Lewandowski[13] concedeu liminar para impedir que a União requisite insumos contratados pelo Estado de São Paulo (especialmente agulhas e seringas) para a execução do plano estadual de imunização. Segundo o ministro, a requisição administrativa não pode se voltar contra bem ou serviço de outro ente federativo, de maneira que haja indevida interferência na autonomia de um sobre outro. No mesmo sentido, o Ministro Celso de Mello (aposentado) já havia impedido que a União requisitasse respiradores adquiridos pelos Estados (ACOs 3385 e 3393).

Em vinte ACOs, o Ministro Alexandre de Moraes determinou a suspensão do pagamento de parcelas de dívidas públicas dos Estados com a União. A suspensão, em razão do momento “extraordinário e imprevisível”, foi condicionada à aplicação dos valores exclusivamente em ações relativas à pandemia e à prestação quinzenal de contas. O Ministro Gilmar Mendes prorrogou por mais 180 dias o prazo de adesão de Goiás ao Regime de Recuperação Fiscal, destacando que os valores das parcelas não pagas à União deviam ser usados na saúde.

O Ministro Alexandre de Moraes também determinou a destinação imediata de R$ 1,6 bilhão oriundo da Operação Lava Jato ao Ministério da Saúde, ao homologar ajuste do acordo firmado em 2019 na ADPF 568. Na mesma ação, R$ 32 milhões foram destinados ao Acre para o custeio das ações de combate ao coronavírus.

Na ACO 3359, o Plenário suspendeu os cortes no programa Bolsa Família enquanto permanecer o estado de calamidade pública decorrente da pandemia. No exame da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão[14] (ADO) 56, o STF julgou prejudicado o pedido do partido Rede Sustentabilidade de declaração de mora legislativa do presidente da República e do Congresso Nacional na instituição de renda mínima temporária durante a crise socioeconômica ocasionada pela pandemia. A maioria dos ministros reconheceu o prejuízo do pedido, diante da existência de norma sobre a matéria.

Na ACO 3458, o Ministro Luiz Fux, presidente do STF, autorizou a suspensão do plano de pagamentos de precatórios de 2020 determinado ao Estado de São Paulo pelo Tribunal de Justiça local (TJ-SP), mediante a comprovação da aplicação integral dos valores no custeio das ações de prevenção, contenção e enfrentamento à pandemia.

Várias decisões também foram tomadas a fim de proteger o trabalho e o emprego. Entre estas, está a suspensão de dois dispositivos da Medida Provisória (MP) 927/2020[15], que autorizou empregadores a adotarem medidas excepcionais em razão da pandemia: o artigo 29, que não enquadra como doença ocupacional os casos de contaminação pelo coronavírus, e o artigo 31, que limitava a atuação de auditores fiscais do trabalho à atividade de orientação (ADIs 6342, 6344, 6346, 6348, 6349, 6352 e 6354).

O Plenário do STF manteve ainda a eficácia da regra da MP 936/2020 que autoriza a redução da jornada de trabalho e do salário ou a suspensão temporária do contrato de trabalho por meio de acordos individuais em razão da pandemia, independentemente da anuência dos sindicatos da categoria (ADI 6363).

No julgamento da ADI 6394, o STF negou pedido do governo do Acre para afastar as limitações previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal[16] (Lei Complementar 101/2000) para as despesas com pessoal em relação aos servidores da área de saúde devido à pandemia. Também declarou inconstitucionais leis estaduais que suspenderam as cobranças, por instituições financeiras, de todos os empréstimos consignados de servidores públicos civis, militares, aposentados, inativos e pensionistas durante a calamidade pública (ADIs 6451, 6475, 6484 e 6495).

O Supremo julgou inconstitucionais leis do Ceará, do Maranhão e da Bahia que estabeleceram desconto obrigatório nas mensalidades da rede privada de ensino durante a pandemia (ADIs 6423, 6435 e 6575).

Repise-se que o Supremo Tribunal Federal referendou a decisão liminar que proibiu operações policiais nas favelas do Rio de Janeiro durante a epidemia da Covid-19, sob pena de responsabilização civil e criminal. Não obstante, os recentes incidentes ocorridos no Rio de Janeiro.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) referendou tutela provisória deferida pelo Ministro Edson Fachin para suspender a realização de incursões policiais em comunidades do Rio de Janeiro, enquanto perdurar o estado de calamidade pública decorrente da pandemia da Covid-19. As operações permanecem restritas aos casos excepcionais e deverão ser informadas e acompanhadas pelo Ministério Público estadual[17].

A decisão foi tomada por maioria de votos, na sessão virtual concluída em 5.8.2020, no julgamento de pedido de tutela provisória incidental apresentada dentro da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635.

Em dezembro, o Plenário determinou que os Estados podem estabelecer a compulsoriedade da vacinação contra a Covid-19 e impor aos cidadãos que recusarem a imunização as medidas restritivas previstas em lei, como multa, impedimento de frequentar determinados lugares ou fazer matrícula em escolas (ADIs 6586 e 6587 e ARE 1267879). A imunização à força foi proibida.

Na ADPF 770, o Ministro Ricardo Lewandowski autorizou os estados, os municípios e o Distrito Federal a importar e distribuir vacinas registradas por pelo menos uma autoridade sanitária estrangeira e liberadas para distribuição comercial nos respectivos países, caso a Anvisa não observasse o prazo de 72 horas para a expedição da autorização.

A saúde da população indígena também foi foco da atuação do STF, que compeliu o governo federal a formular um Plano de Barreiras Sanitárias para conter o contágio e a mortalidade por Covid-19 entre esses povos (ADPF 709[18]). Entre as medidas estão ações para contenção de invasores em reservas, a criação de barreiras sanitárias para grupos em isolamento ou contato recente e o acesso de todos os indígenas ao Subsistema Indígena de Saúde.

Os neofascistas usam a internet[19] através de blogs, whatsapp e a propagação de fake news[20] para disseminar discordância com a realidade da crise sanitária (já alcunhada como “gripezinha”[21]), a violenta oposição aos jornalistas, advogados e parlamentares, quando contrariados em suas teses negacionistas e populistas. A estratégia já conhecida visa reprimir a livre circulação de ideias e intimidar a crítica, bipolarizando[22] todo debate político em de esquerda e de direita[23].

A Lei de Segurança Nacional, a Lei 7.170/1983, portanto, não recepcionada pela Constituição Federal brasileira vigente, fora promulgada quando se cogitava ainda de uma abertura lenta, gradual e segura do regime. E, seu manejo habitual, ultimamente, é muito preocupante. Lembremos que a velha Lei de Segurança Nacional era dirigida à defesa do Estado num viés de regime militar, servindo de defesa de instituições sem a ótica pluralista e democrática ora vigente na Constituição Cidadã.

Vários partidos políticos[24] aforaram quatro Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) que é mecanismo de controle concentrado da constitucionalidade, perante a Suprema Corte, para atacar a lei em questão e denunciar o contraste com a vigente ordem constitucional.

Existem, ainda, as ADPF[25]s que postulam, a declaração de sua incompatibilidade integral, o que implica na revogação, da dita Lei de Segurança Nacional, rogando pela interpretação conforme[26] a Constituição, enquanto uma nova lei não seja introduzida pelo Legislativo para o combate de ações antidemocráticas dos grupos tomados por sectarismo, autoritarismo e, neofascismo explícito e doentio.

A simples e imediata decretação integral de incompatibilidade com a Constituição Federal vigente não parece sugerir solução adequada, mas deve coibir o manejo abusivo da LSN com fim de sufocar os críticos e adversários do governo atual.

No trágico horizonte pandêmico, a jurisprudência da crise procura definir seguros parâmetros e balizas para orientar a atividade de agentes públicos e das coletividades políticas. Assegurando a eficácia de preceitos constitucionais, traçando uma legalidade extraordinária, mas nunca uma legalidade de exceção.

Apesar do imenso sofrimento com tantas famílias devastadas, o que foi feito até o presente momento, está somente dentro do limite do possível, em face principalmente da falta de cooperação do Executivo Federal[27], seja por omissão, negligência, ou simples, mau exemplo, seja ainda pela franca timidez do Ministério da Saúde cujo titular já foi trocado tantas vezes, que já conta com o quarto responsável que também padece com o discurso negacionista e irresponsável da Presidência da República.

Recentemente, no julgamento da ADPF 811, ao tratar da jurisprudência da crise relativa à pandemia da Covid-19, o ministro Gilmar Mendes, relator, lembrou a importância do princípio da fraternidade, enquanto categoria jurídica, para a harmonização dos conflitos entre direitos fundamentais.

Em suas palavras:

       “É esse o norte que tem guiado este STF na realização do controle de constitucionalidade de restrições impostas às liberdades individuais em razão das medidas de enfrentamento à pandemia do novo Coronavírus. Não é preciso muito para reconhecer o desenvolvimento, entre nós, de uma verdadeira Jurisprudência de Crise em que os parâmetros de aferição da proporcionalidade das restrições aos direitos fundamentais têm sido moldados e redesenhados diante das circunstâncias emergenciais.” (ADPF 811, Relator Min. Gilmar Mendes, Plenário do STF, julgamento realizado em 7 de abril de 2021.)”

Não é a primeira vez que o ministro recorre ao princípio da fraternidade para equacionar o conflito entre direitos fundamentais. No caso Ellwanger[28], HC 82.424, em que se resolveu o conflito entre a liberdade de expressão e o direito à não-discriminação, e no caso das cotas raciais em universidades, ADPF 186, cuja solução passou pelo enfrentamento do paradoxo da igualdade, garantiu-se a concretização dos valores constitucionais da liberdade e da igualdade pela consistente afirmação da fraternidade.

E, não fosse apenas a grave crise sanitária, soma-se ainda, a crise política, em face do comportamento do General Pazuello que acompanhou o Presidente da República em manifestação pública no Rio de Janeiro, atuou de forma indiferente às leis disciplinares do Exército, da saúde pública (estava sem máscara e sem distanciamento social) promovendo aglomeração e, ainda, violando os mais comezinhos postulados da República democrática que ainda somos.

Cumpre, conforme bem indicou Clèmerson Merlin Clève, cumpre resistir e resistiremos. O Brasil é bem mais forte que seus algozes. A história conta e, o futuro certamente confirmará.

Referências

BIERNATH, André. BBC News Brasil. Tratamento precoce/ Kit covid é kit ilusão: os dados apontam riscos e falta de eficácia do suposto tratamento. Disponível em:  https://www.bbc.com/portuguese/brasil-55775106 Acesso em 30.5.2021.

CLÈVE, Clèmerson Merlin. Medidas sanitárias, risco democrático, liberdade religiosa e jurisprudência da crise: uma crônica constitucional da pandemia. Disponível em:  https://jus.com.br/artigos/90866/medidas-sanitarias-risco-democratico-liberdade-religiosa-e-jurisprudencia-da-crise-uma-cronica-constitucional-da-pandemia?utm_source=boletim-diario&utm_medium=newsletter&utm_content=titulo&utm_campaign=boletim-diario_2021-05-30 Acesso em 30.05.2021.

CARVALHO, Ana Luiza Baccin; PARZIANELLO, Pedro Rodrigues. A atuação do STF na pandemia de COvid-19. Disponível em:  https://www.migalhas.com.br/depeso/341345/a-atuacao-do-stf-na-pandemia-de-covid-19 Acesso em 30.5.2021.

D’ANDREA, Gustavo; RODRIGUEZ, Anna Maria Meyer Maciel; VENTURA, Carla Aparecida Arena; MISHIMA, Silvana Martins. Direito à Saúde: Uma Proposta de Conceito para Operacionalização de Pesquisas Qualitativas. Disponível em:  http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_informativo/bibli_inf_2006/Rev-Dir-San_v.18_n.01.04.pdf   Acesso em 30.5.2021.

LEITE, Gisele; CRUZ, Ramiro L. P; HEUSELER, Denise; CÓRDOBA, Diego. COVID-19. Fato Jurídico. E-book Disponível em:  https://www.researchgate.net/publication/350354636_Covid-19_o_fato_juridico Acesso em 30.5.2021.

LIMA, Caroline Silva. Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes. Em que consiste o método de interpretação conforme a Constituição? Disponível em:  https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/2235579/em-que-consiste-o-metodo-de-interpretacao-conforme-a-constituicao-caroline-silva-lima   Acesso em 30.5.2021.

SCHREIBER, Anderson. Devagar com o andor: Coronavírus e contratos. Disponível em:  http://conhecimento.tjrj.jus.br/documents/5736540/7186707/Devagarcomoandor-Coronavirusecontratos.pdf Acesso em 30.5.2021.

STF. STF analisou cerca de 40 pautas econômicas relacionadas à pandemia de Covid-19 no último ano. Disponível em:  http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=462122&ori=1 Acesso em30.5.2021.

STF Combate à Covid-19. Disponível em:  http://portal.stf.jus.br/covid19/ Acesso em 30.5.2021.

STF. Esclarecimento sobre decisões do STF a respeito do papel da União, dos Estados e dos Municípios na pandemia. Disponível em:  https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=458810&ori=1 Acesso em 30.5.2021.

TAVARES, André Ramos. Justiça Constitucional e suas fundamentais. Disponível em:  https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/95317/Tavares%20Andr%C3%A9.pdf?sequence=1&isAllowed=y#:~:text=A%20fun%C3%A7%C3%A3o%20b%C3%A1sica%20e%20primordial,137), Acesso em 30.5.2021.



[1] Durante a pandemia os planos também tiveram alta na utilização, tanto pelos pacientes com covid-19, como para outras necessidades. De acordo com o levantamento, em março a ocupação de leitos em unidades de terapia intensiva de pacientes com o novo coronavírus ficou em 80%. O reajuste anual de planos de saúde coletivos continua sendo um dos temas mais enfrentados pelo Poder Judiciário, sobretudo em sede de Juizados de Defesa do Consumidor e, diante da pandemia, o assunto ganhou destaque em face do aumento excessivo que surpreendeu os consumidores no início do ano de 2021. O art. 13 da resolução 156/07 da Agência Nacional de Saúde (ANS) que regulamenta os critérios de reajuste dos planos de saúdes privados estabelece que os planos coletivos apenas comunicarão os percentuais de reajuste à agência reguladora. Assim, diferentemente dos planos de saúde individuais e familiares, a ANS não fixa o reajuste anual dos planos de saúde coletivos. E, assim sendo, pode ser legal o aumento do plano de saúde coletivo em valor superior ao índice anual fixado pela ANS, desde que o reajustamento seja justificado pela busca do equilíbrio econômico-financeiro, decorrente do aumento da taxa de sinistralidade, cabendo a análise individualizada de cada caso posto em discussão. Muitos consumidores estão sendo surpreendidos com geração de boletos a partir de janeiro/2021 com valores excessivos, sem esclarecimentos necessários pelas operadoras de planos de saúde, de modo que precisam ficar atentos se cumprido pelas empresas o dever de informação e transparência, conforme art. 6º do CDC.

[2] Com base na relação de Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) da Bireme ? a expressão “direito à saúde”, adicionando o qualificador “história”, haja vista a importância desse aspecto para a compreensão de conceitos nas pesquisas qualitativas. Segundo o DeCS12 (edição 2016), “direito à saúde” é definido como “um dos direitos humanos fundamentais assegurado na Constituição, que permite aos cidadãos exigirem do Estado as condições para que possam gozar de completo bem-estar físico, mental e social”; e o qualificador “história” é direcionado para “aspectos históricos de um assunto”, incluindo “notas históricas breves” e excluindo “histórias de casos”. In: D’ANDREA, Gustavo; RODRIGUEZ, Anna Maria Meyer Maciel; VENTURA, Carla Aparecida Arena; MISHIMA, Silvana Martins. Direito à Saúde: Uma Proposta de Conceito para Operacionalização de Pesquisas Qualitativas. Disponível em: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_informativo/bibli_inf_2006/Rev-Dir-San_v.18_n.01.04.pdf   Acesso em 30.5.2021.

[3] A propósito, convém registrar que, mesmo no âmbito daqueles contratos cujas prestações sejam economicamente afetadas pelas restrições a todos impostas neste momento, antes de qualquer pleito revisional deve-se recorrer à boa-fé objetiva e ao dever de renegociar. Soluções alternativas podem e devem ser encontradas pelos próprios contratantes para preservar o cumprimento de seus contratos, tanto mais na situação que estamos vivendo, em que o Poder Judiciário, em funcionamento restrito, deve ser acionado apenas para situações realmente urgentes. Extinção de vínculos contratuais e revisão judicial de contratos são remédios extremos que as partes têm o dever de evitar sempre que possível, diante do imperativo de mútua cooperação e lealdade que deriva do artigo 422 do Código Civil brasileiro e do princípio constitucional da solidariedade social (art. 3º, I). In: SCHREIBER, Anderson. Devagar com o andor: Coronavírus e contratos. Disponível em:  http://conhecimento.tjrj.jus.br/documents/5736540/7186707/Devagarcomoandor-Coronavirusecontratos.pdf Acesso em 30.5.2021;

[4] Uma teoria das funções não escapa de ser uma teoria da prática de determinado encargo. A teorização acerca das funções desenvolvidas pelo Tribunal Constitucional deve objetivar uma construção científica sustentável que indique as atribuições dessa instituição e forneça os aportes teóricos necessários para distingui-las entre si, não sem uma referibilidade mínima (pressuposta ou explícita) à experiência dos Estados. O fundamento de qualquer função do Tribunal Constitucional é a aplicação da supremacia constitucional. Como salientou Schwartz (1996, p. 26), para manter referida supremacia na prática, é necessário “[…] recusar a confirmação de atos do Legislativo ou Executivo que entrem em conflito com os dispositivos constitucionais”.

[5] Governo Federal pode ter de jogar fora 6,8 milhões de testes perto da validade. Esses exames RT-PCR estão estocados num armazém do governo federal em Garulhos e, até hoje, não foram distribuídos para a rede pública. In: VARGAS, Mateus. Estadão. Disponível em:  https://www.cnnbrasil.com.br/saude/2020/11/22/governo-federal-pode-ter-de-jogar-fora-6-8-milhoes-de-testes-perto-da-validade   Acesso em 30.5.2021.

[6] Durante a crise sanitária, uma série de ações foi ajuizada na Corte para questionar Medidas Provisórias editadas pelo governo federal em resposta à pandemia. Entre as principais decisões tomadas nessas ações, está o reconhecimento de competência concorrente de estados, do Distrito Federal, dos municípios e da União no combate à Covid-19 (ADI 6343). Segundo o entendimento firmado, os Estados e os municípios não precisam de autorização da União para adotar medidas de restrição à locomoção durante pandemia. Outra medida importante foi o reconhecimento da legitimidade da redução da jornada de trabalho e salário em decorrência da crise (ADI 6363). Por ofensa aos princípios constitucionais da publicidade e da transparência nos órgãos públicos, a Corte suspendeu parte da Medida Provisória 928/2020 que limitava o acesso às informações prestadas por órgãos públicos durante a emergência de saúde pública decretada em razão da pandemia do novo coronavírus (ADIs 6351, 6347 e 6353). Em julgamento mais recente, o colegiado conferiu interpretação conforme a Constituição à Medida Provisória (MP) 966/2020, que trata da responsabilização dos agentes públicos durante a crise de saúde pública, no sentido de que os atos desses agentes durante a pandemia devem observar critérios técnicos e científicos de entidades médicas e sanitárias (ADI 6421).

[7] O chamado “orçamento de guerra” não é um orçamento paralelo, como sugere a denominação dada pela linguagem popular. Trata-se de um regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações aprovado pela Emenda Constitucional nº 106 de 7-6-2020, para combater a calamidade pública decorrente da pandemia.

[8] “As competências concorrentes podem ser classificadas em próprias e impróprias. Aquelas são assim designadas por indicação expressa do texto constitucional (art. 24), que preconiza o exercício simultâneo e limitado de competências por mais de uma das ordens federativas. Estas, diferentemente, não são expressamente previstas na Constituição, mas encontram-se implícitas na definição das competências comuns. Logo, é de se dizer que o centro normativo das competências concorrentes é o art. 24, da CF/88, que prevê em seu bojo diversas matérias cuja legislação compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal. Importante que se atente, aqui, para o fato de que o exercício dessas competências está sujeito ao regime jurídico previsto nos parágrafos do referido artigo, cuja redação é importante de ser citada: “§ 1º. No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais. § 2º. A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. § 3º. Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades. § 4º. A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.”.

[9] Está na presidência da Câmara dos Deputados há pouco tempo, o líder do Centrão, Deputado Arthur Lira já recebeu muitos novos pedidos de impeachment contra Bolsonaro. Aliás, houve expressivo ganho de ritmo em comparação com a gestão do ex-presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ) que tinha uma média de uma ação nova a cada onze dias, foram sessenta e seis no total. Em 2021, ocorreu maior desgaste do governo diante do auge da pandemia de Covid-19, além da maior crise militar desde 1977, resultando na troca da cúpula das Forças Armadas. E, o mais novo imbróglio do Gen. Pazuello e o Comando do Exército. Lira indicou que, com a pandemia, não há clima para abrir processo de impeachment contra Bolsonaro e o mesmo argumento usou para desencorajar a CPI na Câmara. O STF em abril de 2021 determinou ao Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco que instaurasse CPI para investigar a irresponsabilidade do governo federal na gestão da crise sanitária, o Ministro Luís Roberto Barroso estava seguindo os precedentes da Suprema Corte.

[10] Nos termos dos artigos 102, I, “L” e 105, I, “f”, ambos da Constituição Federal de 1988, a Reclamação Constitucional é instrumento processual que as partes têm à disposição para assegurar que as decisões judiciais não discrepem dos entendimentos já proferidos pelo Supremo Tribunal Federal, em recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou em recursos repetitivos; pelo Superior Tribunal de Justiça nesse último caso; e pelos Tribunais de segunda instância para salvaguarda de decisões colegiadas proferidas em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência, sendo sua disciplina infraconstitucional prevista nos artigos 988 a 993 do CPC/2015.

[11] Trata-se também de uma ação, que pode ser inserida, em sua modalidade mais famosa, no âmbito do controle concentrado, abstrato e principal de constitucionalidade. Em outras palavras, a Lei regulamentadora tentou detalhar uma ação muito parecida com a ação direta de inconstitucionalidade genérica (ADI Genérica, regrada pela Lei nº 9.868/99), embora voltada para um objeto mais específico (casos de descumprimento a preceito fundamental, expostos a seguir); DESCUMPRIMENTO: o uso da palavra “descumprimento” não foi por acaso. Segundo a doutrina, o termo serve para tutelar quaisquer casos de desrespeito aos preceitos fundamentais da Constituição, abrangendo atos normativos ou não normativos. Nesse sentido, acaba sendo mais abrangente que o termo “inconstitucionalidade”, usado na ação direta de inconstitucionalidade, e que corresponde ao desrespeito a Constituição praticado apenas por atos normativos (como dispõe o artigo 102, inciso I, alínea a do Texto Constitucional); PRECEITO FUNDAMENTAL: não se pode utilizar a ADPF para qualquer caso de desrespeito ao Texto da Constituição. Como citado acima, deve ocorrer o desrespeito de preceito fundamental, ou seja, do que houver de mais importante no Texto Constitucional, a ser demonstrado em cada caso concreto. Importante dizer que nem a Constituição nem a Lei nº 9.882/99 trouxeram um rol do que seriam os preceitos fundamentais, o que dependerá da demonstração do autor de cada ação no caso concreto, assim como do entendimento do STF a respeito; a ADPF pode ser compreendida, na sua modalidade mais conhecida, como uma ação do controle concentrado, destinada a combater o desrespeito aos conteúdos mais importantes da Constituição, praticados por atos normativos ou não normativos, quando não houver outro meio eficaz. Seria, portanto, uma espécie de “ADI residual”, usada quando outros instrumentos similares não puderem resolver o problema. Para finalizar, pode-se citar um exemplo: o uso da ADPF para combater uma lei municipal que seja contrária à Constituição Federal. Como se trata de um caso que não permite o uso da ADI (conferir artigo 102, inciso I, alínea a da Constituição), torna-se cabível a ADPF, assegurando a integridade da Constituição.

[12] Classe processual (ACO) que identifica as causas originárias do Supremo Tribunal Federal sobre os conflitos entre Estados estrangeiros ou organismos internacionais e a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Território, bem como as causas sobre conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta.

[13] O Ministro Ricardo Lewandowski determinou, em 13 de dezembro de 2020, que o Ministério da Saúde informasse, em até 48 horas, a previsão de início e de término da vacinação contra a covid-19 no Brasil. O governo respondeu. E já havia apresentado um plano ao STF no dia anterior, o que fez com que o presidente do tribunal, ministro Luiz Fux, retirasse de pauta uma ação que pedia justamente que a União apresentasse um cronograma. Lewandowski pediu mais tempo para analisar o texto. O debate sobre o caso no plenário só poderá ser realizado em 2021.

[14] Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão – ADO é a ação pertinente para tornar efetiva norma constitucional em razão de omissão de qualquer dos Poderes ou de órgão administrativo. Como a Constituição Federal possui grande amplitude de temas, algumas normas constitucionais necessitam de leis que a regulamentem. A ausência de lei regulamentadora faz com que o dispositivo presente na Constituição fique sem produzir efeitos. Desta forma, a ADO tem o objetivo de provocar o Judiciário para que seja reconhecida a demora na produção da norma regulamentadora. Caso a demora seja de algum dos Poderes, este será cientificado de que a norma precisa ser elaborada. Se for atribuída a um órgão administrativo, o Supremo Tribunal Federal determinará a elaboração da norma em até 30 dias.

[15] A MP 927 previu que acordo individual entre o empregado e o empregador deve se sobrepor a leis e acordos coletivos, respeitados os limites estabelecidos na Constituição. As regras são válidas durante o estado de calamidade pública em razão da covid-19, que vai até dezembro de 2020. A MP 927/2020 previu o uso de banco e horas, do teletrabalho ou home office, a antecipação de feriados e férias individuais ou coletivas, entre outras medidas.

[16] Entende-se por responsabilidade fiscal a execução por parte da administração governamental de políticas fiscais que busquem cumprir a meta de manter o equilíbrio nas contas públicas, reduzir o déficit primário ou aumentar o superávit primário, em conformidade com o que estabelece, no Brasil, a Lei Complementar 101 de 4 de Maio de 2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal, definindo seus gastos não de acordo com objetivos meramente políticos, mas sim de acordo com as disponibilidades orçamentárias provenientes da arrecadação de impostos e outras fontes de receita do governo, ou seja, respeitando o teto de gastos.

[17] A Chacina do Jacarezinho (RJ) desafiou STF e traz à tona as perguntas de sempre. Disponível em:  https://brasil.elpais.com/brasil/2021-05-06/chacina-do-jacarezinho-desafia-decisao-do-stf-e-deixa-perguntas-conhecidas.html Acesso em 30.5.2021.

[18] Vide in: ARAÚJO JUNIOR, Julio José. ADPF-709: a voz indígena contra o genocídio. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/adpf-709-a-voz-indigena-contra-o-genocidio-08072020

Por meio da ADPF 709, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) associou-se à Clínica de Direitos Fundamentais da UERJ e a seis partidos para combater a omissão do governo federal no combate à pandemia e cobrar providências quanto ao risco de genocídio de diversas etnias. A utilização direta do controle concentrado de constitucionalidade representa um marco na defesa de direitos indígenas e impõe ao sistema de justiça a necessidade de atenção e providências ante um cenário extremamente grave de omissão do Estado brasileiro na elaboração e concretização de políticas em favor desse grupo minoritário.

[19] As legislações recentes que tratam de temas relacionados ao mundo digital – a Lei do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) e a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018) – tiveram inúmeros debates públicos ao longo dos anos de suas respectivas tramitações, com ampla participação da sociedade civil e especialistas, o que contribuiu fundamentalmente para o amadurecimento do tema e do texto de modo geral, trazendo a segurança jurídica esperada para um tema tão sensível. Um aspecto técnico que o texto aprovado falha em pacificar, e talvez seja essa a grande lacuna no que diz respeito a este projeto de Lei sobre Fake News, diz respeito à ausência de sanções para quem dissemina notícias falsas propositadamente na internet.

[20] Em maio de 2020, foi apresentado no Senado Federal o PL 2.630/2020. Também denominado como Lei das Fake News, o projeto de lei foi proposto pelo Senador Alessandro Vieira (CIDADANIA – SE) e definido como a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Através de uma sessão virtual, o texto final do PL foi aprovado com 44 votos favoráveis e 32 votos contrários, seguindo para tramitar na Câmara dos Deputados. Entre as inovações previstas pela matéria, os serviços de mensageria privada deverão possibilitar aos usuários que aceitem ou rejeitem a sua inclusão em grupos de mensagens e listas de transmissões, além de que deverão desabilitar, por padrão, a inclusão de usuários no encaminhamento de mensagens para múltiplos destinatários (art. 9º, III, IV). Porém, permanecem exigidos o limite de encaminhamentos de uma mesma mensagem a usuários ou grupos (no WhatsApp, esse limite é de cinco encaminhamentos), bem como o número máximo de 256 membros por grupo de mensagens.

[21] O médico e escritor Drauzio Varella admitiu ter subestimado a gravidade da pandemia do coronavírus em âmbito mundial. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, divulgou em sua conta no Twitter um vídeo que mostra o doutor Drauzio Varella fazendo recomendações de saúde por conta da transmissão do SARS-CoV-2, o novo coronavírus, que causa a Covid-19. Na gravação, o médico afirma que vai continuar andando na rua mesmo com a disseminação do vírus e fala ainda que nada justifica uma mudança nos hábitos da população. Contudo, o vídeo publicado pelo ministro é antigo e foi divulgado pelo médico em suas redes sociais no dia 30 de janeiro, quando não havia nenhum caso do novo coronavírus no Brasil.

[22] O ano de 2018 foi marcado por um processo eleitoral intenso e polarizado. Alguns eventos nesse período acirraram ainda mais os ânimos da sociedade, tais como: prisão do ex-presidente Lula pela Operação Lava Jato, que figurava como primeiro colocado nas pesquisas de intenção de voto; agressão sofrida pelo então candidato Jair Bolsonaro em um comício na cidade de Juiz de Fora, que resultou em uma internação hospitalar e afastamento de sua participação nos debates; greve dos caminhoneiros em maio daquele ano por conta dos aumentos no preço do diesel, que teve consequências diretas no abastecimento de recursos básicos, como gasolina.

[23] Bolsonaro, na primeira vez, em uma coletiva de imprensa, no dia 20 de março de 2020 afirmou: “Depois da facada, não vai ser uma gripezinha que vai me derrubar, tá, ok?”. Já em pronunciamento nacional em rádio e tv, in verbis: “”No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar, nada sentiria ou seria, quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho, como bem disse aquele conhecido médico, daquela conhecida televisão”. Ele se referia a uma fala do médico Drauzio Varella, que apoiadores do presidente resgataram de um vídeo de janeiro deste ano. Mais tarde, o médico gravou novo depoimento em que reconhecia que havia subestimado o novo coronavírus.

[24] Sob relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), uma ação apresentada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) para suspender todos os processos e todas as medidas de remoção, desocupação, reintegrações de posse ou despejos enquanto durar a pandemia da Covid-19. No pedido, feito na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 828), o partido sustenta a necessidade de evitar que o poder público descumpra garantias básicas, como o direito social à saúde, à moradia e à dignidade da pessoa humana. Nos casos de área de risco em que a intervenção do poder público seja inadiável, como as regiões suscetíveis a deslizamentos de grande impacto, inundações ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos, o partido pede que sejam cumpridos os estritos limites da Lei Federal 12.340/2010 e observados os necessários cuidados inerentes à situação de contágio da Covid-19, com garantia de medidas alternativas de moradia. O ministro Barroso solicitou informações aos estados da Federação, ao advogado-geral da União e ao procurador-geral da República, no prazo comum de cinco dias.

[25] A ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) é uma ação de controle concentrado de constitucionalidade trazida pela Constituição Federal de 1988. A ação tem como finalidade o combate a atos desrespeitosos aos chamados preceitos fundamentais da Constituição.

[26] A interpretação conforme a Constituição é um método hermenêutico e de controle de constitucionalidade, que tem como fim garantir a compatibilidade da norma ao ordenamento constitucional, devendo ser utilizada, sempre para dar a lei o sentido adequado da Constituição Federal.

Este método de interpretação não se aplica à Constituição, mas à legislação infraconstitucional em conformidade com a Constituição. O intérprete da lei deve utilizar todos os métodos existentes. A partir daí, surgirão diversas interpretações do mesmo dispositivo legal. Destes alguns se inclinarão para a inconstitucionalidade e outros para a constitucionalidade. A interpretação conforme a Constituição é aquela em que o intérprete adota a interpretação mais favorável à Constituição Federal, considerando-se seus princípios e jurisprudência, sem, contudo, se afastar da finalidade da lei. Ensina o professor Pedro Lenza (2009) que esta forma ou princípio de interpretação possui algumas dimensões que deverão ser observadas, quais sejam: a prevalência da Constituição, que é a essência deste método, posto que enfatiza a supremacia da Lei Maior; a conservação da norma, visto que ao adotar a interpretação que vai ao encontro da Constituição propiciamos sua eficácia e evitamos que seja declarada inconstitucional e deixe de ser aplicada; a exclusão da interpretação contra legem , o que impossibilita que a lei seja interpretada contrariamente ao seu texto literal com o intuito de considerá-la constitucional; espaço de interpretação, que dita que este método só pode ser aplicado quando houver a possibilidade de opção, ou seja, deve existir mais de uma interpretação para então optar-se por aquela conforme a Constituição; rejeição ou não aplicação de normas inconstitucionais, em que sempre que o juiz analisar a lei utilizando todos os métodos existente e verificar que ela é contrária à Constituição deverá declarar a sua inconstitucionalidade; o intérprete não pode atuar como legislador positivo, ou seja, aquele que interpreta a lei não pode dar a ela uma aplicabilidade diversa daquela almejada pelo legislativo, pois, caso assim proceda considerar-se-á criação de uma norma regra pelo intérprete e a atuação deste com poderes inerentes ao legislador, o que proibido. In: LIMA, Caroline Silva. Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes. Em que consiste o método de interpretação conforme a Constituição? Disponível em:  https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/2235579/em-que-consiste-o-metodo-de-interpretacao-conforme-a-constituicao-caroline-silva-lima   Acesso em 30.5.2021.

[27] Recentemente, chama a atenção, uma decisão judicial do STF e o voto emblemático do seu relator (DJE 03.02.2020 que julgou no STF o RE 870.947, relator ministro Alexandre de Moraes). Dele resultou a ideia-força, segundo a qual factualidade económica ou social do tempo presente, derivada de crise nas contas de entes públicos, não constitui fundamento para reverter precedentes do Supremo Tribunal que reconheçam o dever desses entes em satisfazer créditos de particulares decorrentes de lesões aos seus direitos perpetrados pela Administração há muito tempo. É, por exemplo, o tema 826 de Repercussão Geral, em julgamento no STF que trata da “verificação da ocorrência de dano e consequente responsabilidade da União pela eventual fixação de preços do setor sucroalcooleiro em valores inferiores ao custo de produção”. Semelhante questão já foi objeto de exame repetido pelo STF, havendo jurisprudência assente no sentido de ser devida indenização à causa da fixação de preços em valores abaixo da realidade econômica. As questões com repercussão geral implicam que, em decisão judicial tirada em sede de controle concreto de constitucionalidade, se destaque um motivo determinante suscetível de generalização numa tese, cuja importância e transcendência defluam para além do caso concreto, operando como “DNA” de casos futuros em que se coloque idêntica questão. Tanto a repercussão geral como as súmulas vinculantes têm, assim, a virtude de agirem como um remédio contra o casuísmo, a “ideologia do caso concreto” e o ativismo judicial, favorecendo a “integridade e a coerência das decisões”.

[28] O Parecer: “O caso Ellwanger: antissemitismo como crime da prática do racismo” do ilustríssimo ex. Ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer. Ele demonstra, justificando as ideias através da construção doutrinária contemporânea, que os direitos que envolvem tais casos não são facilmente resolvidos quando em choque, por justamente serem direitos fundamentais. Como eles não têm preponderância um sobre o outro, a dificuldade de encontrar a solução para o caso estabelece-se aí. Mas a dificuldade de solução também é perceptível no momento da alegação da defesa de que os judeus não constituem uma raça, eximindo Ellwanger do crime imprescritível, e, nesse ponto, Celso Lafer demonstra, como o grupo demonstrará no presente trabalho, que o racismo engloba a discriminação, que fere a dignidade da pessoa humana.

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Gisele. A Jurisprudência brasileira na crise sanitária. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2021. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/a-jurisprudencia-brasileira-na-crise-sanitaria/ Acesso em: 28 mar. 2024