Direito Constitucional

Direito, gênero e cidade: por uma política pública de uso igual do espaço urbano

1. INTRODUÇÃO

Quase sempre a cidade não se mostra um lugar seguro e acolhedor, sobretudo para as mulheres. A experiência de ser mulher na cidade traz inquietações na medida em que ela não parece ter sido pensada para atender as suas necessidades e se é assim, as inquietações são acompanhadas do sentimento de estranhamento e não pertencimento.

As constantes violações de direitos como a violência imposta aos corpos femininos e as dificuldades de percorrer os espaços públicos, deixa claro que os direitos das mulheres não estão assegurados no espaço urbano. Estas questões foram fundamentais para começar a pensar a cidade sob a perspectiva feminina.

Somado a isso a limitação de espaços de participação e a presença no Brasil de práticas políticas, metodologias e pesquisas acadêmicas de referência, espaços de discussão como seminários, conferências e congressos, teses e livros sobre o tema, e consequentemente a baixa produção um conhecimento e de visibilidade que tenha o gênero como perspectiva analítica, acaba por secundarizar os debates sobre a condição da mulher nas cidades. Estes têm se tornando canais de comunicação para que as demandas femininas sejam abordadas e tenham espaço dentro das políticas públicas e do planejamento da cidade.

A Constituição de 88 assegurou garantias básicas de vida, quando cuidou de definir como direitos sociais a educação, a saúde, a segurança, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer e o transporte. Cabe ao poder público dar condições para que haja a efetiva promoção desses direitos no espaço de convivência e uso comum de todos: a cidade. Espaço público e cidade se misturam e se dividem.

Para a Socióloga Americana, Saskia Sassen, da Universidade de Colúmbia, “os espaços públicos continuam a ser uma característica das cidades”. Já, para o Arquiteto e Urbanista, Professor Luiz Guilherme Rivera de Castro, da FAUUSP, espaço público, no singular diz respeito à esfera pública dos processos políticos. No plural, o termo é o conjunto de equipamentos e infraestruturas coletivos para a vida comum, enquanto a cidade é o lugar da cidadania, “da expressão política das forças sociais, inclusive daqueles que pretendem a despolitização das relações humanas”.

Sobre isto, Arendt (1972, apud NARCISO, 2009, p. 268) ensina que o espaço público é um lugar de ação política e de expressão de modos de subjetivação não identitários, enquanto espaço público para Habermas (1984 apud NARCISO, 2009, p. 268) é o lugar da comunicação, de encontros multi-sociais e democráticos e do uso livre.

Desse modo, é necessário compreender a complexidade que envolve a cidade e o espaço público, pode-se dizer que são o lugar do acontecer e do fazer direitos numa perspectiva subjetiva de contextos social, econômico e também de desigualdade e pluralidade, onde as relações e interesses individuais e coletivos se constroem.

Diante disto é preciso pensar a questão urbana a partir da perspectiva de gênero para entender a cidade como um espaço plural e responder se as políticas públicas para mulheres promovem espaços urbanos mais igualitários.

Este trabalho propõe, através de uma abordagem quali-quantitativa e de caráter exploratório, descritivo, pesquisa bibliográfica e com o uso complementar de dados estatísticos, dar respostas a essa inquietação.

Para tanto, o primeiro capítulo traz os vários sentidos empregados para reivindicar o direito à cidade perdido nas cidades pautadas pela lógica capitalista de produção e apontar traços importantes da História do Direito Urbanístico Brasileiro.

O segundo capítulo apresenta a atividade urbanística realizada pela intervenção do Poder Público, nos limites legais e com a participação social no processo de gestão democrática das cidades, instituído a partir da Constituição, através do Estatuto da Cidade e do Plano Diretor.

O terceiro capítulo busca compreender a urbanização, entendida como o processo de crescimento da população urbana, gerado no bojo da Revolução Industrial e de como criou problemas de desordenamento urbano e o de surgimento de movimentos feministas e de novos modelos de planejamento para dar respostas às necessidades da cidade e às desigualdades sociais que penalizam sobretudo as mulheres.

Neste sentido, o quarto capítulo apresenta as Políticas Públicas para as Mulheres, cada vez mais necessárias para promover a igualdade de gênero, garantir os direitos das mulheres e apresentar soluções para os problemas urbanos, apontando as críticas a essas políticas.

2. RECONHECER O DIREITO À CIDADE

Antes de mais nada, para reconhecer o direito à cidade, faz-se necessário reconhecer o que é a própria cidade. Foi o que fez Henri Lefevre, no Livro Direito à Cidade, de 1968, antes de tentar definir o direito à cidade. Para o autor, definir o conceito é como andar numa estrada que vai se transformando.

Assim propôs inicialmente a cidade como uma “projeção da sociedade sobre um local”, destacando que aquilo que se projeta “não é apenas uma ordem distante, uma globalidade social, um modo de produção, código geral, é também um tempo, vários tempos, ritmos” (2008, p. 62).

Caminhando mais um pouco ele alerta: é preciso escutar “a cidade como uma música”. Sem dizer onde a estrada termina, Lefebvre aponta para a direção de que a cidade também pode ser considerada o “lugar dos confrontos e das relações (conflitantes) entre desejo e necessidade, satisfação e insatisfação, […] lugar do desejo” (2008, p. 63).

No curso dessa caminhada, David Harvey, citando o sociólogo americano Robert Park, faz novas releituras sobre o que pode ser a cidade:

A cidade é a tentativa mais bem-sucedida do homem de refazer o mundo em que vive mais de acordo com os desejos do seu coração. Mas, se a cidade é o mundo que o homem criou, é também o mundo onde ele está condenado a viver daqui por diante. Assim, indiretamente, e sem ter nenhuma noção clara da natureza da sua tarefa, ao fazer a cidade o homem refez a si mesmo. (PARK, 1963 apud HARVEY, 2008).

Como já ficou claro, a cidade, construída no tempo, vai ganhando várias dimensões. Por isso mesmo ao criticar as cidades capitalistas nascidas da revolução industrial, Karl Marx e Friedrich Engels, elaboraram a teoria de que a cidade é “a realidade da concentração da população, dos instrumentos da produção, do capital, dos prazeres, das necessidades […]” (p. 64).

Nas lições do geógrafo brasileiro Roberto Lobato Corrêa, a cidade é entendida como uma organização espacial de um complexo de usos, ou simplesmente “espaço urbano fragmentado e articulado, reflexo e condicionante social, um conjunto de símbolos e campos de lutas” (1989, p. 7).

Raquel Holnik, filósofa e urbanista, no pequeno livreto intitulado “O que é a cidade?”, percorre no tempo e no espaço para dizer entre tantas coisas que a cidade política é o poder da coletividade na luta pela apropriação dos espaços.

Talvez para reconhecer o direito à cidade, ela terá de ser ouvida. Talvez o direito à cidade seja esse grito. Escutemos.

2.1 O que é o direito à cidade?

O ponto de partida para dizer sobre o direito à cidade e todos os seus possíveis sentidos, está no livro Le Droit à la ville (O direito à cidade), do filósofo marxista e sociólogo francês Henri Lefebvre. Da sua crítica e angústia em relação às sociedades capitalistas e às transformações sociais e urbanas experimentadas em Paris nos anos de 1960, como resultado do processo de industrialização, Lefebvre escreve um verdadeiro manifesto em tom poético e político, no qual critica as influências do capitalismo no desenvolvimento do espaço urbano e reivindica a cidade como condição subjetiva de diferentes modos de viver, sobretudo da população marginalizada

O autor parte do pressuposto de que o capitalismo mercantiliza os espaços urbanos, projetando na cidade os seus valores, o consumo, a especulação e todo um modo de vida que reduz as práticas sociais às relações produtivas. Assim, as cidades, inseridas nessa lógica econômica, são um produto excludente do processo de industrialização. Lefebvre (2011, p. 11) explica que o processo de industrialização é indutor da problemática urbana e das questões referentes à cidade e ao desenvolvimento da realidade urbana, portanto, estas são “[…] efeitos induzidos e não causas ou razões indutoras […]”, mas deixa claro que a cidade preexiste à industrialização. Sendo assim, a cidade é, na verdade, a expressão do homem, a sua obra.

Se a industrialização serve de elemento para as reflexões sobre as transformações das cidades a partir de então, o capital, as relações comerciais e a centralização do poder que dele resultam, são as marcas dessa nova cidade cristalizada no valor do consumo (troca), consumo este que sustenta o capitalismo e impõe o sistema urbano.

A cidade enquanto obra viva, criação e expressão do homem serve ao seu uso, ao passo que a cidade enquanto fenômeno da industrialização serve à exploração das forças produtivas do homem. É importante perceber este movimento, pois ele norteia o significado de direito à cidade manifestado por Lefebvre e que serviu de base para todas as leituras que vieram após o lançamento de Le Droit à la ville.

                                    […] a cidade e a realidade urbana dependem do valor de uso. O valor de troca e a generalização da mercadoria pela industrialização tendem a destruir, ao subordiná-las a si, a cidade e a realidade urbana, refúgios do valor de uso, embriões de uma virtual predominância e de uma revalorização do uso (LEFEBVRE, 2011, p. 14).

Embora o contexto de criação tenha sido o ano de 1967, momento em que Paris experimentava um estado de bem-estar social, com forte crescimento econômico, Lefebvre denuncia as novas configurações urbanas como um lugar de manutenção das relações de poder e consequente exclusão de determinados agentes sociais.

Para isso, expõe as condições da classe operária francesa vivendo em subúrbios e favelas, à margem da cidade e do seu processo de construção (operários, que na visão de Lefebvre são verdadeiros trabalhadores urbanos). Neste sentido, a cidade é usurpada pela industrialização, perdendo seu sentido original e autêntico de criação.

Se de um lado está a classe dominante que mercantilizou a vida na cidade, do outro tem-se a miséria sentida pelo proletariado expulso da centralidade urbana, entendida nesse sentido poético e político como o lugar de criação, onde a obra foi substituída pelo produto.

Assim, a classe operária é convocada para retomar a sua força criadora na perspectiva de se instaurar uma reforma urbana revolucionária que lhe permita usufruir da vida urbana, ou seja, o direito “[…] à vida urbana, à centralidade renovada, aos locais de encontro e de trocas, aos ritmos de ida e empregos de tempo que permitem o uso pleno e inteiro desses momentos e locais.” (LEFEBVRE, 2008, p. 139).

Aqui o direito à cidade pode ser entendido como reivindicação dos modos de viver ligada a condições subjetivas inscritas num contexto histórico, social, econômico e político.

Esse sentimento de uma cidade desejada para contrapor às contradições econômicas, sociais e políticas projetadas na vida urbana foi delineado mais de 30 anos depois por David Harvey, geógrafo inglês de formação marxista, que se dedica à problemática urbana.

É importante demarcar as influências do pensamento econômico de Marx nos estudos de Harvey sobre a cidade, porque, apesar das críticas à teoria marxista tradicional, ele faz reflexões sobre o poder do neoliberalismo na organização e acesso à vida urbana.

Do ponto de vista de produção acadêmica, Harvey se destaca na releitura do direito à cidade invocado por Lefebvre trazendo contornos políticos e de lutas sociais ao conceito e incorporando nas discussões, temas envolvendo a pluralidade social, as necessidades coletivas frente às demandas individuais e os problemas de moradia.

Ele reafirma o sentido de direito à cidade enquanto uma queixa para dar respostas a “dor existencial” da vida na cidade e uma exigência por soluções para uma vida cotidiana mais “significativa e divertida”, no entanto, destaca que o direito à cidade é um “significante vazio. “Tudo depende de quem lhe vai conferir significado. Os financistas e empreiteiros podem reivindicá-lo, e tem todo direito de fazê-lo. Mas os sem teto e os san-papiers também o podem.” (HARVEY, 2014, p. 20).

É nessa tentativa de superar a cidade capitalista que se concentram os esforços de Harvey para repensar e explorar os limites de Lefevbre: a cidade como um subproduto do capitalismo, um excedente pensado para o consumo e para aqueles que podem consumir, convertendo os centros urbanos em grandes centros de consumo e especulação, retira a liberdade de sonhar e fazer a cidade que queremos.

Assim, o capitalismo vem determinando os processos de urbanização e de (des)organização da vida urbana e consequentemente, a urbanização aparece como um fenômeno de classe, pois, uma vez que a cidade, é qualificada segundo seu valor de troca, o seu uso é restrito, o seu espaço dividido e distribuído de acordo com o poder aquisitivo e o direito à cidade torna-se direito negligenciado.

É importante fazer um pequeno recorte histórico de alguns fatos trazidos especialmente no livro “Cidades Rebeldes” de Harvey, para entender essa dinâmica capitalista no ordenamento das cidades. Voltando a Paris de 1850, foi lançado um programa de investimento em infraestrutura e obras públicas para solucionar os problemas do excedente de capital.

A cidade se transformou num grande centro de consumo voltado sobretudo à moda e por outro lado, de uma crescente exclusão de trabalhadores. Em 1942, Paris viveu um novo movimento para estabilizar mais uma vez o capital excedente na região metropolitana com investimentos privados e especulativos do setor imobiliário e a consequente suburbanização das regiões periféricas da cidade.

Nos anos 60, os Estados experimentaram o crescimento da suburbanização em razão de os excedentes de capital terem sido empregados na corrida armamentista e na militarização, gerando mais tarde “[…] a chamada crise urbana da década de 1960, definida por revoltas de minorias prejudicadas (sobretudo os afro-americanos) que viviam nos guetos no centro das cidades […]” (HARVEY, 2014, p. 38).

O marco dessa época foi o movimento dos direitos civis dos negros nos EUA, entre as décadas de 1950 e 1960, que lutava pela garantia dos direitos civis e pelo fim a segregação racial inclusive nos espaços públicos – os negros eram impedidos de frequentar restaurantes e até escolas e sequer podiam andar durante a noite com tranquilidade – revelando não só o tipo de relações econômicas estabelecidas, mas sobretudo as relações sociais projetadas na vida urbana, revelando tensões e conflitos políticos e de classes.

Os grupos negligenciados nas cidades americanas acabaram influenciando movimentos em outros países da Europa, cujos desdobramentos deram origem a um fenômeno cultural intitulado contracultura: um novo jeito de viver e se comportar nas cidades para além da materialidade e do consumismo, com diversas pautas que iam desde questões ambientais até o direito ao voto e a liberdades sexual femininos e o direito de propriedade.

A verticalização das cidades, o grande estímulo aos financiamentos imobiliários, a construção de centros comerciais, a expansão do agronegócio sobre a vida rural, a industrialização, a urbanização desenfreada e os movimentos sociais ganhando mais força na luta por direitos e por qualidade de vida, serviram para uma grande crise nas instituições de crédito e na vida urbana nos principais países do mundo, a partir de 1968.

O capitalismo que era local, tornou-se global e por consequência, o processo urbano também se elevou a essa escala global, estimulado principalmente pelo mercado imobiliário. “Quase todas as cidades do mundo testemunharam a explosão imobiliária que favorece os ricos – quase todas deploravelmente parecidas – em um turbilhão de migrantes miseráveis.”. (HARVEY, 2014, p. 42).

Uma das principais consequências dessa crise urbana e econômica foi a defesa e o estímulo à propriedade privada frente à precarização e desigualdade no uso e na ocupação do espaço urbano. Este é o ponto de partida para uma nova demanda pelo direito à cidade. O bum imobiliário trouxe consigo a luta pelo espaço urbano configurada na luta por moradia. A luta por moradia se tornou uma das principais dimensões que ressignificaram o direito à cidade.

Nesse sentido, retirar o monopólio do capitalismo sobre a produção da vida urbana, revertendo-a em produção humana e coletiva capaz de abrigar a diversidade de demandas sociais na cidade, é falar em direito à cidade como expressão do próprio homem. Isso nos leva a pensar, de maneira mais ampla, no direito à cidade também como uma saída para uma vida urbana mais democrática, para uma cidade que seja convertida em lugar de promoção de direitos e direitos coletivos.

É dizer não a individualização e a mercantilização da vida urbana e a uma estética do ambiente espacial que ergue muros, condomínios fechados e vigilância, excluindo espaços e separando corpos.

                                   Não há como negar a cidade como exteriorização do elemento humano e eterna criação e recriação do homem acerca do seu próprio papel na sociedade. Melhor dizendo, a cidade é o desejo materializado do homem enquanto parte de uma sociedade que também deseja se materializar no ambiente. (BATTAUS; OLIVEIRA, 2016, p. 93).

A padronização (excludente) da vida urbana em detrimento aos sentimentos de pertencimento e identidade coletiva está expressa nos chamados processos de gentrificação.

A abertura para os investimentos privados em habitação – o mercado privado – na procura por novos espaços urbanos que atendessem os excedentes do capital, constituídos pelo aumento das relações de consumo (demanda) e relações de produção (oferta), invadiu bairros desvalorizados e sem infraestrutura, ocupados majoritariamente pela classe trabalhadora excluída das relações de demanda e oferta dos grandes centros urbanos, expulsando gradativamente esta população para dar lugar a especulação imobiliária a fim de atrair um público com potencial de consumo. Esse processo de gentrificação (do inglês gentry, expressão usada para identificar pessoas ricas) ocorreu em grande escala a partir dos anos 60, em bairros de cidades como Londres, Nova York, Berlim, Barcelona, Madrid, Buenos Aires, Rio de Janeiro e São Paulo.

                                   Pois é: da Carta de Atenas à corretagem intelectual de planos de gentrificação, cujo caráter de classe o original inglês (gentry) deixa tão vexatoriamente a descoberto. Daí a sombra de má consciência que costuma acompanhar o emprego envergonhado da palavra, por isso mesmo escamoteada pelo recurso constante ao eufemismo: revitalização, reabilitação, revalorização, reciclagem, promoção, requalificação, até mesmo renascença, e por aí afora, mal encobrindo, pelo contrário, o sentido original de invasão e reconquista, inerente ao retorno das camadas afluentes ao coração das cidades. Como estou dando a entender que o planejamento dito estratégico pode não ser mais do que um outro eufemismo para gentrification, sem no entanto afirmar que sejam exatamente a mesma coisa – quem sabe a sua apoteose: uma cidade estrategicamente planificada de A a Z nada mais seria, enfim, do que uma cidade inteiramente gentrificada -, preciso abrir um parêntese a respeito deste tópico, que se tornou um dos pontos de honra da diluição culturalista da espoliação urbana, pois afinal o que importa nisto tudo é sempre determinar quem sai e quem entra […]. (ARANTES, p. 31)

Nessa dimensão de “planejamento urbano” podemos falar de “subordinação de um espaço público ao controle privado”, “neoplanejamento urbano” e “marketing urbano”, conceitos apresentados na coletânea de textos do livro A cidade do pensamento único (ARANTES, 2000; VAINER, 2000; MARICATO, 2000) e ainda, de acordo com Harvey, “empresariamento urbano” (1996, p. 50).

Enquanto substituição social, a gentrificação, impõe uma ideologia que tem orientado as políticas públicas das cidades. Marcadamente excludente, ela desloca cada vez mais os moradores de baixa renda para áreas periféricas, carentes de investimentos e equipamentos públicos, retiradas do convívio e da vida cultural dos centros urbanos. A substituição não é apenas social: basta ver que a revitalização de áreas urbanas atende também à criação de espaços exclusivamente pensados para a circulação de mercadorias e automóveis.

As intervenções na arquitetura das cidades repercutem diretamente na estética que retira o lugar de circulação das pessoas, cada vez mais reduzido e limitado muitas vezes a praças e poucas áreas verdes. A conclusão a que se chega é que a cidade lesa direitos muito mais do que os garante. “O mercado é entendido como o lugar onde você exercita o seu direito e a sua capacidade de escolha. A periferia não formou mercados e portanto, não formou o lugar da autonomia.” (OLIVEIRA, 2000, p. 5 apud MARICATO, 2000, p. 121).

Quanto menos acesso as pessoas têm às cidades, seja do ponto de vista da mobilidade, das relações de trabalho, da vida cultural, da participação nos diálogos sobre a feitura da cidade, das decisões políticas, da ocupação do território urbano através da moradia, quanto mais se dividem os espaços de convivência e quanto mais as periferias se tornam o lugar dos excluídos, mais urgente é a luta e a concretização pelo direito à cidade.

Considerando que as cidades precisam oferecer condições mínimas de existência, de potencial de vida digna e condições aceitáveis para uma vida satisfatória, o direito à cidade se converte em exercício de cidadania.

2.1.1 A Carta Mundial do Direito à cidade

Embora não haja definição narrativa sobre o direito à cidade, existem alguns marcos importantes de caráter político e global que reconheceram o protagonismo da cidade como elemento estratégico para o desenvolvimento econômico, ambiental, político e cultural.

Entre os mais relevantes para os debate sobre direito à cidade estão a Conferência Habitat I (Vancouver, 1976) e Habitat II (Istambul, 1996), a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (a Rio 92), o Primeiro Fórum das Américas, realizado em Quito (2004), o Fórum Mundial Urbano, em Barcelona (2004), o V Fórum Social Mundial, em Porto Alegre (2005) e o Fórum Social Mundial Policêntrico realizado em 2006 em três cidades diferentes (Bamako – Mali, Caracas – Venezuela e Karachi – Paquistão), a partir do qual foi produzida a Carta Mundial do Direito à Cidade, publicada em 12 de junho de 2016.

A Carta Mundial pelo direito à Cidade é um grande manifesto mundial de reconhecimento da cidade enquanto lugar e expressão de direitos. O Direito à Cidade ganha status de direito humano ao ser defendido internacionalmente.

                                       ARTIGO I. DIREITO À CIDADE

                                     O Direito a Cidade é definido como o usufruto eqüitativo das cidades dentro dos princípios de sustentabilidade, democracia, equidade e justiça social. É um direito coletivo dos habitantes das cidades, em especial dos grupos vulneráveis e desfavorecidos, que lhes confere legitimidade de ação e organização, baseado em seus usos e costumes, com o objetivo de alcançar o pleno exercício do direito à livre autodeterminação e a um padrão de vida adequado. O Direito à Cidade é interdependente a todos os direitos humanos internacionalmente reconhecidos, concebidos integralmente, e inclui, portanto, todos os direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais que já estão regulamentados nos tratados internacionais de direitos humanos. (CARTA MUNDIAL PELO DIREITO À CIDADE, 2016)

Com a previsão de que até 2010 a taxa de urbanização no mundo chegará a 65% e com cidades cada vez mais empobrecidas e desiguais, a Carta Mundial pelo Direito à Cidade oferece estratégias de desenvolvimento e vida nas cidades para plena e efetiva realização dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais. Ela reafirma todos os princípios e valores já definidos em legislações de todo mundo e convoca redes e Organizações Sociais, Governos, Parlamentares e ONGs internacionais a empreender esforços na garantia, respeito e promoção do Direito à Cidade.

2.2 Histórico do Direito Urbanístico no Brasil

Para falar de Direito Urbano, antes de tudo é preciso delinear alguns contornos importantes sobre a função social da propriedade no plano jurídico. O jurista francês, Léon Duguit, que influenciou juristas latinos no século XX, foi quem introduziu a noção de função social ao conceito de propriedade privada, superando o valor absoluto atribuído a esse direito, diga-se, sem a intervenção do Estado.

                                     A propriedade deixou de ser o direito subjetivo do indivíduo e tende a se tomar a função social do detentor da riqueza mobiliária e imobiliária; a propriedade implica para todo detentor de uma riqueza a obrigação de empregá-la para o crescimento da riqueza social e para a interdependência social. Só o proprietário pode executar uma certa tarefa social. Só ele pode aumentar a riqueza geral utilizando a sua própria; a propriedade não é, de modo algum, um direito intangível e sagrado, mas um direito em contínua mudança que se deve modelar sobre as necessidades sociais às quais deve responder. (DUGUIT apud GOMES, 2012, p. 121).

Antes, em 1850 Augusto Comte, já lançava as bases teóricas para o exercício da função social da propriedade privada:

Em todo estado normal da Humanidade, todo cidadão, qualquer que seja, constitui realmente um funcionário público, cujas atribuições, mais ou menos definidas, determinam ao mesmo tempo obrigações e pretensões. Este princípio universal deve, certamente, estender-se até a propriedade, na qual o Positivismovê, sobretudo, uma indispensável função social destinada a formar e administrar os capitais com os quais cada geração prepara os trabalhos da seguinte. Sabiamente concebida esta apreciação normal enobrece a sua possessão sem restringir a sua justa liberdade e até fazendo-a mais respeitável. (COMTE,1850 apud VIEGAS, 2015).

As limitações ao exercício do direito de propriedade pelo interesse social, no campo jurídico brasileiro, se deram já na Constituição de 1934, artigo 113: é garantido o direito de propriedade que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar. Na Constituição de 1946 (art. 147), o uso da propriedade estava condicionado ao bem-estar social ao passo que o artigo 157, inciso III, da Constituição de 1967, determinava a função social da propriedade como princípio para realização da justiça social.

O STF confirmou a qualidade social da propriedade como princípio, em acordão ainda de 1942 (STF, Pleno, 17-6-142, Rel. Min. Castro Nunes, RT, v. 147, p. 785): “a antiga noção de propriedade privada que não vedava ao proprietário senão o uso contrário a leis e regulamentos, completou-se com o da sua utilização posta ao serviço do interesse social; a propriedade não é legítima senão quando se traduz por uma realização vantajosa para a sociedade.”

À luz dos sentidos e porque não dizer, dos sentimentos trazidos por Lefebvre (2008), sobre revolução urbana enquanto retomada coletiva das cidades e considerando os planos jurídico, teórico e prático como possibilidades nas quais se deram e ainda se dão as discussões sobre a produção da cidades, é importante destacar alguns movimentos que contribuíram para introduzir o direito à cidade nas pautas jurídicas brasileiras.

Um deles foi o Seminário de Habitação e Reforma Urbana, em julho de 1963, realizado pelos arquitetos do Instituto de Arquitetos do Brasil, cujas pautas foram a regulamentação profissional e o debate de temas ligados aos problemas urbanos, como favelização, inchaço populacional, desigualdade social, poluição e deficiência no transporte coletivo, herdados da década de 1950, quando as cidades brasileiras viveram um intenso processo de urbanização graças à expansão da industrialização e da entrada de capital estrangeiro.

A proposta de reforma urbana iniciada no Seminário do IAB foi levada ao Congresso no mesmo ano, no entanto, o Golpe Militar instituído em 64, pôs fim às tentativas de reforma urbana naquele período.

Outro movimento de grande repercussão social e jurídica foi o Movimento Nacional pela Reforma Urbana, formado por representantes dos mais diversos grupos sociais, reunindo todas as reivindicações de direitos que incorporaram a retomada do projeto coletivo de reforma urbana.

A partir da década de 70, paulatinamente a pressão social por maior participação nas decisões políticas da cidade impulsionou o processo de redemocratização. Com o apoio Igreja Católica, através da iniciativa de setores como as Comunidades Eclesiásticas de Base e a Comissão Pastoral da Terra, a sociedade civil, entidades de classe, sindicatos, organizações não-governamentais, movimentos sociais de luta por moradia entre eles Federação das Associações dos Moradores do Rio, Articulação Nacional do solo Urbano, Movimento dos Favelados, Federação Nacional do Arquitetos, Federação Nacional dos Engenheiros, Federação de Órgão para a Assistência Social e Educacional e inúmeras entidades estaduais e locais unificaram as forças na defesa por cidades menos desiguais e por políticas públicas capazes de refletir os anseios, garantir e amparar direitos básicos para melhorar a vida nas cidades brasileiras.

Da articulação dessas organizações nascia o Fórum Nacional da Reforma Urbana, de caráter permanente e com representantes de todas as regiões do Brasil, criado em 1987 para fazer frente ao Congresso com a proposta de reforma urbana.

O Movimento Nacional pela Reforma Urbana contribuiu então para a formação da Constituinte de 88, com a elaboração de uma Emenda Popular que estabelecia a regulação pública do exercício do direito de propriedade, assegurando o interesse social do solo urbano.

Dessa Emenda resultaram os dois artigos que compõe o Capítulo da Constituição de 1988 reservado à Política Urbana. Pela primeira vez pontos importantes da reforma urbana estavam constituídos à nível jurídico.

Mesmo antes da Constituição, ao longo dos anos 60 e 70, em razão dessa pressão de grupos progressistas e para dar respostas aos problemas de habitação irregular e crescimento das favelas, foi elaborada pelo governo militar, a Lei 6766/79 – Lei de Uso e Parcelamento do Solo Urbano (conhecida como Lei Lehmann), que introduziu no ordenamento jurídico da época, normas gerais para os loteamentos urbanos, estabelecendo critérios urbanísticos a serem observados pelos loteamentos (como equipamentos urbanos e comunitários), além de aspectos técnicos e administrativos como a exigência de registros, certidões fiscais e títulos de propriedade.

Posteriormente a Lei de parcelamento do solo foi atualizada e reeditada para atender às normas estabelecidas pela Política Urbana implementada em 1988. Antes, os condomínios, as edificações e incorporações imobiliárias foram regidos pela Lei 4.591/64 – Lei de Condomínios.

Ainda como medida de contenção e controle dos movimentos sociais, o governo militar editou o Estatuto da Terra – Lei 4.504/64 – que, embora legalmente tenha disciplinado o uso do solo rural e as relações de propriedade do campo, serviu muito mais para engessar a política agrária brasileira do que propriamente para realizar a reforma agrária e a justa demarcação e distribuição de terras desejadas pelos movimentos sociais do campo, apoiados pelos movimentos urbanos.

Ainda assim, é necessário registrar que o Estatuto da Terra definiu o conceito de imóvel rural e instituiu a função social da propriedade rural. Na década de 66, foi criada a Lei 4.947/66 que fixou normas de Direito Agrário, dispondo sobre o Sistema de Organização e Funcionamento do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária – IBRA, mais tarde substituído peloInstituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA – autarquia federal da Administração Pública, criado pelo decreto nº 1.110/70.

A Constituição de 88, trouxe vários dispositivos que fortaleceram e concretizam a função social da propriedade como elemento aglutinador de interesses coletivos. O seu art. 5º, inciso XXII, elevou a função social da propriedade à condição e valor indissociável que deve ser cumprido pela propriedade privada, enquanto direito fundamental. No art. 170, a função social da propriedade aparece como princípio sobre o qual se assenta a ordem econômica, indispensável para promoção da justiça social (inciso III).

Interessa aqui apontar que a defesa do meio ambiente também aparece como princípio genérico à ordem econômica e à justiça social (art. 170, inciso V) que ganhou artigo próprio com status de direito constitucional fundamental descrito no art. 225, da Constituição Federal como “bem de uso comum do povo essencial à qualidade de vida – direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.” Essa definição é importante para indicar um outro aspecto dado à propriedade privada: o direito à propriedade ressignificado para atender não apenas a função social como a proteção ao meio ambiente. Ambas de interesse social – função social e ambiental.

Mas como esse valor princípio – o da função social da propriedade – torna-se realizável? Disto tratou o artigo 182 da Constituição Federal, como dispositivo jurídico que traz em seu bojo os instrumentos para estimular práticas e medidas a serem adotadas na cidade, a fim de garantir efetividade à função social da propriedade na vida urbana (propriedade urbana). Ao estabelecer a política urbana, a Constituição enquadrou juridicamente a propriedade para o “pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade” garantindo o bem-estar de seus habitantes.

Assim, tem-se hierarquicamente o Estado, através da União, exercendo o controle do urbano através da competência exclusiva para fixar a Política de Desenvolvimento Urbano e, portanto, normais gerais a serem observadas pelos Estados e Municípios, na elaboração das leis sobre o ordenamento das cidades, lhes outorgando a competência suplementar, conforme disciplina dos art. 24 da Constituição Federal:

                        Art. 24. Compete à união, aos Estados e ao distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

                         I – Direito tributário, financeiro, penitenciário e urbanístico;

“Foi a partir da Constituinte de 1988, então, que os municípios se constituíram em unidades da Federação Brasileira com maior capacidade política e financeira para atuar no campo das políticas públicas.” (SAULE e UZZO, 2009, p. 3). O processo de municipalização da política urbana, concebido através da transferência de poderes para a execução mais eficaz de políticas públicas a nível local, conferiu maior atuação dos municípios junto às demandas sociais na elaboração de políticas de planejamento urbano. Segundo os ensinamentos de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

                                     As atribuições administrativas são outorgadas aos vários órgãos que compõem a hierarquia, criando-se uma relação de coordenação e subordinação entre uns e outros. Isso é feito para descongestionar, desconcentrar, tirar do centro um volume grande de atribuições, para permitir seu mais adequado e racional desempenho. (DI PIETRO, 2010, p. 410)

Para promover o interesse local, os Municípios exercem sua competência através da elaboração do Plano Diretor, aprovado pela Câmara Municipal obrigatoriamente em cidades com mais de 20.000 habitantes, definido como o instrumento básico de planejamento, desenvolvimento e expansão urbana (art. 182, § 1º), respeitando as diretrizes gerais fixadas em lei federal, a saber o Estatuto da Cidade – Lei 10.257/2001.

A Constituição também reservou à matéria urbanística, especialmente ao planejamento urbano municipal, o art. 30, VIII, reconhecendo a competência dos Municípios para “promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo.”

O artigo 182 prevê ainda que a propriedade urbana se submeta às exigências do ordenamento urbano através da desapropriação. O Direito Urbanístico se valeu de tal instituto de Direito Público, que se constitui em procedimento administrativo, utilizado para reaver ou garantir o interesse público na efetivação da função social da propriedade, conforme nos ensina o jurista José Afonso da Silva (2010).

Por utilidade ou necessidade pública ou por interesse social, nos termos dos arts. 5% XXIV, e 182, § 3º, os imóveis urbanos serão desapropriados mediante prévia e justa indenização em dinheiro. A desapropriação também pode ser realizada pelo poder público municipal como sanção imposta àqueles proprietários do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado que não promova seu adequado aproveitamento – função social, com pagamento de títulos da dívida pública emitidos pelo Senado, com resgate de até dez anos, assegurada indenização e juros legais (art. 182, § 4º, III). Além da desapropriação, é facultado ao poder público municipal restabelecer a função social da propriedade urbana através do parcelamento ou edificação compulsórios e com a cobrança do imposto sobre propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo (art. 182, § 4º, I e II).

Outros fundamentos constitucionais do direito urbanístico brasileiro estão nos arts. 23, III, IV, VI e VII; 24, VII e VIII; e 225 – sobre preservação ambiental e sobre planos urbanísticos – arts. 21, IX e 30, VIII. Embora a Constituição de 88 tenha se valido de todos esses dispositivos normativos sobre a matéria urbanística, 13 anos se passaram até que a lei federal prevista no art. 182 fosse aprovada para finalmente estabelecer as regras gerais da gestão da política urbana no Brasil.

Não sem críticas, a Política Urbana foi inaugurada. Uma das principais lideranças do MNRU, a Arquiteta e Urbanista Hermínia Maricato reforçou:

                                           É inegável, neste sentido, o avanço do chamado arcabouço jurídico trazido pela Constituição de 1998. No entanto, muitos exemplos confirmam que diversos estudiosos da sociedade brasileira apontam como distância tradicional entre o arcabouço jurídico e a realidade social. (MARICATO, 2000, p. 152 apud SALUDE, 2004, p. 67).

Se o Fórum Nacional da Reforma Urbana (FNRU), em 1987, representou o ponto de convergência das tensões sociais em torno da retomada das cidades e das reivindicações pelo direito à cidade – democrática e participativa, o I Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico, realizado em 2000, com o apoio do FNRU, foi o marco social e jurídico importante para pressionar o Congresso a aprovar o Estatuto da Cidade no ano seguinte.

Marco jurídico porque contou com uma rede de juristas, chamados para atuar diretamente nas discussões do campo jurídico-urbanista de influência multidisciplinar, já que o I Congresso de Direito Urbanístico dialogou com as diversas frentes sociais de profissionais e entidades civis ligadas à reforma urbana e fundiária em atividade nos anos 90.

Após o II Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico, em 2002, criado para avaliar o recém aprovado Estatuto da Cidade, nasceu o Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico – o IBDU – uma associação civil nacional formada por juristas, urbanistas, pesquisadores e estudantes que atuam monitorando a legislação urbanística, sua aplicação, seus efeitos e na defesa do direito à moradia.

Já se sabe que as normas urbanísticas servem ao bem-estar da coletividade visando o interesse público. Por esse motivo são reconhecidas como de natureza pública, que regulam a propriedade urbana, entendida como a zona detentora de bens imóveis ou não que carregam os valores capazes de promover o bem-estar social, ou seja, as funções sociais da cidade a saber: direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer (art. 2º, I, do Estatuto da Cidade).

Sobre isto, José Afonso da Silva (2010, p. 60) explica:

                                 Sob o ponto de vista dogmático, as normas urbanísticas, por serem de direito público, são compulsórias, cogentes. E são de direito público, como já vimos, precisamente porque regulam (regram, normatizam, impõem modo de agir) uma função pública — que é a atividade urbanística do Poder Público conformando, por outro lado, a conduta e as propriedades dos particulares a seus ditames.

Nesse sentido, o Direito Urbanístico consiste, ainda nas lições de José Afonso da Silva, “no conjunto de normas que têm por objeto organizar os espaços habitáveis, de modo a propiciar melhores condições de vida ao homem na comunidade” (2010, p. 37). Para Hely Lopes Meirelles, ele é “um ramo do Direito Público destinado ao estudo e formulação dos princípios e normas que devem reger os espaços habitáveis, no seu conjunto cidade-campo” (1997, p. 371).

Enquanto ciência e disciplina, não há segurança entre os juristas sobre a autonomia do Direito Urbanístico, dada a sua interdisciplinaridade com outros ramos do Direito, com os quais se relaciona fazendo uso, em suas normas, de institutos (instrumentos e princípios) do Direito Administrativo, como a desapropriação e o poder de polícia, do Direito Civil, como o direito de vizinhança, aproximando-se do Direito Tributário através da tributação e do Direito Econômico pela intervenção na propriedade privada.

Não se pode falar também em uma autonomia do Direito Urbanístico Brasileiro (além da ausência de princípios dogmáticos próprios) em razão da sua recente organização jurídica – precipuamente a partir da Constituição de 88 e por não ser matéria obrigatória na imensa maioria dos cursos de Direito no Brasil, figurando, quase sempre como disciplina optativa.

Por tais motivos, o direito à cidade é um tema sobre o qual o Direito não se debruça com a mesma força e importância que esse novo direito tem exigido, embora a Constituição tenha assentado a cidade como bem jurídico.

Se há poucos estudos e atuação jurídica, por outro lado, é crescente o conjunto de saberes produzidos sobre a temática, em diversas frentes de pesquisa acadêmica de diferentes áreas e contribuições de organizações não governamentais e civis.

Para além dos aspectos objetivos “[…] de alcançar não só as quatro funções do homem (habitação, trabalho, recreação e circulação) mas também sua melhor qualidade de vida […]” (TOSHIO MUKAI, 2006, p. 31), o Direito Urbanístico, dentro da sua multidisciplinaridade, precisa apontar cada vez mais na direção da garantia e do respeito de novas perspectivas coletivas de subjetividade.

Aqui, a cidade sonhada e desejada que Henri Lefevbre evocou, é ilustrada na poesia de Italo Calvino e suas Cidades Invisíveis:

                                  As cidades, como sonhos, são construídas por desejos e medos, ainda que o fio condutor de seu discurso seja secreto, que as suas regras sejam absurdas, as suas perspectivas enganosas, e que todas as coisas escondam uma outra coisa. (CALVINO, 1991, p. 44)

3. INSTRUMENTOS JURÍDICOS DE PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA GESTÃO DEMOCRÁTICA DA CIDADE.

A Constituição de 88, conhecida como Constituição Cidadã, foi fruto de intensas e incansáveis mobilizações sociais pelo direito de participação na vida pública para a construção de cidades mais justas e democráticas depois do longo período da Ditadura Militar. Logo no seu art. 1º traz o valor máximo do Estado Democrático Brasileiro: “[…] todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”.

Ou seja, além de poder eleger seus representantes, o povo dispôs de uma série de instrumentos de controle das decisões políticas e da atividade estatal para condicioná-las ao interesse coletivo.

A democracia participativa está insculpida em todo o texto da Constituição. Assim, cabe destacar que o art. 14, além do voto – garantia de representação social no poder executivo e no parlamento – determina que a soberania popular seja exercida por meio do plebiscito, referendo e da iniciativa popular.

A própria Assembleia Nacional Constituinte abriu espaço para a iniciativa popular propor emendas que iriam compor o projeto da Constituição Federal, culminando com a inserção de inúmeros artigos, entre eles os arts. 182 e 183, resultantes da emenda popular da reforma urbana (Emenda Popular no 63, de 1987).

3.1 O Estatuto da Cidade

Lei de caráter nacional, o Estatuto da Cidade – Lei Federal 10.257/01 – foi aprovado 13 anos depois da sua previsão constitucional, sob forte pressão popular, em virtude dos graves problemas sociais decorrentes de uma urbanização sem um planejamento urbano regulamentado juridicamente.

Ele apresenta diretrizes para uma reforma urbana baseada na função social da propriedade urbana, na segurança e no bem-estar dos cidadãos, bem como no equilíbrio ambiental.

Dentre os princípios da política urbana fixados pelo Estatuto da cidade, os principais são:

  •  A garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações (art. 2º, I);
  • Gestão democrática, por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano (art. 2º, I);
  • Planejamento do desenvolvimento das cidades, realizado através do Plano Diretor, cujas diretrizes e prioridades subsidiam o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual. (art. 10);
  • Controle do uso do solo urbano (art. 2º, VI) exercido através da lei de zoneamento, de responsabilidade dos municípios.
  • Justa distribuição dos ônus e benefícios (art. 2ª, IX), que traduz a busca pelo equilíbrio entre os interesses públicos e privados, prevendo institutos tributários e financeiros como o IPTU, contribuição de melhoria e incentivos fiscais e institutos jurídicos como a desapropriação, servidão administrativa, tombamento, usucapião especial do imóvel urbano (art. 4º).

O Estatuto da Cidade delineou com esses princípios todos os contornos jurídicos, políticos, econômicos, tributários e financeiros da propriedade urbana, afastando por completo, ao menos em termos legais, a natureza liberal e dogmática tradicional do direito de propriedade, como era exercido.

À medida em que a Lei 10.257/01 desloca o poder sobre o domínio econômico da propriedade da esfera individual para a coletiva, influencia todo o contexto desigual de acesso à moradia e ao solo urbano, oferecendo soluções aos problemas de ocupação.

Quando instituiu o parcelamento, edificação ou utilização compulsória, instrumento antes inscrito e previsto no art. 182 da Constituição, o Estatuto da Cidade, impôs ao proprietário do imóvel não edificado, subutilizado ou não utilizado, o ônus de cumprir a função social, penalizando o não uso ou o uso inadequado. Entende-se por imóvel subutilizado, aquele cujo aproveitamento seja inferior ao mínimo definido no Plano Diretor.

Ao Poder Público Municipal cabe fixar os prazos e as condições, através de lei complementar, para a promoção dessas obrigações na área pertencente ao imóvel previamente incluída e identificada no Plano Diretor (art. 5º, §1º). Os prazos para a implementação da referida obrigação são de um ano para a entrega do projeto e dois anos para a sua execução, depois de aprovado por órgão municipal competente (art. 5º, §4º)

Por meio de notificação o proprietário será chamado ao cumprimento da obrigação, com averbação no cartório de registro de imóveis, e, decorrido o prazo sem que a obrigação tenha sido cumprida, sobre o imóvel recai a aplicação do IPTU progressivo no tempo, com majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos.

Decorrido o prazo de cobrança do imposto sem o cumprimento da obrigação, o Município pode realizar a desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública (art. 5º, §2º e 3º). É vedada a concessão de isenção ou anistia da tributação progressiva (art. 5º, §3º) e o Município após incorporar o imóvel ao seu patrimônio público, terá 5 anos para efetivar o aproveitamento e assim dar a função social da propriedade urbana (art. 8º, §4º).

Assim, sobre a propriedade urbana que não atende seu fim social, recaem um conjunto de institutos de controle social do domínio, que, no caso do IPTU progressivo, de natureza fiscal, serve para constituir o erário municipal relacionando-se ao princípio da justa distribuição dos ônus e benefícios.

O Principal objetivo desse instituto é coibir a especulação imobiliária nos grandes centros urbanos, uma vez que, segundo o IBGE (Censo 2000) revelou, por exemplo, havia, na época, 4.580.147 milhões de domicílios vagos nas cidades brasileiras.

Nas lições de Nelson Salude (2004, p. 66) embora tivesse sido montado todo um arcabouço jurídico em torno da defesa da função social da propriedade urbana (Estatuto da Cidade, Plano Diretor e Lei Complementar), em especial pela desapropriação, por outro lado, a dependência na aplicação das penalidades a sucessivos atos administrativos poderia servir para adiar e dificultar a atuação do próprio poder público.

A gestão da cidade será democrática a partir da constituição de órgãos colegiados de política urbana, debates, audiências, consultas públicas, conferências, planos e projetos de lei de iniciativa popular, referendos e plebiscitos, verdadeiros instrumentos políticos a serviço e à disposição do interesse público.

A previsão dos Conselhos, sobretudo dos Conselhos Municipais da Cidade reconhece a necessidade de confronto e articulação dos agentes sociais, políticos e econômicos que fazem a cidade e suas demandas pelo direito à cidade.

Em síntese eles funcionam como uma espécie de micro governo com poderes deliberativos e consultivos que prestam aconselhamento ao poder executivo no planejamento e no desenvolvimento urbano adequados, acompanhando a elaboração e a execução do Plano Diretor.

Os órgãos colegiados tem a responsabilidade de realizar as Conferências: importantes instrumentos de participação e mobilização social a nível nacional, estadual e municipal definidas pelo Decreto no 8.243, de 2014. Cada Conselho realiza sua respectiva Conferência onde são discutidos temas relevantes da cidade – assuntos de interesse urbano – e onde são escolhidos os novos representantes para atuar nos colegiados.

As regras de funcionamento das Conferências devem ser aprovadas por meio de Regimento próprio e definição de eixo temático a ser discutido por membros escolhidos para representar diversos segmentos da sociedade.

O Decreto 8.243/14 que instituiu a Política Nacional de Participação Social (PNS), embora tenha sido sustado pela Câmara dos Deputados em outubro de 2014 e recentemente revogado pelo Decreto 9.759/19, trazia importante definição sobre a conferência:

Art. 2º, IV – conferência nacional – instância periódica de debate, de formulação e de avaliação sobre temas específicos e de interesse público, com a participação de representantes do governo e da sociedade civil, podendo contemplar etapas estaduais, distrital, municipais ou regionais, para propor diretrizes e ações acerca do tema tratado.

Em outubro 2003, foi realizada 1ª Conferência Nacional das Cidades, com o tema “Construindo uma Política Democrática e Integrada para as Cidades” e o lema “Cidades para Todos”. Dela fizeram parte 2.095 representantes na sua etapa nacional e mais de 350 mil nas etapas estadual e municipais. Entre as principais resoluções elaboradas nesta Conferência, estão os Princípios e Diretrizes da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano: o primeiro deles é o Direito à Cidade.

                                   Todos os brasileiros tem direito à cidade, entendido como direito à moradia, à terra urbanizada, ao saneamento ambiental, ao trânsito seguro, à mobilidade urbana, à infraestrutura e aos serviços e equipamentos urbanos de qualidade, além de meios de geração de renda e acesso à educação, saúde, informação, cultura, esporte, lazer, segurança pública, trabalho e participação. (CADERNO DE RESOLUÇÕES DA 1ª CONFERÊNCIA NACIONAL DAS CIDAES)

O Plano Nacional de Desenvolvimento Urbano foi construído ao logo de mais duas Conferências Nacionais (2ª e 3ª) representando o compromisso federativo com a participação e controle social, integrando os poderes executivos e legislativos na gestão da política urbana exercida de forma microrregionalizada, interseccional, com diversidade e abordagens temáticas.

Além de estruturar o Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano, definindo as instâncias descentralizadas de representação do poder público e da sociedade civil organizada e garantindo seu caráter permanente (Conferências, Conselhos e Fóruns), o Plano Nacional de Desenvolvimento Urbano determinou que a Gestão Democrática da Política Urbana será pautada pelo princípio d a transparência, com o compromisso no compartilhamento das informações e das ações públicas com a população e a implementação do Orçamento Participativo (RESOLUÇÕES DA 2ª CONFERÊNCIA DAS CIDADES).

A gestão democrática garantida no Estatuto da Cidade (art. 43) se constitui como princípio e objetivo da política urbana que visa ajustar a gestão financeira dos recursos públicos às necessidades e interesses coletivos dentro da diversidade social, destinando investimentos adequados à realidade de cada um dos grupos sociais e áreas específicas da cidade e avaliando as políticas públicas implementadas.

Desse modo, não há gestão democrática sem gestão orçamentária participativa: o Orçamento Participativo é mecanismo de participação e controle social nas decisões sobre os orçamentos públicos e inclui a realização de audiências, consultas públicas sobre as propostas do Plano Plurianual – PPA, a nível federal, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual. A participação pública na gestão dos orçamentos é condição para a apreciação e aprovação pela Câmara Municipal (art. 44, do Estatuto da Cidade).

3.2 Plano Diretor

A Política de Gestão Participativa, com as previsões constantes no Estatuto da cidade, tem como eixo central de aplicação o Plano Diretor, caracterizado constitucionalmente como o instrumento básico da Política Urbana (art. 182. §1º).

Os princípios da democracia participativa e da gestão democrática, incorporados ao texto constitucional, e, principalmente, a estratégia de superar a cultura patrimonialista sedimentada nas elites brasileiras – que haviam tisnado o capítulo constitucional sobre a política urbana – ganharam novos foros institucionais. O campo principal de luta deslocou-se do congresso Nacional para as prefeituras e câmaras municipais. (SALUDE, 2004, p. 68).

“O planejamento tecnocrático” nas palavras de Salude (2004, p. 59) no período ditatorial no Brasil deixou os movimentos populares receosos ante a possibilidade da previsão legal de novos planos urbanísticos na Constituição de 88. Segundo o autor, a experiência municipal de planejamento urbano revelava forte regulação estatal, razão pela qual várias entidades de representação da sociedade civil na Constituinte, rejeitaram a proposta que vinculava a função social da propriedade ao plano diretor, pois as práticas de planejamento urbano tinham até então caráter ideológico.

Sobre a evolução das características do Plano Diretor, José Afonso da Silva (2010, p. 97-98) ensina:

(1)       Inicialmente, preocupava-se com o desenho da cidade; sua elaboração significava a aprovação de um traçado das ruas e o estabelecimento dos lugares onde os edifícios públicos deveriam decorar a cidade; o valor fundamental a realizar e a preservar era o da estética urbana. (2) Depois, dedicava-se a estabelecer a distribuição das edificações no território, atendendo a funções econômicas e arquitetônicas. (3) Mais tarde desenvolveu-se a concepção do plano diretor de desenvolvimento integrado como instrumento do processo de planejamento municipal destinado a alcançar objetivos integrados nos campos físico, econômico, social e administrativo. (4) Atualmente, com a Constituição de 1988, assume o plano diretor a função de instrumento básico da política urbana do Município, que tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar da comunidade local (art. 182). 2. Passou-se, assim, de uma concepção estática para uma concepção dinâmica, deixando de ser a “sistematização do que já existe” para transformar-se na “sistematização do desenvolvimento futuro”.

Se no passado os planos municipais serviam principalmente de instrumento para realizar a política nacional de desenvolvimento econômico, sem vinculação às demandas locais e com o agravante de que os Municípios não tinham autonomia para decidir sobre matéria econômica tão poucos grandes recursos para aplicá-la, hoje fazem parte de um sistema estruturado que lhes conferiu unidade, equilíbrio e continuidade para a realização da cidade em todas as suas dimensões. A marca do plano diretor é a condição de lei de caráter participativo. Esse processo de participação é o ponto mais importante para que a política urbana construída seja a mais adequada para a realidade do Município.

O Estatuto da cidade estabeleceu caráter de permanência ao Plano Diretor. O Art. 41 da Lei Federal determina que ele seja obrigatório em cidade com mais de 20 mil habitantes, integrantes de regiões metropolitanas, de áreas de especial interesse turístico e aquelas inseridas em áreas de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental e ainda aquelas incluídas no cadastro nacional de Municípios em áreas de risco. Em cidades com mais de 500 mil habitantes, a lei exige além do plano diretor, um plano de transporte integrado.

Diretamente ligado às questões locais específicas, ele pode ser entendido como um projeto de cidade – devendo englobar o território de todo o Município, inclusive a zona rural – e mesmo sendo aprovado por lei municipal (art. 40), não comporta características formais e abstratas de lei, devendo ser publicado acompanhado de todos os mapas, estudos, relatórios e diagnósticos das áreas urbanas (inclusive áreas verdes) objeto das normas de ordenamento jurídico do espaço urbano, daí também pode-se dizer que deriva a ideia de projeto. Ele deve conter um conteúdo mínimo de delimitação das áreas urbanas onde serão aplicados todos os institutos/instrumentos tributários, financeiros, jurídicos e políticos delineados no art. 4º, IV e V do Estatuto da Cidade.

Sendo instrumento de gestão democrática das cidades, o seu processo de elaboração deve ser público, assim como devem ser públicas as informações e o acesso a elas, incluindo os documentos produzidos e anexos. O cumprimento de todos esses requisitos não será suficiente sem que o Poder Público garanta a realização de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da cidade. Essa ligação direta e íntima do Plano Diretor à cidade, confere ao Município, a competência exclusiva, por assim dizer para elaborar o ordenamento do seu território.

Todo esse “rito” próprio impede que os planos sejam alterados por outras vias, assim a Câmara Municipal não poderá alterar ou rejeitar um novo plano sem a obediência de todo o processo de elaboração determinado no Estatuto da Cidade. A cada dez anos o PD deve ser revisto para se ajustar à dinâmica urbana. A esse respeito:

                                     AÇÃO DE INCONSTITUICONALIDADE – INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL – ALTERAÇÃO NO PLANO DIRETOR URBANO MUNICIPAL – AUSÊNCIA DE REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIAS PÚBLICAS – GESTÃO DEMOCRÁTICA DAS CIDADES. 1 – A Constituição do Estado do Espirito Santo prevê a necessária participação popular para a elaboração e alterações posteriores do Plano Diretor Urbano, consoante se infere do art. 231, parágrafo único, inciso IV e art. 236. 2 – A elaboração das políticas de desenvolvimento urbano deverá obedecer às diretrizes da gestão democrática das cidades e contar com a participação ativa da sociedade, seja através dos conselhos municipais, v.g. do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente – COMDEMA – ou o Conselho Municipal do Plano Diretor Urbano – CMPDU, seja através da realização das audiências públicas, a fim de atender os anseios da população como um todo. 3 – A Lei nº 2.093?2014 modificou disposições na Lei Municipal nº 1.731?2006 (que dispõe sobre Plano Diretor Urbano), e alterou a ordenação das edificações, sem a realização de consultas públicas. 4 – Representação de inconstitucionalidade julgada procedente, com efeitos ex tunc . (TJ-ES – ADI: 00355925320168080000, Relator: MANOEL ALVES RABELO, Data de Julgamento: 16/02/2017, TRIBUNAL PLENO, Data de Publicação: 24/02/2017)

4. A MULHER NA CIDADE: A CIDADE TAMBÉM MULHER

De acordo com Terezinha Gonzaga (2011, p. 81):

[…] demonstrar que o simples fato de serem mulheres, com as imposições e encargos da sociedade, interfere em sua mobilidade e em sua utilização do espaço público e privado, e que se acentua as dificuldades quando se tornam mães. Além de que violência urbana manifesta-se de forma específica em relação às mulheres, com espaços vazios, com terrenos abandonados e parques, sem segurança, com falta de iluminação pública e com itinerários do ônibus mal planejados, contribuindo para a não proteção das mulheres.

4.1 A crise do planejamento urbano

As cidades europeias, cujo planejamento urbano foi copiado para outras cidades do mundo, como as da América Latina, experimentaram uma urbanização lenta e com uma certa organização, diferente daquela vivida no Brasil. Entre os anos de 1920 e 1930, pós revolução industrial, era preciso destinar o excedente da produção capitalista formado não apenas pelos lucros a serem revertidos em “investimentos” nas cidades, como a mão de obra que surgia e crescia tanto quanto a produção industrial.

Nesse período, Arquitetos se reuniram em torno da elaboração de planos de embelezamento das cidades europeias, principalmente as francesas, para atender aos anseios da classe dominante e ao mesmo tempo destinar planos urbanísticos para construção de moradia e financiamentos habitacionais à classe trabalhadora, além de planos que contemplassem infraestrutura e transporte para dar suporte à construção das moradias e medidas de regularização fundiária.

A produção moderna fordista implicava aumento da produtividade na construção dos edifícios e da infra-estrutura urbana e isso implicava a regulação da terra e do financiamento. O resultado desse enorme processo de construção que gerou os subúrbios americanos e as cidades expandidas europeias assegurou o amplo direito à moradia (mas não o direito à cidade como lembrou Lefebvre em seu clássico trabalho O direito à cidade). (MARICATO, 2000, p. 128).

Sob a matriz ideológica do embelezamento, mas, ao contrário do planejamento urbano europeu, sem nenhuma preocupação com o desenvolvimento de planos urbanísticos de moradia e tão pouco regularização de terras e rendas fundiárias, nasceu o planejamento urbano brasileiro. Nos anos 30, obedecendo essa lógica elitista clássica de estética e melhoramento, vários planos urbanísticos foram implementados como os Planos Agache para o Rio e Prestes Maia para São Paulo, que ignoravam os problemas sociais herdados da colonização, do fim da escravidão e da industrialização que chegava do outro lado do Atlântico.

A intensa industrialização a partir da década de 50, produziu problemas sociais de grande repercussão no planejamento urbano adotado no Brasil: crescimento vertiginoso da população urbana, grande especulação imobiliária sem limitações do Estado, favelização, falta de programas de moradia, concentração de renda, aumento da pobreza e da violência.

Esses novos arranjos sociais e econômicos, para os quais as cidades não estavam preparadas, somados a quase nenhuma atuação mais consistente e eficiente do Estado em regular a produção do espaço urbano e sem o incremento de normas legais para a atividade urbanística, transformaram as cidades brasileiras num projeto industrial, ou nas palavras de Verner, num projeto empresarial ou marketing urbano. (2000, p. 78).

Nesse sentido, pode parecer contrassenso dizer, mas os anos seguintes ao Golpe Militar foram o período de grande desenvolvimento do planejamento urbano no Brasil. O Governo Militar, na tentativa de mostrar resultados políticos, criou uma infinidade de órgãos públicos federais e municipais: a SAREM – Secretaria de Articulação entre Estados e Municípios, o SERFHAU- Serviço Federal de Habitação e Urbanismo, a Comissão Nacional de Política Urbana e Regiões Metropolitanas, o Fundo de Financiamento ao Planejamento e o Fundo Nacional de Transporte Urbano. Todos criados para implementar a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, prevista no lI Plano Nacional de Desenvolvimento, instituído em 1973.

Apenas parece contrassenso, pois todos os planos elaborados nesse período foram feitos à revelia das pressões populares por participação nas discussões da cidade e desconsiderando os graves problemas sociais já instalados na vida urbana.

Como crítica à produção nesse período, aponta-se que a maior parte dos ?nanciamentos habitacionais foi dirigida à construção de edifícios de apartamentos para a classe média. Para a população de baixa renda limitou-se à produção de conjuntos habitacionais, de baixa qualidade técnica, localizados na sua grande maioria nas regiões periféricas da cidade, distante das regiões onde se concentrava a oferta de empregos. (O ACESSO AO SOLO E À HABITAÇÃO SOCIAL EM CIDADES GRANDES DE REGIÕES METROPOLITANAS DA AMÉRICA LATINA E EUROPA, 2007, p. 24)

As cidades brasileiras continuaram a crescer à margem desse grande projeto modernizador e integralizador e sem o controle de toda essa estrutura estatal montada: cidades “fora da lei”. A cidade, pensada enquanto organismo social, se transformou em representação ideológica sem correspondência com a realidade, sendo apenas o recorte ou espectro de um grande e diversos urbanos, de uma outra cidade que não aparece nos dados oficiais e nas políticas públicas do Governo, tão pouco nas campanhas publicitárias.

Parte de nossas cidades podem ser classificadas como não cidades: as periferias extensas, que além das casas autoconstruídas, contam apenas com o transporte precário, a luz e a água (esta não tem abrangência universal, nem mesmo em meio urbano). E é notável como essa atividade referida, de pensar a cidade e propor soluções para seus problemas, permaneceu alienada dessa realidade que estava sendo gestada. (MARICATO, 2000, p. 140).

No Brasil, a crise do planejamento se acentua ainda mais com o lapso de 13 anos entre a instituição da Política urbana na Constituição e o seu regulamento com a aprovação do Estatuto da Cidade, em 2001. A total ausência de uma política urbana nos moldes democráticos e participativos, mesmo depois de 88, refletiu uma urbanização que já vinha crescente e desordenada. Nos anos 40, apenas 30% da população vivia nas cidades. De 1950 a 1970 o Brasil atingiu uma taxa de urbanização de 55%, ou seja, mais da metade da população brasileira já vivia nas cidades.

Esse rápido crescimento urbano experimentado a partir dos anos 50, foi impulsionado sobretudo pelo Plano Econômico do governo de Juscelino Kubitschek: grandes investimentos no setor industrial e em obras públicas de grande porte como a própria construção de Brasília, grandes obras de infraestrutura (em detrimento a obras de infraestrutura básica) e a abertura do mercado às multinacionais principalmente do setor automobilístico, elemento de grande influência nas demandas urbanísticas e de infraestrutura das metrópoles brasileiras.

Os últimos 30 anos – de 1970 a 2000 – foram suficientes para que 81% da população brasileira se tornasse urbana. Quando os municípios conquistaram definitivamente a competência e autonomia para elaborar seus planos urbanísticos, a partir da Constituição de 1988, eles já viviam uma realidade urbana difícil de ser administrada.

A gestão democrática das cidades, inaugurada em 88, teria o novo desafio pela frente. A globalização dos anos 90 mudou radicalmente as relações econômicas e sociais. O surgimento de novas tecnologias, automatizou os postos de trabalho, estimulou a terceirização e redefiniu o desenho das cidades, agora não mais idealizadas para atender as demandas industriais.

A cidade industrial deu lugar à cidade shopping-center, planejada para a circulação de serviços, mercadorias e mais automóveis. Nas reflexões de Holnik (2015, p. 355), o mercado imobiliário ainda figura como força motriz do planejamento e ocupação do espaço urbano, mas dessa vez para construir centros comerciais, escritório, franquias, condomínios fechados. É a privatização dos espaços públicos, do solo, dos serviços públicos, da cidade, da vida.

No final dos anos 90, o Brasil contava com mais de 169.500.000 milhões de habitantes. O êxodo rural, causado principalmente pela modernização da atividade agrícola levou 81,2% da população a viver nas cidades, no início dos anos 2000. Com 70 anos de intensa e desordenada urbanização, as cidades brasileiras não foram planejadas para promover suas funções sociais e garantir a qualidade de vida dos seus habitantes.

O primeiro grande impacto social desse novo contingente populacional urbano é o uso inadequado do solo, com a ocupação de espaços sem infraestrutura básica e com pouca ou nenhuma oferta de serviços públicos, geralmente no entorno dos centros urbanizados, em encostas, morros, terrenos públicos, prédios vazios e mesmo em áreas de preservação ambiental, onde se proliferam moradias indignas constituindo grandes assentamentos urbanos irregulares. Ora, em cidades marcadas e divididas pela especulação imobiliária (alto valor dos imóveis e aluguéis, somados ao alto custo de vida) que limita o acesso ao solo urbano, o processo de favelização aumenta e reproduz a segregação espacial nas cidades.

O Censo 2000 do IBGE, revelou os problemas habitacionais das cidades brasileiras na década de 90. Avaliando a qualidade dos domicílios particulares permanentes urbanos – pelos critérios de inadequação fundiária (quando o lote não é regularizado técnica ou juridicamente ou sua propriedade não é segura); inadequação pelo adensamento excessivo (quando o domicílio apresenta um número médio de moradores superior a duas pessoas por cômodo); ausência de banheiro de uso exclusivo do domicílio; e ainda, carência de infraestrutura (domicílios que não possuíam ao menos um dos serviços básicos: energia elétrica, rede de abastecimento de água com canalização interna, rede coletora de esgoto ou fossa séptica e coleta de lixo), o IBGE apontou por exemplo, que 32,09% dos domicílios urbanos (para 11.992.535 milhões de unidades habitacionais sem infraestrutura) não possuem um ou mais desses serviços básicos.

Dos 2.173.068 milhões de domicílios brasileiros com algum tipo de inadequação fundiária, 5,82% estão nas cidades. Esse percentual cresce exponencialmente, em comparação com a população de renda familiar de até 3 salários mínimos e atinge 57,44% dos domicílios urbanos. Essas mesmas famílias ocupam 76,07% dos domicílios urbanos improvisados e de coabitação familiar. Considerando o acesso à moradia básica da população nas cidades, o déficit habitacional é de 4.140.088 milhões de unidades para 4.580.147 milhões de domicílios vagos, que demonstra o difícil acesso a moradias urbanas.

Esses índices criam condições para a realidade das favelas nas cidades brasileiras: se a década de 90 – pós instituição da política urbana participativa e democrática – iniciou com 3.187 aglomerados subnormais², no ano 2000 já eram 3.906 favelas e em 2010 o número de aglomerados subnormais chegou a 6.329, representando 3.224.529 mil domicílios, com uma população estimada de 14 milhões de pessoas. Em 1991 eram 5 milhões de pessoas morando em favelas e 10 anos depois cerca de 7,2 milhões de moradores.

O IBGE (2010) apontou ainda caraterísticas importante das favelas brasileiras ligadas à sua localização, o que dá uma dimensão da qualidade de vida dos seus moradores, da ausência total de planejamento urbano e da urgente intervenção do Estado: 40,20% estão situadas em terrenos planos, 17,63% em faixas de colina suave e expressivos 19,20% em áreas de encosta, somando mais da metade de domicílios instalados em áreas de instabilidade e risco. Essa leitura territorial ainda identifica favelas em aterros sanitários, lixões e outras áreas contaminadas, próximas a rodovias, ferrovias e gasodutos e oleoduto.

Considerando o critério regional, cabe destacar que a Região Sudeste concentra mais da metade das favelas do Brasil: são 3.954 ao lado Nordeste com 1.354 (IBGE 2010). No Município de São Paulo mais de 1.200.000 pessoas vivem em favelas que representam 3% da superfície total da cidade, ocupada por um volume populacional de 11,38%, denunciando que são áreas de grande concentração populacional. No Rio de Janeiro, 22% da população vive nas favelas, o equivalente a 1.393.314 habitantes. A Rocinha abrigava na época quase 70 mil pessoas.

A Capital do Brasil, produziu, segundo a pesquisa, a 2ª maior favela do país: conhecida como Sol Nascente (Ceilândia), é formada por 15.737 domicílios habitados por 56.483 pessoas, dos quais o esgoto está presente em apenas 991 domicílios. Na região norte, a maior favela fica em Belém e é formada por 53.129 moradores em mais de 12 mil domicílios, dos quais 7 mil contam com o serviço de esgoto.

O Nordeste abriga a Casa Amarela, em Recife, 6ª maior favela do Brasil onde dos 15. 215 domicílios, o esgoto está presente em pelo menos 3 mil deles. Por outro lado, as duas maiores favelas de São Paulo, Paraisópolis e Heliópolis com pouco mais de 40 mil habitantes cada, possuem em média 90% dos domicílios com esgoto, caracterizando um bom nível de urbanização em relação aos serviços públicos básicos.

As pesquisas do IBGE no Censo 2010, também apontaram que o perfil dos moradores das favelas é de maioria jovem com média de idade de 32,7 anos e 68,7% autodeclarada preta ou parda, enquanto a população das áreas urbanas regulares tinha um percentual de 46,7% de pretos e pardos.

Outro problema urbano que incide diretamente sobre a vida das cidades é a violência. Entre 1992 e 1998, o número de mortes violentas (homicídios, suicídios e acidentes de trânsito) entre os adolescentes e jovens, na faixa etária de 15 a 19 anos, subiu de 63% para 68%. A região Sudeste registrou a maior taxa, com 73% das mortes nessa faixa etária relacionadas a causas violentas. Nas demais regiões, a mortalidade nessas condições de idade e causa somam pouco mais de 60% do total (IBGE 2000).

Ao lado da moradia e do direito à terra urbana, o panorama do trabalho nas cidades brasileiras dos anos 90 refletia uma tendência à precarização das relações trabalhistas: A população ocupada, segundo o IBGE (2000) passou de 65,2 milhões de pessoas em 1992, para 71,7 milhões, em 1999, registrando uma queda dos trabalhadores com carteira (64% para 61%). Pelo recorte racial, as cidades brasileiras, no final da década, tinham mais pretos e pardos em trabalhos domésticos (14,6% e 8,4%) do que brancos (6,1%), todos majoritariamente mulheres. Os indicadores de renda revelaram que havia 26,2% das famílias pretas e 30,4% das pardas vivendo com até meio salário mínimo per capita, para 12,7% das brancas.

De 2000 para 2010, o nível total da ocupação subiu de 47,9% para 53,3%, impulsionado pelo ingresso das mulheres ao mercado de trabalho. Em 2000, 35,4% delas faziam parte da população ocupada e em 2010 esse número subiu para 43,9%, um crescimento maior do que o percentual registrado pelos homens: de 61,1%, em 2000, para 63,3%, em 2010, segundo a Sínteses de Indicadores Sociais 2010.

O levantamento do IBGE sobre a década de 90 revela um Brasil com famílias menores, mais escolaridade, melhores resultados na taxa de mortalidade infantil e transformações diversas no mercado de trabalho. O país termina o século marcado pela permanência da desigualdade: na década de 90, o rendimento dos 10% mais ricos e dos 40% mais pobres cresceu 38% (passando de 13,30 salários mínimos para 18,40) e 40% (da fração de 0,70 salário mínimo para 0,98), respectivamente, mantendo inalterada a elevada concentração da renda na sociedade brasileira. (IBGE, SÍNTESE DE INDICADORES SOCIAIS 2000).

Estabeleceu-se no bojo das cidades segregadas a polarização definitiva entre o público e o privado. Cada vez mais os espaços públicos dão lugar aos espaços privados. Um sinal, entre outras coisas, de que a função social da propriedade e da propriedade urbana não está sendo aplicada nas cidades, enquanto princípio norteador da política urbana no Brasil para a consecução do interesse público, do bem-estar coletivo e do direito à cidade.

Os espaços públicos estão cada vez mais disputados por aqueles que ainda tentam o convívio e a troca e pela especulação imobiliária. Toda a heterogeneidade – de raça, gênero, classe social, sexualidade e ideologias política, gostos e sonhos – excluída da cidade, tem entrado em conflito permanente, escapando de todas as tentativas de ordenamento, ordem e do discurso homogêneo contidos no planejamento urbano. Espaços públicos de tensão refletem cidades estratificadas ou nos dizeres de Ermínia Maricato (2003, p. 78), “cidades fraturadas.”

Como visto, o planejamento urbano como foi concebido não deu conta das necessidades das cidades que extrapolaram e muito os limites e os sentidos do espaço físico e seu embelezamento. Não deu conta porque serviu e ainda serve a uma funcionalidade estranha à cidade: estabeleceu uma relação funcional com os valores capitalistas através do mercado imobiliário e especulativo que invadiu as cidades desde os anos 60.

Em, A cidade do pensamento único, a Arquiteta e Urbanista Ermínia Maricato (2000, p. 123) denuncia que as propostas neoliberais apoiadas na centralização e na racionalidade do aparelho Estatal, definiu os padrões de uso e ocupação do solo urbano no Brasil e na América Latina – que importaram um modelo de planejamento urbano muito distante daquele necessário para nossas cidades e nossa condição histórica.

O que se pode dizer então, é que o pensar a cidade não nasceu dela, mas de forças de dominação econômica e política com grande influência ideológica que acabaram por engessar a cidade e sua dinâmica social, engessando também o pensamento e o sentimento sobre ela, revelando uma dimensão simbólica/cognitiva do planejamento urbano difícil de ser ultrapassada.

Há aqui, a perpetuação de um “poder simbólico” do qual fala Pierre Boudieu (1989) e que produz segregação e desigualdade espacial, afastando o desejo por cidades democráticas. “No Brasil, o urbanismo ainda se encontra muito próximo do sistema político, o que o deixa sujeito às maiorias do momento e à falta de planejamento de longo prazo.”. (PRESTES, 2019).

Segundo Sergio Corrêa (1995, p.12), existem “agentes sociais que fazem e refazem a cidade […] dentro de um marco jurídico que regula a atuação deles. Esse marco não é neutro, refletindo o interesse dominante de um dos agentes […].” Do mesmo modo o urbanismo e o planejamento urbano, enquanto ciências e este último enquanto método de atuação, estão à serviço desses agentes sociais.

As classes dominantes apreenderam o espaço urbano, articulando o planejamento, o urbanismo e o próprio arcabouço jurídico, conferindo-lhes um caráter linear e universal aplicado aos outros agentes sociais.

A falsa neutralidade tomada como epistemologia acabou se constituindo em paradigma, condicionando o conhecimento, as técnicas e as normas jurídicas produzidos a respeito da cidade anulando todos os outros sentidos sociais de que ela é feita. É daí que nasce a crise do planejamento urbano.

4.2 A cidade como pauta feminina

A crise do planejamento urbano perpassa pela crítica das narrativas que foram projetadas nas estruturas que compõe o projeto jurídico e político da cidade ao longo do tempo.

Nessa perspectiva de ressignificar as condições de produção do conhecimento, Donna Haraway, professora do Programa de História da Consciência da Universidade da Califórnia em Santa Cruz, fala sobre os desafios de se construir novas base teóricas para romper com o paradigma tradicional da ciência como um campo neutro e universal.

Segundo a autora, é preciso identificar o lugar dos saberes, quem os produz e que valores carregam: “a ciência é um texto contestável e um campo de poder” codificado na visão do homem branco (1995, p. 11-18). Nesse sentido ela oferece uma teoria feminista e ativista como ponto de reflexão para a ciência marcada por um padrão heteronormativo de “construção social de toda as formas de conhecimento, e com maior segurança, das formas científicas” (1995, p 8).

O feminismo ama outra ciência: a ciência e a política da interpretação, da tradução, do gaguejar e do parcialmente compreendido. O feminismo tem a ver com as ciências dos sujeitos múltiplos com (pelo menos) visão dupla. O feminismo tem a ver com uma visão crítica, consequente com um posicionamento crítico num espaço social não homogêneo e marcado pelo gênero. (HARAWAY, 1995, p. 31)

O ponto é trazer para o jogo do conhecimento, novos agentes e modos de produzir a ciência nos seus diversos ramos a fim de contrapor o conhecimento dominante que se corporifica nas práticas sociais e por consequência nas práticas sociais da cidade.

Aqui, o Direito e o Urbanismo enquanto ciências, também estão inseridos nessa trama epistemológica hegemônica que define como norma obrigatória o posicionamento de práticas classicistas, patriarcais e racistas.

Estou argumentando a favor de políticas e epistemologias de alocação, posicionamento e situação nas quais parcialidade e não universalidade é a condição de ser ouvido nas propostas a fazer de conhecimento racional. São propostas a respeito da vida das pessoas; a visão desde um corpo, sempre um corpo complexo, contraditório, estruturante e estruturado, versus a visão de cima, de lugar nenhum, do simplismo. (HARAWAY, p. 30)

Se existe um saber, marcadamente masculino, diga-se branco, heterossexual e eurocentrista, que define as relações sociais e todo o produto que advém delas, que discursos estão escondidos? Em que lugar está o saber feminino? Antes, é preciso localizar a experiência da mulher na história das relações socias. Os fundamentos da sociedade patriarcal sempre impediram a mulher de cruzar os limites impostos pelo homem.

Esses limites se resumiram durante muitos séculos à esfera familiar, ao cuidado dos filhos e da casa. Ao homem foi dada a tarefa quase institucional de provedor: aquele que sai de casa para trabalhar, portanto, aquele que vive e constrói os espaços físicos para atender às necessidades do seu trabalho e do seu deslocamento. Foi-se instalando uma dicotomia entre a esfera produtiva e a esfera reprodutiva.

No livro A mulher na história, Zuleika Alambert ilustra bem essa divisão social que se converteu em desigualdades espaciais entre homens e mulheres na cidade: nos anos de 1930 “as mulheres com muitos filhos receberam medalhas como mães reprodutoras” (2004, p.36).

Continuando:

[…] Com a modernidade, houve uma construção social dos gêneros que excluiu a mulher da vida pública e do trabalho produtivo e representativo, delegando a ela tarefas relacionadas ao espaço privado e alheia ao mundo público. A mulher não desfruta plenamente de sua reclusão e privacidade, pois para isso é necessário fazer parte da vida pública. Foi-se construindo o privado como direito à propriedade, à privacidade e à intimidade, enquanto o público deveria servir como garantia de igualdade de oportunidades, de oferta de serviços e de bem-estar. (CASCELLI, 2016)

As cidades foram palco de várias insurreições e insubordinações femininas contra a organização social e familiar que as tirava do lugar de protagonistas. Na Revolução francesa várias mulheres lutaram ao lado dos homens nos movimentos de rua por liberdade, igualdade e fraternidade. Zuleika Alambert (2004, p. 33) destaca, nesse período, os feitos de Olympe de Gouges, escritora francesa que elaborou a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã e foi guilhotinada em praça pública em 1793, por lutar pelo direito à Tribuna, entendido aqui como o direito à voz e à vida pública.

No século XIX surgiram os movimentos emancipacionistas feministas onde as mulheres lutaram por igualdade jurídica, seguido pelo movimento das Sufragistas no século XX nos EUA e na Grã-Bretanha, que foram às ruas americanas protestar pelo direito ao voto universal. Na Rússia de 1917, milhares de mulheres foram às ruas em greve contra a guerra e a fome. Antes, em fevereiro de 1909 milhares de operárias foram tomaram as ruas de Nova York por melhores condições de trabalho. Na Revolução cultural de 69, as feministas foram indispensáveis por romper com os costumes tradicionais.

No Brasil, as mulheres brasileiras também usaram os espaços públicos para reivindicar seus direitos. Alambert destaca a manifestação liderada pela professora Dreolina Daltro que levou milhares de mulheres às ruas de São Paulo pelo direito ao voto, em 1910. Inspiradas pelos ideais das sufragistas americanas vários movimentos femininos brasileiros se organizaram em torno da igualdade política: várias mulheres começaram a fazer parte de jornais e federações.

Nos anos 50 elas lideraram movimentos por eleições democráticas e fizeram frente contra as ameaças do Golpe Militar. Nas duas décadas seguintes as pautas femininas eram a igualdade salarial, ampliação de leis trabalhistas e direitos sociais e autonomia sexual e controle de natalidade.

Mesmo com o capitalismo, onde inicialmente mulheres e crianças foram usadas como mão de obra nas recém instaladas fábricas das “cidades-indústrias”, e mais tarde quando conquistaram independência com o direito ao divórcio, ao voto, a liberdade sexual e direitos trabalhistas e a grande incorporação feminina ao trabalho, elas continuaram a executar seu papel reprodutivo, pautado nas obrigações domésticas, vivendo uma dupla jornada e toda a sorte de desigualdades.

As condições de vida feminina não foram consideradas no planejamento dos espaços urbanos e nas políticas implementadas na cidade. Pensar sobre a questão de gênero é fundamental para se planejar cidades que acolham as diferenças.

A perspectiva de gênero foi reconhecida pelas Nações Unidas e em 2010 criou uma plataforma exclusiva para ampliar os esforços na promoção dos direitos das mulheres, sobretudo com o estímulo a liderança e participação política e governança e planejamento para garantir a participação feminina em todos os níveis de decisão da vida pública, política e econômica.

O Relatório da ONU Mulher 2015-2016,Progresso das Mulheres no Mundo: Transformar as economias para realizar direitos, traçou um panorama de estatísticas sobre a vida das mulheres em quatro eixos: igualdade no trabalho, trabalho digno, pobreza e medidas de proteção social e apoio na tarefa de cuidados de outras pessoas (ONU MULHERES, 2015).

A pesquisa apontou grandes desigualdades sociais entre homens e mulheres. Elas ainda ganham 24% a menos que os homens em tarefas equivalentes e essa diferença aumenta em mulheres com filhos. Em números gerais metade das mulheres participa da força de trabalho e ocupam mais empregos vulneráveis -trabalho por conta própria e contribuição para o trabalho familiar: representam cerca de 83% dos trabalhadores domésticos do mundo e quase metade não recebe salários mesmo trabalhando 2,5 vezes mais. Dos empregos informais, 75% são ocupados por mulheres e em atividades que não são protegidas por leis trabalhistas.

Em razão de todas essas desvantagens, as mulheres acumulam menos contribuições de aposentadoria e por isso são mais propensas à pobreza na velhice. Dificilmente são empregadas em postos de trabalho com status, poder e autoridade. Em 2009, por exemplo, apenas 14 mulheres no mundo eram Chefes de Estado.

Nesse contexto de exclusão e desigualdade, os Estados-Membros da ONU assumiram o compromisso da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, composta por 17 metas relacionadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), entre eles a igualdade de gênero – 5º objetivo e cidades e comunidades sustentáveis – 11º objetivo. Vale dizer que este último visa tornar as cidades e os assentamentos humanos mais seguros, inclusivos e sustentáveis, incluindo proporcionar o acesso universal a espaços públicos seguros, inclusivos, acessíveis e verdes, particularmente para as mulheres e crianças, pessoas idosas e pessoas com deficiência.

A mulher do século XXI parece se aproximar da mulher dos séculos passados. Todo o legado de lutas se cristalizou nas nos espaços de difícil acesso, mal iluminados, perigosos e violentos, no trânsito que demora, nos filhos que não podem esperar, no trabalho que não valoriza suas potencialidades e paga mal, na vontade de decidir mais e ocupar outros e novos espaços, no movimento frenético da vida urbana que não oferece descanso, nos sonho da casa própria que não chega, nos grandes prédios que tapam a visão, nas praças pouco verdes, nas cidades que lhes parecem tão estranhas e desafiadoras. É preciso conhecer essa cidade invisível.

Lê-se a cidade porque ela se escreve, porque ela foi uma escrita. Elaborar a metalinguagem da cidade não é conhecer a cidade e o urbano. É preciso ainda compreender o contexto, aquilo que está sob o texto a ser decifrado (a vida quotidiana, as relações imediatas, o inconsciente do ‘urbano’, aquilo que não se diz mais e que se escreve menos ainda, aquilo que se esconde nos espaços habitados – a vida sexual e familiar – e que não se manifesta mais nos tête-à-tête), aquilo que está acima desse texto urbano (as instituições, as ideologias – isso não pode ser esquecido na decifração). (LEFEBVRE, 2008, p. 55).

O movimento feminista repercutiu em diversos espaços de experiências das mulheres. A arquitetura e o urbanismo são alguns desses exemplos. Desde os anos 90 as arquitetas e urbanistas vêm estudando o modo como os espaços são pensados e construídos, quais as consequências desse processo de planejamento espacial na vida cotidiana de que maneira homens e mulheres fazem uso deles. Esse movimento de reconfiguração dos espaços sob a perspectiva de gênero está sendo chamado de urbanismo feminista.

O urbanismos feminista desponta nos Estados Unidos nos anos 1960 com o livro Morte e vida nas grandes cidades, da ativista urbanista Jane Jacobs em que analisa o sucesso e o fracasso do urbanismos de algumas cidades americanas. Desde então as profissionais da área vem refletindo os espaços na tentativa de requalificá-los dentro das perspectivas que o gênero oferece, sobretudo na valorização dos espaços comuns frequentados por grupos marginalizados (NÓBREGA, 2016). Na Espanha, o Urbanismo de gênero, tem se concentrado na investigação dos espaços urbanos nas cidades de Barcelona e Madrid, com estudos baseados em detectar as deficiências de cada bairro para traçar estratégias de atuação nos espaços físicos e em políticas públicas interligadas.

Um estudo de gênero e mobilidade realizado pela Universidade de Máloga revelou a diferença no uso do carro naquela região: as mulheres têm menos apego ao carro – apenas 46% delas usam esse tipo de transporte, no entanto, realizam mais deslocamentos para levar os filhos à escola, ao médico e para irem ao supermercado, enquanto a maioria dos homens dividem o seu deslocamento entre ir ao trabalho e descanso (VALVERDE, 2018).

No Brasil, o urbanismo feminista é interdisciplinar e realiza parcerias com profissionais de Geografia, Sociologia, Direito, Engenharia, Ciências Políticas, Economistas produzindo estudos, pesquisas, relatórios, congressos, debates e conteúdos fruto de produções individuais e coletivas em revistas e periódicos e plataformas de dados, ampliando o enfoque da discussão de gênero sob diversos temas e abordagens. A atuação de arquitetas e urbanistas brasileiras é recente, se comparada a de outros países, mas tem dado maior relevância social e acadêmica ao tema.

Para dar mais visibilidade ao seu trabalho, arquitetas tem se reunido em coletivos que discutem a promoção da igualdade de gênero das profissionais no âmbito de atuação da Arquitetura e Urbanismo. Um deles é o coletivo Arquitetas Invisíveis, criado em 2014 para a história e o legado de arquitetas que não aparecem nos principais livros e referências sobre o tema.

Dentre os mapeamentos, destaca-se a pesquisa Origem-Destino: 50 anos de Metrô São Paulo. A Engenheira Haydeé Svab usou os dados extraídos dessa pesquisa que identificam as viagens realizada levando em conta o gênero, para avaliar a mobilidade das mulheres na cidade de São Paulo. Em entrevista para o Revista Trip (2017) Svab apresentou algumas conclusões da pesquisa: as mulheres andam mais a pé que os homens e passaram a se deslocar mais que eles a partir dos anos 90; nos anos 2000, dos habitantes de são Paulo, as mulheres são as maiores usuárias do transporte coletivo em contraste com os homens que usam mais automóveis.

4.3 Recorte social, político e econômico da mulher no Brasil

Pensar a mulher na cidade é ir ao encontro das suas dificuldades e condições de vida para entender que mulheres são essas que a cidade não consegue acolher e estabelecer direitos, quais as suas necessidades e urgências e de que maneira as políticas públicas podem atuar para o rearranjo social e físico dos espaços urbanos.

Um levantamento do IPEA em 2015 sobre o perfil das trabalhadoras domésticas urbanas no Brasil revelou que mesmo entre as mulheres, se considerar a raça como recorte, as trabalhadoras domésticas negras e pardas superam em quase 2 milhões as brancas e em todas as faixas etárias, principalmente dos 10 aos 17 anos e dos 30 aos 59 anos. A maioria das mulheres e mulheres negras ainda vivem na privação de lares, os seus e o dos outros.

O tempo de deslocamento entre a residência e o trabalho nas cidades foi outro importante indicador para servir como interpretação social das mulheres e entre elas e como se dá o uso dos espaços e do transporte e como é a divisão espacial envolvendo casa e oportunidades de trabalho: em 2015, 11,7% das mulheres negras com alguma ocupação demoram mais de uma hora para entre a casa e o trabalho enquanto as mulheres brancas somam 9,7%. O trabalho remunerado, formal e estável não está nas periferias da cidade ou nos bairros. Está no centro da cidade. A centralização da vida produtiva.

Embora somem mais da metade da população, as mulheres brasileiras representam 10% das vagas do Congresso Nacional, cuja representação é de apenas 51 deputadas num universo de 513 vagas. Para a próxima legislatura (2019-2022), a bancada feminina contará com 71 deputadas federais, um crescimento de 5%, de acordo com dados da Câmara dos Deputados.

Considerando que o número de filiados em partidos políticos é maior entre as mulheres, esse contexto se torna ainda mais preocupantes e deixa o alerta para a situação da mulher nos postos de decisão nas esferas do poder público e no controle social das políticas públicas para dar voz às suas demandas.

Na cidade, o contexto social de violência contra a mulher também inspira reflexões sobre o direito de existir e de circular livremente, garantidas a segurança e a integridade física e moral no espaço urbano. Na cidade de São Paulo, por exemplo, um levantamento feito entre janeiro e julho de 2017, pela Secretaria de Segurança Pública da Capital paulista, uma mulher é estuprada em locais públicos a cada 11 horas. Foram registrados 457 casos de estupros em locais públicos num universo de 1.378 boletins de ocorrência de abusos sexuais na Capital. Desses por exemplo, 51 casos aconteceram em instituições de ensino; 25 no transporte público; 21 em bares e cafés e 19 durante o atendimento médico.

4.4 Movimentos femininos pelo direito à cidade

Desde que a cidade se tornou palco de encontro dos corpos femininos na luta por direitos civis ainda nos primeiros anos do surgimento do movimento feminista, as mulheres tem reivindicado para si a cidade. O direito à cidade se manifesta nos diferentes espaços de direito à vida projetados no espaço urbano: o direito à moradia, à segurança, à livre circulação e mobilidade, ao trabalho. Para as mulheres, esses direitos ganham uma dimensão de luta e organização para superar as desigualdades que imprimem duras experiências no cotidiano das cidades.

Desde os anos 60, as mulheres têm liderado os movimentos de redemocratização e reforma urbana no Brasil e tem se concentrado sobretudo no direito por moradia. As divisões sociais entre homens e mulheres caracterizaram grande parte da segregação dos espaços urbanos entre a casa e o local de trabalho e produção capitalista. Assim a mulher foi estabelecendo uma relação particular com a moradia que se tornou uma identidade coletiva: sempre que se fala de espaços domésticos, a mulher é recorrentemente lembrada e associada.

Interessante pontuar que as mulheres das classes mais populares começaram se organizando a partir de suas necessidades mais imediatas, ligadas ao seu papel de mãe, daí estarem envolvidas em movimentos que demandavam escolas adequadas, centros de saúde, água corrente, transporte, moradia, legalização de terrenos e outras questões ligadas diretamente à infraestrutura urbana, sendo grande destaque o movimento contra o alto custo de vida e de luta por creche. (SALES E TORRES, 2014, p. 4)

Para as mulheres de baixa renda a precarização da vida é maior e consequentemente maior é vulnerabilidade e instabilidade da moradia. Não apenas o lar é importante como todo o seu entorno garante condições de existência e identidade.

Por isso mesmo essa forte ligação com a casa e a vizinhança caracteriza os movimentos sociais femininos como grupos de colaboração e acolhimento horizontal. “Por vivenciarem de forma tão direta a falta ou insuficiência das políticas públicas, dos serviços urbanos, as mulheres se organizam e estão em maioria no interior de associações comunitárias, nas entidades […] (FERREIRA, 2008, P.116 apud SOUSA, 2013, p. 4).

A luta por moradia enquanto direito à cidade é pois, a tentativa de se opor à cidade capitalista e patriarcal e para experimentar com concretude modos de viver solidários, democráticas e coletivos.

Há uma profunda oposição de interesses nas cidades. De um lado estão os usuários, que veem a cidade como um local para viver e desejam de um modo geral uma moradia de melhor qualidade possível (o que inclui localização, além de dimensões, durabilidade etc.) ao preço mais baixo possível. De outro lado, o capital imobiliário, para o qual a cidade é um negócio de cuja exploração busca a máxima extração do lucro. Se dizemos que no local de trabalho o trabalhador é explorado, podemos dizer que no local de moradia ele é espoliado, sendo que há profundas imbricações entre os dois processos. (MARICATO, 2016, p. 2).

Ao mesmo tempo que as mulheres querem preservar e dar qualidade ao espaço privado – o lar, elas têm se movimentado para romper os limites impostos pela divisão sexual do trabalho no sentido de conquistar autonomia e protagonismo social e político. Além da moradia como centro da luta pelo direito à cidade, as mulheres têm construído alternativas urbanas coletivas para conter a violência e facilitar a mobilidade dentro dessa perspectiva de gênero.

Equilibrando as funções do trabalho e do cuidado da casa, a mulher necessita de espaços seguros e acesso facilitado para o seu deslocamento intimamente ligados aos processos de zoneamento e planejamento urbano das cidades. “Andar de bicicleta fez mais pela emancipação da mulher do que qualquer outra coisa no mundo” dizia a feminista americana Susan Anthony (CRUZ, 2013). Desde as manifestações das sufragistas americanas até os dias de hoje, as mulheres tem usado as bicicletas para se deslocar.

Uma pesquisa realizada em São Paulo pela Associação Ciclocidade (Lobo, 2015) apontou que o número de mulheres que usam a bicicleta como transporte alternativo vem crescendo mas os fatores que influenciam esse número está diretamente ligado às condições da cidade: a segurança viária é apontada como principal fator que impede a circulação de mulheres usando bicicletas.

Nesse sentido, vários grupos de mulheres têm se reunindo para andar de bicicleta e ocupar os espaços urbanos. A ONG Vádebaike, mapeia coletivos de ciclistas pelo Brasil e suas experiências. Dentre esses grupos estão as “Ciclanas”, grupo nacional de mulheres que pedalam. “[…] elas falam sobre assédio, machismo, violência urbana e outros temas ligados a gênero e bicicletas” (Lopes, 2016).

Eva Kail, especialista em Planejamento Urbano com enfoque de gênero da cidade de VIeNa, na Áustria, relatou ao jornal CITYLAB (2013) suas experiências com projetos urbanos levando em conta os dados de uma pesquisa feita com homens e mulheres da cidade, nos anos 90: as mulheres usavam mais o transporte público e tinham um padrão de deslocamento diferente.

Assim, as ruas de Viena ganharam mais iluminação, as calçadas ficaram mais largas e foram feitas mudanças em determinadas travessias para facilitar o acesso das mulheres, dos carrinhos de bebê e de pessoas com deficiência. Para ela é indispensável saber quem usa os espaços e quais os objetivos, a fim de analisar padrões de uso e identificar as necessidades para então planejar a cidade e requalificá-la. Viena conta com 60 projetos pilotos em bairros para facilitar o trânsito e a permanência das mulheres nos espaços com medidas simples: mais iluminação, rampas, calçadas largas, parques e a construção de moradias sociais mais próximas ao transporte público, escola e trabalho.

5. POLÍTICAS PÚBLICAS PARA AS MULHERES

As políticas públicas representam o deslocamento dos problemas sociais para a esfera pública buscando a intervenção do Estado na realidade a fim de promover e garantir direitos.

As políticas públicas para as mulheres sempre estiveram ligadas às pressões dos movimentos feministas, sobretudo durante do processo de abertura política já no do governo militar. Nessa época foi criado o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, como uma resposta aos anseios de emancipação feminina da época e em razão das condições sociais às quais as mulheres estavam submetidas.

A principal linha de atuação das políticas públicas na época e nos anos seguintes à Constituição, era o combate à violência. Casos emblemáticos como o da Maria da Penha movimentaram instituições políticas e jurídicas na elaboração de políticas e criação de órgãos federais e de justiça para atender as vítimas da crescente violência, sobretudo a violência doméstica. Assim surgiram a Delegacia de Defesa da Mulher, a Programa Nacional de Combate a Violência contra a Mulher e a Secretaria de Estado de Direito da Mulher, todas vinculadas ao Ministério da Justiça.

Hoje a Secretaria Nacional de Políticas para as mulheres, criada em 2003, está vinculada ao recém-criado Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos cuja atribuição é estabelecer as políticas públicas para as mulheres. Elas são discutidas e construídas de maneira participativa nos Conselhos e Conferências de Políticas para as Mulheres e implementadas pelos Estados e Municípios nas suas respectivas Secretarias e Coordenadorias.

Todo esse sistema institucional e político segue os princípios de gestão participativa democrática insculpidos na Constituição. Dessa forma, a 3ª Conferência Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres teve como produto final o Plano Nacional de Políticas Públicas para as mulheres – PNPM 2013 – 2015, contendo programas de ação e metas a serem realizadas pelo Poder Executivo no combate às desigualdades de gênero.

A estrutura de elaboração do PNPM tem um valor simbólico forte porque representa o primeiro espaço de atuação e participação da vida pública organizado especificamente para as mulheres. É o lugar onde a demandas podem ser reunidas num espaço de poder de decisão para orientar práticas de Estado na consecução da igualdade de gênero. Mas em que medida essas políticas públicas melhoram a vida das mulheres na cidade?

5.1 Plano Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres

Instrumento que condensa a gestão participativa das mulheres na elaboração de suas próprias políticas públicas, o PNPM pode ser entendido também como uma carta de intenções e compromissos do Estado para com as mulheres brasileiras. Ele é ainda uma projeção de futuro e de cidadania para as mulheres.

Ele atende às orientações da Política Nacional para as Mulheres em especial a transversalidade que o caracteriza como um conjunto de ações e práticas articuladas e integradas envolvendo todos os órgãos do Governo nas três esferas de atuação política: federal, estadual e municipal.

Isso significa dizer que a promoção da igualdade de gênero e da melhor qualidade das condições de vida da mulher deve figurar como objetivo de todas as outras políticas públicas dos diversos setores.

Um exemplo da integração dos poderes na gestão descentralizada e na responsabilidade compartilhada do Plano Nacional de Políticas Públicas para as Mulher é a participação do Senado Federal na avaliação orçamentária dos recursos destinados às políticas. A partir de 2013 o Senado, por meio de suas Comissões Permanentes passou a avaliar a aplicação das políticas públicas em vigor através dos dados encaminhados pelos órgãos públicos para examinar as diretrizes e os objetivos das políticas e a aplicação do orçamento para a consecução das metas. O Relatório nº1 de 2016 da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, na avaliação das políticas públicas relacionadas às medidas de enfrentamento à violência contra a mulher, conclui por exemplo, uma deficiência dos dados sobre os resultados e aplicação de tais políticas e a necessidade de criação de um sistema nacional de dados para garantir melhor diagnóstico das ações, maior acesso público às informações. Outro aspecto apontado no Relatório, com base nos dados apresentados, é a necessidade de ampliar as políticas públicas destinadas à reeducação dos agressores, como parte fundamental da política de prevenção da violência contra a mulher, uma vez que as ações que vêm sendo empreendidas nesse sentido tem dado resultados satisfatórios (SENADO FEDERAL, 2016).

Por outro lado, na contramão das políticas públicas previstas do PNPM para o fortalecimento e a participação das mulheres nos espaços de poder e decisão foi levado à Comissão de Constituição de Justiça do Senado, um Projeto de Lei PL1256/2019 que pedia o fim da exigência das cotas para as mulheres na política -exigência aos partidos para reservarem no mínimo 30% de vagas de candidaturas femininas e aplicarem 5% dos recursos do fundo partidário em ações de incentivo à participação das mulheres na política. Embora tenha sido rejeitado, o projeto representa a existência grandes conflitos de interesse, sobretudo de forças políticas que simbolizam a presença marcante dos valores patriarcais (SENADO FEDERAL, 2019)

O PNPM é formado por dez capítulos, que constituem os objetivos a serem alcançados com as políticas públicas, cada um apresentando os objetivos específicos, as metas a serem alcançadas e as linhas de ação e parcerias com diversos órgãos públicos dentro da sua área de atuação. O primeiro capítulo tem como objetivo promover a igualdade no mundo do trabalho e autonomia econômica. O segundo capítulo visa a educação para igualdade e cidadania. O terceiro capítulo traz ações para garantir a saúde integrada das mulheres, direitos sexuais e direitos reprodutivos. O quarto capítulo traz o enfrentamento de todas as formas de violência contra as mulheres. O quinto capítulo visa desenvolver o fortalecimento e a participação das mulheres nos espaços de poder e decisão. O sexto capítulo destaca o desenvolvimento sustentável com igualdade econômica e social. O sétimo capítulo tem como objetivo garantir o direito à terra com igualdade para as mulheres do campo e da floresta. O oitavo capítulo implementa ações de cultura, esporte, comunicação e mídia. O nono capítulo apresenta o enfrentamento do racismo, sexismo e lesbofobia e o capítulo dez visa promover a igualdade para as mulheres jovens, idosos e mulheres com deficiência.

Embora o PNPM apresente objetivos que englobam políticas no âmbito econômico, social, político, cultural nenhum deles contempla e menciona diretamente um dos temas ligados ao direito à cidade como mobilidade urbana ou ações articuladas com o Ministério do Desenvolvimento Regional e com algum de seus programas de desenvolvimento urbano.

5.2 Críticas e debates sobre as políticas públicas para as mulheres

Em março de 2015, o IPEA avaliou a institucionalização das políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres no Brasil (IPEA, Nota Técnica nº 13, 2015).

Para que as políticas públicas previstas no Plano Nacional de Políticas Públicas para Mulheres tenham alcance em cada um dos Estados da Federação, esses entes federativos devem criar órgãos de monitoramento e coordenação das políticas para trabalhar com as especificidades de cada Estado e Município na defesa pelos direitos das mulheres. Um desses órgãos é o Organismo de Políticas Públicas para as Mulheres, as OPMs fruto do Pacto Nacional de enfrentamento à violência contra as Mulheres (2011).

Nesse sentido o IPEA fez o diagnóstico da instalação desses Organismos no âmbito estadual e municipal e concluiu que em 2013, apenas 10% dos municípios brasileiros, cerca de 559 deles, possuíam Organismos de Políticas para as Mulheres. Dos 27 Estados, apenas dois não possuíam OPMs. Os Organismos foram criados em 2003, de lá pra cá o número de OPMs caiu em 2012 e em 2009, segundo o levantamento.

Às Redes de Atendimento e de enfrentamento à violência contra as mulheres também foram objeto da pesquisa do IPEA. Elas representam uma verdadeira força tarefa com a atuação de órgãos governamentais e não governamentais de diversas para prestar apoio e atendimento psicológico, social, jurídico e de saúde a mulheres vítimas de violência. Elas estão previstas no Plano Nacional de Políticas para Mulheres cujos objetivos são o combate, prevenção, assistência e garantias de direitos das mulheres.

Das Redes fazem parte os Centros Especializados da Mulher/ Centros de Referência e foram diagnosticados a partir dos dados coletados pela Secretaria de políticas Públicas para as Mulheres. A pesquisa representou a distribuição espacial dos Centros: em 20013, dos 214 Centros de Referência de Atendimento à Mulher distribuídos nos municípios brasileiros, 74 estão localizados na região Sudeste, 63 no Nordeste, 11 na região Sul, 28 no Norte e 18 no Centro Oeste. Quando se fala das Casas de Abrigo, espaços de asilo e atendimento integral a mulheres em situação de risco de vida iminente, apenas 70 municípios possuem Casas de Abrigo, totalizando 77 locais de atendimento. Destes, a maioria na região Sudeste, sobretudo em São Paulo. Nas regiões Norte e Nordeste, eles se concentram nas Capitais. Das Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher, mais de 200 delas estão na região Sudeste e Sul, a região Nordeste conta com apenas 80 DEAM.

Das conclusões da pesquisa leva-se em consideração aquela que revelou que as microrregiões que receberam maior número de Centros Especializados da Mulher, entre 2006 e 2016 não diminuíram, em números gerais, seus índices de violência doméstica contra a mulher. Por outro lado, a pesquisa revelou que as microrregiões com maiores taxas de violência doméstica contra a mulher entre 2006 e 2011 não foram as que receberam maior número de unidades de atendimento à mulher e ainda assim registraram queda nos números de violência doméstica.

Das inúmeras críticas que podem ser apontadas aqui a maior delas é a falta de planejamento na decisão de criação das unidades de atendimento à mulher e a deficiência no incremento de políticas afirmativas e de educação nas regiões que receberam mais investimentos públicos na construção dos Centros Especializados de Apoio à Mulher.

A mobilidade urbana é outro campo de atuação do Estado que mais tem recebido “atenção” na elaboração de políticas públicas. Os casos de assédio e violência contra a mulher mobilizaram organizações civis e o poder público na tentativa de minimizar o problema.

O sistema de vagões exclusivos para mulheres foi implantado a primeira vez no Rio de Janeiro, em 2006. Nos primeiros meses de sua implantação houve de grande resistência dos homens em aceitar a medida. Hoje os usuários assimilaram a medida e frequentam normalmente o metrô sem grandes intercorrências. Em São Paulo, o governo não teve êxito na implantação da medida. Em 2014 o projeto de lei conhecido como “ônibus rosa”, que seria implementado nos horários de pico, foi rejeitado por pressão de vários grupos femininos que entenderam se tratar de mais uma medida de segregação de espaços.

Nesse dissenso, há mulheres que mesmo não concordando com a medida entendem que para aquelas que tem no transporte público a única alternativa de deslocamento e muitas vezes representam a parcela pobre da população, é importante a existências desses espaços até como estratégia emergencial de proteção (HELENE, 2014). Os vagões exclusivos também são uma realidade em Brasília desde 2013 e em Belo Horizonte, a partir de 2016. No Recife, a medida foi implantada em 2017 e suspensa um ano depois por falta de verbas para garantir a presenças de seguranças no local dos vagões.

Em entrevista para o TheCItyFIx (2017), a engenheira e pesquisadora Haydeé Svab fez importantes ponderações sobre o vagão rosa. Segundo ela, não há um consenso sobre a efetividade da medida, sobretudo porque ela não age sobre a causa que é a falta de respeito do homem com a mulher, revelando que as políticas para a mulher não são baseadas na prevenção, com campanhas educativas, por exemplo. Além disso, Svab pontua que os problemas do transporte público estão também no desenho da cidade e na distribuição das oportunidades de trabalho e no oferecimento de serviços sempre concentrados em áreas específicas da cidade que acabam por saturar o transporte.

Nesse sentido, foram os resultados de uma pesquisa realizada por um grupo de arquitetas do coletivo FeminimUrbana sobre a opinião das mulheres em relação às áreas exclusivas no transporte público. A pesquisa foi feita no site do coletivo entre novembro de 2013 e fevereiro de 2014: 54,1% das mulheres que responderam o questionário nunca usaram o vagão exclusivo. 42,12% apoiam, mas acreditam ser uma medida paliativa pois é necessário acabar com a cultura do abuso nos transportes. 20% foram enfáticas ao afirmar que é uma péssima medida, pois dividir homens e mulheres não é solução para a cultura do abuso nos transportes. 7,58% foram contra a medida e tão pouco acreditam que o governo não fará outras medidas para conter os abusos no transporte. 5,45% consideraram uma boa medida e 4,85% são contra porque o vagão exclusivo criaria problemas paras as pessoas trans (HELENE, 2014).

Embora tenha sido uma pesquisa de pouco alcance pois se restringiu às mulheres que acessaram a página do coletivo e não tenha sido definida uma região ou cidade específica onde a pesquisa pudesse se aplicada, ela corrobora o entendimento de que o entender o transporte público na perspectiva de gênero é entender as estruturas sociais em que ele se encontra inserido o que exige um trabalho em diversas frentes de atuação envolvendo o poder público e principalmente as mulheres.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Reconhecer as desigualdades que se projetam no espaço das cidades é fundamental para perceber do que elas são feitas: de experiências humanas. Nesse sentido o Direito aparece como um recurso que deve se conectar com as realidades sociais na sua diversidade para ser capaz de garantir toda a complexidade de direitos que formam e se formam nas cidades. Assim a cidade se constitui em um bem jurídico dinâmico, um espaço vivo de promoção de direitos.

No entanto, se nem todas as experiências humanas de que a cidade é feita são respeitadas e garantidas, ela se converte em lugar de violação e anulação de direitos.

Assim, este trabalho se destina a compreender como a experiência feminina na cidade está, neste lugar de direito violado e anulado historicamente.

A caminho do Direito Urbanístico no Brasil é recente e marcado por interesses dominantes que deram o tom da sua atuação sobretudo nos anos de chumbo, quando tudo era posto a serviço da Ditadura. Os grandes planos urbanísticos para o desenvolvimento nacional tinham legalidade jurídica, mas não expressavam os anseios sociais. Mesmo quando passou a regular os espaços urbanos e ganhou os tons democráticos da Constituição de 88, ele parece distante de ser suficiente para ordenar as cidades e garantir todos os direitos que delas nascem. O problema não parece estar no Direito propriamente dito, pois se criou um arcabouço jurídico sobre os temas urbanísticos. O que falta ao Direito Urbanístico é dialogar mais e melhor com as diferenças sociais para ganhar mais aplicabilidade e efetividade.

As políticas públicas e aquelas destinadas especialmente à mulher são bem elaboradas, mas também lhes falta mais aplicabilidade que só é possível, nos dizeres de Lefebvre, quando se ouve o que a cidade tem a dizer. Ainda que as políticas públicas para as mulheres, consubstanciadas no Plano Nacional de Políticas para as Mulheres abarcam toda a gama de direitos das mulheres e sejam construídas garantindo a participação nos processos de elaboração, elas não dão conta de impactar significativamente a vida das mulheres na cidade.

Tanto o Direito Urbanístico quando o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres parecem deslocados da realidade e das experiências femininas nas cidades. Os avanços legais da atividade urbanística ordenada pelo Estado somados aos avanços legislativos das políticas de governo não são suficientes para o acesso à justiça social nas cidades. Por outro lado, as políticas públicas representam um compromisso social do poder público e como tal tem relevância na medida em que imprime valor as atuações de Estado.

As mulheres, de maneira independente do poder público tem se organizado coletivamente para os lugares de escuta das reivindicações. São coletivos, associações, grupos de pesquisa, organizações não governamentais, institutos, rodas de conversa, congressos e movimentos feministas e femininos que tem transferidos os locais dos saberes, antes neutros e universais, para a diversidade de necessidades, interesses, desejos, medos e de tudo mais que é feita a cidade.

Esses movimentos parecem conseguir mapear com mais clareza o sentido da perspectiva de gênero dos direitos e pensado em alternativas para reorganizar as cidades de modo que sejam em algum momento mais democráticas e mais iguais. As tímidas experiências no Brasil e no Mundo mostram que o caminho para o uso mais igual do espaço urbano é a vida cotidiana, aquela que acontece longe dos centros produtivos e das vias abarrotadas de automóveis. É nos subúrbios, nas periferias, nos arredores, nos bairros, na vida local que está a saída. As políticas públicas ainda não chegam nas experiências locais e não se realizam na prática tanto quanto é preciso. Nesse sentido o urbanismo feminista vem para estimular novos comportamentos nas cidades.

É uma diversidade e uma complexidade que as políticas governamentais não conseguem lidar, pois mesmo entre as mulheres, há desigualdades históricas entre negras e brancas e mulheres periféricas e burguesas. Um dos eixos de maior atuação do poder público, pelo menos em termos publicitários é o combate a violência, mas sem considerar elementos físicos e equipamentos públicos como iluminação pública, terrenos baldios, longas distâncias, áreas com pouca infraestrutura e serviços públicos, não há efetividade de ações e isso fica claro quando os números de violência contra a mulher não param de subir no ambiente doméstico e no espaço público.

Um estudo sobre segurança urbana em 10 países desenvolvido pela Actionaid – A cidade é de quem? Concluiu que os governos devem tomar uma série de medidas, incluindo a coleta de dados detalhados sobre da violência contra as mulheres em espaços públicos e que esses dados sejam usados na elaboração de programas de prevenção e segurança urbana. O Relatório também concluiu que no Brasil não há planejamento urbano ou planos de planejamento urbano que abordam a perspectiva de gênero e desde 2016, o orçamento de enfrentamento contra a violência contra a mulher foi reduzido em 70% (A CIDADE…2017).

Portanto, longe de ser mais um amontoado jurídico, este trabalho pretende ser uma tímida provocação para pensar a cidade sob olhares femininos também, para refazer o caminho de encontro das mulheres com a cidade. Este trabalho foi pensado para ser mais um instrumento de mobilização e de troca de informações e experiências sobre a cidade que queremos. Enquanto não forem superados esses gargalos políticos e sociais, não há que se falar em direito à cidade.

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Como citar e referenciar este artigo:
SILVA, Isayana Oliveira. Direito, gênero e cidade: por uma política pública de uso igual do espaço urbano. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2019. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/direito-genero-e-cidade-por-uma-politica-publica-de-uso-igual-do-espaco-urbano/ Acesso em: 29 mar. 2024