Direito Constitucional

Princípio da Eficiência, Poder Judiciário e a Tecnologia

Priscila Lima Aguiar Fernandes[1]

RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo examinar a relação entre o Poder Judiciário e o princípio da eficiência, com enfoque nos avanços tecnológicos, que cada vez mais ganham espaço na atividade judiciária, conferindo especial destaque a um estudo sobre predição de decisões judiciais realizados por cientistas da computação da University College London.

Palavras-chave: Poder Judiciário. Princípio da eficiência. Avanços Tecnológicos. Predição de decisões judiciais.

ABSTRACT: The purpose of this study is to examine the relationship between the Judiciary and the efficiency principle, focusing on technological advances, which are increasingly gaining space in the judicial activity, with special emphasis on a study on prediction of court decisions by computer scientists at University College London.

Keywords: Judiciary. Judicial Efficiency. Technological advancements. Prediction of judicial decisions.

1 INTRODUÇÃO

Com o aumento das relações interpessoais, houve a necessidade da busca de alternativas para dirimir eventuais conflitos entre os indivíduos, entretanto, na maioria das vezes, não são resolvidos sem o auxílio do Poder Judiciário. Uma vez acionado, o intuito principal de referido poder é a solução de celeumas por meio de uma prestação jurisdicional justa e dotada de eficácia.

Desta forma, o Judiciário tem a função de garantir os direitos individuais, coletivos e sociais, bem como de resolver conflitos entre os cidadãos, entidades e o Estado, mediante a busca por decisões justas, eficientes e eficazes.

Diante destas considerações, por meio do presente trabalho teórico, desenvolvido pelo método dedutivo, pretende-se, primeiramente, tecer breves considerações sobre o Poder Judiciário e sobre o princípio da eficiência, traçando um paralelo entre a buscada eficiência na prestação jurisdicional e os avanços tecnológicos na seara judicial. Por fim, aborda-se, para fins exemplificativos, estudo sobre a predição de decisões judiciais do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos realizado no ano de 2016 por cientistas da computação da University College London.

2 CONSIDERAÇÕES SOBRE O PODER JUDICIÁRIO

Conforme adiantado, no presente artigo será tratada a relação entre a aplicação do princípio da eficiência no Poder Judiciário e as novas tecnologias presentes nesta esfera, que, sem dúvidas, em muito auxiliam em questões como a celeridade processual, no entanto, sozinhas não são suficientes para resolver a morosidade judicial e demais problemáticas inerentes à prestação jurisdicional.

Desde o advento da Constituição Federal de 1988, com a instituição de um Estado Democrático de Direito no país e a inserção do princípio da dignidade da pessoa humana como um de seus fundamentos, o Estado brasileiro possui como objetivos fundamentais a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza e das desigualdades regionais, garantir o desenvolvimento nacional e promover o bem de todos, sem qualquer distinção.

Desta forma, o Estado Democrático de Direito, composto pelos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, independentes e harmônicos entre si, poderes estes que, em verdade, são diferentes funções estatais, visto que o poder é um só e emana do povo, visa a garantir os direitos individuais, de forma a assegurar os direitos do homem e efetivar o princípio da dignidade da pessoa humana.

Consoante citado por DE CICCO e GONZAGA (2013, p. 270), “[…] o Estado de Direito se caracteriza por três notas essenciais, a saber: ser obediente ao Direito; por ser guardião dos Direitos; e por ser aberto para as conquistas da cultura jurídica”.

O Poder Judiciário, por conseguinte, detém a função de concretizar a aplicação das leis, de forma eficiente, para que se possa dar efetividade aos objetivos contidos na Carta Magna brasileira. Isto somente se dará com a oferta de uma correta prestação jurisdicional, rápida o suficiente para atender aos interesses daquele que buscou o Poder Judiciário para solucionar sua celeuma jurídica e/ou encerrar eventual malferimento a suas garantias e aos seus direitos fundamentais.

Impende destacar sobre esta questão que não podem os juízes decidir a seu arbítrio. Consoante explanado por MARINONI (2014, p. 72):

No Brasil, muitos juízes ainda imaginam que podem atribuir significados aos textos que consagram direitos fundamentais a seu bel-prazer – como se a Constituição fosse uma válvula de escape para a liberação dos seus valores e desejos pessoais- e, assim, decidir sem qualquer compromisso com os precedentes constitucionais, numa demonstração clara da ausência de compreensão institucional.

Desta forma, na atuação judicial, faz-se necessária a interpretação jurídica das regras aplicáveis ao caso concreto, em conformidade com os princípios constitucionais, buscando a realização da justiça de forma célere e eficiente, conforme exposições trazidas nos tópicos seguintes.

3 JUSTIÇA E EFICIÊNCIA NO PODER JUDICIÁRIO

O princípio da eficiência foi introduzido na Constituição Federal pela Emenda Constitucional n° 19/1998, de 04 de junho de 1998, visando à desburocratização para buscar inovação para prestação dos serviços públicos com excelência, rapidez e menor custo possível.

Passou, então, o princípio da eficiência a fazer parte daqueles princípios que norteiam a atividade da Administração Pública, juntamente com os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, contidos no caput do art. 37 da Constituição Federal: “Art. 37 A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência […]”. (BRASIL, 1988).

Desta forma, referido princípio também é de observância obrigatória pelo Poder Judiciário. Entretanto, importante destacar que o termo “eficiência”, seja se referindo à Administração Pública ou ao Poder Judiciário, sempre deve vir em conjunto com a busca das finalidades estabelecidas na ordem jurídica vigente.

BANDEIRA DE MELLO (2016, p. 126), de forma esclarecedora, tece as seguintes considerações sobre o princípio da eficiência na Administração Pública, incluído o Poder Judiciário:

O fato é que o princípio da eficiência não parece ser mais do que uma faceta de um princípio já superiormente tratado, de há muito pelo Direito italiano: o princípio da “boa administração”. Este último, como resulta das lições de Guido Falzone, em desenvolver a atividade administrativa “do modo mais congruente, mais oportuno e mais adequado aos fins a serem alcançados, graças à escolha dos meios e da ocasião de utilizá-los concebíveis como os mais idôneos para tanto.

Impende, neste ponto, fazer uma diferenciação entre os termos eficiência, eficácia e efetividade. Segundo CHIAVENATO (1994, p. 70),

Eficácia é uma medida normativa do alcance dos resultados, enquanto eficiência é uma medida normativa da utilização dos recursos nesse processo. […] A eficiência é uma relação entre custos e benefícios. Assim, a eficiência está voltada para a melhor maneira pela qual as coisas devem ser feitas ou executadas (métodos), a fim de que os recursos sejam aplicados da forma mais racional possível […]. À medida que o administrador se preocupa em fazer corretamente as coisas, ele está se voltando para a eficiência (melhor utilização dos recursos disponíveis). Porém, quando ele utiliza estes instrumentos fornecidos por aqueles que executam para avaliar o alcance dos resultados, isto é, para verificar se as coisas bem feitas são as que realmente deveriam ser feitas, então ele está se voltando para a eficácia (alcance dos objetivos através dos recursos disponíveis).

Desta feita, apenas para fins elucidativos, aplicando-se tais conceitos ao proferimento de uma sentença, tem-se que se ela foi proferida de forma célere, é eficiente. Contudo, somente terá eficácia se proferida com observância das garantias processuais, com a devida fundamentação, com a observância das peculiaridades do caso concreto e detenha aptidão para gerar efeitos jurídicos.

Assim, a atuação ideal do Judiciário ocorrerá com a união dos conceitos de eficiência e eficácia, alcançando a efetividade, que é um conceito complexo e se relaciona, principalmente, com a avaliação acerca de como, de maneira adequada, uma organização cumpre sua missão, alcança seus objetivos previamente estabelecidos e se adapta a novas e constantes mudanças no ambiente. (HANNAN; FREEMAN, 1977). 

Sobre esta temática, em especial sobre a eficiência no Poder Judiciário, é relevante mencionar que o artigo 5º da Constituição Federal, em seu inciso LXXVIII, traz expressamente o princípio da razoável duração do processo:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[…]

LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (BRASIL, 1998).

Referido princípio, apesar de apenas se tornar expressamente presente em nosso texto constitucional com o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004, que trata da reforma do Poder Judiciário, já era existente no ordenamento jurídico nacional, mesmo que implicitamente, principalmente quando se falava em devido processo legal (due processo of law), por ser este o princípio que engloba todos os outros princípios, juntamente com a ampla defesa, contraditório e a imparcialidade. Citados princípios são as garantias constitucionais básicas processuais para que se possa falar em uma sociedade justa e democrática dentro de um Estado Democrático de Direito.

Nesse sentido, vaticina MORAES (2007, p. 100) que:

O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa (direito à defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal).

Também podemos falar que o princípio da razoável duração do processo já se encontrava inserido no próprio princípio da eficiência aplicável à Administração Pública, contido no art. 37, caput, da Constituição Federal, sendo necessária, entretanto, a adoção de outras medidas em leis e regulamentos para que esta razoável duração tenha efetividade.

Ademais, o princípio da razoável duração do processo, sem esta nomenclatura, mas com o mesmo intuito, também fazia parte do ordenamento jurídico brasileiro por meio da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), ratificada no ano de 1992, cujo art. 8º, 1º, estabelece:

Art. 8º, 1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. (BRASIL, 1992).

CÂMARA (2005, p. 58) endossa este entendimento ao afirmar que tal princípio, com a Emenda Constitucional nº 45, foi simplesmente elevado ao patamar de garantia constitucional. DINAMARCO (2005, p. 44) destaca que, anteriormente, não se dava qualquer importância aos ditames da Convenção Americana de Direitos Humanos:

[…] De nada tem valido a Convenção Americana de Direitos Humanos, em vigor neste país desde 1978, incorporada que foi à ordem jurídica brasileira em 1992 (dec. n. 678, de 6.11.92); e foi talvez por isso que agora a Constituição quis, ela própria, reiterar essa promessa mal-cumprida, fazendo-o em primeiro lugar ao estabelecer que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (art. 5º, inc. LXXVIII, red. EC n. 45, de 8.12.04).

Desta maneira, não se pode mais discutir a existência do princípio da razoável duração do processo como garantia fundamental do indivíduo, não bastando o acesso à justiça dissociado da celeridade. No entanto, para uma atuação ótima do Poder Judiciário, repisa-se, somente a eficiência não é aceitável. Embora se possa considerar que o agir eficiente satisfaça o princípio da razoável duração do processo, não necessariamente isto significa uma oferta de justiça melhor.

A eficiência, portanto, não pode ser vista como um fim em si mesmo, ou seja, não pode ser encarada, em se tratando de Poder Judiciário, como mera rapidez na prolação de sentenças. É de extrema importância o cuidado com a reclamada “eficiência no Poder Judiciário”, pois não pode ser obtida a qualquer preço e nem confundida como realização de justiça, principalmente porque é mensurada, na maioria das vezes, unicamente com critérios quantitativos, dissociada dos critérios qualitativos, o que não traduz os fundamentos contidos no princípio da dignidade da pessoa humana, inerente ao Estado brasileiro.

Ou seja, não se pode simplesmente pretender, sob o pretexto da eficiência, a substituição da administração burocrática para a administração gerencial, desvinculando-se dos freios necessários ao bom funcionamento do Estado de Direito. Não se admite, portanto, buscar o fim que se pretende a todo custo, por quaisquer meios, sob pena de ofensa às garantias individuais

Ora, o próprio conceito de duração razoável do processo é relativizado de acordo com a complexidade das causas, ou seja, dependendo do conflito da relação jurídica existente há a necessidade de mais ou menos atos processuais, que afetarão em uma maior ou menor duração do processo, sob pena de decisões inseguras e ineficazes, já que todo processo demora um tempo.

Obviamente, há um tempo natural do processo que precisa ser respeitado, visando justamente à tutela jurisdicional adequada e cumpridora de todos os preceitos constitucionais. A morosidade, desta forma, não é um mal por si só, bem como a eficiência, consoante acima disposto, não significa necessariamente a boa justiça. BARBOSA MOREIRA (2000, p. 144-145) vaticina sobre o assunto:

Seria fácil invocar aqui um rol de citações de autores famosos, apostados em estigmatizar a morosidade processual. Não deixam de ter razão, sem que isso implique – nem mesmo, quero crer, no pensamento desses próprios autores – hierarquização rígida que não reconheça como imprescindível, aqui e ali, ceder o passo a outros valores. Se uma justiça lenta demais é decerto uma justiça má, daí não se segue que uma justiça muito rápida seja necessariamente uma justiça boa. O que todos devemos querer é que a prestação jurisdicional venha a ser melhor do que é. Se, para torná-la melhor, é preciso acelerá-la, muito bem: não, contudo, a qualquer preço.

É claro, portanto, que uma razoável duração processual exclui os extremos, tanto o processo que dura excessivamente, aguardando anos por uma mera decisão interlocutória, tanto o processo extremamente curto e instantâneo, sem alcançar o cumprimento de suas funções e, desta maneira, sem alcançar a justiça pretendida. Os dois extremos são um mal para o alcance da justiça. Sobre esta questão, colaciona-se a esclarecedora explanação de MARINS (2011, p. 191):

[…] O tempo razoável para o processo, concebido como amálgama de garantias, não é necessariamente o tempo mais curto, mas justamente o mais adequado para que cumpra suas funções. Acelerar o processo pode, em algumas hipóteses, retirar a razoabilidade de sua duração. Processo ‘instantâneo’ ou ‘quase instantâneo’ não é razoável e representa, inclusive, contraditio in terminis, ou seja, a própria noção de processo implica transcurso de certo tempo, lapso razoável para que possa ser solucionado. O propósito de instantaneidade ou de encurtamento abrupto do processo configura, muitas vezes, atentado contra sua racionalidade e nessa medida representa agressão ao princípio da razoável duração do processo. Repita-se: o tempo é insuprimível do processo.

A grande questão sobre o tema em tela é a garantia de uma eficiente prestação jurisdicional, visando justamente ao bem-estar coletivo e à justiça, sem que haja desrespeito às demais garantias constitucionais, muitas vezes mais importantes do que uma duração mínima processual. Deve-se, portanto, visar à efetividade do processo e da justiça, por meio da união da eficiência e da eficácia.

Não pode o Poder Judiciário virar um escravo de metodologias extraídas das ciências exatas e de discursos como o da eficiência, julgando de forma célere, mas ineficaz, apenas para alcançar uma satisfação quantitativa, muitas vezes pressionado pela estipulação de metas. Consoante afirmado por COUTO E MEYER-PFLUG (2014),

O discurso da eficiência tem tomado conta dos corredores do Judiciário, da Academia e, com singular atenção, da grande mídia e, por consequência, de toda a sociedade. Todos parecem clamar por um processo célere e, para essa obtenção, exigem um controle numérico-quantitativo de processos e de decisões, a partir de uma análise econômica da eficiência, solução que, para nós, deve ser vista com alguma reserva ou cuidado. (grifos no original).

MARINONI (2006, p. 584) reconhece que “a busca de decisões perfeitas bate-se contra a necessidade de respostas rápidas do processo. Se o primeiro objetivo exige tempo, o segundo escopo impõe a restrição desse elemento”.

Assim, apesar de demora desarrazoada do processo ser completamente desprezível, devendo ser banida de nosso sistema jurídico, pois o processo excessivamente lento não cumpre sua função de justiça, não pode ser o processo excessivamente rápido, sob pena de decisões inseguras, inadequadas ao caso, não alcançando também, desta forma, o fim de justiça.

A preocupação deve ser não apenas com a celeridade jurisdicional e a tal eficiência, mas a celeridade somada às decisões justas e adequadas ao caso concreto, devendo ser observada a complexidade da causa de cada um, sob pena de diminuição das garantias processuais e materiais das partes.

Neste diapasão, tendo em consideração que, atualmente, busca-se a cada dia a diminuição na duração das atividades, com a otimização entre o tempo e os recursos empregados para consecução do objetivo final, na atividade judicial não é diferente. Para atingir tal finalidade, emprega-se cada dia mais e em mais esferas do Poder Judiciário a tecnologia, mirando a harmonia entre a prestação jurisdicional e os avanços tecnológicos, de forma a extrair o máximo dos progressos científicos para o alcance da justiça e a efetivação dos direitos fundamentais.

4 JUSTIÇA E TECNOLOGIA: UMA UNIÃO INEVITÁVEL

Consoante visto no tópico anterior, partindo da premissa que justiça é o fim almejado por aqueles que buscam se socorrer no Poder Judiciário, este deve procurar o equilíbrio entre a celeridade e a segurança jurídica no proferimento de decisões, com uma máxima coincidência entre ambos os aspectos, objetivando um ponto ótimo nesta ponderação. Observadas tais garantias, bem como a colaboração das partes processuais com vistas a esse atingimento, a tecnologia surge como aliada do Poder Judiciário para conferir maior celeridade aos julgamentos e demais andamentos processuais, evitando dilações indevidas, mas, decerto, longe de garantir decisões instantâneas.

Quanto aos meios para alcance da justiça e do bem-estar social, pode-se afirmar que estes são variáveis conforme à época. Atualmente, não há como fugir da tecnologia, sendo necessário um ponto de inflexão na sociedade, de forma a se valer das novidades tecnológicas como instrumento para alcance da justiça, especialmente na diminuição do tempo empregado nas tarefas realizadas e na otimização de recursos humanos e financeiros. Em consonância com esta temática, SANTOS e ZANETTI (2017, p. 85) afirmam que “[…] a incorporação das novas tecnologias é realidade. Compete ao homem lidar com essa referência e extrair dos avanços científicos meios para a constituição de um Poder Judiciário eficiente.

A utilização da tecnologia possibilita a prestação e ampliação de vários serviços como, por exemplo, intimações eletrônicas, até mesmo pelo whatsapp, sistemas bacenjud e renajud, realização de audiências por videoconferências, bem como de sustentação oral, e o próprio processo eletrônico, que, segundo estudos realizados pela Fundação Getúlio Vargas a pedido do Conselho Nacional de Justiça, é julgado mais rápido que o processo físico. No referido estudo, menos de 25% dos autos digitais analisados tramitou por mais de 50 meses sem andamento de término, enquanto mais de 60% dos autos físicos superaram o mesmo prazo, em todas as classes processuais examinadas.[2]

O acesso digitalizado de documentos é possível em qualquer lugar, o que aumenta a agilidade dos julgamentos, havendo também a integração automatizada entre publicações judiciais e tribunais e uma maior possibilidade de acessibilidade por parte das pessoas com deficiência visual.

Já há também a utilização de ferramenta de inteligência artificial pelos tribunais pátrios, inclusive no Supremo Tribunal Federal, o VICTOR, que, inicialmente, irá ler todos os recursos extraordinários que sobem para a Corte Superior e identificará quais estão vinculados a determinados temas de repercussão geral, havendo a pretensão de ampliar cada vez mais seu campo de aplicação, bem como uma intensa discussão quanto à utilização de juízes-robôs, visando à celeridade processual e diminuição de custos. Ainda há muita discussão e inovação por vir na seara da tecnologia, razão pela qual se deve visualizar tais avanços como aliados na prestação jurisdicional, para extrair o que a tecnologia tem de melhor.

Vale destacar que, além do uso das ferramentas tecnológicas pelo Judiciário, é necessário também investir em gestão, recursos humanos e materiais, bem como na resolução extrajudicial de conflitos, além de uma conscientização da própria sociedade, de modo a reduzir a “tara” pelo litígio e a cultura pela busca de resolução de conflitos apenas por meio do Poder Judiciário, não olvidando o fato de que a tecnologia passará a compor, cada vez mais, o universo jurisdicional.

Sobre a substituição de juízes por máquinas, existem estudos recentes sobre a predição de decisões judiciais, como o realizado por cientistas da computação da University College London (ALETRAS; TSARAPATSANIS; PREO?IUC-PIETRO; LAMPOS, 2016), em outubro de 2016, que, por meio de um robô, conseguiu prever decisões judiciais da Corte Europeia de Direitos Humanos, cuja função é basicamente proteger a Convenção Europeia de Direitos Humanos, que hoje agrega 47 países – proteção de direitos civis e políticos – dada a evidência textual extraída de um caso. Ao analisar 584 (quinhentos e oitenta e quatro) casos, o robô tomou decisões iguais às dos humanos em 79% (setenta e nove por cento) das vezes, ou seja, para 79 (setenta e nove) de cada 100 (cem) casos o modelo previu corretamente o resultado do julgamento, baseado apenas em conteúdo textual.

Referido estudo buscou desvendar padrões que direcionam as decisões judiciais, com a finalidade de ser uma ferramenta auxiliar para identificar rapidamente casos e extrair padrões que levam a certas decisões. Desta feita, o trabalho visa a ajudar no dia-a-dia dos juízes e advogados, de forma a trazer maior celeridade e eficiência na atuação profissional.

Foi a primeira vez em que se conseguiu prever os resultados de um grande tribunal internacional por meio de um algoritmo de aprendizagem de máquina, analisando automaticamente textos de casos lá julgados. Tomou-se por base casos que estavam disponíveis para acesso ao público, por violação ou não a determinados artigos da Convenção Europeia de Direitos Humanos, sendo 250 (duzentos e cinquenta) casos relativos ao artigo 3º (proíbe a tortura e tratamento desumano e degradante), 80 (oitenta) casos relativos ao artigo 6º (protege o direito a um julgamento justo) e 254 (duzentos e cinquenta e quatro) casos referentes ao artigo 8º (oferece o direito ao respeito pela vida privada e familiar, ao domicílio e à correspondência).

O software ponderou evidencias legais e questões morais e conseguiu premeditar o resultado da avaliação humana na grande maioria dos casos, usando informações textuais lá contidas, conforme já mencionado.

Encontrou-se também a informação de que os julgamentos da Corte Europeia de Direitos Humanos dependem mais de fatos subjetivos do que puramente de argumentos legais, de forma que os juízes os quais compõem mencionada Corte seriam mais realistas do que formalistas na teoria jurídica, apegando-se ao contexto fático dos casos.

O sistema preditivo, portanto, pode oferecer uma ferramenta útil de assistência a juízes e advogados quanto a questões de celeridade processual, pois, uma vez aprimorado, pode ser usado para identificar rapidamente casos e extrair padrões que se correlacionam com certos resultados e até mesmo para priorizar casos em que há violação de lei muito provável, o que pode melhorar a rapidez na prestação jurisdicional, alcançando a eficiência tão desejada, além de encorajar mais pedidos de indivíduos que possam ter se desencorajado por casos similares com demorada resolução. Além disso, haveria, em tese, a possibilidade de evitar situações de parcialidade de magistrados no proferimento de certas decisões judiciais, especialmente em casos de forte apelo midiático e com grande pressão da opinião pública.

No entanto, entende-se que a tecnologia não deve ser vista como substituta de juízes e advogados, mas sim como uma ajuda para identificar padrões que possam levar a resultados mais rapidamente e auxiliar na busca de jurisprudências adequadas ao caso concreto, bem como em tarefas consideradas repetitivas e até mesmo na elaboração de peças processuais e/ou decisões judiciais para processos de contencioso de massa, como já existem em grandes escritórios de advocacia, por meio do uso de inteligência artificial.

De início, pode-se até pensar que a atuação de robôs ocasionaria, como regra, decisões mais justas, céleres e menos suscetíveis a erros, entretanto, sempre existirão casos sensíveis em que há necessidade do subjetivismo do juiz, causas nas quais o homem jamais poderá ser substituído por máquinas ou programas de computadores, sob pena de o litigante ter sua pretensão analisada de forma genérica e impessoal.

5 CONCLUSÃO

Nos termos expostos no presente trabalho, restou claro que a eficiência, por si só, não basta para o fornecimento de uma adequada prestação jurisdicional. Para existir a boa tutela jurisdicional, ou seja, decisões céleres, seguras e dotadas de eficácia, é necessária a conscientização da população de que o processo não é um jogo e dos magistrados sobre a sua responsabilidade, juntamente com a utilização da tecnologia como aliada para tal múnus, para racionalizar e facilitar procedimentos dos serviços judiciários.

O ideal é que haja uma harmonização entre as competências outorgadas pela Constituição Federal ao Poder Judiciário e as novidades de processos e produtos, mesmo porque não há como fugir do contexto de invasão tecnológica na sociedade. O que se deve fazer é retirar o que há de melhor nos avanços científicos para auxiliar na concretização da justiça e eliminar os pontos nos quais esta mesma tecnologia pode ser deletéria à sociedade.

6 REFERÊNCIAS

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[1]Advogada atuante na área de Direito Público. Graduada em Direito pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR; Especialista em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Mestranda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP.

[2] Disponível em:  http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/85610-pje-juiz-decide-mais-rapido-em-processo-eletronico-diz-estudo. Acesso em: 19 set.2018.

Como citar e referenciar este artigo:
FERNANDES, Priscila Lima Aguiar. Princípio da Eficiência, Poder Judiciário e a Tecnologia. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2019. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/principio-da-eficiencia-poder-judiciario-e-a-tecnologia/ Acesso em: 29 mar. 2024