Direito Constitucional

Jurisprudência brasileira: neofonte de direito

Quando entendemos a jurisprudência como fonte de direito[1] as discussões doutrinárias refletem influências na teoria da norma e na teoria da interpretação.

Segundo Tércio Sampaio afirma que a questão central para a teoria das fontes é descobrir quais são os centros produtores, posto que o Direito não é essencialmente dado, mas sim, elaborado no interior da cultura humana. Há de se lembrar que, para o autor, o Direito como produto cultural não incorpora a vivência material humana, visto que compreende a cultura também como fruto de uma concepção apriorística ideal.

A jurisprudência, por sua vez, é conceituada como o conjunto das manifestações do Poder Judiciário quando do desempenho da missão de aplicar contenciosamente a lei aos casos concretos.

Na perspectiva da maioria dos manuais de Direito que tratam sobre o tema, a jurisprudência estabelece um entendimento a respeito da norma a ser subsumida ao caso sub judice, sendo a fonte através da qual se manifesta o Direito, em sua aplicação prática e real.

Finalmente, a doutrina é delineada como o conjunto de exposição, explicação e sistematização do Direito, consubstanciada nas manifestações dos jurisconsultos.

No século XIX existiram grandes discussões no âmbito a Ciência do Direito quanto ao reconhecimento ou não do costume, da doutrina e da jurisprudência como fontes do Direito[2].

Tal discussão adentrou ao século XX e, ainda hoje, se encontram, nas obras de Introdução ao Estudo do Direito, diferentes posições sobre o tema. Alguns classificam como fontes do Direito apenas a lei.

Outros doutrinadores como Paulo Dourado de Gusmão e Edgar de Godoy da Mata Machado reconhecem também os costumes[3], a jurisprudência e a doutrina.

Alguns doutrinadores, por sua vez, como ocorre a Garcia Maynes, defendem que as duas últimas não podem ser consideradas fontes do Direito, ou, como afirma Miguel Reale, a última não seria fonte do Direito sendo apenas um instrumento adicional que complementaria as fontes Direito. Todavia, seja numa ou noutra concepção, tem-se a classificação hierárquica das fontes do Direito, na qual se teria o primado da lei.

Segundo Miguel Reale, as fontes materiais do Direito são os elementos centrais da elaboração jurídica, a própria matéria-prima a partir da qual se produzem as normas e correspondem ao fato social e ao valor, que, por sua vez, são conjugados para a construção de uma lei.

Ainda de acordo com o autor, fontes formais são os elementos que atribuem forma à conjugação entre fato e valor, exteriorizando o tratamento dado a eles pela sociedade por um instrumento normativo.

Na definição de Gusmão, fontes formais do Direito são meios ou formas pelas quais o Direito Positivo se apresenta na história, isto é, a forma como pode ser conhecido.

Não obstante, para Tércio Sampaio a dicotomia existente entre o formal e o material geraria o problema de impedir o entendimento do ordenamento jurídico enquanto uma unidade. Desta forma, a crítica à dicotomia leva-o a restringir suas reflexões apenas às estruturas formais do direito posto, excluindo os aspectos materiais.

É certo que no sistema da common law, a vinculatividade formal dos precedentes sempre representou objeto de estudos e análises de filósofos e teóricos do direito e, mais contemporaneamente, reverbera também no âmbito do civil law.

Karl Engish[4] que foi um doutrinador clássico sobre o estudo do método subsuntivo de aplicação das regras tratava o precedente como jurisprudência, portanto, não vinculante, a partir do artigo 95 da Lei Fundamental da Alemanha[5].

Já outros pesquisadores integrantes do círculo de Bielefeld ou Rielcfelder Kreis, à guisa do círculo de Viena quando antes da Primeira Guerra Mundial, um grupo de jovens doutores de filosofia dos quais a maioria tinha estudado física, matemática ou ciências sociais, reunia-se em um café de Viena para discutir questões de filosofia da ciência, inspirados pelo positivismo de Ernst Mach.

Entre tais jovens destacaram-se Phillipp Frank, o físico Hans Hahm, matemático e sociólogo e economista Otto Neurath.

Os membros do Círculo de Viena identificaram Albert Einstein, Bertrand Russel, Ludwig Wittgenstein como os principais representantes da concepção científica do mundo. Sua projeção internacional deveu-se à impressionante produtividade entre os anos de 1928 e 1938 quando transformaram a revista Annalen der Philosophie na famosa Erkenntnis (Conhecimento) dirigida por Rudolf Carnap e Reichenbach e que se convertera no veículo de expansão das ideias do grupo.

O programa de debates do neopositivistas se embrenhava em assuntos tão diversos tais como psicologia, a análise lógica (seguindo a filosofia Gotton Frege, do Wittgenstein dos primeiros tempos, de Whitehead e outros ou a sociologia positivista, com influências que iam de Epicuro até Jeremy Bentham e John Stuart Mill e Karl Marx.

Destacavam-se sua posição antimetafísica, sua análise da linguagem, o recurso à lógica e sua defesa dos métodos das ciências naturais e da matemática.

As raízes dessas posições se centram no empirismo de David Hume e John Locke e no positivismo de Auguste Comte e no empiriocristicismo de Mach, que baseiam toda a fonte de conhecimento na experiência.

Portanto, rejeitavam todo tipo de conhecimento apriorístico, ou seja, anterior à experiência e qualquer proposição que não pudesse ser confrontada com a experiência.

Para que os enunciados fossem aceitos como científicos, propunham o princípio da demarcação ou de verificabilidade. E, tal princípio só endossa o conhecimento como científico quando pudesse ser constatado por fatos verificáveis.

Daí se deduz que os enunciados somente podem ser assumidos como verdadeiros, após comparação com os fatos objetivos.

Carnap mais tarde reviu o princípio da verificabilidade e o substituiu pelo princípio da confirmabilidade. E, isso se deu principalmente porque ele aceitou as críticas a sua tese, que alertavam que as leis gerais e proposições protocolares nunca podem ser totalmente verificadas.

O novo princípio proposto se chamou de confirmação gradual, feita em maior ou menor grau, conforme a experiência, sem, contudo, ter a possibilidade de confirmação absoluta e plena. A variação dependerá da quantidade de evidência empírica que valide a proposição. E, uma vez confirmada esta, poderão então constar provisoriamente da teoria que ajuda a sustentar.

Em 1936 Moritza Schilick fora assassinado por um estudante nazista, Hans. E, como quase todos os membros do Círculo de Viena eram de origem judaica, com o advento do nazismo, deu-se a dissolução do Círculo de debates. Feigl fora para os EUA, juntamente com Carnap, seguindo o mesmo destino Kurt Godel e Ziegel, Neurath exilou-se na Inglaterra.

Em 1938, as publicações do Círculo de Viena foram proibidas em toda Alemanha. Em 1939, Carnap, Neurath e Morris publicaram a Enciclopédia Internacional da ciência unificada, que pode ser considerada a última obra do Círculo.

Carnap reconheceu que o postulado da simplicidade do Círculo de Viena provocava certa rigidez, pela qual nos vimos obrigados a realizar algumas modificações radicais para fazer justiça ao caráter aberto e à inevitável falta de certeza em todo conhecimento fático.

É paradoxal observar que, enquanto estava influenciado pelo Tractatus logico-plhilosophicus, do primeiro Wittgenstein, esse autor que prosseguiu seu trabalho filosófico em Cambridge analisava a linguagem com base nos jogos linguísticos apresentados no livro Investigações filosóficas.

Segundo a História da Filosofia de Giovanni Reale e Dario Antiseri, a filosofia do segundo Wittgenstein afirma que a linguagem é muito mais rica e articulada e mais sensata em suas manifestações não-científicas do que jamais imaginaram os neopositivistas.

O Círculo de Viena também se confrontou com as críticas de Karl Popper[6] para quem o critério de verificabilidade era contraditório e incapaz de encontrar leis universais.

Os pesquisadores separaram quatro formas básicas de importância prática dos precedentes, a saber: a vinculação formal, a força persuasiva de fato, força justificatória complementar e força meramente ilustrativa ou de mero exemplo.

Aliás, Chiassoni critica essa classificação, pois o Círculo não distingue a vinculação formal dos precedentes da força prática de fato dos precedentes e, no que se refere às três diferentes formas dos precedentes formalmente vinculantes, não considera os dois diferentes tipos de derrotabilidade.

Chiassoni propôs oito sistemas ideais de relevância formal da ratio decidendi de um precedente; sistema de relevância proibida, sistemas de relevâncias muito fracos argumentativamente, sistemas de relevância fracos argumentativamente, sistemas de relevância fortes argumentativamente, sistemas de força vinculante fraca, sistemas de força vinculante forte, sistemas de força vinculante muito fortes e sistemas de relevância discricionária.

No fundo, o debate existente reside na transição do Estado de Legalidade para o Estado Constitucional, sendo inescapáveis as contradições no sistema até que essa travessia se complete.

O império da técnica atrapalha a realização da Justiça[7] na modernidade tardia, circunstância que tem incidido no sistema de Justiça dos países filiados a civil law.

A Ciência jurídica[8] é ora considerada como scientia, por seu aspecto teórico, ora como arte, pela sua função prática, e há ainda os doutrinadores que dão uma solução eclética para definir o busilis.

A debatida cientificidade do conhecimento jurídica é alvo de polêmicas muito acirradas, e como tal o jurista Hans Kelsen e seus seguidores fiéis, admitem francamente o seu caráter científico dentro do ramo da Sociologia, negando-lhe autonomia e, outros pensadores, ainda, negam peremptoriamente qualquer cientificidade ao Direito.

A perspectiva da cientificidade do Direito nasceu ao final do século XVIII, início do século XIX, trazendo inúmeras dissidências e críticas. A palavra “ciência” é polissêmica e historicamente surgiu quando certas pessoas, repentinamente, se perguntaram sobre as razões por que as coisas corriqueiras ocorriam da forma como ocorriam.

Nesse sentido, Rubem Alves enxergou a ciência como uma especialização, um aperfeiçoamento de potenciais comuns a todos, não sendo um órgão novo do conhecimento, mas sim, uma hipertrofia de capacidades que todos possuem, podendo isto ser bom ou perigoso, pois a tendência da especialização é conhecer cada vez mais de cada vez menos.

Boaventura de Souza Santos acredita que todo conhecimento científico é um autoconhecimento, pois para o professor, a ciência não descobre, mas cria, e o ato criativo de cada cientista tem que se conhecer intimamente, antes que conheça o que com ele se conhece do real.

O conhecimento científico[9] ressalta principais pressupostos que possui, a saber: objeto determinado de estudo, ser um conhecimento conceptual ou tipológico; ser adquirido mediante método e ser um conhecimento organizado, configurando um sistema.

Considerando o Direito como técnica devemos nos ater a origem etimológica da palavra que sendo relativa a uma arte, próprio de uma arte, técnico, industrioso, hábil, feito como arte, artificial, pelo latim techicu, que, no entanto, só se documenta como substantivo masculino (especialista, técnico em uma arte), por via oculta. In: MACHADO, José Pedro. Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa. 1ª ed., v. II. Lisboa: Editorial Confluência, 1952.

Em face da vertiginosa dinâmica das mutações sociais, é crescente o número de processos em trâmite na Justiça brasileira, superando a casa dos cem milhões de demandas em andamento segundo a derradeira estatística do Conselho Nacional de Justiça, não obstante a especial contribuição das chamadas causas repetitivas, a exigir novas técnicas[10] de julgamento e de uniformização de jurisprudência.

Ainda assim, se revelam ser insuficientes, apesar de relevantes, as tradicionais técnicas de uniformização de jurisprudência, particularmente o incidente de uniformização e a súmula vinculante, súmula de jurisprudência dominante, o recurso especial fundado em divergência jurisprudencial e ainda os embargos de divergência nos tribunais superiores, assumindo a importância crescente as técnicas de vinculação das decisões emanadas do STF, além das teses jurídicas firmadas em recurso extraordinário e do STJ com suas súmulas persuasivas e teses firmadas em recurso especial repetitivo[11].

Aliás, a norma prevista no artigo 927 do CPC que estabeleceu parâmetros a que juízes e tribunais devem observar na condução dos julgamentos, ou seja, estabelece um dever a ser observado pelos magistrados.

Porém, é conveniente mencionar que minoritária parcela da doutrina considerou que o referido dispositivo traz apenas uma mera recomendação aos julgadores, ao passo que a majoritária doutrina, reconhece ser a norma cogente. Ademais, o mesmo diploma legal consagrou em seu artigo 926, o dever dos tribunais de segunda instância, de uniformizar a jurisprudência brasileira, o que se entende não ser por acaso.

Aliás, dos incisos do artigo 927, cabe destaque ao inciso IV que fixou o dever dos magistrados de observar o teor dos enunciados das súmulas do STF em matéria constitucional e do STJ em matéria infraconstitucional. Em síntese, as súmulas comuns também chamadas de persuasivas que não são vinculantes, passarão a ter uma eficácia vinculante formal.

Cumpre recordar que a súmula tradicionalmente corresponde à consolidação da jurisprudência, no viés de que, após vários julgados sobre determinado assunto, o tribunal exara um entendimento e o materializa no verbete sumular, ocorre a assunção de um caráter objetivo da jurisprudência.

Então servem como parâmetros que podem ser adotados por julgadores singulares e por tribunais, em caráter persuasivo, obrigando indiretamente as partes envolvidas na demanda que podem se valer dessas por meio dos recursos processuais.

As súmulas vinculantes possuem requisitos peculiares previstos constitucionalmente, vide o artigo 103-A, caput da CF, e, também, vinculam não apenas o Judiciário, mas igualmente a Administração Pública direta e indireta, federal, estadual e municipal. Já as súmulas comuns têm procedimento mais modesto e simples e apenas vinculam o Judiciário[12].

No mais, segue-se a tendência de que a norma deve ser interpretada de forma restrita, pois apenas nos casos elencados, a saber, o STF em matéria constitucional e o STJ em matéria infraconstitucional haverá a eficácia vinculante. Assim, se porventura o STF editasse uma súmula referente à matéria infraconstitucional não haveria qualquer dever de observação por parte dos juízes e tribunais.

No fundo, o CPC/2015 consagrou uma explícita intenção em aproximar o nosso sistema jurídico que é filiado a civil law[13] ao sistema anglo-saxão[14], common law[15], no qual o precedente assume força vinculante (stare decisis[16]). Evidentemente, tal intenção é despropositada, pois o sistema alienígena tem peculiaridades muito próprias e que não coadunam com nossa pobre realidade.

Ademais, a despeito da eficácia vinculante prevista constitucionalmente para as decisões judiciais de controle concentrado, e para as súmulas vinculantes, artigos 102 §2º e 103-A CF/1988, não impede o legislador infraconstitucional de regulamentar a temática.

Afora isso, as Cortes Superiores brasileiras devem zelar pela coesão homogeneidade de suas decisões, dando um norte aos jurisdicionados. Caso contrário, se enfrentará situações conflitantes e paradoxais que tanto desprestigiam o Judiciário pátrio.

A esse respeito, cita-se a ementa abaixo de julgado, cujo relator foi o Min. Humberto Gomes de Barros do Superior Tribunal de Justiça:

“PROCESSUAL – STJ – JURISPRUDÊNCIA – NECESSIDADE DE QUE SEJA OBSERVADA. O Superior Tribunal de Justiça foi concebido para um escopo especial: orientar a aplicação da lei federal e unificar-lhe a interpretação, em todo o Brasil. Se assim ocorre, é necessário que sua jurisprudência seja observada, para se manter firme e coerente. Assim sempre ocorreu em relação ao Supremo Tribunal Federal, de quem o STJ é sucessor, nesse mister. Em verdade, o Poder Judiciário mantém sagrado compromisso com a justiça e a segurança. Se deixarmos que nossa jurisprudência varie ao sabor das convicções pessoais, estaremos prestando um desserviço a nossas instituições. Se nós – os integrantes da Corte – não observarmos as decisões que ajudamos a formar, estaremos dando sinal, para que os demais órgãos judiciários façam o mesmo. Estou certo de que, em acontecendo isso, perde sentido a existência de nossa Corte. Melhor será extingui-la. (AgRg nos EREsp 228.432/RS, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, CORTE ESPECIAL, julgado em 01/02/2002, DJ 18/03/2002, p. 163) ”.

Apesar de existirem vozes na doutrina que aduzam que a disposição do artigo 927 IV CPC acarrete o engessamento da atuação dos julgadores, com o devido respeito, o objetivo maior da sistemática processual vigente não é outro senão primar pela harmonia da jurisprudência e pela celeridade processual, a fim de louvar a isonomia e a segurança jurídica[17]. O legislador pátrio busca assim que os tribunais respeitem sua jurisprudência e que essa sirva de paradigma[18] aos seus membros.

É plausível que o Código Fux[19] subtraiu a regra do livre-convencimento motivado[20] que antes existia no artigo 131 do CPC/1973. Hoje, o que existe, é o convencimento motivado, em fundamentação amiudada, devendo o julgador pautar-se nas provas do processo bem como na observância da jurisprudência dos tribunais, sobretudo do STJ e do STF, pois a tais órgãos cabe a derradeira palavra em matéria infraconstitucional e constitucional, respectivamente.

Portanto, o Direito tanto quanto a jurisprudência enquanto arte de decidir e pacificar socialmente se revela como inacabado, estando em constante formação conforme o período e os anseios sociais, políticos e culturais, refletindo-se como arte redefinida, intrinsecamente relacionada com a história, a literatura que tanto contribui para a formação do direito, sempre lhe fornecendo novas perspectivas. E, na dicção de Ronald Dworkin: “o Direito retrata uma criação contínua, um romance cujo enredo não possui um final único e, sim, um último contador”.

A visão da fonte de Direito está sempre relacionada à visão do que seja o próprio Direito e, portanto, foi e ainda é mediatizada por uma opção ética, político-ideológica etc. De sorte que questionar a fonte de Direito significa o questionamento sobre o modo que se constitui e se manifesta o Direito vigente em uma determinada fase histórica e em determinada sociedade humana.


Referências:

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Autoras:

Gisele Leite

Denise Heuseler



[1] A Teoria das fontes do Direito fora inserida em complexas demandas existentes no Estado Democrático de Direito, principalmente, para atender as exigências de legitimação do próprio Direito. Porém, a forma de abordagem das fontes de Direito precisa ser revista em face da complexidade contemporânea, o que impõe um diálogo dinâmico com as compreensões trazidas pelo giro linguístico, mais particularmente pela Teoria Discursiva do Direito e pela Hermenêutica Filosófica, um outro horizonte para a compreensão das fontes do direito. Lênio Streck acentua que as atuais conformações jurídicas exigem nova teoria das fontes, bem como uma nova teoria da norma e novo modo de compreender o Direito, o que infelizmente ainda não aconteceu, vez que se continua a pensar que a lei seja a única fonte, quando por exemplo, se requer que exista a lei regulamentadora ignorando que a própria Constituição Federal é a nova fonte.

[2] No objetivo de uma nova hermenêutica, percebe-se que o texto da norma não é a norma de acordo com a qual o caso concreto final vai ser decidido, mas é apenas, o ponto de partida, a premissa inicial para a construção da norma decisória, ou ponto de partido o qual o caso concreto é tratado. Enfim, a Hermenêutica Filosófica exige a consideração de todo o contexto, da tradição problematizada e das pré-compreensões do intérprete. Não se pode cogitar na teoria das Fontes do Direito divorciada do horizonte hermenêutico posto que conforme já afirmou Gadamer, o homem é um ser hermenêutico. De sorte que se precisa reconhecer que os pré-conceitos do intérprete integram o universo jurídico e, ainda, moldam e se apropriam do que é reconhecidamente jurídico.

[3] A palavra costume derivada do latim consuetudo designa tudo que se estabelece por força do uso e do hábito. São esses usos e hábitos que o legislador pensou necessário transformar em lei escrita, positiva, de modo a fazer valer a prática reiterada da sociedade, atribuindo valor jurídico a estas, estabelecendo sanções, atos coercitivos, enfim, fazendo-as valer como as outras normas, ou seja, regulamentando uma prática já comum. A atual Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro confere-se em seu artigo 4º permissão para utilização dos costumes como fonte do direito: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

[4] Karl Engisch (1899-1990) foi jurista e Filósofo do Direito Alemão. Ele fora descrito por Hirsch como sendo um dos notáveis teóricos de direito penal do século XX.

[5] Art. 95. [Tribunais superiores da Federação; senado comum] (1). Para os setores da jurisdição ordinária, administrativa, tributária, trabalhista e social, a Federação institui, como tribunais superiores, o Tribunal Federal, o Tribunal Administrativo Federal, o Tribunal Tributário Federal, o Tribunal do Trabalho Federal e o Tribunal de Seguridade Federal. (2). Sobre a nomeação dos juízes desses tribunais decide o ministro federal competente para o respectivo âmbito, juntamente com uma comissão eleitoral de juízes que se compõe dos ministros dos estados competentes para o respectivo âmbito e de um igual número de membros que será eleito pelo Parlamento Federal. (3) para salvaguardar a uniformidade da jurisprudência deve ser formado um senado comum dos tribunais mencionados na alínea 1. Lei federal regula os pormenores.

[6] Karl Raimund Popper (1902-1994) foi um filósofo da ciência austríaco naturalizado britânico. Sendo considerado por muitos como filósofo mais influente do século XX, a tematizar a ciência. Foi também um filósofo social e político de importância considerável, um grande defensor da democracia liberal e um implacável opositor do totalitarismo. Foi mais conhecido pela sua defesa do falsificacionismo como critério da demarcação entre ciência e não-ciência e, pela sua defesa da sociedade aberta.

[7] A Teoria das Fontes com a diversidade dos modos do Direito, substituindo a descrição analítica ou sistemática das fontes por um processo constituinte, próprio da experiência jurídica, que funcione não mais como disposições previstas na lei, mas como mecanismos institucionais reconhecidos pela comunidade   jurídica como produtores do Direito. Nesse vetor, a Teoria das fontes deve inserir-se num pensamento em que a Constituição não só seja reconhecida como fonte precípua do Direito, mas que principalmente seja compreendida como instituidora das condições de produção legitima do próprio Direito, haja vista que, no Estado Democrático de Direito, a Constituição Federal deve ser percebida como aquela que cria as condições comunicativas necessárias para produção legítima, isto é, que cria vias institucionais de deliberação, espaços de produção e aplicação legítimos. Além disso, as análises das fontes do Direito também devem convergir no sentido de que os princípios constitucionais passem a nortear o Direito em todas as dimensões de sua experiência.

[8] A ciência do Direito não pode ser confundida com a chamada dogmática jurídica. Pois esta, se destina ao estudo sistemático das normas, ordenando-as segundo os princípios e tendo em vista a sua aplicação.

A Dogmática Jurídica na dicção de Reale, é o momento exato da aplicação da ciência do Direito. Este momento ocorre quando o jurista se eleva ao plano teórico de princípios e conceitos indispensáveis à sistematização do ordenamento jurídico. O objeto da ciência jurídica é o conhecimento do direito, mas tal definição não é unânime entre os doutrinadores. Segundo Miguel Reale1, indica que a ciência do direito tem por objeto as estruturas normativas ou modelos. Mas também explica que a ciência do direito não pode ser estudada apenas sob o aspecto abstrato da norma, mas com todas as suas correlações com o mundo da experiência social, com a sua forma e com o seu conteúdo. Por isso, não é possível deixar de lado o valor e o fato, eis que são condições transcendentais. Trata-se do fenômeno jurídico da integralidade de seus elementos constitutivos.

[9] Já a ciência, é um conhecimento axiologicamente neutro, pois o cientista ao exercer suas atividades não deve transportar seus elementos pessoais para as tarefas desenvolvidas, devendo apenas constatar fatos. Nesse diapasão, podemos mencionar as lições de Rubem Alves. Com a teoria tridimensionalista de Miguel Reale (1986), o qual considera o Direito como o conjunto de três aspectos: fato, valor e norma. Dessa forma, a tridimensionalidade funcional do saber jurídico enxerga a norma como o resultado da valoração dos fatos sociais, onde os três aspectos acima citados coexistem de forma dialética, demonstrando-se mais uma vez o lado artístico desse conhecimento. O que confirma o Direito como Ciência Social aplicada.

[10] Outros doutrinadores conferem ao direito o caráter de tecnologia, como os já destacados juristas Theodor Viehweg e Tércio Sampaio Ferraz Júnior. Para este último o conhecimento jurídico não se preocupa com a verdade, mas sim com a decidibilidade, buscando estabelecer critérios para solucionar os conflitos sociais, possuindo a questão da decidibilidade um caráter tecnológico. Isto nos traz a reflexão de que no mundo contemporâneo a técnica se transforma em tecnologia. Já para Viehweg, o Direito é tão somente uma técnica de resolução de conflitos, que articula uma necessidade aparente de sistema, porém injustificável na prática.

[11] O artigo 1.037, inciso II, amplia os efeitos da decisão do STJ que submete um recurso ao rito das controvérsias repetitivas. Com a regra, quando houver a afetação de um recurso repetitivo o ministro relator “determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional”.

[12] Uma das maiores diferenças que há entre o civil law e o common law é o fato de que no civil law, interpõe-se a suposição de que o julgador não se vê vinculado às decisões jurisprudenciais, nem dele mesmo, nem do tribunal onde atua, tampouco dos ditos tribunais superiores, a exemplo que ocorre com o STJ, a quem cabe definir a interpretação da legislação infraconstitucional, evitando que cada estado da federação a faça a seu bel prazer, mas cujas decisões não detém qualquer efeito vinculante sobre os demais tribunais federais e estaduais. Tal proceder se mostra ainda mais estarrecedor pelo fato de tal ação não se ver justificada, o que, no mínimo, haveria de configurar um desrespeito ao dever constitucional de fundamentação. Na Civil Law, vigora a suposição de que os juízes não têm que se ater às decisões passadas, posto que se considera que o vincular do magistrado ao passado, por qualquer meio que seja, exerce interferência sobre seu livre convencimento e consequente liberdade para emitir juízo. Tal proceder suscita sérios questionamentos, dado que a decisão judicial se volta sempre para os jurisdicionados e para os direitos sob tutela, o que evidencia certa contradição em decidir questões iguais de forma diversa, sem, que haja coerente e sólida justificativa para tal.

[13] A civil law ou a família de direito romano-germânica, é um sistema de direito que fora muito influenciado pelo Direito Romano nele encontrando a sua gênese e início de sua história. O que predomina na civil law é uma concepção racionalista Direito, segundo a qual a força do Direito decorre do desenvolvimento lógico de conceitos abstratos. Já em relação à atuação do operador do Direito, deve ser esta eminentemente técnica, conhecendo as normas integrantes do sistema e a doutrina que as interpreta, conquanto não deva também deixar de conhecer a jurisprudência. Conclui-se que a tarefa dos tribunais é, portanto, é a interpretação de fórmulas legislativas que devem ser concretizadas caso a caso (ao inverso do que ocorre nos países common law onde a técnica jurídica se caracteriza pelo processo das distinções).

[14] Os sistemas de common law foram adotados por diversos países do mundo, especialmente aqueles que herdaram da Inglaterra o seu sistema jurídico, como o Reino Unido, a maior parte dos Estados Unidos, Canadá, Austrália e as demais ex-colônias do Império Britânico, tal como Índia e África do Sul, sendo que estes últimos países adotaram uma versão adaptada da common law.

[15] Common law do inglês direito comum é o direito que se desenvolveu em certos países através das decisões dos tribunais, e não, mediante atos legislativos ou executivos. Nos sistemas de common law, o direito é criado ou aperfeiçoado pelos juízes: uma decisão a ser tomada num caso depende das decisões adotadas para casos anteriores e afeta o direito a ser aplicado a casos futuros. Nesse sistema, quando não existe um precedente, os juízes possuem a autoridade para criar o direito, estabelecendo um precedente. Conjunto de precedentes é chamado de common law e vincula todas as decisões futuras. Quando as partes discordam quanto o direito aplicável, um tribunal idealmente procuraria uma solução dentre as decisões precedentes dos tribunais competentes. Se uma controvérsia semelhante foi resolvida no passado, o tribunal é obrigado a seguir o raciocínio usado naquela decisão anterior (princípio conhecido como stare decisis). Entretanto, se o tribunal concluir que a controvérsia em exame é fundamentalmente diferente de todos os casos anteriores, decidirá como “assunto de primeira impressão” (matter of first impression, em inglês). Posteriormente, tal decisão se tornará um precedente e vinculará os tribunais futuros com base no princípio do stare decisis.

[16] Stare decisis, decorrente do latim “stare decisis et non quieta movere” (respeitar as coisas decididas e não mexer no que está estabelecido”, utilizada no direito para se referir à doutrina segundo a qual as decisões de um órgão judicial criam precedente (jurisprudência) e vinculam futuras decisões. Esta doutrina é característica do common law e não tão forte em sistemas de direito continental, onde a jurisprudência tem uma obrigatoriedade muito menor e a capacidade do magistrado de interpretar a lei segundo seu critério é muito mais ampla. A maioria dos sistemas, no entanto, reconhecem que a jurisprudência deve ligar de alguma forma os juízes como se fossem independentes, é necessário evitar que as suas decisões sejam totalmente imprevisíveis ou contraditórias de forma caótica.

[17] Segundo as considerações do notável doutrinador e professor José Miguel Garcia Medina a respeito da observância de súmulas persuasivas, in litteris: ” “Isso não significa, porém, que as súmulas ‘não vinculantes’ possam ser ignoradas, pelos juízes e Tribunais. O mesmo se deve dizer em se tratando de orientação firmada na jurisprudência. A essa conclusão se chega não apenas pelo que dispõe o art. 927 do CPC/2015 (LGL20151656), mas, também, ao se considerar a regra prevista no art.489, § 1.º, V e VI e no art. 1.022, parágrafo único, I do CPC/2015”.

[18] O termo “paradigma” cunhado por Thomas Kuhn (KUHN, Thomas S. A Estrutura das Revoluções Científicas. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 2001) é definido por Cattoni como sendo “realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência”. In: CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Direito Constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002.

[19] O CPC/2015 forneceu instrumentos para que o julgador tenha liberdade na trajetória intelectual de formação da sua convicção. Vide o disposto que está no art. 375, segundo o qual “o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece”. Tais noções (ou máximas), derivadas diretas da intuição, do saber tácito e do senso comum, são dotadas de enorme fluidez espacial e sociocultural.

[20] A alteração do sistema da prova legal para o sistema do livre convencimento motivado fez com que a questão da prova saísse de uma dimensão estritamente jurídica, na medida em que atribuiu ao juiz e não mais ao legislador, a função de valorar a prova. Durante longo período, o livre convencimento viabilizou a prolatação de decisões de duvidosa constitucionalidade, em detrimento da lógica participativa de construção de provimentos, encampada abertamente pelo legislador do atual CPC (que optou por atribuir especial valor aos princípios do contraditório, da cooperação e da boa-fé processual).

Lenio Streck é categórico ao defender a ocorrência de extinção do princípio no CPC/2015. Eis os argumentos invocados: Travei uma batalha contra o poder discricionário, travestido de livre convencimento, que infestava o Projeto em sua redação original. Dizia eu que de nada adiantará exigir do juiz que enfrente todos os argumentos deduzidos na ação (vejam-se os artigos 499 e seguintes do Projeto) se ele tiver a liberdade de invocar a “jurisprudência do Supremo”, que afirma que o juiz não está obrigado a enfrentar todas as questões arguidas pelas partes. Dá-se com uma mão e tira-se com a outra. De há muito venho alertando a comunidade jurídica para esse pro­blema do protagonismo judicial, que deita raízes em uma questão para­digmática e não meramente “técnica”. (…).

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Gisele; HEUSELER, Denise. Jurisprudência brasileira: neofonte de direito. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2019. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/jurisprudencia-brasileira-neofonte-de-direito/ Acesso em: 29 mar. 2024