Direito Constitucional

O direito à saúde: o Sistema Único de Saúde e seus desafios

Bianca Lima França

 Luana Ely Morgado Serra

RESUMO

O presente trabalho expõe acerca do Direito a Saúde como um direito fundamental, bem como suscita algumas emblemáticas que envolvem o assunto. Fazendo-se um breve histórico do Sistema Único de Saúde para poder se entender como o mesmo encontra-se na atualidade. Em seguida analisar-se-á seus principais desafios e barreiras que se configuram em entraves a plena eficiência do projeto.

Palavras-chave: Direito a Saúde. Sistema Único de Saúde. Desafios.

1 INTRODUÇÃO

O Direito à Saúde se insere na gama dos direitos fundamentais que constam na Constituição Federal de 1988, sendo de vital importância para a afirmação dos princípios que integram e norteiam todo aparato movido para prestação de tal direito. O direito à saúde como direito social visa não só garantir o direito à vida, mas o direito a uma vida digna, ou seja, deve respeitar o princípio da dignidade da pessoa humana.

O presente trabalho visa tratar do direito à saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) quanto a sua origem, histórico, avanços e, principalmente, os desafios que freiam esse sistema de sua plena eficácia. Os avanços do Sistema Único de Saúde, tido como um sistema democrático, são inegáveis, no entanto, o sistema possui falhas e problemas que representam desafios à serem superados para que se possa garantir o acesso gratuito à rede pública de saúde com um sistema de qualidade para atender à toda à população brasileira. O presente artigo discorrerá quanto os seguintes desafios: a universalização; o financiamento; o modelo institucional; o modelo de atenção à saúde; a gestão do trabalho; e a participação social.

A importância de se estudar acerca do Sistema Único de Saúde e seus desafios, revela-se devido à crise que se vive hoje com relação ao sistema público de saúde. Apesar de o SUS ser um sistema bastante interessante, pois reúne princípios importantes para reafirmação do Estado Democrático de Direito, tais como universalidade, não encontra bases suficientes para a efetivação de seus objetivos. Tudo isso é devido aos problemas de ordem institucional, governamental, entre outros. Com isso, torna-se importante analisar toda a conjuntura com que é exposto o sistema Único de Saúde, para se apontar alternativas viáveis para a realização precípua de seus fins.

2 DIREITO À SAÚDE COMO DIREITO FUNDAMENTAL

Os Direitos Fundamentais visam garantir a dignidade da pessoa humana, por isso, dirigem-se a todos. Os Direitos Fundamentais são garantidos constitucionalmente e têm a função legitimadora do Estado Democrático de Direito.

A Constituição brasileira é formada por uma gama de valores, quanto aos valores subjetivos inseridos na Constituição podemos afirmar que estes compõe o núcleo político desta e que trazem consigo “o resgate das promessas de igualdade, justiça social e realização dos direitos fundamentais por meio da atuação concreta da justiça constitucional” (FIGUEIREDO, 2011, p. 51).

No Estado Democrático de Direito, os direitos fundamentais formam a base do ordenamento jurídico, das demandas da sociedade, e também, dos fundamentos das decisões judiciais. Sendo assim, “os direitos fundamentais protegem os bens jurídicos mais valiosos, e o dever do Estado não é só o de abster-se de ofendê-los, mas também de promovê-los e salvaguardá-los das ameaças e ofensas provenientes de terceiros” (SARMENTO apud BORÇON, 2014). Nessa perspectiva, a solução para as tensões sociais e a efetivação dos direitos sociais decorre do “direito posto em conformidade com a Constituição e respeitando o seu núcleo básico de direitos fundamentais” (BORÇON, 2014, p. 18).

A Constituição brasileira de 1988, também chamada de “Constituição Cidadã”, foi um marco histórico no direito brasileiro, instituindo o Estado Democrático de Direito trazendo consigo direitos e garantias fundamentais e direitos sociais. Estes direitos sociais na visão de José Afonso da Silva “possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, [são] direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais” (2015, p. 288-289).

A Constituição Federal de 1988 incorporou o Direito à saúde como um direito fundamental social, como um direito e dever oponível contra o Estado. A saúde é, nessa perspectiva, um direito público subjetivo; um bem jurídico que depende de recursos para seu exercício e efetividade através de políticas públicas. A Constituição vigente em seus art. 6 e 196, reconhecem a saúde como um direito social de eficácia imediata e de autoaplicabilidade, e como um dever do Estado (FIGUEIREDO, 2011).

art. 6.º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma da desta constituição.

art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 2015, grifo nosso).

A saúde é um estado de bem-estar físico e mental, e também, social. O direito à saúde, por ser um direito fundamental, social, público subjetivo tem caráter indisponível, é assegurado a todas as pessoas. Sendo assim, o direito à saúde liga-se tanto ao direito à vida quanto ao princípio da dignidade humana, visando a proteger e garantir uma vida saudável e digna às pessoas. A tutela desse bem jurídico, a saúde, divide-se em duas vertentes: uma preventiva que se refere às políticas públicas de redução de risco, segundo dispõe o art. 196 da CF/88; e outra de proteção que se refere aos tratamento e a recuperação das pessoas. O direito à saúde vincula-se, também, ao princípio da liberdade e da igualdade, uma vez que esse direito se dirigem a todos sem restrição e que todo indivíduo dispõe de sua liberdade para buscar seu bem-estar físico, mental e social (BOÇON, 2014).

O direito à saúde enquanto direito social, direito de segunda dimensão, tem um caráter positivo que impõe um dever ao Estado de prestação de saúde, e um caráter negativo que impõe a este uma atuação eficaz e eficiente que não cause prejuízo a saúde dos indivíduos, ou seja, todo cidadão tem o direito de defesa contra toda e qualquer ingerência do Estado, no exercício do seu dever de prestação de saúde, que cause danos a saúde dos próprios cidadão (FIGUEIREDO, 2011).

Portanto, a saúde é dever do Estado de acordo com o art. 196 da Constituição e, também, conforme dispõe a Lei Orgânica da Saúde (lei n. 8.080/90) no seu art. 2.º que diz “A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício”.

O direito à saúde é um direito auto-aplicável, têm aplicabilidade imediata e plena eficácia conforme o art. 5.º §1.º que dispõe “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.

O Direito à saúde como direito público subjetivo garante à todas as pessoas o acesso gratuito às políticas públicas de saúde através do Sistema Único de Saúde (SUS), tendo o Estado o dever de prestar um serviço público de saúde de qualidade a fim de garantir o mínimo necessário e razoável para a efetivação do direito à saúde.

3 O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: BREVE HISTÓRICO

O SUS criado pelos arts. 196 a 200 da Constituição Federal revela-seem um modelo de ação e serviços públicos de saúde que fazem parte de uma rede regionalizada e hierarquizada, na qual consagra os princípios da universalidade, equidade e participação comunitária. Englobando tanto os serviços prestados pela Administração Pública, como aqueles fornecidos através de convênios, contratações, ações de terceiros entre outros (FIGUEIREDO, 2011).

Mesmo que sua instituição formal tenha ocorrido com a Constituição Federal de 1988, suas origens remontam a década de 70, com a crise do modelo médico assistencial privatista, de atendimento desigualitário, prestado pelo Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social (INAMPS) e a eclosão do Movimento pela Reforma Sanitária Brasileira, que objetivava a modificação do então sistema de saúde, buscando adequá-lo aos ideais da redemocratização (CONASS, 2006).

De acordo com o INAMPS, somente tinha acesso à assistência pública trabalhadores assalariados, portadores de carteira assinada, ou seja, tratava-se de uma políticarestritiva. Ficando aos menos favorecidos a opção de recorrer ao tratamento particular ou aos serviços de saúde oferecidos pelas Santas Casas de Misericórdia, Postos de Saúde e Hospitais Universitários. A criação do SUS permitiu a universalização do acesso ao atendimento de toda e qualquer pessoa, afirmando ainda o seu caráter obrigatório e gratuito prestados por todos os entes federados (FIGUEIREDO, 2011).

As mudanças ocorridas nos anos de 1970 e 1980 mostraram o esgotamento do modelo médico assistencial privatista. Com o fim da ditadura e as crises a que o país enfrentava, suscitaram novas políticas públicas e sujeitos engajados com a questão da saúde, tudo isso possível também devido ao processo de redemocratização. Nos anos de 1970 começaram a surgir os primeiros projetos de medicina veterinária, promovidos por instituições acadêmicas e secretarias de saúde. Em 1979 cria-se um programa de atenção primária às populações rurais o Programa de Interiorização das Ações e Serviços de Saúde (PIASS), sendo o mesmo designado para ampliar a rede ambulatorial pública, principalmente na Região Nordeste. Paralelo a isso, iniciava-se as primeiras experiências de municipalização da saúde (CONASS, 2006).

O movimento sanitário gestado e difundido em espaços acadêmicos e institucionais, aliados a partidos políticos de esquerda, constituiu-se na base politico-ideológica da reforma sanitária. Surgiram, na segunda metade dos anos 70,o Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (Cebes) e a Associação Brasileira de Pós Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco). Tem-se também a implantação das Ações Integradas de Saúde (AIS), surgidas através da Conasp (Conselho Consultivo da Administração de Saúde Previdenciária), esta por sua vez, surge a partir da crise aguda da Previdência Social, ocorrida em 1980. As AIS foram programas de assistência médica para áreas urbanas, sendo comandadas pela Inamps juntamente com as Secretarias Estaduais de Saúde (CONASS, 2006).

Em 1982 tem-se a criação do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), nesse mesmo ano e no ano seguinte, elegeram-se governadores e prefeitos que faziam oposição ao regime militar. Os governadores possibilitaram que membros do movimento sanitário ocupassem espaços políticos e técnicos nas Secretarias de Saúde, assim como os prefeitos municipais deram inicio ao movimento de municipalização da Saúde. Em 1988 criou-se o Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems) (CONASS, 2006).

Em marco de 1986 ocorreu um dos movimentos mais importantes relacionados à saúde, a VIII Conferencia Nacional de Saúde, que influenciou amplamente na implementação do SUS. O relatório final dessa conferencia elencou três grandes referenciais para a reforma do sistema público de saúde vigente à época: um conceito amplo de saúde; a saúde como direito de cidadania e dever do Estado e a instituição de um sistema único de saúde que teria como princípios a universalidade, a integralidade, a descentralização e a participação da comunidade (CONASS, 2006).

O Sistema Único de Saúde surge em 1988, incorporado na Constituição Federal e incluindo as grandes demandas do movimento sanitário. O processo de feitura deu-se em um espaço democrático de amplas negociações, e a participação de congressistas progressistas, apoiados por intelectuais pertencentes ao movimento de reforma sanitária foram de vital importância para o caráter democrático do direito à saúde (CONASS, 2006).

Devido à centralização imposta de forma autoritária pelo regime militar, preferiu-se associar a descentralização com democratização, ampliando os direitos sociais da cidadania, integrando-os, sob o conceito de seguridade social, a proteção de direitos individuais (previdência) à proteção de direitos coletivos (saúde e assistência social). A mudança alcançada acerca da saúde deveu-se, sobretudo, a inserção de profissionais da saúde, partidos políticos, parlamentares, universidades, instituições de saúde, nesse cenário de discussão da reforma sanitária, que conferiu um caráter de politização à Saúde (CONASS, 2006)

Em 1989 e 1990 elaborou-se a Lei n. 8080, a lei orgânica do SUS, que versa sobre as condições para a promoção, recuperação e proteção à saúde, as Constituições Estaduais e as Leis Orgânicas Municipais. Lembrando que a criação desta lei estava previsto na magna carta de 88. Houve ainda a criação em dezembro de 1990, em virtude de ampla mobilização da sociedade civil, da Lei n. 8142 que regula a participação da comunidade no SUS, visto que isto estava previsto como um dos princípios que regem o SUS. As Leis apresentadas e a seção de saúde da Constituição Federal estabelecem as bases jurídicas, infraconstitucionais e constitucionais do Sistema Único de Saúde (CONASS, 2006).

A partir do momento em que foi implantação o SUS, já se observara resultados imediatos, um exemplo disto fora o fim da separação que havia entre os incluídos e os não incluídos no sistema público de saúde, sendo o novo sistema de caráter coletivo, estendido a todos os cidadãos (CONASS, 2006).

Assim, o SUS foi criado pela Constituição Federal de 1988, surgido em decorrência de movimentos políticos e sanitários ocorridos na década de 70 e desde então vem se recriando continuamente, por meio de reformas incrementais que visam proporcionar um melhor acesso à saúde pública de qualidade. Tais reformas são acordadas entre os três entes federativos, sendo estes representados pelo Ministério da Saúde, pelo CONASS e pelo Conasems. É uma política jovem e moderna, com grande potencial e bastante eficiente se conseguir alcançar os fins para os quais se propõe (CONASS, 2006).

4 DESAFIOS DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

São inegáveis os avanços na área da saúde proporcionados pelo Sistema Único de Saúde, entretanto, como já fora mencionado, o sistema renova-se continuamente para corrigir seus possíveis erros. Dessa forma, destacam-se seis desafios a serem superados: a universalização; o financiamento; o modelo institucional; o modelo de atenção à saúde; a gestão do trabalho; e a participação social (CONASS, 2006).

4.1 Universalização

Um dos grandes paradigmas da Reforma Sanitária brasileira foi sem duvida o dilema da universalização, incorporada na Constituição Federal de 1988, a ideia era que o Sistema de Saúde fosse universal, ou seja, atendesse os menos favorecidos e pessoas integradas economicamente. Entretanto, tem-se observado que tal anseio não fora alcançado em face do dilema da segmentação, já que o SUS tem se estruturado para atender a demanda dos setores mais pobres da população e dos serviços de maiores custos em que as populações economicamente integradas recorrem (FIGUEIREDO, 2011).

A segmentação desse sistema pode ser observada quando se tem acesso aos dados referentes aos usuários, uma vez que 28,6% dos brasileiros são usuários exclusivos; 61,5% são usuários não exclusivos; e somente 8,7% não são usuários. Tais dados mostram que 61,5% dos brasileiros utilizam-se também dos sistemas e que 8,7% são usuários exclusivos dos sistemas privados (CONASS apud FIGUEIREDO, 2011).

O SUS vem se consolidando como um sistema segmentado, incorporando assim dois subsistemas de relevância, o Sistema de Saúde Suplementar e o Sistema de Desembolso Direto. O primeiro é um sistema de assistência à saúde privado que é executado por operadoras privadas, cobrindo uma população de 42,5 milhões de brasileiros, entre planos médicos e odontológicos. Já o segundo sistema é representado por serviços de saúde executados por prestadoras privadas e sendo pago diretamente pelas pessoas que o usufruem. Atinge a maior parte dos usuários não exclusivos do SUS que hoje representam cerca de 115 milhões de habitantes (FIGUEIREDO, 2011).

Os problemas da segmentação estão na seleção que ela representa, já que, as pessoas que se beneficiam desses subsistemas, utilizam com certa frequência, os serviços de alta complexidade oferecidos pelo SUS, mas os que não possuem planos de saúde não podem utilizar seus serviços privados. A procura por tais procedimentos no sistema público de saúde está no alto nos altos custos desses serviços cobrados pelos planos privados, além de que a população tem a percepção de que esses serviços do SUS possuem maior qualidade (FIGUEIREDO, 2011).

Todos os problemas que envolvem o dilema entre universalização e segmentação dependem da definição de qual Sistema Único de Saúde será adotado pela sociedade, bem como o quão estão dispostas a pagar por ele (FIGUEIREDO, 2011).

4.2 Financiamento

Os problemas que envolvem o fator financiamento decorrem principalmente do fato de que no Brasil se gasta pouco em saúde, o que torna inviável o projeto do sistema público universal. De acordo com o Relatório “La Salud em lasAmericas”, os gastos públicos em saúde no Brasil, analisados no período de 1980 a 1990, registraram a média de 3,5% do PIB ou US$ 300 per capita ao ano, em contraposição aos 13% verificados nos demais países do continente americano. (FIGUEREIDO, 2011, p.319)

Observa-se com base nos dados que apenas 10,4% do PIB são gasto com atividades desenvolvidas pelo Ministério Publico. Assim, verifica-se que o desafio se opera na quantidade e também na qualidade do gasto, pois os gastos em saúde aumentam constantemente em virtude de alguns fatores, tais como:

(…) o envelhecimento da população; as doenças crônicas provenientes de infecções reemergentes e emergentes; o constante processo de incorporação tecnológica; a pressão dos prestadores de serviços, da indústria biomédica e da indústria farmacêutica pela incorporação e adoção das novas tecnologias no mercado; e a expansão das estruturas e das práticas médicas, estimulando a construção de novas unidades de saúde, a formação crescente dos recursos humanos e a incorporação de formas de pagamento dos serviços indutoras de uma sobre utilização (HERBETH, 2011, p.320).

Os sistemas de financiamento do SUS, previstos no art.198, § único da CF/88 e o art. 55 da ADCT, na prática não funcionam, servem mais como teto orçamentário do que suprimento de despesas, propiciando dessa forma, o sub financiamento do sistema de saúde. Em 1993, a crise no SUS se agravou, em virtude da perca de sua principal fonte de recursos, que eram arrecadados pelo INSS, já que o mesmo passou a arcar somente com os custos decorrentes das despesas previdenciárias (FIGUEIREDO, 2011).

Outras soluções surgiram como meio de proporcionar maior estabilidade ao financiamento de saúde, exemplo disso foi a criação em 1996 da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) e a Emenda Constitucional nº 29, de 13 de setembro do ano 2000, que fixou o mínimo a ser destinado a ações e serviços referentes à saúde pelos governos municipais, estaduais e pela União (FIGUEIREDO, 2011).

Apesar de todas as legislações feitas acerca do assunto, os recursos financeiros destinados à área da saúde ainda são insuficientes para a implantação de um sistema público universal. Assim, o ideal seria que os gastos públicos em saúde no Brasil fossem provenientes de um crescimento sustentável e não pelo aumento constante da carga tributária (FIGUEIREDO, 2011).

4.3 Modelo Institucional

O modelo institucional do SUS foi construído com base na lógica da descentralização e para ser executado pela tríade federativa, já que o Brasil é um país federativo. Entretanto a CF errou por não promover a descentralização de acordo com o princípio da proporcionalidade, assim prevê-se que haja um sistema de cooperação entre os entes federativos, que devem agir de forma solidária e em concurso, cada uma suplementando o outro, tendo sua competência administrativa estabelecida pela Lei nº 8.080/90 (FIGUEIREDO, 2011).

O problema da desproporcionalidade poderia ser amenizado se fossem mais bem delimitadas as atribuições dos entes, construindo um novo modelo estrutural. Promovendo-se dessa maneira, uma descentralização mais organizada e isonômica (FIGUEIREDO, 2011).

O planejamento das atividades do ente público, reguladas mediante contrato de autonomia, devem primar pelas políticas públicas que constam nos princípios e diretrizes constitucionais e da legislação infraconstitucional. Destacando-se a inclusão no orçamento e planejamento ascendente na esfera dos entes públicos, tomando por base as necessidades da população tanto local como regional. Tal modelo deve ser inserido na prática da política pública de saúde, de maneira que consiga cumprir as diretrizes advindas do Gestor e Colegiado de Gestores (FIGUEIREDO, 2011).

As unidades públicas de prestação de serviços possuem autonomia gerencial, são instituídas e mantidas pelo poder público, através de Leis especificas e complementares de determinação do poder executivo. Apesar de serem gerenciais, ficam submissas ao poder público e social. Sua área de atuação territorial é definida pelo governo. É interessante ressaltar que tais unidades não podem se desvincular da Administração Indireta, nem podem prestar serviços públicos fora dela, devem exclusivamente ater-se aos usuários do SUS (FIGUEIREDO, 2011).

Ressalta-se ainda que, a criação de unidades de autonomia gerencial e contratos de autonomia na gestão pública, tem o escopo de substituir os contratos com entes privados, incluindo as OSs e as OCIPs, devendo por ora, as unidades privadas assumirem responsabilidades e competências de gerenciamento semelhantes às unidades públicas (FIGUEIREDO, 2011).

4.4 Modelo de Atenção à Saúde

O modelo de atenção à saúde do Sistema Único de Saúde brasileiro vive uma crise “representada pela incoerência entre a saúde do Brasil e a resposta social organizada para responder a essa situação” (CONASS, 206, p. 114). O atual modelo de atenção à saúde é voltado para o atendimento de condições agudas, não funciona para os problemas de saúde crônicas. O modelo de atenção às condições agudas de saúde não podem responder, com eficiência e efetividade, as situações epidemiológica das condições crônicas.

É importante destacar, no âmbito desse estudo, como se caracteriza essas condições agudas e crônicas, a respeito do sistema de atenção à saúde, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS).

As condições agudas caracterizam-se por: a duração da condição é limitada; a manifestação é abrupta; a causa é usualmente simples; o diagnóstico e prognóstico são usualmente precisos; as intervenções tecnológicas são usualmente efetivas; e o resultado das intervenções leva normalmente à cura.

Diversamente, as condições crônicas caracterizam-se por: o início da manifestação é usualmente gradual; a duração da doença é longa ou indefinida; as causas são múltiplas e mudam ao longo do tempo; o diagnóstico e o prognóstico são usualmente incertos; as intervenções tecnológicas são usualmente não decisivas e, muitas vezes, com efeitos diversos; o resultado não é a cura, mas o cuidado […] (CONASS, 2006, p. 114).

O principal problema a ser enfrentado pela crise do modelo de atenção à saúde do SUS consiste em enfrentar às condições crônicas com a mesma lógica que enfrenta as condições agudas (FIGUEIREDO, 2011).

O aumento das condições crônicas, no Brasil, decorre das mudanças do estilo de vida e do padrão de consumo da população, e também, da mudanças demográficas e da urbanização acelerada da sociedade, resultando em uma situação epidemiológica de dupla carga de doenças (CONASS, 2006).

O modelo de atenção à saúde do SUS deve sofrer mudanças para ser voltado as condições crônicas a partir da organização de um modelo na forma de redes de atenção à saúde. O modelo de atenção à saúde deve inverter a lógica da medicina curativa para uma medicina preventiva, deve, também, estrutura-se em uma rede horizontal poliarquica, e não num modelo hierárquico. As redes de atenção devem, portanto, serem interligadas por sistemas logísticos sustentados por potentes tecnologia de informação (CONASS, 2006).

4.5 Gestão do Trabalho

As reformas do setor da saúde teve início na década de 1990, deu-se pela implantação de um Sistema Único de Saúde que descentralizou das ações e serviços de saúde, o que teve uma consequência negativa: a “desresponsabilização” da esfera federal em relação à manutenção da força de trabalho, agravada pela Lei de Responsabilidade Fiscal que adota uma política fiscal e tributária que privilegia a União, que limita os gastos com o pessoal, ignorando a demanda e a necessidade de incorporação de pessoal (CONASS, 2006).

A partir da perspectiva que a Gestão do Trabalho do SUS faz parte da Administração Pública a solução para responder a necessidade de incorporação de pessoal para atender a demanda pelas políticas públicas de saúde, sendo que os recursos são escassos, é adotar estratégias tais como: a contratação temporária, a terceirização por meio de empresas ou cooperativas, contratos por órgão internacionais, contratos através de serviços prestados, ou por meio de bolsas de trabalho e estágios (CONASS, 2006).

Para superar o desafio da Gestão do trabalho no Sistema Único de Saúde deve-se adotar três conjuntos de atividades, são elas: Gestão das Relações de Trabalho; Planejamento e Gerenciamento; e Gestão da Educação do Trabalhador em Saúde.

Quanto a atividade de Gestão das Relações de Trabalho deve-se sair dos modelos normativos e burocráticos de administração de recursos humanos para adotar um modelo de gestão participativa, colegiada e pactuada, tanto nas relações coletivas quanto individuais, com os trabalhadores da saúde e seus representantes. Já na atividade de Planejamento e Gerenciamento deve-se adotar um sistema gerencial de informações no que diz respeito a estrutura, composição, gastos e necessidades com a força de trabalho nas esferas da União, dos estados e dos municípios; sendo importante não só para o planejamento, mas também, monitoramento, desenvolvimento e avaliação dos trabalhadores. Quanto a atividade de Gestão da Educação do Trabalhador da Saúde refere-se aos investimentos e desenvolvimento de projetos e planos educacionais voltados para o melhoramento da qualificação técnico-profissional desses trabalhadores, para o aprimoramento do conhecimento, das habilidades, atitudes e valores, a partir das necessidades, problemas e desafios enfrentados por esses trabalhadores (FIGUEIREDO, 2011).

4.6 Participação Social

O processo de redemocratização do Brasil nos anos de 1980 foi marcado pela mudança de consciência política, organização e mobilização social, nesse contexto, a sociedade passa a participar mais ativamente das decisões e da formulação das políticas públicas e, também, da sua implementação.

A expressão “Participação Social” surgiu com a Lei n. 8.142/90 que dispõe sobre os conselhos e conferências de saúde. A participação social faz parte do processo de democratização do setor público de saúde por meio de iniciativas e gestão participativa; a participação social visa democratizar o próprio Estado em si, todos os setores, não somente o setor público de saúde. Para a participação social se dá de forma efetiva no Sistema Único de Saúde é preciso fortalecer e aprimorar os mecanismos para o exercício pleno da competência da participação social (CONASS, 2006).

O controle social é elemento basilar do Sistema Único de Saúde que pela participação social através dos mecanismos de Conferências e Conselhos de Saúde visa democratizar o acesso aos serviços de saúde, portanto, a sociedade deve não só participar, mas exercer o controle social do SUS (FIGUEIREDO, 2011).

Nesse sentido, os gestores do Sistema Único de Saúde devem buscar efetivar a participação social através da diretrizes do Pacto de Gestão:

1. apoiar o processo de mobilização social e institucional em defesa do SUS; 2. prover as condições materiais, técnicas e administrativas necessárias ao funcionamento dos Conselhos de Saúde, que deverá ser organizado em conformidade com a legislação vigente; 3. organizar e prover as condições necessária à realização de Conferências de Saúde; 4. estimular o processo de discussão e controle social; 5. apoiar o processo de formação dos conselheiros de saúde; 6. promover ações de informação e conhecimento acerca do SUS, junto à população em geral; 7. apoiar o processo de educação popular em Saúde, visando ao fortalecimento da participação social do SUS; 8. implementar Ouvidoria visando ao fortalecimento da gestão estratégica do SUS conforme diretrizes nacionais (CONASS, 2006).

A participação social colocou os cidadão no centro do processo de avaliação das ações e dos serviços públicos e, da gestão, o que provoca o “engajamento do Estado e suas instituições na missão de servir ao público, propiciando a alocação de serviços eficientes e de relevância social” (FIGUEIREDO, 2011, p. 334).

CONCLUSÃO

Ao deste trabalho, apresentou-se e expõe-se o conceito de Direito à saúde enquanto direito fundamental social previsto constitucionalmente e garantido a todos. O Direito à saúde é um direito público subjetivo, um direito de todos e um dever do Estado. É um direito vinculado ao princípio da liberdade, da dignidade da pessoa humana e ligado ao direito à vida. O Direito à saúde implica, ainda, um dever de prestação do Estado, e um direito de defesa do cidadão contra a ingerência deste.

Descreveu-se, também, um breve histórico do Sistema Único de Saúde. O SUS foi instituído na Constituição Federal de 1988, no qual dispõe os arts. 196 a 200. A origem do SUS remonta a década de 1970, foi um mudança de uma crise do modelo médico privatista da época que estava em crise para um modelo de sistema de saúde que objetiva democratizar a saúde tornando-a acessiva à todos, ou seja, universalizou o atendimento.

Apesar dos avanços conquistados no setor público de saúde, é visível os problemas e o erros que ainda persistem no sistema público de saúde, que impedem a real efetivação do direito à saúde aos cidadãos. O trabalho discutiu acerca dos desafios que o atual modelo de saúde, o Sistema Único de Saúde, enfrenta para que se torne um sistema eficaz e eficiente, oferecendo um serviço público de saúde de qualidade e razoável a todos os cidadãos brasileiros. Os desafios a serem vencidos pelo SUS são: a universalização, o financiamento, o modelo institucional, o modelo de atenção à saúde, a gestão do trabalho e a participação social.

A universalização do sistema encontra um empecilho no financiamento do setor público de saúde, na insuficiência de recursos para promover o acesso digno a todos os cidadãos a um Sistema Único de Saúde de qualidade que possa atender a demanda da sociedade. É necessário uma mudança de modelo medicina curativa para um modelo de medicina preventiva, mais participativa e que invista na qualificação profissional dos seus trabalhadores.

REFERÊNCIAS

BORÇON, Mariana Schafhauser. A possibilidade da judicialização do direito à saúde segundo os parâmetro apresentados por Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes: uma análise do caso dos cidadão autistas do Estado de São Paulo. Brasília: UNB, 2014.

CONASS. SUS. Avanços e desafios. Brasília: CONASS, 2006.

FIGUEIREDO, Herbert Costa. O sistema constitucional assimétrico de saúde no Brasil: paradigmas para a construção de um modelo democrático. Fortaleza: UNIFOR, 2011.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2014. 38 ed.

Como citar e referenciar este artigo:
FRANÇA, Bianca Lima; SERRA, Luana Ely Morgado. O direito à saúde: o Sistema Único de Saúde e seus desafios. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2019. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/o-direito-a-saude-o-sistema-unico-de-saude-e-seus-desafios/ Acesso em: 20 abr. 2024