Direito Constitucional

Aplicabilidade da medida socioeducativa de internação do menor infrator no município de São Luís

Jéssica de Jesus Ribeiro Teixeira[1]

Laíse Rodrigues dos Santos²

RESUMO: Uma análise acerca da aplicabilidade e efetividade da medida socioeducativa de internação na perspectiva de ressocialização do jovem infrator no município de São Luís, tomando-se como base os princípios e medidas norteadores do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), especificamente nas unidades: Centro de Juventude Alto da Esperança e Centro de Juventude Canaã, para avaliar e observar os métodos aplicados e o êxito ou o fracasso na ressocialização dos adolescentes infratores submetidos a tal medida.

Palavras-chave: ECA; SINASE; Medida Socioeducativa de Internação; Ressocialização;

Abstract: An analysis about the applicability and effectiveness of the socio-educational measure of internment in the perspective of resocialization of the young offender in the city of São Luís, taking as a basis the principles and measures guiding the Statute of the Child and Adolescent (ECA) and the National System of Socio-educational Assistance (SINASE), specifically in the units: High Hope Youth Center and Canaan Youth Center, to evaluate and observe the methods applied and the success or failure in the resocialization of the juvenile offenders subjected to such a measure.

 INTRODUÇÃO

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foi criado para proteger e garantir os direitos das crianças e dos adolescentes em todo Brasil. Porém, ainda há um intenso desafio concernente ao reordenamento das ações a serem desenvolvidas para esse público, mormente àquelas relacionadas a aplicação das medidas socioeducativas, principalmente as medidas detentivas.

Nesse sentido, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA deliberou uma política de atenção à infância e à adolescência, pautada no princípio da democracia participativa, o ensejou na construção do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE, tendo este como premissa básica parâmetros mais objetivos e procedimentos mais justos que evitem ou limitem a discricionariedade, reafirmando as diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente sobre a natureza pedagógica da medida socioeducativa (SINASE, 2006).

Durante muito tempo o público infanto-juvenil não possuía uma legislação específica. As transformações somente aconteceram quando a sociedade brasileira percebeu que precisava de um conjunto de leis que regulamentasse, de forma específica, a vida dos jovens em conflito com a lei.

Assim, leis que deveriam objetivar a inclusão social terminaram por estigmatizar crianças oriundas das classes pobres, amplamente denominadas de “menor”, vistos como integrantes de uma categoria perigosa que apresentava grandes possibilidades de perigo à sociedade, caso não houvesse interferência institucional do Poder Público.

O Estatuto além de assegurar proteção integral à criança e ao adolescente, também é um instrumento voltado ao jovem infrator, contemplando em seu bojo várias medidas denominadas de medidas socioeducativas aplicadas em decorrência da prática de ilícitos penais com o fim de recuperá-los. Para tanto, prevê a utilização de métodos pedagógicos, sociais, psicológicos e psiquiátricos.

O presente artigo enfrentará a problematização referente ao local de cumprimento das medidas socioeducativas, de modo a identificar se as Unidades destinadas a esse fim, existentes na região metropolitana de São Luís do Maranhão estão em conformidade com os diplomas legais pertinentes à matéria.

Ademais, possui o objetivo de analisar a aplicabilidade e a efetividade da medida socioeducativa de internação na perspectiva de ressocialização do menor infrator no município de São Luís.

Para tanto, será realizada uma pesquisa de campo no Centro de Juventude Alto da Esperança, localizado no bairro do Anjo da Guarda, em São Luís do Maranhão, e O Centro de Juventude Canaã localizado no bairro Vinhais, com o objetivo de identificar se a estrutura física dessas Unidades permitem a aplicação e efetivação da medida socioeducativa de internação na perspectiva de ressocialização do menor infrator conforme os parâmetros e diretrizes do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE.

A relevância deste artigo deve-se ao fato de poder apresentar o tema que permitirá uma análise e reflexão acerca da necessidade de se implementar políticas públicas no sentido de fomentar a reintegração social dos jovens infratores, que para tanto precisam estar, por ocasião do cumprimento da medida socioeducativa, em um local propício para tal.

1. A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA LEGISLAÇÃO DIRECIONADA AOS MENORES DE DEZOITO ANOS NO BRASIL

A responsabilidade penal dos menores, até o início do século XX as crianças e adolescentes infratores recebiam tratamento bastante semelhante ao destinado aos adultos, evidenciando uma concepção de vida juvenil semelhante à vida adulta quando o assunto dizia respeito ao cometimento de ilícitos penais.

Sobre o prisma da Doutrina do Direito Penal do Menor, a preocupação com o público infanto-juvenil era vista apenas pela óptica da delinquência. Não se identificava qualquer diretriz estatal concernente ao direito comum das crianças e adolescentes, as normas visavam exclusivamente à tutela penal desses menores. O tratamento legal diferenciado hoje existente foi construído lentamente em decorrência de mudanças sociais que os percebiam como sujeitos merecedores de tratamento diverso (PEREIRA, 2008).

Nesse contexto, enfocando de modo específico o cenário brasileiro, a Constituição de 1824 e, posteriormente, o Código Criminal do Império promulgado em 1830, foram as primeiras normas direcionadas aos jovens infratores e que segundo as lições de Cardoso (2006, p. 16):

“Os menores de 14 anos estavam isentos da imputabilidade pelos atos considerados criminosos por eles praticados. Os infratores que tinham entre sete e catorze anos e que apresentassem discernimento sobre o ato cometido eram recolhidos às Casas de Correção até que completassem 17 anos. Entre 14 e 17 anos, os menores estariam sujeitos a pena de 2/3 da que era aplicável ao adulto infrator, denominada pena de cumplicidade. Os maiores de 17 e menores de 21 anos gozavam da chamada “atenuante da menoridade”.

O referido Código Criminal do Império adotava o critério do discernimento presumido para os maiores de quatorze anos, designando, como visto, o seu recolhimento em casas de correções pelo tempo que lhe parecesse razoável até o limite de dezessete anos, quando eram liberados compulsoriamente.

Em 1890, com a promulgação do Código Republicano, a responsabilidade penal continuou a basear-se na idade e no critério do discernimento, com uma agravante: a diminuição do limite da isenção de responsabilização, que de quatorze anos passou para nove anos de idade.

Em 12 de outubro de 1927 foi aprovado o Decreto 17.943-A, que criava o Código de Menores do Brasil, também conhecido como Código Mello Mattos, em homenagem ao seu criador, o jurista Cândido Albuquerque Mello Mattos. Esse diploma legal disciplinava de forma específica a atenção que deveria ser dedicada aos menores de 18 anos, categorizados como menores abandonados, delinquentes, órfãos e operários.

Nessa acepção, o Código de Menores foi um dispositivo histórico que emergiu nas primeiras décadas do século XX. Porém, desde 1920 já havia uma preocupação do legislador em dar um tratamento totalmente diferenciado ao problema do menor através de uma lei que garantisse ao mesmo tempo a repressão à criminalidade e a assistência e proteção à infância. Nessa época, o legislador define o segmento infanto-juvenil por meio de categoria de menor, diferenciando menor abandonado e menor delinquente. O menor de 14 anos não seria submetido a processo e o menor entre 14 e 18 anos seria submentido a processo especial. Isto é, o menor entre 14 e 18 anos que fosse encontrado abandonado, ou que tivesse cometido crime ou contravenção penal, deveria ser conduzido até o juízo de menores a fim de que lhe fosse destinada assistência por intermédio da educação (ALVAREZ, 2011).

Em 1930, nasce o Estado Novo e também as conquistas sociais, decorrentes da legislação trabalhista e da industrialização e urbanização crescentes. Junto com o processo de migração e imigração de mão de obra, surge a acumulação do capital e a exploração da população. Com isso as crianças passam a fazer parte da margem produtiva. Essa época trouxe de volta o questionamento e a preocupação assistencial do governo com os menores. O Decreto-Lei nº 6026/1943 promoveu mudanças no Código de Menores de 1927, definindo o critério da periculosidade que seria identificado através da personalidade do adolescente, como determinante para a decisão de encaminhamento do mesmo ao juiz (ARAÚJO; COUTINHO, 2008).    

No Estado Novo, mais conhecido como Era Vargas, foi criado o Serviço de Atendimento ao Menor – SAM, que na verdade, não se preocupava em atender os direitos das crianças e dos adolescentes, mas sim, em defender a sociedade capitalista, em nada diferente das situações anteriores. Esse sistema tinha a preocupação de inserir crianças e adolescentes pobres às margens produtivas por meio da disciplina institucional e pelo caráter moral e pedagógico do trabalho. No entanto, os menores considerados improdutivos, quais sejam, os vadios, delinquentes, infratores, libertinos e mendigos, eram inseridos pelo juiz na política de confinamento, auxiliado pelo comissário de menores, pelo médico e pelo Estado mantenedor e/ou fiscalizador das instituições para reeducação de menores (LONGO, 2008).

A Lei 4.513/1964 definiu a PNBEM – Política Nacional para o Bem Estar do Menor , criando assim, a Fundação Nacional para o Bem Estar do Menor – FUNABEM que tinha como principal objetivo conter o avanço da marginalidade infanto-juvenil, com um enfoque assistencialista de atendimento. O objetivo da FUNABEM era colocar a criança e a família como vítimas da pobreza, já que essa situação representava uma espécie de doença social (ARAÚJO; COUTINHO, 2008).

Nesse contexto, os juristas, médicos, pedagogos, sociólogos, jornalistas, psicólogos e assistentes sociais defendiam a ideia de que o indivíduo era responsável pelo seu sucesso ou fracasso social. Para eles, o indivíduo só tinha aptidão para viver em sociedade quando se autorregulasse pelo hábito, pela culpa e pelo julgamento dos que os rodeavam. Apesar do discurso de defesa em prol da família brasileira para que todos trabalhassem pelo bem-estar do país, não foi possível sustentá-lo por muito tempo, já que o Estado Militar em crise não tinha condições de tutelar os filhos da classe trabalhadora, pois o custo econômico de manter a PNBEM ficou insustentável. Por outro lado a FUNABEM não conseguiu alcançar seus objetivos, surgindo a necessidade de se definir outra política de ação de bem estar do menor (ARAÚJO; COUTINHO, 2008).

Em que pese ser o internamento visto pela FUNABEM como exceção, como um recurso extremo a ser realizado no sentido de integrar o menor em sua comunidade de origem, a Fundação Estadual do Bem Estar do Menor – FEBEM, responsável pela aplicação das políticas sociais nacionais nos Estados, seguira outra direção, ou seja, os adolescentes eram submetidos a maus tratos, que se distanciou totalmente da proposta oficial da Fundação Nacional do Bem Estar do Menor.

Foi então que, em 1979, através da Lei 6.697 foi aprovado o Novo Código de Menores consagrando a Doutrina de Situação Irregular mediante o caráter tutelar da Legislação e a ideia da criminalidade da pobreza.

A referida doutrina sustentada pelo Código de Menores não foi criada para proteger realmente os menores, mas sim, para garantir a intervenção jurídica sempre que houvesse risco material ou moral. Preocupava-se apenas com os conflitos instalados na sociedade e não com a sua prevenção. Os jovens não eram tratados como sujeitos de direitos, mas como objeto de medidas judiciais. Vale dizer que dentro das influências nacionais e internacionais que contribuíram para o surgimento da Doutrina de Situação Irregular no Brasil tem-se a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), criada pelas Organizações das Nações Unidas (ONU), que reconheceu, pela primeira vez, que a criança deve ter cuidados e atenção especial (CUSTÓDIO, 2006).

O Código de 1979 definiu como objeto de sanção e vigilância os menores em “situação irregular”, principalmente os menores infratores. Nessa nova concepção não havia distinção entre menor abandonado e menor delinquente. Essas duas categorias passaram a ser denominadas de menor em situação irregular, cabendo assim, a proteção, assistência e vigilância a todos os menores que se encontrassem vivendo em condições impróprias.

A Doutrina de Proteção Integral inovou na questão infanto-juvenil. A referente doutrina teve seus primeiros indícios, no âmbito internacional, na Declaração de Genebra de 1924, aprovada pela Liga das Nações (precedente da ONU), que reconheceu os direitos da criança. Porém, a Declaração de Genebra não foi o marco fundador da Doutrina de Proteção Integral por diferenciar o tratamento de órfãos e abandonados, diferentemente da referida Doutrina que trata o menor de idade de forma generalizada (CUSTÓDIO, 2006).

Em 1989, a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança definiu a Doutrina de Proteção Integral, proclamando um conjunto de direitos de natureza individual, difusa, coletiva, econômica, social e cultural, reconhecendo que a criança e o adolescente são sujeitos de direitos e que em decorrência de sua vulnerabilidade, necessitam de cuidados e proteção especial. A Convenção exigiu que os países signatários adaptassem as legislações às suas disposições e se comprometessem a não violar seus preceitos, instituindo, para isto, mecanismos de controle e fiscalização (VERONESE, OLIVEIRA, 2008).

Como consequência das discussões ocorridas na Convenção Internacional, o Brasil adotou no seu texto constitucional de 1988, mais precisamente no art. 227 a Doutrina de Proteção Integral in fine:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988).

A partir daí, a criança e o adolescente, pela primeira vez, tiveram prioridade absoluta e a sua proteção passa a ser dever da família, da sociedade e do Estado. Diante disso, com a interferência prática constitucional, foi aprovada em 13 de julho de 1990, através da Lei Federal nº 8.089, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, a quem coube a implementação da aplicação da Doutrina de Proteção Integral.

2. MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO

A Internação é uma medida de reeducação preconizada pela Doutrina de Proteção Integral que prioriza a proteção ao adolescente infrator, prevista no art. 227, § 3º da Constituição Federal Brasileira e no caput do art. 121, do ECA, a ser aplicada por determinação do juiz da Vara da Infância e Juventude, aos adolescentes entre idade de 12 e 18 incompletos. Assim, para resguardar o espírito do Estatuto, o referido artigo, assegura que a internação é medida de privação de liberdade, devendo ser observados, quando da sua aplicação, alguns princípios:

Art. 121. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

§ 1º Será permitida a realização de atividades externas, a critério da equipe técnica da entidade, salvo expressa determinação judicial em contrário.

§ 2º A medida não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses.

§ 3º Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos.

§ 4º Atingido o limite estabelecido no parágrafo anterior, o adolescente deverá ser liberado, colocado em regime de semiliberdade ou de liberdade assistida.

§ 5º A liberação será compulsória aos vinte e um anos de idade.

§ 6º Em qualquer hipótese a desinternação será precedida de autorização judicial, ouvido o Ministério Público (g.n) (BRASIL, 1990).

Para tanto, atingindo o tempo limite de internação, o adolescente infrator deve ser liberado ou inserido em outras medidas, com a autorização do juiz, ouvido pelo Ministério Público sendo que a liberação é compulsória quando o adolescente completar 21 anos. Porém, mesmo com a maioridade civil que foi alcançada com o fundamento da Lei 10.402/02 não restará eliminada a aplicação da medida socioeducativa em razão da obrigatoriedade de proteção estatal nos termos do artigo supracitado, como preleciona Ishida (2006, pp.187-188):

Menor – Maioridade civil alcançada com fundamento na lei 10.406/02 (Código Civil) não elide a aplicação de medida socioeducativa, diante do caráter em formação do adolescente e da obrigatoriedade de proteção do Estado, nos termos do ECA (art. 121, § 5º). Ordem denegada.

Afasta-se da arguição do impetrante quanto à inovação contida no Código Civil vigente. Aos atos infracionais não se aplica a maioridade civil de dezoito anos, uma vez que o Estatuto da Criança e do Adolescente considerou a previsão de cumprimento da medida socioeducativa de internação até os vinte e um anos (art. 121, § 5º) em decorrência da formação da personalidade, do caráter do jovem e da vida civil.

Ademais, como já anteriormente ficou salientado em voto do eminente Dês. Denser de Sá (HC nº 101.288-0/0), posicionamento em contrário ‘levaria à possibilidade absurda de admitir-se que um adolescente que cometesse um ato infracional quando estivesse próximo de completar 18 anos de idade ficasse praticamente imune, pois livre das sanções previstas na lei penal e, ao mesmo tempo, impedido de receber, por período adequado, qualquer das providências ressocializantes previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, estando, por conseguinte fadado a permanecer na delinquência, uma vez que o Estado estaria de mãos amarradas para atuar em seu favor e em prol da sociedade’.

Nesse diapasão, respaldado na interpretação teleológica do direito positivo, mantém-se o regime ora impugnado, especialmente porque do sistema não insurge a ideia de revogação do caráter retributivo para condutas antissociais. (TJSP-Habeas Corpus nº 102.475-0/0- São Paulo- Rel. Dês. Luís de Macedo- j. 12-5-03- v.u.)

Em se tratando do princípio da brevidade, a internação deve ser mantida em menor tempo possível, no prazo máximo de três anos, devendo ser reavaliada a cada seis meses a pertinência da manutenção da medida ou a substituição por outra que se mostre mais apropriada (ROSSATO, 2012).

Esse assunto é tão relevante que o artigo 235 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA considera crime o descumprimento injustificado deste prazo fixado em benefício de adolescente privado de sua liberdade.

O princípio da brevidade garante ao adolescente infrator a possibilidade de a autoridade judicial determinar imediatamente uma medida socioeducativa mais branda que a de internação, não levando em conta a gravidade do ato infracional, mas sim, o período em que o adolescente passou segregado, como demonstra a decisão, abaixo:

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. DESCABIMENTO. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO AO CRIME DE ROUBO QUALIFICADO. MANUTENÇÃO DA MEDIDA DE INTERNAÇÃO SEM FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PARECER PSICOSSOCIAL FAVORÁVEL À TRANSFERÊNCIA DO ADOLESCENTE PARA MEDIDA MAIS BRANDA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.

– O Superior Tribunal de Justiça, seguindo o entendimento da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, passou a inadmitir habeas corpus substitutivo de recurso próprio, ressalvando, porém, a possibilidade de concessão da ordem de ofício nos casos de flagrante constrangimento ilegal.

– Em observância aos princípios norteadores do estatuto menorista (Lei n.8.069/1990), como os princípios da brevidade e excepcionalidade da internação, transcorridos o lapso temporal de 1 (um) ano e 2 (dois) meses desde o início do cumprimento da medida privativa de liberdade e dada a primariedade do infrator, bem como sua menor participação no ato infracional análogo ao crime de roubo, a simples gravidade abstrata do delito é fundamento insuficiente para negar ao paciente a progressão à medida mais benéfica.

– Ademais, quando no parecer psicossocial está certificada a postura satisfatória do paciente na execução da medida socioeducativa, seu arrependimento expresso diante do feito e comprovado o apoio familiar recebido em seu processo de ressocialização. (STJ – HABEAS CORPUS : HC 271018 PE 2013/0163271-6. Min. Des. Rel. Marilza Maynard. Julg. 25/06/2013. T5. Publ. 01/08/2013). (g.n) (BRASIL, 2013).

Deste modo, percebe-se que não se pode subtrair do adolescente o convívio social. Esta não é a melhor maneira de educá-lo, pelo contrário, poderá causar ainda mais problemas para uma pessoa em desenvolvimento. Manter o adolescente internado pode prejudicar o seu desenvolvimento sadio, razão pela qual é importante que a privação de liberdade seja somente um meio de se viabilizar o processo socioeducativo e não um fim em si mesmo.

A internação somente deverá ser adotada quando se verificar que o adolescente já está na criminalidade e, nenhuma outra medida poderá ser tomada, porquanto não implicará em seu caráter ressocializante. Esse é o espírito do princípio da excepcionalidade ressocializadora, muito diferente do Código Penal, em que a medida de privação de liberdade é o principio básico dessa legislação.

No que concerne ao princípio do respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, a autoridade e seus agentes não podem de forma alguma praticar abusos contra o adolescente. Caso essa garantia seja descumprida, a exemplo de submissão do internado a tratamento vexatório, pode configurar crime de abuso de autoridade. (ROSSATO, 2012)

Embora a medida de internação prive os adolescentes infratores de sua liberdade, esta deve ter um caráter socioeducativo, garantindo-lhes dentre outros ser tratado com respeito e dignidade, permanecer internado na localidade ou naquela mais próxima ao domicilio de seus pais ou responsáveis, corresponder-se com seus familiares e amigos, ter acesso aos objetos necessários a higiene e asseio pessoal, habitar alojamento em condições adequadas de higiene e salubridade, receber escolarização e profissionalização, realizar atividades culturais, esportivas e de lazer, ou seja, deve ter um papel construtivo na vida do jovem a ela submetido, como é a proposta do art. 124 do ECA. Lembrando-se sempre do dever do Estado em cuidar da integridade física e mental do adolescente.

3. SISTEMA NACIONAL DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO

Com o objetivo de construir parâmetros que reafirmassem o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, mais precisamente “sobre a natureza pedagógica das medidas socioeducativas”, é que foi implantado o SINASE – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo.

O mesmo se revela como um instrumento de mudança de paradigma do Direito infanto-juvenil no Brasil sendo uma ferramenta indispensável para consolidação da travessia da doutrina da situação irregular para a doutrina de proteção integral (BANDEIRA, 2011).

É nesse contexto que no ano de 2002, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) em parceria com a Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH), juntamente com a Presidência da República, Associação Brasileira de Magistrados e Promotores da Infância e Juventude (ABMP) e o Fórum Nacional de Organizações Governamentais de Atendimento à Criança e ao Adolescente (FONACRIAD), iniciou vários encontros estaduais e regionais com juízes, promotores de justiça, conselheiros de direitos, técnicos e gestores de entidades e/ou programas de atendimento socioeducativo para debater e avaliar proposta de lei de execução de medidas socioeducativas (BANDEIRA, 2011).

Esses eventos tiveram como principal foco a identificação dos porquês de algumas Instituições destinadas à reintegração social dos adolescentes infratores no Brasil ainda estarem absorvidas pelo modelo antigo do Código de Menores.

Nesse sentido, em novembro de 2004 foi promovido um amplo diálogo nacional com aproximadamente 160 atores do Sistema de Garantia de Direitos (SGD), buscando efetivar as medidas socioeducativas presentes no ECA, objetivando a garantia da proteção integral à infância e adolescência, reafirmando a responsabilidades do Estado, da família e sociedade na promoção e proteção dos direitos desse grupo social a partir da construção do SINASE (SINASE, 2006).

Assim foi implantado o SINASE, resultado do Projeto de Lei 1627/07, que possui diretrizes claras e específicas para execução das medidas socioeducativas. Tal preocupação decorre da possibilidade de adoção de interpretações equivocadas dos artigos do ECA, que muitas vezes são pouco precisos sobre a operacionalização de suas medidas socioeducativas, como mostra a apresentação do Projeto, abaixo:

O processo democrático e estratégico de construção do SINASE concentrou-se especialmente num tema que tem mobilizado a opinião pública, a mídia e diversos segmentos da sociedade brasileira: o que deve ser feito no enfrentamento de situações de violência que envolvem adolescentes enquanto autores de ato infracional ou vítimas de violação de direitos no cumprimento de medidas socioeducativas. Por sua natureza reconhecidamente complexa e desafiadora, além da tamanha polêmica que o envolve, nada melhor do que um exame cuidadoso das alternativas necessárias para a abordagem de tal tema sob distintas perspectivas, tal como feito de forma tão competente na formulação da proposta que ora se apresenta (ROTONDANO, 2011, p. 162).

O Projeto de Lei acima citado explana a competência dos órgãos e entidades que deverão ser responsáveis pela sua correta implementação e aplicação, principalmente no âmbito federal (União): Controladoria Geral da União, o Congresso Nacional, o Tribunal de Contas da União, o Ministério Público e o Poder Judiciário e também o CONANDA que tem a função de controle administrativo, garantindo a legitimidade e a eficiência das ações, sendo imprescindível sua existência em todos os níveis federativos (ROTONDANO, 2011). 

Para tanto, o CONANDA criado pela Lei Federal 8242 de 12 de outubro de 1991, seria o órgão responsável por decidir sobre a política de atenção à infância e à adolescência, buscando cumprir seu papel normatizador e articulador na elaboração do SINASE. 

Importa frisar que o SINASE já existia no Brasil desde 2006, quando o CONANDA através da resolução nº 119, o instituiu, porém, poucos juízes da infância e da juventude o adotaram, ou, pelo menos o conheciam. Somente foi positivado no ordenamento jurídico brasileiro quando entrou em vigor a Lei nº 12.594/2012 (BANDEIRA, 2011). 

O SINASE (2006) teve seu processo de construção concentrado principalmente nos grandes problemas enfrentados pela sociedade, quais sejam: a constante violência que envolvia os adolescentes autores de ato infracional ou a violação dos seus direitos por ocasião do cumprimento de medidas socioeducativas, transformando-os em verdadeiras vítimas do sistema.

O esforço na construção deste Sistema buscou reverter a tendência crescente de internação de adolescentes infratores a partir do confronto de sua ineficácia com a realidade decorrente da aplicação das medidas socioeducativas, uma vez que já havia a constatação de que o rigor na execução dessas medidas não reintegravam ou não integravam socialmente os egressos do sistema socioeducativo.

A partir daí, a municipalização dos programas de adoção de medidas socioeducativas a serem cumpridas em meio aberto foi priorizada mediante a articulação das políticas intersetoriais e a constituição de redes de apoio nas comunidades para garantir o direito dos adolescentes infratores à convivência familiar e comunitária, sem deixar de lado as medidas socioeducativas a serem cumpridas em meio fechado que deveriam obedecer ao princípio da regionalização (ROTONDANO, 2011). 

O SINASE veio, portanto, para estabelecer as competências e responsabilidades dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, sendo que suas decisões devem estar fundamentadas em diagnósticos e diálogos diretos com o Poder Judiciário e o Ministério Público.

O SINASE destina-se à inclusão social dos adolescentes infratores possuindo interfaces com diferentes sistemas e políticas. Com atuação diferenciada reúne órgãos deliberativos e gestores que são articuladores dessa atuação em diferentes áreas da política social, como saúde e previdência social, cultura, esporte, lazer segurança pública, dentre outras. (BRASIL, 2006)

4. CENTRO DA JUVENTUDE ALTO DA ESPERANÇA E CENTRO DE JUVENTUDE CANAÃ  

A internação em estabelecimento educacional prevista no artigo 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) constitui-se em medida privativa de liberdade, sujeita ao princípio da brevidade, da excepcionalidade e do respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, como já mencionado neste trabalho.

Esta medida no Maranhão conta com uma Unidade no Alto da Esperança e no Vinhais, em São Luís. Ressalta-se, inicialmente que foram constatados graves problemas estruturais e humanos nas duas Unidades. Prova disso foram as fugas ocorridas pelos menores internos, situação essa que retrata a falta de segurança.

Conforme previsão legal, esses Centros através da FUNAC têm a obrigatoriedade de assegurar aos adolescentes, atendimento técnico especializado (social, psicológico, jurídico, terapêutico e pedagógico), de atender as necessidades básicas como higiene pessoal, alimentação, vestuário, medicamento, escolarização, esporte, cultura, laser, espaço para profissionalização, dentre outras necessidades como salubridade, higiene e segurança.  

Conforme a FUNAC/Maranhão a receita orçamentária no ano de 2010 chegou ao total de R$ 16.086.029,27 (dezesseis milhões e oitenta e seis mil e vinte nove reais e vinte sete centavos). Vale dizer que, o orçamento anual inclui as medidas de internação (provisória e definitiva) e semiliberdade. Frise-se que a FUNAC/MA não possui registro da quantidade de adolescentes que, após cumprimento de medida socioeducativa de internação, reiteraram na prática de ato infracional.

O Assistente Social das unidades atende individualmente os adolescentes, orienta as famílias, acolhe os novos internos e visita-os nos alojamentos para observação da convivência. O psicólogo tem a função de abordar a história de vida dos adolescentes. Para tanto, visita os alojamentos para observar a questão da convivência, do comportamento, da organização, da limpeza e do relacionamento interpessoal necessário a uma boa convivência, elabora parecer e perfil psicológico, realiza atendimento aos familiares para informação sobre transferência dos internos.

O advogado realiza o atendimento individual com foco na situação processual, elencando a movimentação na Comarca de origem; acompanhamento processual junto a Promotoria da Infância e da Juventude. Visita os alojamentos observando a convivência no cotidiano da Unidade. Compete também escutar e aconselhar sobre o processo e ato infracional além de promover o atendimento à família para informação da situação processual e cumprimento da medida socioeducativa.

O pedagogo, por seu turno, orienta-os sobre a importância de estarem matriculados em uma instituição de ensino e formação profissional como forma de inserção no mercado, além de colher informação sobre a rotina pedagógica do Centro. Além do mais, promove orientação sobre vários temas relacionados com a família, com as drogas, amizade e etc.; além de direcioná-los a atividades de leitura e produção textual.

A pesquisa confirma que os adolescentes têm atendimento médico, odontológico, emergencial, ambulatorial e realizam exames nas unidades de saúde da comunidade, bem como: Unidade de Pronto Atendimento – UPA, Centro de Atenção Integral à Saúde da Criança e do Adolescente – CAISCA, Socorrão I, Consultório Odontológico Brilhante, Unidade Mista do Itaqui Bacanga, Hospital Nina Rodrigues, Clodomir Pinheiro e Carlos Macieira.

As necessidades básicas como, vestuários, colchões, colchas, lençóis, material de higiene pessoal (escova de dente, sabonete, sabão em pó, barra de sabão) são distribuídos quinzenalmente.

As refeições são fornecidas diariamente num total de 06 (seis), distribuídas entre: café da manhã; lanche; almoço; lanche; jantar; e lanche.

Ressalta-se que as Unidades de Internação são subordinadas à FUNAC/MA, o órgão responsável pela execução das medidas socioeducativas privativas e restritivas de liberdade.

A FUNAC é constituída nos termos da Lei n.º 5.650, de 13/04/1993, e vincula-se à Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Assistência Social e Cidadania – SEDIHC, como advento da medida provisória nº 120 de 17 de abril de 2012, que dispõe sobre a Reforma Administrativa do Poder Executivo do Estado.

A Fundação apresenta como parâmetros a Constituição Federal de 1988, a Lei nº 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, a Lei 12.594/2012 – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo- SINASE, o Sistema Único da Assistência Social – SUAS, além de normativas internacionais das quais o Brasil é signatário, tais como: Convenção da Organização das Nações Unidas – ONU, Regras de Beijing e Diretrizes de Riad.

Com base nesse fundamento legal, o órgão apresenta como missão institucional garantir o cumprimento da política de atendimento especial a adolescente em conflito com a lei, de forma articulada, promovendo o seu desenvolvimento pessoal e social a partir da valorização de suas potencialidades e habilidades (RELATÓRIO FUNAC/MA, 2012, p. 7).

O Centro de Juventude Canaã trata-se de um centro de justiça juvenil que abriga aproximadamente 100 (cem) socioeducativos em média, que tem por escopo inicial o atendimento ao adolescente a quem se atribua a autoria do ato infracional e busca a integração operacional de órgãos do Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública e FUNAC, para agilização e qualificação desse atendimento conforme determina o art. 88, V do Estatuto da Criança e do Adolescente, garantindo o fluxo de atendimento, de forma a respeitar os direitos humanos do adolescente e sua família e a implantação de práticas restaurativas no procedimento de apuração do ato infracional praticado.

Alguns projetos sociais desenvolvidos: Projeto Jovem Guardião, é uma iniciativa da pastoral da juventude, da arquidiocese de São Luís, em parceria com a Fundação da Criança e do Adolescente (FUNAC), que visa possibilitar uma nova experiência de vida aos adolescentes que cumprem medida socioeducativa e, posteriormente, realizar o acompanhamento dos egressos da Funac em suas comunidades de origem, evitando, assim, a reincidência no ato infracional.

Com atividades lúdicas de teatro, música, dança e debates, os socioeducandos têm momentos de reflexão sobre a sua trajetória de vida para oportunizar um novo começo. As ações do projeto são realizadas sempre nos finais de semanas nas unidades de São Luís.

Atualmente, o projeto jovem guardião é realizado por meio das paróquias: Divina Providencia-Cidade Operária; Santíssima Trindade-Cidade Olímpica; Nossa Senhora da Boa Viajem-BR; São José dos Migrantes-BR; São João Calábria-Jardim América; Nossa Senhora de Fátima-Vila Luizão; Nossa Senhora da Penha-Anjo da Guarda; Santa Terezinha-Filipinho; Espirito Santo-Auto Timbira e São José do Bonfim-Vila Nova. Em breve as unidades do interior do Estado também serão beneficiadas pelo projeto jovem guardião.

5. ANÁLISE SOBRE AS UNIDADES DE INTERNAÇÃO

A pesquisa, foi realizada com a finalidade de identificar se as Unidades de Internação em São Luís, na perspectiva de ressocialização do menor infrator, estão, efetivamente, aplicando a medida socioeducativa de internação de acordo com as diretrizes e parâmetros do SINASE, no que diz respeito à estrutura física das Unidades.

Dentre os dez técnicos distribuídos entre pedagogo, advogado, psicólogo e assistente social e os demais que participaram desta pesquisa, quando questionados acerca da ciência de ressocialização de algum internado em decorrência da aplicação da medida de internação naquelas Unidades, a maioria dos questionados disse nunca ter constatado essa recuperação e que no entendimento dos mesmos isso ocorre em razão da forma como é executada a medida de internação, que na prática apresenta apenas um caráter sancionatório.

Em relação à participação dos adolescentes em práticas sociais, os internos participam e expõem à vontade as práticas que gostariam de desenvolver; nesse contexto, convém ressaltar a importância dessas práticas, que nas lições de OLIVEIRA, (et al, 2005), geram interação dos indivíduos entre si e entre eles e o ambiente natural, social, cultural em que vivem. Desenvolvem no interior de grupos, de instituições, o propósito de construir bens, transmitir valores, significados, ensinar a viver e controlar o viver, enfim, manter sobrevivência material e simbólica das sociedades humanas. Por isso, a importância das instituições desenvolverem práticas sociais, a fim de atribuir aos adolescentes infratores não somente responsabilidade, como também o exercício da autoconfiança.

Sobre a participação da família nas atividades, palestras e acompanhamento psicológico dos adolescentes internados, a família está sempre presente, mas apenas aquelas que moram em São Luís, havendo grande dificuldade em relação às famílias dos internos que moram no interior do Estado, devido à distância e dificuldade de locomoção dos mesmos para a capital.

Como se viu nos itens anteriores, é de fundamental importância que a família não seja excluída no processo de ressocialização do adolescente infrator porque “constitui um espaço privilegiado de convivência, dado que nela a dimensão afetiva é inerente” (VICENTE apud GASTARDI, 2012, p. 13).

Há necessidade de se desenvolver estratégias de atuação conjunta com o Poder Público para a construção de novas instituições de internação em municípios do Maranhão, com maior acessibilidade para essas famílias e também em municípios com maiores índices de criminalidade infanto-juvenil, descentralizando da capital tal mister.

“A arquitetura socioeducativa deve ser concebida como espaço que permita a visão de um processo indicativo de liberdade, não de castigos e nem da sua naturalização” (SINASE, 2006, p. 51), entretanto, em se tratando tanto da Unidade da Maiobinha, quanto da Unidade Alto da Esperança, quando os técnicos foram questionados se o espaço físico, infraestrutura e capacidade do Centro estavam adequados para atender os internos conforme os parâmetros legais, os da primeira Unidade, de forma unânime responderam que não, já os da segunda Unidade, apenas dois deles responderam que esta estaria adequada.

Técnicos das unidades ressaltaram problemas relacionados à iluminação, qualificando-a como precária a ponto de comprometer a própria segurança; falta de um refeitório adequado, de salão de atividades, enfim, toda a estrutura física inadequada.

Importa dizer que a formação dos servidores é fundamental para o nivelamento e afinamento das ações propostas uma vez que o processo é dinâmico e requer pessoas preparadas para atuarem de forma criativa nos seus espaços de trabalho. Como se sabe, para que algum profissional desempenhe bem as suas funções, necessário se faz que os mesmos recebam treinamentos específicos direcionados ao seu objeto de atuação, mormente quando se trata de atividades tão complexas como é o caso de reeducação, recuperação e ressocialização de jovens infratores.

Para tanto, no sentido de que as medidas imediatas possam ser desenvolvidas com eficiência e eficácia imprescindível a participação de Prefeitos, Governadores, Secretários, membros dos Conselhos de Direitos e todos os demais agentes relacionados nos arts 28 e 29 da Lei nº 12.594/2012, que são responsáveis pela implementação do SINASE, seja de forma direta ou indireta

Desta forma, como se vê, as Unidades não estão nos parâmetros recomendados pela legislação, portanto sem condições de acolher e manter os jovens infratores, pois, não reúne condições adequadas de higiene, circulação, iluminação e segurança; sem espaço adequado para realização de refeições; sem espaço para atendimento técnico individual e em grupo; sem condições adequadas para o repouso dos adolescentes; sem condições adequadas para o setor administrativo ou técnico; sem espaço adequado para atendimento de saúde/ambulatório; sem espaço adequado para salas de aula, inexistindo sala de professores e local para funcionamento de secretaria e direção escolar, portanto, a educação era disponibilizada apenas para alguns adolescentes e fora da Unidade; enfim, os alojamentos, o local para armazenamento de alimentos, área de lazer, etc., nada está dentro do padrão exigido pela Lei.

O próprio SINASE (2006) determina que os programas de atendimento se organizem de forma a garantir alimentação de qualidade e em quantidade suficientes; vestuário para todos que necessitarem em quantidade e correspondente às variações climáticas, de higiene pessoal em quantidade suficiente; acesso a documentação necessária ao exercício da sua cidadania e documentação escolar reconhecida pelo sistema público de ensino, bem como a inserção de adolescentes ameaçados em sua vida e em sua integridade física, em programas especiais de proteção.

Deve-se ressaltar ainda que qualquer atividade para ser bem executada não basta apenas ter profissionais capacitados, mas também bons equipamentos para que estes possam realizar suas atividades de maneira saudável e confortável, garantindo assim, resultados satisfatórios, como determina o SINASE (2006). As estruturas físicas das Unidades de atendimento e/ou programas serão orientadas pelo projeto pedagógico e estruturadas de modo a assegurar a capacidade física para o atendimento adequado à execução desse projeto e a garantia dos direitos fundamentais dos adolescentes.

Somente quando houver a efetivação das orientações do SINASE, instrumento que reafirma as diretrizes do ECA sobre a natureza pedagógica da medida socioeducativa, é que será possível se enxergar o caráter ressocializador das medidas socioeducativas. O processo educativo por enquanto tem sido deixado de escanteio.

Por enquanto, fica a nível de utopia a relação: medida socioeducativa versus inclusão social desses jovens maranhenses. O poder público não garante as estruturas físicas e materiais necessários à execução das medidas socioeducativas. Igualmente grave é o não cumprimento do dispositivo de regionalização do atendimento, que garante a execução das medidas na comunidade a que pertença o jovem infrator, atendendo às normas de participação da família e da comunidade em que vive, como fator essencialmente importante no processo de reabilitação e ressocialização do adolescente.

É preciso, portanto, adotar o teor pedagógico que fundamenta a aplicação das medidas socioeducativas e desenvolver políticas públicas capazes de tornar esse sistema eficaz e eficiente, tornando os ambientes aplicadores de medidas socioeducativas propícios para atendimento e consequente ressocialização dos adolescentes ali inseridos.

De outro modo, há que se buscar, também, políticas públicas preventivas, de modo a garantir uma educação, um sistema de justiça e segurança, um sistema de saúde e um sistema de assistência social capazes de evitar que o adolescente cometa atos infracionais, atuando dessa forma, como prevenção de práticas delituosas cometidas nessa fase da vida.

Só assim é que se pode falar em adoção da doutrina da proteção integral por parte do ordenamento jurídico brasileiro no tange ao tão repisado artigo 227 da Constituição Federal, o qual impulsionou a criação de normas específicas (ECA e SINASE) que garantem os direitos necessários para a preservação e manutenção da dignidade da pessoa humana em desenvolvimento.

CONCLUSÃO

Como foi visto, as Unidades de Internação devem garantir o acolhimento do jovem infrator com garantias de um acomodamento salubre, educação integral, atendimento com profissionais como: Assistente Social, Psicólogo, Pedagogo, Advogados e dentre outros profissionais, de acordo com o ECA e SINASE.

Após 27 anos de criação da Lei nº 9.069/90 e 05 anos da criação da Lei 12.594/12, ainda não se rompeu com a visão estigmatizadora que recai sobre a criança e o adolescente infrator. Restou claro que o fundamento principal do Estatuto da Criança e do Adolescente é a proteção integral e a consagração de que a criança e o adolescente são sujeitos de direitos perante a família, a sociedade e o Estado. No entanto, no que tange a medida de internação, a efetividade decorrente da sua aplicabilidade está longe de alcançar um fim satisfatório e compatível com os padrões constantes nas diretrizes e parâmetros do SINASE.

Isso se deve em grande parte à falta de instituições que apliquem efetivamente as medidas socioeducativas privativas de liberdade conforme os moldes legais e muito em razão da inexistência de políticas públicas ou de comprometimento do poder estatal.

Enquanto isso o SINASE, um importante instrumento jurídico-político para concretização dos direitos fundamentais desses adolescentes infratores não consegue cumprir o seu papel. Não consegue fazer as instituições funcionarem ou atuarem como deve ser e muito menos consegue que os operadores que direta ou indiretamente irão trabalhar com esses menores desempenhem suas atividades a contento.

Não obstante, o que se percebe é a falta de investimento em políticas públicas sociais, como saúde, esporte, educação etc., que através de um bom planejamento concomitantemente com capacitação dos operadores do sistema de garantia de direitos e de justiça, coloque em prática a legislação vigente em nosso país.

REFERÊNCIAS

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[1] Acadêmica do curso de direito da Universidade Estadual do Maranhão – UEMA.

² Acadêmica do curso de direito da Universidade Estadual do Maranhão – UEMA.

Como citar e referenciar este artigo:
TEIXEIRA, Jéssica de Jesus Ribeiro; SANTOS, Laíse Rodrigues dos. Aplicabilidade da medida socioeducativa de internação do menor infrator no município de São Luís. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2018. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/aplicabilidade-da-medida-socioeducativa-de-internacao-do-menor-infrator-no-municipio-de-sao-luis/ Acesso em: 29 mar. 2024