Direito Constitucional

Delineamentos constitucionais sobre o direito à vida

Wilker Jeymisson Gomes da Silva

RESUMO

Dentre os diversos direitos advindos através dos tempos, juntamente com as denominadas dimensões de direitos fundamentais, o direito à vida, tido como um dos mais importantes direitos, vem sendo alvo de numerosas discussões acerca de sua aplicação em determinados casos concretos, na atualidade, discutindo-se, nessas ocasiões, se haveria ou não a sua incidência. Destarte, tecendo considerações sobre o direito à vida, no presente estudo, embasando-se em posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, pretende-se analisar, ao fim, após tecidas premissas essenciais, casuísticas já analisadas pelos Tribunais pátrios, situações em que se deparou com outros direitos constitucionalmente assegurados em confronto com o direito à vida.

 Palavras-chave: Direito à vida. Constituição Federal. Conflito de normas. Conflito de princípios.

 1 INTRODUÇÃO

 Na atual Constituição Federal da República de 1988, dita “Constituição cidadã”, o legislador abarcou diversos direitos que considerou de essencial proteção para a garantia da harmonia e paz social entre os indivíduos da nação. Dentre estes direitos, seguiu com a linha de raciocínio das constituições anteriores em abarcar o direito à vida e suas vertentes como direitos de natureza fundamental, dispondo sobre o mesmo no caput do art. 5º da Constituição, que arrola os direitos fundamentais que atinem ao indivíduo.

 Assim, dispondo ser o direito à vida um dos mais relevantes direitos, a doutrina e jurisprudência, ao analisá-lo em confronto com demais direitos fundamentais constitucionais, depara-se com uma difícil missão de declarar a incidência ou não do direito à vida em determinados casos concretos. No presente estudo, far-se-á análise jurisprudencial e doutrinária acerca do direito à vida, a fim de tecer premissas essenciais e compreender determinados casos de repercussão envolvendo o referido direito.

 2 ASPECTOS GERAIS ACERCA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

 Conceituando os direitos fundamentais, Bulos (2014, p. 525) diz que estes são o complexo de “[…] normas, princípios, prerrogativas, deveres e institutos, inerentes à soberania popular, que garantem a convivência pacífica, digna, livre e igualitária, independentemente de credo, raça, origem, cor, condição econômica ou status social” (grifo original do autor).

 Partindo de uma concepção terminológica da expressão “direitos fundamentais”, denominação esta adotada pelo legislador constituinte, Silva, apud Puccinelli Júnior (2014, p. 2010) aduz que estes são “prerrogativas reconhecidas pelo direito positivo e voltadas a assegurar condições mínimas de existência digna, livre e igual a todos os seres humanos”.

 Desta maneira, sabendo que são os indivíduos os destinatários dos direitos e garantias fundamentais, sendo estes criados para assegurar-lhes alguns bens jurídicos essenciais invioláveis e universais, a finalidade dos mesmos é proporcionar aos seus destinatários a paz social e convivência harmoniosa, no intuito de que se possa permanecer o estado pacífico na sociedade em âmbito nacional.

 O legislador, deste modo, estabeleceu as liberdades públicas por meio de normas constitucionais positivas, elencando ditos direitos com vistas, principalmente, ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, positivando direitos ditos como “fundamentais”, que fomentam a ideia de respeito ao ser humano, supraprincípio estipulado constitucionalmente, conforme se analisa no art. 1º, inciso III, da Constituição.

 Nesta senda, reconhecendo que o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana norteia os direitos e garantias fundamentais, Novelino (2012, p. 33) escreve, com maestria, que “Com a finalidade de proteger e promover a dignidade da pessoa humana e erigir a sociedade a patamares mais elevados de civilidade e respeito recíproco os textos constitucionais das últimas décadas consagraram novos direitos fundamentais”.

 É preciso salientar, entretanto, que a dignidade da pessoa humana não é um direito fundamental, e sim um fundamento principiológico da República Federativa do Brasil, que permeia todos os direitos elencados pela Constituição no art. 5º. Assim, se sobrepõe aos direitos, devendo estes fielmente observar o primado da dignidade da pessoa humana. Destarte, todos os direitos fundamentais devem observar o primado da dignidade da pessoa humana, pois este se encontra acima dos demais princípios, em regra, devendo ser observado em todas as situações sociais e inovações legais.

 Entretanto, sendo sabido que nenhum direito ou princípio é absoluto, deve-se explicitar que

 […] nenhuma prerrogativa pode ser exercida de modo danoso à ordem pública e aos direitos e garantias fundamentais, as quais sofrem limitações de ordem ético-jurídica. Essas limitações visam, de um lado, tutelar a integridade do interesse social e, de outro, assegurar a convivência harmônica das liberdades, para que não haja colisões ou atritos entre elas (BULOS, 2014, p. 533-534).

 Logo, irão existir situações em que um direito ou princípio entrará em choque com outro, o que se denomina, doutrinariamente, antinomia, ou seja, choque entre preceitos jurídicos. Desta maneira, deverá prevalecer um direito em detrimento de outro, não se sustentando aquele que for vencido, no caso concreto. Esta característica dos direitos e garantias fundamentais é denominada de relatividade ou limitação.

 Também consta, dentre as características dos direitos fundamentais, a historicidade, pela qual se depreende que tais direitos foram historicamente conquistados e sedimentados ao longo do tempo; a universalidade, que significa que estes direitos são oponíveis erga omnes; são cumuláveis, pois podem ser exercidos simultaneamente; irrenunciáveis e inalienáveis, pois os seus titulares não podem renunciá-los ou dispor deles, em que pese ter a faculdade de exercê-los ou não; são imprescritíveis, por fim, em razão de não possuírem caráter patrimonial, não se perdendo, pois, pelo decurso do tempo.

 Ademais, visando conferir aos destinatários maior efetividade dos direitos fundamentais, a própria Constituição dispôs de elementos normativos capazes de instrumentalizar tais direitos, por meio das chamadas garantias, e por meio dos remédios constitucionais, sendo estas as modalidades que a Carta Magna previu para dar cumprimento prático aos seus preceitos.

 

 Por fim, as normas asseguradoras de direitos fundamentais e os remédios constitucionais concedem efetividade ao próprio direito, estabelecendo, nos dizeres de Puccinelli Júnior (2014, p. 210) “[…] recursos destinados a assegurar o pleno exercício dos direitos fundamentais ameaçados ou a promover sua justa reparação, caso já violados”.

 3 A PRIMEIRA GERAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS  E O RESGUARDO DO DIREITO À VIDA

 As chamadas gerações ou dimensões dos direitos fundamentais são construções doutrinárias e jurisprudenciais que visam delimitar cronologicamente as etapas pelas quais os direitos e garantias existentes perpassaram. Assim, doutrina e jurisprudência são consentes na existência de 3 (três) dimensões de direitos fundamentais, havendo uma parte que afirma existir a 4ª e 5ª geração, e até a 6ª geração, em algumas obras jurídicas.

 Ainda, é preciso salientar que alguns autores, nas doutrinas, têm preferido utilizar o termo “dimensões”, ao invés de gerações, querendo significar que as os direitos humanos fundamentais advindos seriam sucessivos e cumulativos, não havendo a superação de uma dimensão por outra, como pode transparecer a terminologia “geração”. No entanto, as ditas terminologias, quanto ao aspecto constitucional, são sinônimas.

 No que diz respeito ao direito à vida, tem-se que os direitos fundamentais de primeira geração ou dimensão, conquistados entre os séculos XVII e XVIII, trouxeram para o ordenamento jurídico brasileiro preceitos jurídicos de conteúdo restritivo ao poder estatal, visando limitar a sua atuação e impedir possíveis abusos, de modo a permitir ao particular a fruição de uma vida sem a intervenção do Estado, devendo este último “[…] se abster de intervir do domínio socioeconômico e no âmbito das relações privadas” (PUCCINELLI JÚNIOR, 2014, p. 217).

 Nesse sentido, diz-se que os direitos advindos nesta dimensão se consubstanciam em prestações negativas, de tal forma que o Estado, em sua atuação, deveria abster-se de interferir na vida dos particulares, sendo, portanto, abstencionista ou liberal. A obrigação do Estado, pela classificação do direito obrigacional de Direito Civil, seria de não fazer, devendo evitar, assim, a intromissão na vida dos indivíduos.

 Na doutrina de Tavares (2012, p. 501), enfatizando o caráter abstencionista do Estado, quando do surgimento da primeira dimensão ou geração dos direitos humanos fundamentais, este assevera que “[…] os primeiros direitos surgidos foram os de caráter negativo, atrelados ao ideário que movimentava o Estado essencialmente liberal”.

 Entre os direitos surgidos com a primeira geração encontra-se o direito à vida em sua amplitude, à liberdade propriamente dita e suas ramificações, ao livre exercício de trabalho, crença e religião, o direito à expressão de pensamento, associação e reunião, dentre outros, sendo estes direitos individuais e políticos, em suma.

 4 O APARATO CONSTITUCIONAL DO DIREITO Á VIDA

 O direito à vida está contido, principalmente, no caput do art. 5º da Constituição Federal, e é considerado como o direito mais importante de todos. Garantindo-se o direito à vida, a Constituição garante o direito a nascer e a permanecer vivo, vedando, por exemplo, a adoção da pena de morte, dentre as garantias criminais, ressalvando-se o caso de guerra declarada, onde pode haver a pena de morte em situações excepcionais, de acordo com os ditames do Código Penal Militar. Assim, como regra geral, a dignidade da pessoa humana é aplicável às pessoas que possuem vida. Excepcionalmente, também se tutela a honra e imagem de pessoas mortas.

 Conforme aduz Tavares (2012, p. 575) o direito à vida pode ser considerado como “[…] o mais básico de todos os direitos, no sentido de que surge como verdadeiro pré-requisito da existência dos demais direitos consagrados constitucionalmente. É, por isto, o direito humano mais sagrado”. É exatamente nesse sentido que a Constituição resguarda o direito à vida, propriamente dito, assim como todos aqueles que lhe são correlatos, que visam garantir a vida humana digna.

 Segundo Silva (2005, p. 198-199) “Tentou-se incluir na Constituição o direito a uma existência digna. Esse conceito de existência digna consubstancia aspectos generosos de natureza material e moral […]”. Assim, não basta o direito à vida se não se puder gozá-lo com dignidade; dever-se-á viver a vida dignamente, devendo o Estado promover a existência condizente com o respeito e nobreza que se incluem no conceito de dignidade.

 4.1 MOMENTO DE PROTEÇÃO

 Para proteger-se o direito à vida, bem como o direito de estar vivo e de viver com dignidade, deve haver um delineamento exato acerca do que se entende por vida assim como qual o termo inicial e final desta garantia constitucional, no intento de compreender e distinguir situações de violação e as casuísticas em que este direito não pode ser suscitado.

 Sendo uma questão de cunho biológico, existem várias teorias que visam explicar e consolidar tais momentos, tais como a teoria da concepção, a teoria da nidação, a teoria do nascimento das primeiras terminações nervosas etc. Estas teorias delimitam o momento em que se pode considerar como sendo o do surgimento de uma vida humana.

 A teoria concepcionista, defendida pela Igreja Católica, entende que a vida começa a existir desde o momento em que a mulher concebe o óvulo em seu útero. A teoria da nidação, contudo, exige que, além da concepção do óvulo no útero, haja a fixação do mesmo nas paredes uterinas.

 A teoria do nascimento das primeiras terminações nervosas defende que o momento de início da vida seria a partir da implementação das primeiras formações do sistema nervoso central. Assim, além de o óvulo ser fecundado, o feto deveria apresentar atividade cerebral, para que pudesse ser considerado com características humanas e, desta forma, pudesse ser abrangido pela proteção jurídica à vida.

 Ainda há, por fim, uma teoria que entende que a vida surgiria apenas quando da expulsão do feto, ou seja, no momento em que o objeto intrauterino passasse a ser extrauterino.

 No Brasil tem-se adotado, em razão da decisão do Supremo Tribunal Federal acerca do aborto de feto anencéfalo (STF, Pleno, ADPF 54, Relator Ministro Marco Aurélio, julgado em 12 de abril de 2012), a tese que defende que o início da vida dá-se com a formação cerebral, pois nesta decisão emblemática restou decidida a possibilidade do procedimento abortivo de fetos sem cérebro, por não haver, no entendimento da Corte, vida a ser tutelada, haja vista a inviabilidade de sobrevivência extrauterina destes fetos.

 Quanto ao momento de término da vida, o Código Civil de 2002, em seu art. 6º, dispõe que “ A existência da pessoa natural termina com a morte”. Nesse passo, a morte, para fins de doação de órgãos, conforme preceitua a Lei de Doação de Órgãos (Lei n. 9.434, de 2 de fevereiro de 1997), dá-se a partir do momento do fim do funcionamento das atividades cerebrais, momento a partir do qual podem ser retirados os órgãos do doador, sendo este, assim, o momento em que cessa a proteção jurídica à vida do indivíduo.

 4.2 DIREITOS CORRELACIONADOS

 O direito à vida se relaciona com diversos outros direitos, com o direito fundamental da não tortura, exemplificativamente: se proíbe a tortura de modo absoluto, não sendo possível esse direito ser relativizado, justamente por seguir em paralelo à dignidade da pessoa humana. Assim, por haver o direito à vida e direito a vivê-la de forma digna, ninguém pode ser submetido à tortura ou a tratamento desumano ou degradante, nos termos da CF em seu art. 52, inciso III.

 

 Na doutrina de Bulos (2014, p. 542), este assevera, em relação ao direito à vida, que o

 Seu significado constitucional é amplo, porque ele se conecta com outros, a exemplo dos direitos à liberdade, à igualdade, à dignidade, à segurança, à propriedade, à alimentação, ao vestuário, ao lazer, à educação, à saúde, à habitação, à cidadania, aos valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa.

 Por fim, nesse sentido dispõe Tavares (2012, p. 575), afirmando que deve ser assegurado “[…] um nível mínimo de vida, compatível com a dignidade humana. Isso inclui o direito à alimentação adequada, à moradia (art. 5º, XXIII), ao vestuário, à saúde (art. 196), à educação (art. 205), à cultura (art. 215) e ao lazer (art. 217)”. Assegurando-se o direito à vida surge, consequentemente, o dever de se garantir uma vida digna a todos, por ser esta uma decorrência dos fundamentos da República.

 5 CASUÍSTICAS JURISPRUDENCIAIS ENVOLVENDO A NÃO INCIDÊNCIA DO DIREITO À VIDA

 Não pretendendo esgotar as temáticas abaixo tratadas, por serem temas complexos, tecer-se-ão comentários breves acerca de casos que repercutiram de modo relevante, causando grande impacto social tanto a discussão travada como o resultado gerado pela submissão da casuística problemática ao crivo do Poder Judiciário.

 5.1 PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS

 O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade de número 3.510, proposta em contraposição à Lei de Biossegurança – Lei 11.105 de 2005 – julgou constitucional a possibilidade de se realizarem pesquisas de cunho científico com células-tronco retiradas de embriões, entendendo, naquela ocasião, que esta atividade de cunho científico não feria o direito à vida, em razão de as referidas células não se enquadrarem no conceito de vida, para fins de proteção jurídica.

 Ao julgar improcedente a ADin 3.510, reconhecendo a constitucionalidade do art. 5-º da Lei de Biossegurança, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República, o Supremo acatou a tese de que as pesquisas com células-tronco embrionárias não violam o direito à vida, tampouco a dignidade da pessoa humana (BULOS, 2014, p. 542).

 Assim, naquela oportunidade, ao confrontarem-se os direitos à vida e à pesquisa científica, a Suprema Corte entendeu, in casu, pela primazia da liberdade científica, assegurando o direito à liberdade de expressão científica contida nos arts. 5º, inciso IX, e art. 218 da Constituição Federal, ressaltando-se que estas pesquisas, no futuro, trarão benefícios para a sociedade como um todo.

 5.2 ABORTO DE ANENCÉFALO

 Grande problemática jurídica no ordenamento brasileiro foi a questão da possibilidade de abortamento do feto anencéfalo. A celeuma envolvia a questão criminal na possibilidade de antecipação terapêutica do parto do feto sem cérebro. Pretendeu-se analisar o confronto de bens jurídicos e a tipicidade penal em contraposição às excludentes de ilicitude.

 Em 12-4-2012, o Supremo Tribunal Federal, por maioria e nos precisos termos do voto do Relator, Min. Marco Aurélio, concluiu o julgamento da ADPF 54. Ela foi julgada procedente. Oito dos dez ministros presentes à sessão declararam a inconstitucionalidade da exegese segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos arts. 124, 126, 128, I e II, do Código Penal.

 Restou entendido, naquela ocasião, que:

 […] não é dado invocar o direito à vida dos anencéfalos. Anencefalia e vida são termos antitéticos. Conforme demonstrado, o feto anencéfalo não tem potencialidade de vida. Trata-se, na expressão adotada pelo Conselho Federal de Medicina e por abalizados especialistas, de um natimorto cerebral. Por ser absolutamente inviável, o anencéfalo não tem a expectativa nem é ou será titular do direito à vida, motivo pelo qual aludi, no início do voto, a um conflito apenas aparente entre direitos fundamentais. Em rigor, no outro lado da balança, em contraposição aos direitos da mulher, não se encontra o direito à vida ou à dignidade humana de quem está por vir, justamente porque não há ninguém por vir, não há viabilidade de vida. Aborto é crime contra a vida. Tutela-se a vida em potencial. Mas no caso do anencéfalo a situação é diferente, pois não existe vida possível. O feto anencéfalo, mesmo que biologicamente vivo, porque feito de células e tecidos vivos, é juridicamente morto, não gozando de proteção jurídica, nem proteção jurídico-penal. Quer dizer, no caso do anencéfalo não há, nem nunca haverá, indivíduo-pessoa. E, inexistindo potencialidade para tornar-se pessoa humana, não logra tutela jurídico-penal (STF, Pleno, ADPF 54, Rel. Min. Marco Aurélio, em j. 12-4-2012).

 Assim, o Supremo Tribunal Federal posicionou-se pela não incidência do direito à vida no caso de aborto de anencéfalos, entendendo pela não vedação, pois, da realização do parto antecipado de fetos sem cérebro, em razão deste não possuir as características que o façam enquadrar-se no conceito de vida, o qual é tutelado pelo ordenamento jurídico pátrio.

 5.3 EUTANÁSIA

 A eutanásia é uma palavra plurissignificativa, que quer dizer “boa morte” e “morte tranquila”. Fala-se em eutanásia, no ordenamento jurídico brasileiro, como sendo o método pelo qual um indivíduo provoca a morte de uma pessoa em estado agônico, decorrente de doença diagnosticada como incurável, para vê-la livre de tal estado.

 É considerado, pelo ato em si honroso, um tipo de homicídio piedoso. Entretanto, tratando-se de método não espontâneo de ceifamento da vida, sendo vedada pelas características dos direitos fundamentais a sua disponibilidade, não sendo dado ao indivíduo escolher pela continuidade ou não de sua vida. Segundo Bulos (2014, p.549), no trato do instituto da eutanásia, percebe-se que

 Sem embargo, inexiste direito subjetivo de exigir de terceiros a realização da chamada “morte doce” ou “homicídio por piedade”, sob o argumento de que se estaria minorando dores e sofrimentos de pacientes em estado de saúde irreversível (eutanásia ativa).

 Assim, tem-se que esta prática é tipificada no ordenamento jurídico brasileiro como homicídio, subsumido ao tipo constante no art. 121, caput, do Código Penal, que comina pena ao ato de matar alguém. Pode haver, a depender do caso, enquadramento do caso como sendo um homicídio privilegiado, acarretando a diminuição da pena, em razão da existência de relevante valor moral para a prática do delito.

 5.4 O SUICÍDIO E A PENA DE MORTE

 Segundo Tavares (2012, p. 581) “A proteção à vida, neste aspecto, vai até o ponto de criminalizar a conduta de induzir ou instigar alguém a suicidar-se, ou ainda prestar auxílio para quem o faça (art. 122 do Código Penal)”. Nesse passo, no caso da realização de suicídio, entende-se que aquele que tenta o suicídio não comete crime algum, pois o ato não causa lesão que transpasse a própria esfera do autor, não se enquadrando na lesividade, pois, que autoriza a tipificação de condutas como infracionais.

 Também o direito à vida contrapõe-se à disposição da pena de morte, sendo aparentemente incoerente constar a possibilidade de pena de morte em uma Constituição que garante o direito à vida e tem como princípio fundamental a dignidade da pessoa humana. No entanto, vê-se que a pena de morte é instituída constitucionalmente em uma hipótese peculiar, possuindo, assim, caráter excepcional.

 A Constituição Federal, dentre suas disposições, tratou acerca da pena de morte, considerando o seu cabimento tão somente nos casos de ocorrência de guerra externa declarada, conforme o disposto no art. 5º, inciso XLVII, alínea “a”. Assim, tem-e que tal hipótese é excepcional e restrita, apenas podendo ser autorizada esta violação ao direito à vida pelo Congresso Nacional ou por seu referendo, quando ocorrida no intervalo entre as sessões legislativas, nos termos do art. 84, XIX, da Constituição.

 5.4 O SUICÍDIO E A PENA DE MORTE

 Recentemente, no dia 29 de novembro do ano de 2016, o Supremo Tribunal Federal julgou, em uma decisão proferida pela sua Primeira Turma, pela descriminalização do aborto durante o primeiro trimestre da gestação, decisão que teve como voto condutor o pronunciamento do Ministro Luís Roberto Barroso, segundo o qual a criminalização do aborto nesse período viola os direitos sexuais e reprodutivos além da autonomia e integridade física da mulher, não podendo dispor, assim, do próprio corpo, tendo uma suposta “privação” de sua liberdade.

 A casuística apresentada tratava-se de uma revogação de prisão de 5 (cinco) pessoas que foram detidas em razão de uma operação policial realizada no Rio de Janeiro, realizada em uma clínica clandestina, que resultou na prisão preventiva dos indivíduos, entre eles médicos e funcionários da clínica. A decisão, por maioria de 3 (três) votos a 5 (cinco), assim, favoreceu especificamente as pessoas que tinham sido detidas.

 Insurgindo-se contra esta decisão, o Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, pronunciou-se no sentido de informar a criação de uma comissão para combater a referida decisão que, embora tenha validade apenas para os médicos que demandaram no processo, possui a capacidade de alargar o entendimento e abrir precedentes para outros casos.

 Assim, percebe-se o quão contemporânea e essencial é a discussão acerca do direito à vida, haja vista que uma imprecisão legal, no caso do Código Penal, é capaz de despertar o ativismo exacerbado do Poder Judiciário, em que pese ser sabido que, conforme as lições de Bulos (2014, p. 553) “uma ou outra lacuna porventura existente não logra a força de abrir precedentes assaz inconstitucionais”.

 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 Pelo exposto, percebe-se a relevância do direito à vida, assegurado no caput do art. 5º da Constituição, sendo, pois, um direito fundamental, ao qual se relacionam diversos direitos. Em determinados casos emblemáticos, foi necessária a análise do referido direito em confronto com outros de igual relevância, decidindo-se, nessas situações, pela incidência ou não do direito à vida, permitindo-se situações jurídicas com este não conflitantes e proibindo-se as que com este direito se mostravam incompatíveis.

 Estas decisões emblemáticas levaram em consideração o termo inicial e final do referido direito, ou seja, o lapso em que se pode considerar juridicamente protegido, para declarar a sua prevalência em determinados casos, assim como excepcionou o absolutismo do referido direito, quando dispôs que, em caso de guerra declarada, poderia ser instituída a pena de morte aos militares.

 REFERÊNCIAS

 BRASIL.Constituição da República Federativa. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal, 2014.

 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

 CARTA CAPITAL. O STF descriminalizou o aborto? Entenda. Disponível em: <www.cartacapital.com.br/sociedade/o-stfsecriminalizou-o-aborto-entenda>. Acesso em 30 nov. 2016.

 NOVELINO, Marcelo. Direito constitucional. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2012.

 PUCCINELLI JÚNIOR, André. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional.10. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

 Autor: Wilker Jeymisson Gomes da Silva: Pós-Graduando em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Instituição de Educação Superior da Paraíba – IESP. Concluinte do curso de Direito pela Faculdade de Ensino Superior da Paraíba – FESP. Estagiário do Ministério Público de Contas junto ao Tribunal de Contas do Estado da Paraíba. Pesquisador em Direito do Trabalho no Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP. Monitor das disciplinas de Direito Administrativo I e II na FESP – Faculdade de Ensino Superior da Paraíba. Ex-estagiário da 8ª Vara do Trabalho da Comarca de João Pessoa – Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região. Email: wilkerjgsilva@hotmail.com

 

 

Como citar e referenciar este artigo:
SILVA, Wilker Jeymisson Gomes da. Delineamentos constitucionais sobre o direito à vida. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2017. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/delineamentos-constitucionais-sobre-o-direito-a-vida/ Acesso em: 29 mar. 2024