Direito Constitucional

Ativismo judicial e judicialização da política

As expressões “ativismo judicial” e “judicialização da política[1]” estão na moda na atualidade, tanto no campo das ciências políticas bem como nas ciências jurídicas em todo o mundo. Para muitos estudiosos[2] do tema, ambos os fenômenos, embora derivados de um mesmo evento maior, no entanto, não se confundem.

Considera-se como marco filosófico a superação da filosofia jurídica positivista, denominada de pós-positivismo e, aqui se dá pelo reconhecimento de franca normatividade dos princípios, ainda que não estejam escritos. Da mesma forma, identifica a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental mais relevante, sendo considerado norteador dos demais direitos fundamentais.

Não há em doutrina atual uma definição específica sobre o que seja ativismo judicial embora se reconheça um caráter finalístico e comportamental. 

O parâmetro utilizado para caracterizar uma decisão como ativismo ou não reside numa controvertida posição sobre qual é a correta leitura de um determinado dispositivo constitucional.

Não se trata da mera atividade de controle de constitucionalidade consequentemente, o repúdio ao ato do poder legislativo que permite a identificação do ativismo como traço marcante de um órgão jurisdicional, mas a reiteração dessa mesma conduta de desafio aos atos de outro poder, perante casos difíceis.

Luís Roberto Barroso[3] aponta que a judicialização no contexto brasileiro é um fato ou circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade política [do Judiciário], o ativismo é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance.

A obra de do referido doutrinador, ora Ministro do STF,[4] analisa a origem da judicialização, ainda no momento final dos anos 90 em que o STF já começava a se reposicionar no cenário jurídico e a política nacional, surgiu movimento que se iniciou com a Constituição de 1988 e fora consolidado com a EC 45/2004, que finalmente, deu ao STF roupagem de Corte Constitucional.

Tal fenômeno nos remete à progressiva e a crescente publicização de diversas relações sociais antes consideradas exclusivamente privadas, como o mundo do trabalho, as relações de consumo, as relações de família, de responsabilidade e, etc.

O referido fenômeno revela a desconstrução da antiquada dicotomia liberal mundo público e mundo privado, caminhou lado a lado com a democratização da sociedade civil, que possibilitou aos diversos movimentos sociais a exigir do Estado não mais uma atitude neutra e omissa, mas uma postura proativa, de reconhecimento proteção e promoção para tais grupos, recolocando o problema da igualdade em debate.

Afinal, tal reconhecimento e proteção só poderiam ser feitas pela criação de novos ramos de Direito e pela normatização de relações sociais.

Nota-se no Brasil o surgimento de dois importantes fenômenos: o da constitucionalização do Direito e a judicialização das relações sociais, os quais, consequentemente, proporcionaram à atitude ativista das Cortes Judiciais brasileiras.

O ativismo judicial[5] deve ser entendido como modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo seu alcance torna-se necessário analisar a expansão da jurisdição constitucional e o fenômeno da judicialização.

O avanço da democratização bem como a crescente busca do reconhecimento dos direitos fundamentais, acarretou um exponencial aumento do número de grupos de movimentos sociais com interesses a serem tutelados.

Percebe-se que o Poder Legislativo sofre uma sobrecarga e perde a capacidade de responder com celeridade e precisão que requerem as demandas sociais por proteção legal. Surge, portanto, a figura proeminente do Poder Executivo dotado de seu grande aparato administrativo burocrático, racional e autônomo, apto a dar respostas aos anseios sociais que conseguem alcançá-lo, mas, por natureza, imune a um controle democrático realmente amplo.

Por outro lado, ao normatizar as mais diversas relações sociais, o Estado de Bem-Estar Social acabou por chamar o Poder Judiciário a também participar ativamente deste sistema. A consolidação dos direitos fundamentais, principalmente no pós-segunda grande guerra mundial contribui enfaticamente para colocar em questão até que ponto o direito pode ter uma participação ativa na evolução política de um Estado Democrático.

Para uma corrente mais crítica de evolução é representada pelo texto de Luís Werneck Vianna por Antoine Gasparon[6] a Habermas[7], a normatização contínua dos direitos sociais está levando a um esfriamento da sociedade civil, à criação de uma cidadania passiva, quase clientelística, que atribuiria ao Estado à árdua tarefa de tutelar seus direitos.

Assim, se no ápice do Welfare State tal tarefa cabia ao Executivo, atualmente cabe ao Judiciário, o que seria prejudicial à democracia[8]. Por detrás de tais críticas, se podem ver uma nostalgia de ágora que também está presente em autores como Hannah Arendt e Rousseau.

A judicialização[9] da política representaria uma abdicação de fazer político pela sociedade, que deixa de lutar por seus direitos e passa a esperar que o Estado os crie de forma paternalística, ou que o Judiciário os proteja do mesmo jeito, especialmente quando compete a uma Corte Maior a guarda da Constituição Federal.

Por isso, Jürgens Habermas defende um Judiciário limitado a uma defesa instrumental do procedimento democrático, deixando para os meios representativos tradicionais (o Legislativo e a esfera pública) o debate político por excelência.

O processo democrático pode e deve ser protegido pelo Poder Judiciário, mas o problema político de substância deveria ficar a cargo da cidadania e de seus representantes.

Outra corrente, associada por Werneck Vianna aos juristas como Mauro Cappelletti e Ronald Dworkin[10], via com ceticismo a possibilidade de democracia representativa, sozinha ter a capacidade de promover o Estado Democrático de Direito.

Ronald Dworkin[11], afirma que os casos difíceis sempre encontrarão uma resposta nos princípios, in litteris:

 “O direito como integridade pede que os juízes admitam, na medida do possível, que o direito é estruturado por um conjunto coerente de princípios sobre a justiça, a equidade e o devido processo legal adjetivo, e pede-lhes que os apliquem nos novos casos que se lhes apresentem, de tal modo que a situação de cada pessoa seja justa e equitativa segundo as mesmas normas. Esse estilo de deliberação judicial respeitada ambição que a integridade assume a ambição de ser uma comunidade de princípios.”.

Em oposição, há o pensamento de Hart[12]:

“O conflito direto mais agudo entre a teoria jurídica deste livro e a teoria de Dworkin é suscitado pela minha afirmação de que, em qualquer sistema jurídico, haverá sempre certos casos juridicamente não regulados em que, relativamente a determinado ponto, nenhuma decisão em qualquer dos sentidos é ditada pelo direito e, nessa conformidade, o direito apresenta-se como parcialmente indeterminado ou incompleto. Se, em tais casos, o juiz tiver de proferir uma decisão, em vez de, como Bentham[13] chegou a advogar em tempos, se declarar privado de jurisdição, ou remeter os pontos não regulados pelo direito existente para a decisão do órgão legislativo, então deve exercer o seu poder discricionário e criar direito para o caso, em vez de aplicar meramente o direito estabelecido pré-existente. Assim, em tais casos juridicamente não previstos ou não regulados, o juiz cria direito novo e aplica o direito estabelecido que não só confere, mas também restringe os seus poderes de criação do direito.”.

Observa-se que, para Hart, diante de casos difíceis o juiz deve usar a discricionariedade, tendo em vista que não há como prever uma resposta para todos os conflitos que apareçam. Assim, o juiz não poderá buscar nos princípios, precedentes e nas leis a solução para um fato inédito.

Ao contrário, para Dworkin, em tais casos sempre há uma resposta no Direito, seja na lei ou nos princípios, mesmo que estes não estejam escritos, portanto, não é permitido o uso de discricionariedade.

Realmente, a confiança creditada por Habermas e Garapon na sociedade civil depende excessivamente de que esta seja razoavelmente equilibrada, de modo que todos os grupos sociais tenham capacidade razoavelmente equânime para participar do debate político. E, no entanto, tal equilíbrio não existia nem na ágora ateniense, onde as mulheres, escravos e estrangeiros estava terminantemente excluídos da cidadania romana, muito menos nos dias de hoje.

Tanto o Legislativo como o Executivo pode ser e, usualmente, são capturados por certos grupos mais fortes e coesos, que impõem suas agendas e interesses e silenciam os grupos mais fracos. Na Europa, a crise econômica que se abateu em 2008, revelou o total descompasso existente entre a União Europeia e o povo europeu, a ponto do próprio Habermas ter reconhecido, pouco tempo atrás, em um tom francamente desiludido, que o modelo representativo da UE está fracassando. O que veio a culminar com a recente retirada do Reino Unido da União Europeia através de decisão plebiscitária.

Compreende-se que o processo de expansão, integração e democratização não avança automaticamente por conta própria, este é reversível e, pela primeira vez na história da União Europeia, estamos experimentando um desmantelamento da democracia. Enfim, chegamos mesmo numa encruzilhada.

E, nesse contexto, o Judiciário emerge não como um “novo Messias” para a democracia, mas como um novo caminho para o processo de democratização, ao servir como novo porta-voz para os anseios da cidadania que não conseguem os votos no Congresso ou espaço na máquina burocrática do Executivo.

Talvez, no fundo, o maior equívoco de Garapon seja subestimar o fato de que o processo democrático está em contínua expansão, e as tentativas de freá-lo só tem causado convulsões sociais.

Em seu livro “O futuro da democracia”[14], Norberto Bobbio já advertia que o movimento democrático cada vez mais penetra em ambientes antes totalmente impermeáveis ao seu discurso, invadindo espaços até agora dominados por organizações de tipo hierárquico e burocrático.

Embora Bobbio[15] pensasse ainda basicamente em termos representativos, a ideia de que a democracia tende a se expandir para os mais diversos espaços se coaduna com a ideia de um Judiciário mais atuante.

Ao lado, portanto, de um sistema representativo que dá voz aos anseios e projetos de uma maioria consensual, seguindo o processo legislativo ordinário, surge o caminho judicial, pelo qual as minorias impossibilitadas de obter reconhecimento e proteção pela via ordinária, podem também participar da vida politica com maior igualdade.  

Enfim, esta é a famosa função contramajoritária[16] das Cortes Constitucionais, a qual se liga à própria história evolutiva do constitucionalismo moderno, que visa justamente à restrição do poder do Estado e a proteção de um conjunto de direitos fundamentais.

Portanto a decisão tomada pelo Judiciário pela luta da cidadania, não se resume a tal ponto, conforme destaca Werneck Vianna, a criação dos Juizados Especiais no Brasil representou uma abertura inédita do mundo judicial às aspirações da sociedade civil.

Garapon e Habermas teme o efeito desmobilizador da judicialização da política, mas não atentam para o fato de que a cidadania pode encontrar outros caminhos para se fortalecer, sendo um deles a Justiça. A conscientização e luta pelos direitos já positivados é uma prova de força da cidadania.

A clara opção da Constituição brasileira de 1988, por sua vez, parece compatibilizar-se com a chamada corrente doutrina substancialista defendida por Werneck Vianna, não só ao prever um vasto elenco de direitos fundamentais, mas também ao fortalecer instituições como o Ministério Público e a Defensoria Pública e, ao criar os mecanismos tais como mandado de injunção, numa construção que, conforme Oscar Vilhena[17] demonstra desconfiança do constituinte em relação ao próprio legislador ordinário, ou melhor, ou melhor, à própria democracia representativa tradicional.

Assim num quadro institucional de construção do Estado democrático, não há como se atribuir ao STF[18] uma mera função procedimental, a qual faria mais sentido em sociedades democráticas consolidadas e com uma história institucional estável ainda que tais elementos não necessariamente garantam realmente a incolumidade da democracia representativa em momentos de crise aguda, como Habermas reconheceu na atual crise europeia.

A opção procedimentalista, ainda que venhamos a reconhecer sua importância quanto à valorização da política fora do Estado, nega a própria tendência irrefreável do movimento democrático de se expandir para todos os espaços de poder possíveis, entrando em conflito com as tradicionais formas de poder hierárquicas e burocráticas, típicas tanto do aparelho estatal como de diversos espaços da sociedade civil propriamente dita, tais como a escola, a empresa e a família.

A legitimidade do STF para se envolver e decidir as questões com desdobramentos sociais e políticos não advém apenas do simples mandamento constitucional, é resultante da própria imersão democrática dentro da instituição judiciária, é uma resposta ao movimento de uma cidadania ativa que busca outras opções além da representação política tradicional para tornar realmente sues direitos reconhecidos e tutelados.

Ao analisarmos, por exemplo, o voto do Ministro Luís Fux no caso da Lei da Ficha Limpa[19], fica evidente tal entendimento. O ministro teme que uma decisão que privilegie a presunção de inocência inclusive para a lei eleitoral, posicionalmente este que fazia sentido numa época de construção da democracia. Mas, não hoje, numa fase de democracia consolidada, acabará por desacreditar a Constituição Federal.

No fundo, o temor do ministro é de que o Judiciário caia na mesma situação do Legislativo que não consegue acompanhar os anseios populares, e, por isso, está em descrédito.

E, este não é o papel constitucional do Judiciário, ele deve ser uma mais uma opção para a participação democrática e não mais do mesmo.

Cumpre destacar a reação popular a não aplicação da Lei da Ficha Limpa para as eleições de 2010, o Ministro Fux destaca o verdadeiro problema que o STF e ainda, toda Corte Constitucional deve enfrentar, se quer fazer valer sua legitimidade democrática; como conciliar a função contramajoritária de um Tribunal Constitucional (princípio da maioria)?

Luiz Fux destaca a primeira função, mas alerta: a própria legitimidade democrática da Constituição e da jurisdição constitucional depende, em alguma medida, de sua resposta à opinião popular. Que medida é essa? Eis aí, um grande mistério.

Em resumo, parece não haver maiores busilis em reconhecer no STF uma legitimidade democrática para lidar com questões envolvendo princípios e direitos fundamentais que vão além do Direito, passando obviamente pela Política e, adentrando na moral. O que antes poderia ser negativamente rotulado como ativismo judicial parece cada vez mais confundir-se com as consequências da judicialização da politica, ou seja, como uma exigência do próprio modelo democrático.

A possível existência de comunidade de intérpretes da Constituição de Peter Häberle[20] reflete uma versão da judicialização da política desvinculada do sentido de apropriação da cidadania pelo Judiciário que tanto amedronta Garapon.

Ao mesmo tempo assume sua função democrática de defender e concretizar os princípios constitucionais, o Judiciário (STF) deve se abrir para a sociedade e ouvi-la, convocando a cidadania ativa não permanecer bestializada, mas a participar deste trabalho.

Gisele Citadino[21] sobre o fenômeno da judicialização da politica no Brasil aduz que:

“Nos casos em que a história constitucional é marcada por rupturas e não por continuidades, quando não é possível apelar para uma “comunidade de destino” ou para a “confiança antropológica nas tradições”, o processo de “judicialização da política” deve representar um compromisso com a concretização da Constituição, através do alargamento do seu círculo de intérpretes, especialmente em face do conteúdo universalista dos princípios do Estado Democrático de Direito.”.

E, nesse sentido, o voto do Ministro Fux, ao cogitar que o Judiciário deve responder em alguma medida à opinião popular, pode até causar espanto e temor (especialmente quando sabemos o quanto nossos tribunais utilizam determinados conceitos, como proporcionalidade e razoabilidade para impor sua própria noção particular de satisfação à sociedade), mas é uma decisão que reconhece o novo papel do STF num Estado Democrático de Direito como o brasileiro.

O ativismo judicial é fenômeno complexo e nem existe um consenso sobre seu significado, bem com existem dificuldades em identificá-lo.

Nos EUA[22] a expressão “ativismo judicial” fora usada pela primeira vez em 1947, pelo jornalista Arthur M. Schlesinger Jr[23], na Revista Fortune, com o objetivo de identificar o perfil dos juízes da Suprema Corte Norte-americana[24].

O referido jornalista identificou dois grupos de juízes da Corte, que eram o grupo Back-Douglas e o grupo Frankfurter-Jackson. O primeiro preocupava-se em solucionar os casos de acordo com a sua concepção social, isto é, enxergava a Corte como um meio de obter os resultados socialmente desejáveis.

Já, o segundo grupo, contrário, defendida o uso da Corte Suprema como um instrumento para permitir que os outros Poderes, realizassem a vontade popular, apresentando, desta forma, uma atitude de autocontenção judicial.

É verdade que muitos doutrinadores americanos passaram a usar a expressão “ativismo judicial” de forma negativa[25], como uma crítica às cortes preocupadas com as liberdades individuais, assim, os juízes deferiam evitar o ativismo.

Há cinco definições[26] de ativismo judicial segundo o sistema norte-americano, a maioria negativa, desenvolvidas por Keenan Kmiec[27], a saber: a) prática destinada a desafiar atos de constitucionalidade defensável emanados em outros poderes; b) estratégia de não aplicação de precedentes; c) legislação pelo judiciário; d) distanciamento de metodologias de interpretação[28] normalmente aplicadas e aceitas; e) julgamento para alcançar resultados pré-determinados.

A Suprema corte germânica apresenta um comportamento de não interferência na atuação do legislador, preocupando-se em suavizar o impacto político de suas decisões. Em face das omissões do legislador, ou da sua incompreensão aos limites constitucionais, o Tribunal por meio de uma advertência, convoca os legisladores, a sanarem o problema.

Da mesma forma, antes que uma lei ou ato normativo inconstitucional seja revogado pela Suprema Corte alemã, o legislador é convocado para atua em retificação. Assim, nota-se que há uma evolução da teoria constitucional, porém, sempre respeitando a harmonia e o equilíbrio entre os poderes do Estado.

O Tribunal Constitucional alemão preocupa-se em garantir, através do exercício de uma jurisdição constitucional ativa a fim de que a Constituição seja uma ordem de valores, sempre deliberada pelo Legislativo.

A característica ativista da Suprema Corte Italiana foi determinada pela expansão jurisdicional, porém, o tribunal preocupou-se em evitar a contraposição à classe política, para isto consagrou as sentenças interpretativas e aditivas, bem como consagrou os efeitos de pronúncia das leis inconstitucionais.

Há na Itália o franco desenvolvimento da doutrina do direito vivente, o qual serve de delimitação ao ativismo judicial tendo em visa que estabelece as fronteiras da discussão e orienta o objeto da própria atuação da Corte Constitucional. Isto se justifica porque o sistema de jurisdição constitucional italiano é concentrado, ou seja, quando alguma questão constitucional é discutida cabe ao tribunal constitucional proferir a palavra derradeira.

O ativismo judicial espanhol manifesta-se através do desenvolvimento jurisprudencial de técnicas e modalidades de provimento que permitem a concretização de atividades distintas da simples chancela de validade ou nulidade dos temas submetidos a controle. É no espaço da eventual baixa densidade das normas constitucionais espanholas.

É na atividade interpretativa encontrará maior liberdade de atuação e, justamente esses espaços que proporcionaram na Espanha o desenvolvimento das sentenças interpretativas[29] e aditivas, veículos da concretização do ativismo judicial[30].

Devemos exigir do STF um trabalho interpretativo coerente, amparado em um debate aberto e amplo com a sociedade. Se o STF não pode ser escravo da opinião pública, também não pode vir a impor decisões quaisquer sobre a cidadania, como se fosse um colégio de sábios inimputáveis.

A verdade é que o STF tem um papel importante para o aperfeiçoamento democrático e na luta contínua pelos direitos fundamentais e pelo Estado Democrático de Direito.

Referências:

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DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad.: Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática, In revista de direito do Estado, ano 4, nº 13:71-91 jan./mar. 2009.

RAMOS, Elival da Silva, Ativismo judicial. São Paulo: Editora Saraiva 2008.

WAISMANN, Friedrich. Los principios de la filosofia lingüística. Trad.: José Antonio Robles. México: Universidad Nacional Autônoma de México, Instituto de Investigaciones Filosóficas, 1970.

GOMES, Luiz Flávio. O STF está assumindo um ativismo judicial sem precedentes? Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2164, 4 jun. 2009.

STRECK, Lenio Luiz. O que é isto, o ativismo judicial, em números? Disponível em:  http://www.conjur.com.br/2013-out-26/observatorio-constitucional-isto-ativismo-judicial-numeros Acesso em 27.08.2016.

TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski. Ativismo judicial: nos limites entre racionalidade jurídica e decisão política. Disponível em:  http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-24322012000100002 Acesso em 27.08.2016.

DOS SANTOS, Dulcineia Moreira. A Judicialização da Política e o Ativismo Judicial do Brasil – Legitimidade e Limites. Disponível em:  http://www.domtotal.com/direito//pagina/detalhe/32796/a-judicializacao-da-politica-e-o-ativismo-judicial-do-brasil-legitimidade-e-limites/print Acesso em 28.08.2016.

ABBOUD, Georges. Sentenças interpretativas, coisa julgada e súmula vinculante: alcance e limites dos efeitos vinculantes e erga omnes na jurisdição constitucional. Disponível em:  https://sapientia.pucsp.br/bitstream/handle/8753/1/Georges%20Abboud.pdf Acesso em 28.08.2016.

CATANI, Afrânio Mendes. Resenha Bibliográfica. Disponível em:  http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-75901986000400010 Acesso em 30.08.2016.

SOARES, Hugo Henry Martins. As minorias sociais e o papel contramajoritário do Supremo Tribunal Federal. Disponível em:  https://jus.com.br/artigos/32053/as-minorias-sociais-e-o-papel-contramajoritario-do-supremo-tribunal-federal  Acesso em 31.08.2016.



[1] A definição da judicialização da política é bom recorrer às lições do cientista político norte-americano Chester Neal Tate que alude que tal fenômeno significa o deslocamento do polo de decisão de certas questões que tradicionalmente cabiam aos poderes Legislativo e Executivo para o âmbito do Judiciário.

[2] Segundo Lenio Streck após a Segunda Grande Guerra Mundial, observa-se uma terceira forma de Estado de Direito. A preocupação com os direitos fundamentais e com a democracia que são os pilares do novo modelo de Direito Constitucional e proporcionaram um grande avanço aos Textos Maiores, que, até então, eram voltados ao bem-estar de um estado intervencionista.

[3] Segundo Barroso: “O pós-positivismo busca ir além da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto; procura empreender uma leitura moral do Direito, mas sem recorrer a categorias metafísicas. A interpretação e aplicação do ordenamento jurídico hão de ser inspiradas por uma teoria de justiça, mas não podem comportar voluntarismos ou personalismos, sobretudo os judiciais. No conjunto de ideias rias e heterogêneas que procuram abrigo neste paradigma em construção incluem-se a atribuição de normatividade aos princípios e a definição de suas relações com valores e regras; a reabilitação da razão prática e da argumentação jurídica; a formação de nova hermenêutica constitucional; o desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre o fundamento da dignidade humana”.

[4] “No Brasil, a judicialização decorre, sobretudo, de dois fatores: o modelo de constitucionalização abrangente e analítica adotado; e o sistema de controle de constitucionalidade vigente entre nós, que combina a matriz americana – em que todo juiz e tribunal podem pronunciar a invalidade de uma norma no caso concreto – e a matriz europeia, que admite ações diretas ajuizáveis perante a corte constitucional”.

Nesse segundo caso, a validade constitucional de leis e atos normativos é discutida em tese, perante o Supremo Tribunal Federal, fora de uma situação de litígio.  Essa fórmula foi maximizada no sistema brasileiro pela admissão de uma variedade de ações diretas e pela previsão constitucional de amplo direito de propositura.  Nesse contexto, a judicialização constitui um fato inelutável, uma circunstância decorrente do desenho institucional vigente, e não uma opção política do Judiciário. Juízes e tribunais, uma vez provocados pela via processual adequados, não têm a alternativa de se pronunciarem ou não sobre a questão. “Todavia, o modo como venham a exercer essa competência é que vai determinar a existência ou não de ativismo judicial”.

[5] Situam-se as origens do ativismo judicial na decisão Locher versus New York, a Suprema Corte americana entendeu que o princípio de liberdade contratual estava implícito a noção de devido processo legal consagrada pela seção 1 da 14º Emenda à Constituição dos EUA. Nesse caso, a Corte declarou inconstitucional uma lei do Estado de Nova York que estabelecia 60 horas como limite para a jornada de trabalho semanal dos padeiros, alegando ser irrazoável, desnecessária e arbitrária tal limitação à liberdade individual de contratar. Além de representar aquilo que veio a se denominado de Era Lochner (1897-1937), na qual as intervenções estatais no domínio econômico foram continuamente invalidades pela Suprema Corte dos EUA, pode ser considerado também um dos primeiros casos de flagrante ativismo judicial exercido por aquela honrada Corte.

[6] Antoine Garapon é jurista francês, magistrado e doutor em Direito, secretário-geral do Instituto de Estudos Avançados em Justiça. Autor de mais de trinta livros sobre o direito e justiça. Tem um programa de rádio The Common Good renomeado Espírito de Justiça em 2014, na França Cultura. Dirige o Bem Comum para as Editions Michalon.

[7] Jürgen Habermas é filósofo e sociólogo alemão que participa da tradição da teoria crítica e do pragmatismo. É membro da Escola de Frankfurt, dedicou sua vida ao estuda da democracia, especialmente através de suas teorias do agir comunicativo, da política deliberativa e da esfera pública. É conhecido por suas teorias sobre a racionalidade comunicativa e a esfera pública, sendo considerado como um dos mais importantes intelectuais contemporâneos.

O estudo de Habermas trata dos fundamentos da teoria social e da epistemologia, da análise da democracia nas sociedades sob o capitalismo avançado, do Estado de Direito em um contexto de evolução social no qual a racionalização do mundo da vida ocorre mediante uma progressiva libertação do potencial de racionalidade contido na ação comunicativa de modo que a ação orientada para o entendimento mútuo que ganha cada vez mais independência dos contextos normativos e da política contemporânea, particularmente na Alemanha. É igualmente conhecido por seu estudo sobre a modernidade e particularmente sobre a racionalização, nos termos originalmente propostos por Max Weber. O pensamento de Habermas também tem sido influenciado pelo pragmatismo norte-americano, pela teoria da ação e mesmo pelo pós-estruturalismo.

[8] A democracia e a separação dos poderes são observadas em conjunto e fornecem ao Judiciário uma forma de atuação independente. A Constituição protege uma série de direitos, inclusive os políticos, fato que facilita a atuação dos juízes e, consequentemente, conduz a judicialização, pois através do reconhecimento de direitos e garantias individuais da minoria têm-se um controle das ações da maioria, neste caso, representadas pelo legislativo e executivo.

[9] A judicialização é a resolução de conflitos de ordem política, moral, científica e/ou social realizada pelo judiciário em face do executivo e legislativo, tendo em vista, geralmente, a omissão destes. Tal omissão é chamada pela doutrina de síndrome de ineficácia das normas constitucionais, em face de determinados dispositivos constitucionais originam uma obrigação legislativa. O judiciário muitas vezes, visando garantir o gozo dos direitos previstos nos dispositivos constitucionais, que, em tese, só poderiam ser exercidos com criação de uma norma infraconstitucional pelo legislador, é obrigado a exceder sua competência, fato que caracteriza a judicialização.

[10] Ronald Dworkin, na obra Uma questão de princípios, corrobora tais argumentos, explicando que:

“[…] Se os tribunais tomam a proteção de direitos individuais como sua responsabilidade especial, então as minorias ganharão em poder político, na medida em que o acesso aos tribunais é efetivamente possível e na medida em que as decisões dos tribunais sobre seus direitos são efetivamente fundamentadas”.

[11] Ronald Dworkin é um dos autores que considera o ativismo judicial um problema, pois: “[…] Um juiz ativista ignoraria o texto da Constituição, a história de sua promulgação, as decisões anteriores da Suprema Corte que buscaram interpretá-la e as duradouras tradições de nossa cultura política”. O ativista ignoraria tudo isso para impor a outros poderes do Estado seu próprio ponto de vista sobre o que a justiça exige. O direito como integridade condena o ativismo e qualquer prática de jurisdição constitucional que lhe esteja próxima.

[12] A proposta intermediária de Hart ampara-se na noção de textura aberta dos comandos jurídicos, noção central à sua obra. Hart a depreende da filosofia da linguagem, sob a forte influência de Waismann, e a introduz à Teoria do Direito.

[13] Jeremy Bentham (1748-1832) foi filósofo, jurista e um dos derradeiros iluministas a propor a construção de um sistema de filosofia moral, não apenas formal e especulativa, mas com a preocupação radical de alcançar uma solução a prática exercida pela sociedade de sua época. As propostas têm, portanto, caráter filosófico, reformador, e sistemático. É considerado como o difusor do utilitarismo, teoria ética normativa que seja objetiva a responder todas as questões acerca do fazer, admirar e viver em termos da maximização da utilidade e da felicidade. Assim para ele, as ações devem ser analisadas diretamente em função da tendência de aumentar ou reduzir o bem-estar das partes afetadas. E, ainda teria ainda buscado a extensão deste utilitarismo a todo o campo da moral (direito, economia, política). É atribuído a Bentham a idealização do Panopticon, a ideia parece ter sido extraída de cartas escritas pelo jurista em Crecheff, na Rússia, em 1787, destinadas a um amigo. Esta estrutura é caracterizada por um edifício circular que possui uma torre de vigilância e celas à sua volta.  Cada uma das celas teria uma abertura para a entrada de luz e portas com grade para a difusão da luz no interior do edifício.

[14] O futuro da democracia, do cientista político italiano Norberto Bobbio (1909), reúne sete ensaios publicados entre 1978 e 1984 sobre as chamadas “transformações” da democracia ocorridas nos últimos 40 anos. No principal ensaio, que dá título ao livro, o autor discute as transformações da democracia sob a ótica de “promessas não-cumpridas” ou de contraste entre a democracia ideal  (tal como concebida por seus pais fundadores) e a democracia real. Para ilustrar melhor, Bobbio cita Pasternak, que põe na boca de Gordon, o amigo de Jivago, as palavras conclusivas do romance: “Aconteceu mais vezes na história”. O que foi concebido como nobre e elevado tornou-se matéria bruta.

[15] Norberto Bobbio (1909-2004) foi filósofo político, historiador do pensamento político, escritor e senador vitalício italiano. Reconhecido por sua vasta capacidade de produzir escritos concisos, lógicos e, ainda, assim densos. Defensor da democracia socialista liberal e do positivismo legal e crítico de Marx, do fascismo italiano, do bolchevismo e do primeiro-ministro Silvio Berlusconi.

Bobbio foi um ator importante no combate intelectual que conduziu ao confronto entre as três principais ideologias do século XX: o nazifascismo, o comunismo e a democracia liberal. Foi responsável, em grande parte, pela arquitetura do sistema internacional e pela divisão do mundo em dois blocos políticos, militares e ideológicos que subsistiu até 1989. No século XX, a Itália conhecera famosos pensadores, ao redor dos quais se deram os enfrentamentos ideológicos e culturais.  Um deles era o filósofo Giovanni Gentile (1875-1944), que apoiou o regime fascista; outro fora o historiador Benedetto Croce (1866-1952), senador vitalício e personagem maior do liberalismo italiano; o outro era o pensador marxista Antonio Gramsci (1891-1937), líder do partido comunista. Bobbio, ao colocar-se ao lado da Resistência antifascista, rejeitando Gentile, de certo modo tentou realizar a síntese entre os outros dois: Croce e Gramsci.

[16] Diante do cenário de esquecimento dos poderes representativos quanto aos direitos e garantias fundamentais, aqueles interessados ingressam com ações no Supremo para suprirem as lacunas deixadas, de forma que restaria realizado o papel contramajoritário do Judiciário,  ou seja, a contradizer as decisões políticas dos outros poderes, em que seus representantes foram escolhidos pelo povo.

[17] Oscar Vilhena Vieira Pós-Doutor pelo Centre for Brazilian Studies – St. Antonies College, Universidade de Oxford (2007), Doutor e Mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (1998-1991), Mestre em Direito pela Universidade de Columbia, Nova York (1995) e Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1988).  É Diretor da FGV DIREITO SP, onde leciona nas áreas de Direito Constitucional, Direitos Humanos e Direito e Desenvolvimento.  Foi Procurador do Estado em São Paulo, Diretor Executivo do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção do Crime (ILANUD), assim como fundador e Diretor da organização Conectas Direitos Humanos. É colunista do jornal Folha de São Paulo e membro de diversos conselhos de organizações  da sociedade civil, entre os quais Instituto Pro Bono e Open Society Foundations (OSF). Na advocacia, tem se concentrado em casos de interesse público junto ao Supremo Tribunal Federal.

[18] Deve observar-se que o Supremo Tribunal Federal, ao contrário do sistema da Commom Law, não tem a vinculação aos precedentes como orientação jurisprudencial.  Desta forma, podem existir julgados em contradição com seus próprios precedentes, como ocorreu no caso dos crimes hediondos, em que a Corte Suprema brasileira, deu uma guinada em sentido contrário, ao que já vinha julgando, admitindo a progressividade do regime, para aqueles que foram condenados nos crimes elencados na Lei 8072/90.

[19] Ou Lei Complementar nº. 135 de 2010 é uma legislação brasileira que foi emendada à Lei das Condições de Inelegibilidade ou Lei Complementar nº. 64 de 1990 originadas de um projeto de lei de iniciativa popular idealizado pelo juiz Márlon Reis entre outros juristas que reuniu cerca de 1,6 milhão de assinaturas com o objetivo de aumentar a idoneidade dos candidatos. A lei torna inelegível por oito anos um candidato que tiver o mandato cassado, renunciar para evitar a cassação ou for condenado por decisão de órgão colegiado (com mais de um juiz), mesmo que ainda exista a possibilidade de recursos.

O Projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados no dia 5 de maio de 2010 e também foi aprovado no Senado Federal no dia 19 de maio de 2010 por votação unânime. Foi sancionado pelo Presidente da República, transformando-se na Lei Complementar nº 135, de 4 de junho de 2010. Esta lei proíbe que políticos condenados em decisões colegiadas de segunda instância possam se candidatar. Em fevereiro de 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou a lei constitucional e válida para as eleições subsequentes que foram realizadas no Brasil em 2010, o que representou uma vitória para a posição defendida pelo Tribunal Superior Eleitoral. No dia 16 de fevereiro de 2012, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a lei da “Ficha Limpa” não desrespeitava a Constituição brasileira e que, portanto, é válida para as eleições de 2012 e para os próximos pleitos eleitorais que estão por vir. Dos ministros do STF, sete votaram a favor da lei e quatro foram contrários. Os votos favoráveis basearam-se no “princípio da moralidade”, que consta no parágrafo nono do artigo 14 da Constituição Federal do Brasil e diz que “lei complementar estabelecerá casos de inelegibilidade a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato”

[20] Peter Häberle é jurista alemão e especialista em Direito Constitucional. Dedicou-se a estudos sobre um direito constitucional comum latino-americano, com obra traduzida e publicada no México sob o título “De la soberanía al derecho constitucional común: palabras clave para un diálogo europeo-latinoamericano” (2003).  No Brasil, o pensamento de Häberle encontrou eco na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e na legislação sobre o instituto do amicus curiae, enquanto na doutrina é adotada por muitos a formulação da “sociedade aberta de intérpretes da constituição”, segundo a qual “o círculo de intérpretes da lei fundamental deve ser alargado para abarcar não apenas as autoridades públicas e as partes formais nos processos de controle de constitucionalidade, mas todos os cidadãos e grupos sociais que, de uma forma ou de outra, vivenciam a realidade constitucional”.  A publicação em português de sua obra A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição, em 1997, é considerada de grande importância para o desenvolvimento do sistema brasileiro de controle de constitucionalidade.

[21] Gisele Citadino leciona que a judicialização é um meio de se concretizar a Constituição, pois representa um alargamento do círculo de intérpretes, especialmente em face do conteúdo universalista dos princípios do Estado Democrático de Direito. Assim, percebe-se que a preocupação maior é com o bem estar social, garantir aos cidadãos, mesmo diante da falta de regulamentação ou de omissão, o exercício de seus direitos.

[22]Marbury versus Madison, primeira vez em que a Corte americana exerceu o controle de constitucionalidade.  E, ainda, acrescentou que tal ato baseava-se na supremacia da Constituição, por isso será nula a lei que contrair a Carta Magna. Por fim, conferiu ao Poder Judiciário o papel de interprete final da Constituição.

[23] Mas foi com o historiador Arthur Schlesinger Jr., em uma matéria da revista Fortune intitulada The Supreme Court: 1947, que o termo judicial activism entrou no léxico não apenas jurídico, mas, sobretudo político e popular. Referindo à capacidade de desempenhar um papel afirmativo na promoção do bem-estar social, Schlesinger chamou de “ativistas judiciais” (judicial activists) os juízes Hugo Black, Willian O. Douglas, Frank Murphy e Wiley Rutledge.  Já os juízes Felix Frankfurter, Harold Burton e Robert H. Jackson foram rotulados de “campeões do autocomedimento” (champions of self-restraint), por entenderem que o Judiciário não deve ir além do seu espaço limitado dentro do sistema estadunidense. Em uma posição intermediária, o presidente da Suprema Corte naquele ano, Frederick M. Vinson, e o juiz Stanley F. Reed não seriam plenamente caracterizáveis como desse ou daquele lado.

[24] Schlesinger já deixa claro são os conflitos internos que o ativismo judicial termina produzindo:

• Juízes não eleitos vs. leis democraticamente aprovadas;

• Decisões orientadas politicamente vs. decisões orientadas juridicamente;

• Uso criativo do precedente vs. uso estrito do precedente;

• Supremacia da vontade popular vs. direitos humanos;

• Política vs. Direito.

[25] Para Marshall, o ativismo jurisdicional é conceituado, como a recusa dos Tribunais em se manterem dentro dos limites jurisdicionais estabelecidos para o exercício de seus poderes.  (MARSHALL, William P. Conservatives and Seven sins of judicial activism. University of Colorado. Law Review. V. 73).

[26] William P. Marshall traça outras características do ativismo judicial: a) o contra-majorirtismo; b) o não originalismo; c) a ausência de deferência perante os precedentes judiciais; d) o ativismo jurisdicional; e) a criatividade judicial; f) o ativismo remedial; g) o ativismo partidário. (MARSHALL, William P. Conservatives and Seven sins of judicial activism. University of Colorado).

[27] Ao sintetizar sobre as principais modalidades de ativismo judicial, Kmiec apresenta um rol sobre o que considera como práticas nocivas (com exceção do item 4, à estabilidade interistitucional e ordenamento constitucional): 1. Invalidar ou afastar a aplicabilidade de atos oriundos de outros Poderes. Ocorre quando a decisão judicial considera nulo ou inaplicável ato do Legislativo ou do Executivo, mesmo sendo o ato em questão constitucional. Conforme já referimos anteriormente, judicial activism e judicial review não se confundem, pois neste existe um controle de legitimidade constitucional de atos normativos ou com força de lei, enquanto naquele a decisão se baseia em argumentos políticos, como, por exemplo, o fato de uma dada lei ter sido aprovada por liberais. 2. Afastar a aplicação de precedentes. Em sistemas de Common Law a força do precedente decorre do respeito ao princípio do stare decisis, o que importa dizer que um caso análogo já julgado somente não será aplicado a um caso futuro quando não ocorrer identidade entre os elementos que caracterizam ambos os casos, ou então quando for necessária uma inovação jurisprudencial, em virtude de princípios ou novas regras que demandam aplicação.  O ativismo judicial pode deixar de afastar precedentes verticais, vindos de instâncias superiores ou inferiores, bem como precedentes horizontais.  Esse último caso se mostra mais gravoso, uma vez que um entendimento consolidado pela própria Corte está deixando de ser aplicado a um caso que demandaria a sua aplicação.  E o que ocorreu no recente Citizens United v. Federal Election Commission, julgado em janeiro de 2010, pela Suprema Corte dos Estados Unidos, onde “Os cinco juízes conservadores, por sua própria iniciativa, sem qualquer pedido das partes no processo, declararam que as corporações e os sindicatos têm o direito constitucional de gastar tanto quanto desejarem em comerciais de televisão especificamente eleitoral ou visando a apoiar determinados candidatos”. Ainda que tenha chamado mais a atenção  por diversos outros motivos, a racionalidade empregada na decisão foi notadamente política: objetivou permitir que setores da política estadunidense pudessem explorar, ilimitadamente,  a mídia televisiva durante as eleições de 2010. 3. Atuar como legislador. Mesmo tendo a legitimidade para atuar apenas como “legislador negativo”, isto é, para remover do ordenamento jurídico normas inconstitucionais, outra prática nociva é a de proferir decisões que se constituem em verdadeiras criações legislativas, pois vão além das competências jurisdicionais, costumam ser extra petita, geram instabilidade institucional e culminam na produção de insegurança jurídica. Trata-se de algo por completo diverso de uma inovação jurisprudencial: o fundamento decisório está na própria decisão ou em uma interpretação torpe de legislação não aplicável ao caso, como, por exemplo, mediante analogia entre casos que não possuem a mínima identidade entre si. 4. Utilização de técnicas hermenêuticas reconhecidas pela doutrina. Trata-se de uma situação intermediária entre o uso nocivo do ativismo judicial e o uso positivo.  A diversidade de técnicas interpretativas e decisórias atribui ao julgador uma ampla gama de possibilidades para produzir a decisão. Todavia, o fato de estar prevista na doutrina não significa que já esteja sendo jurisprudencialmente empregada, o que pode dar ensejo a uma prática ativista nociva, quando não estiver vinculada à efetividade de direitos fundamentais ou supremacia da Constituição. 5. Julgamentos predeterminados a fins específicos. Essa é a modalidade mais nociva de ativismo judicial: atender a um fim específico, mesmo que para tanto seja necessário uma decisão contra legem ou extra petita. Não podemos confundir essa situação com as naturais orientações morais, ideológicas e políticas que cada um de nós possui e influenciam o modo como interpretamos os fatos, o mesmo valendo para como os magistrados julgam, obviamente.  Porém, ser influenciado por orientações pessoais de natureza diversa não significa estar orientado a determinado fim: a predeterminação remete ao decisionismo político, algo que merece maiores considerações.

[28] José Lamego, na obra “Hermenêutica e jurisprudência” salienta que, ao afirmar que o processo interpretativo é produtivo e não reprodutivo, não pode dar azo a interpretações furto de uma compreensão equivocada do que se fala. O produtivo ora mencionada não se refere a um ativismo judicial desmedido a partir do qual o próprio juiz criaria a lei para o caso.

[29] Essas sentenças, segundo Riccardo Guastini, são aquelas pronunciadas na jurisdição constitucional e que versam sobre a possibilidade hermenêutica da lei e não sobre o texto da lei em si. O referido doutrinador propõe uma classificação segundo a qual as sentenças interpretativas comportariam um sentido lato e um sentido estrito. Em lato sensu, as sentenças interpretativas englobariam decisões interpretativas em stricto sensu e decisões manipuladoras ou manipulativas. As decisões interpretativas em sentido estrito, por sua vez, comportam a interpretação conforme a Constituição (por ele chamadas de sentenças interpretativas de rechaço tendo em vista que essa técnica exclui outras possibilidades interpretativas que não sejam aquelas adotadas pela Corte) e a declaração de nulidade parcial sem redução de texto (sentença interpretativa de aceitação, ou de anulação), uma vez que, neste caso, o Tribunal exclui ou anula o sentido apresentado pelo texto da lei de maneira inconstitucional, aceitando, no entanto, outras possibilidades interpretativas. Enquanto na sentença interpretativa de rechaço utiliza-se a interpretação conforme a Constituição, a sentença interpretativa de aceitação aplica a arguição de nulidade sem redução de texto.

[30] Quer seja considerado nocivo ou não, o ativismo judicial acena com a clara insuficiência do Estado em atender as necessidades e desejos da sua população bem como em materializar a realização dos objetivos que lhe foram postos: trata-se de uma patologia constitucional. Pois como conduta que deveria ser a exceção, torna-se a regra, convertendo-se em forma ordinária de composição dos mais diversos conflitos sociais, transformando reiteradas vezes o Judiciário em esfera pública de decisão tanto das questões mais fundamentais para o Estado e para a sociedade quanto de situações banais do cotidiano.

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Gisele. Ativismo judicial e judicialização da política. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2016. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/ativismo-judicial-e-judicializacao-da-politica/ Acesso em: 29 mar. 2024