Direito Constitucional

Precatórios judiciais. Descumprimento. Crime de Responsabilidade

Precatórios judiciais. Descumprimento. Crime de Responsabilidade

 

 

Kiyoshi Harada*

 

 

1. Conceito de precatório judicial

 

      Precatório judicial significa requisição de pagamento feito pelo Presidente do Tribunal, que proferiu a decisão exeqüenda contra Fazenda Pública (União, Estados membros, DF e Municípios), por conta da dotação consignada ao Poder Judiciário. É a forma de execução por quantia certa contra a Fazenda Pública, regulada pelo art. 730 do Código de Processo Civil. Funciona como sucedâneo de penhora, em virtude do princípio da impenhorabilidade de bens públicos.

 

 

2. Requisitos constitucionais para pagamento de precatórios

 

     Dispõe o art. 100 da CF:

 

    Art. 100 – À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

    § 1º – É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente (redação dada pela EC nº 30/00).

    § 2º – As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exeqüenda determinar o pagamento segundo as possibilidades do depósito, e autorizar, a requerimento do credor, e exclusivamente para o caso de preterimento de seu direito de precedência, o seqüestro da quantia necessária à satisfação do débito (redação dada pela EC nº 30/00).

 

     Além de observância dos requisitos dos artigos 58 a 64 da Lei nº 4.320/64, aplicáveis à generalidade das hipóteses de pagamentos de despesas públicas, o pagamento de montante oriundo de condenação judicial depende de procedimentos específicos, previstos nas normas constitucionais retrotranscritas.

 

     O caput do art. 100, fundado nos princípios da legalidade, da moralidade e da impessoalidade da Administração Pública, impõe a observância rigorosa da ordem cronológica de apresentação dos precatórios, ao mesmo tempo em que veda a designação de casos e pessoas nas dotações orçamentárias e extra-orçamentárias (abertura de créditos adicionais suplementares), excetuados os casos de créditos de natureza alimentícia, que podem ser pagos imediatamente, e assim devem ser feitos segundo, porém, as possibilidades do Tesouro. Obviamente, em havendo várias condenações judiciais da espécie, simultaneamente, impõe-se a inserção dos precatórios na ordem cronológica, formando-se uma fila específica de precatórios de natureza alimentar.

 

     Na forma do § 1º, o precatório entregue até o dia 1º de julho deve ter o seu valor consignado no orçamento do exercício seguinte, para pagamento atualizado até o final desse exercício, dentro da rigorosa ordem cronológica de sua apresentação. Exemplos: um precatório recebido em 28 de junho de 2003, deverá ter o seu valor incluído na lei orçamentária anual de 2004, para pagamento até o dia 31 de dezembro de 2004, devidamente atualizado; um precatório recebido em 2 de julho de 2003, deverá ter o seu valor inserido no orçamento de 2005, devendo ser pago até o final desse exercício, devidamente atualizado.

 

     A alteração, pela EC nº 30/00, da redação do § 1º visou afastar a interpretação de que atualizado, até 1º de julho, o valor requisitado, nada mais seria devido a título de correção monetária, se pago o precatório dentro do exercício financeiro, que se inicia em 1º de janeiro, terminando em 31 de dezembro. Em outras palavras, se pago o precatório no primeiro dia do exercício, o credor se veria desfalcado em seis meses de atualização monetária; se pago no último dia, o credor perderia dezoito meses de atualização monetária, segundo a interpretação então permitida pela redação original do § 1º, que se referia a atualização em 1º de julho. Sempre interpretamos aquela atualização até 1º de julho como mero prognóstico, para o poder público prepara-se para o pagamento atualizado até o final do exercício seguinte. A Carta Política não poderia ter inserido uma norma de natureza potestativa que, não só, afrontaria a ordem jurídica como um todo, como também, o princípio da impessoalidade, que proíbe a designação de casos e de pessoas nas dotações orçamentárias.

 

     De conformidade com o § 2º, as dotações orçamentárias, bem como os créditos abertos para pagamento de requisitórios judiciais (créditos adicionais suplementares) deverão ser consignados diretamente ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferiu a decisão exeqüenda ordenar o pagamento segundo as possibilidades do Tesouro. A disponibilidade jurídica da verba é do Judiciário, pelo que nenhuma lei poderia autorizar sua transferência parcial ou total para outra dotação. Porém, a realização de recursos financeiros correspondentes às dotações cabe ao Executivo, razão pela qual o Presidente do Tribunal deverá ordenar o pagamento dos precatórios dentro das possibilidades financeiras da entidade política devedora, só cabendo o seqüestro da receita pública, na hipótese de quebra da ordem cronológica e a requerimento do credor preterido.

 

 

3. A cultura do descumprimento de precatórios

 

     O descumprimento dos precatórios judiciais, principalmente, após ter o STF sinalizado a adoção de tese de que esse fato não importa em descumprimento da ordem judicial, a ensejar intervenção federal no Estado membro, ou intervenção estadual no Município, tornou-se uma rotina.

 

     Essa tese, que veio a ser assentada, para limitar a intervenção à hipótese de atuação dolosa e deliberada do ente devedor de não efetuar o pagamento, não bastando a simples demora de pagamento na execução de ordem ou decisão judiciária, por falta de numerário(1), na verdade, reflete uma decisão política. Precatório, com dito logo de início, nada mais é do que ordem de pagamento expedida pelo Presidente do Tribunal, que proferiu a decisão exeqüenda, por conta de dotação consignada ao Poder Judiciário, isto é, por conta de verba que não pertence ao Executivo, nem ao Legislativo ou ao Ministério Público, mas tão somente ao Judiciário. Não existe, data venia, nem pode existir precatório sem decisão judicial, munida de força coativa.

 

     Logo, descabe separar duas categorias jurídicas interligadas e interdependentes, para sustentar a tese de que o descumprimento de precatório, por falta de numerário, não implica desobediência à decisão judiciária. As verbas consignadas ao Poder Judiciário para pagamento de precatórios têm, ao nosso ver, o mesmo caráter daquelas pertencentes aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário e do Ministério Público, cujos recursos correspondentes deverão ser-lhes entregues até o dia 20 de cada mês, nos termos do art. 168 da CF. Nessas hipóteses, nem o Judiciário, nem o Legislativo ou o Órgão Ministerial aceitariam a simples alegação da falta de recursos financeiros para justificar o não-repasse dos recursos financeiros, que lhes pertencem.

 

     Maus governantes, ao invés de serem punidos, são premiados com parcelamentos de débitos oriundos de sentenças judiciárias, com emissão de títulos da dívida pública, sem observância dos limites fixados pelo Senado Federal, nos termos da Constituição Federal e da Lei de Responsabilidade Fiscal. O descumprimento de precatório judicial já se incorporou definitivamente na cultura das instituições públicas do País, nas três esferas políticas, notadamente, nas esferas estaduais e municipais, cujos insensíveis governantes disputam entre si o privilégio de bater o record cada vez maior no que se refere a insubmissão à ordem regularmente emanada dos Tribunais, com vistas à obtenção de novo calote constitucional, por meio de emendas espúrias.

 

     Dessa forma, os que tiverem que bater as portas do Judiciário para ver reconhecido o seu direito violado pelo Estado, terão que enfrentar um processo lento, complexo, caro e dispendioso. Findo esse angustiante processo judicial, que soa como escárnio ao usuário da justiça, segue-se a burocracia do precatório judicial, cujo pagamento se arrasta por décadas, mais por falta de vontade política, e menos por falta de recursos financeiros, se levada em conta o princípio da gestão responsável, inserto na Lei de Responsabilidade Fiscal. O desprezo pelas leis orçamentárias do País já se tornou uma tradição,. A violação contínua e sistemática de suas normas já se incorporou na rotina dos governantes, como se fosse uma qualidade, que dignifica a administração pública.

 

     É preciso livrar a nossa sociedade dessa cultura, que atinge e afronta a cidadania, buscando meios alternativos para a responsabilização dos infratores de normas legais e constitucionais.

 

(1) IF 492/SP, Rel . Marco Aurélio, Tribunal Pleno, por maioria de votos, DJ de 01-08-2003, p. 00111; no mesmo sentido as seguintes decisões do Pleno: IF 2772/SP, Rel. Min. Marco Aurélio e IF 2926/SP, Rel. Min. Marco Aurélio; decisões monocráticas: IF 4426/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 11-12-2003, p. 006; IF 1909/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 19-12-2003, p. 041 e IF 3728/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 19-12-2003, p. 045.

 

 

4. Lei orçamentária anual como instrumento de exercício da cidadania

 

     A Lei Orçamentária Anual, na realidade, é um verdadeiro instrumento de exercício da cidadania, à medida em que as receitas e despesas do exercício são previamente autorizadas pelo Parlamento, em nome do povo. As despesas fixadas nas variadas dotações, outras coisas não são senão o direcionamento das receitas provenientes de tributos pagos pelos contribuintes. Por isso, quando se aprova o orçamento anual, significa que a sociedade está aprovando, em bloco, as despesas, exatamente como fixadas nas diferentes dotações, não podendo ser desviadas para outros fins. Cada centavo de despesas há de ter dotação correspondente. Nada pode ficar ‘de fora’ como tem acontecido na esfera da União, desde 1994, quando, para contornar os efeitos da crise político-institucional, que impossibilitou a votação e aprovação da Lei Orçamentária Anual, inventou-se o chamado Fundo Social de Emergência, depois, Fundo de Estabilização Fiscal, e agora, um Fundo sem nome, que coloca em mãos do Presidente da República uma bagatela de R$76.038 bilhões (20% da receita tributária prevista para o ano de 2004), sem destinação prévia, um verdadeiro cheque em branco, a impossibilitar o controle e fiscalização da execução orçamentária com relação a esse elevado valor. E para contornar a expressa proibição do art. 165, § 9º, inciso II da CF, esse Fundo, agora sem nome, vem sendo aprovado por vias de Emendas Constitucionais em nome da estabilidade fiscal, da retomada do crescimento econômico etc. Não poderia haver um cinismo maior! Como é possível, em sã consciência, alguém sustentar a tese de equilíbrio das finanças públicas, deixando mais de R$76 bilhões sem menor possibilidade de controle e fiscalização pelo Congresso Nacional e pelo Tribunal de Contas da União? E a população leiga vem sendo embromada por essa falsa retórica. Desta vez, esse ‘fundão’ veio camuflado no bojo da reforma tributária, razão pela qual já despertou o incontido desejo dos governadores e prefeitos de criarem seus ‘fundos’ e ‘fundinhos’, respectivamente. E assim, de fundo em fundo, o orçamento anual vai parar no fundo do poço.

 

     Tão importante a Lei Orçamentária Anual, em termos de cidadania, que o Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257, de 107-01, prescreveu a gestão orçamentária participativa como um dos instrumentos de planejamento municipal (art. 4º, III, ‘f”), dispondo em seu art., 44 que essa gestão orçamentária participativa ‘incluirá a realização de debates, audiências e consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual, como condição obrigatória para a aprovação pela Câmara Municipal’.

 

     Como o nosso ordenamento jurídico não abriga o regime da irresponsabilidade na gestão fiscal, mas, ao contrário, o regime da gestão fiscal responsável, com a fiscalização da execução orçamentária, por meio de controle externo, interno e privado (arts. 70, 71 e 74, § 2º da CF), é propósito deste artigo apontar os mecanismos de responsabilização do mau governante, que até se vangloria de executar obras faraônicas ou de discutível utilidade, em prejuízo do pagamento de precatórios judiciais.

 

 

5. Da violação dos direitos humanos

 

     O descumprimento sistemático dos precatórios judiciais de natureza alimentar, viola, não só, o direito interno, como também, disposições do Pacto de San José da Costa Rica, que regula a Convenção Americana de Direitos Humanos. O Brasil é signatário desse Pacto, aprovado pelo Decreto Legislativo nº 27/92 e internado pelo Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992, data em que passou a surtir efeitos no plano interno.

 

     Logo, por força do disposto no § 2º, do art. 5º da CF o credor por precatório de natureza alimentar, tem garantido seu direito em nível de cláusula pétrea, insuscetível de alteração por via de Emendas (art. 60, § 4º, IV da CF). Talvez, isso explique o fato de o crédito alimentar não ter sido alcançado pelo ‘calote constitucional’ instituído pela Emenda de nº 30, de 13-9-2000.

 

     Ante o manifesto desprezo a esse direito fundamental do cidadão, pelo Estado, que não tem dado importância à decisão do Judiciário, no exercício de sua função jurisdicional, em regime de monopólio estatal, cabe ao interessado pleitear a condenação do Estado Brasileiro perante o Tribunal Internacional, sob a égide da Organização dos Estados Americanos – OEA – como, aliás, já noticiado pelo Jornal do Advogado da OAB/SP (Ano XXIX, nº 278, dezembro/03, p. 8).

 

 

6. Da peculiar situação do Município de São Paulo

 

     A situação do Município de São Paulo reveste-se da maior gravidade. É bem pior do que a do Estado de São Paulo, que vem se esforçando para quitar seus precatórios alimentares, diminuindo o montante da dívida a cada ano. Em 1998 o Estado de São Paulo devia R$837 milhões que foi diminuindo ano a ano, fechando o ano de 2002 com R$359 milhões.

 

     A Prefeitura de São Paulo acabou criando uma situação ‘kafkaniana’. Contemplada, duas vezes, pelo ‘calote constitucional’, simplesmente congelou desde 1998 o pagamento de precatórios de natureza alimentar, não incluídos no parcelamento. A cada ano que passa, a dívida vem aumentando, não só por descumprimento de precatórios, como também, pelo descumprimento sistemático das leis de natureza salarial, acarretando continuas condenações judiciais. Nunca a Prefeitura de São Paulo desprestigiou tanto o Judiciário, como agora. Nem liminares ou tutelas antecipatórias vem sendo cumpridas, obrigando os advogados das partes interessadas a desenvolver um trabalho constante e cansativo, pleiteando providências enérgicas.

 

     Enquanto isso, as despesas com provimentos de cargos em comissão vem crescendo vertiginosamente, principalmente, no âmbito das Sub-Prefeituras, que substituíram as antigas Administrações Regionais, com essa finalidade. As verbas de propaganda não param de crescer. Os subsídios disfarçados a empresários de ônibus continuam abundantemente. Os tributos aumentaram como dantes nunca visto. E vai continuar aumentando.

 

     Ante tudo isso, como é possível, em são consciência, alegar falta de recursos financeiros para pagamento de precatórios alimentícios? É falta de vontade política. É falta de respeito aos direitos humanos e às decisões do Judiciário, que se pronuncia sempre em nome do Estado Federal Brasileiro.

 

     É preciso despertar a cidadania e adotar providências no plano interno e internacional, com empenho das entidades representativas da sociedade civil, principalmente, das instituições jurídicas.

 

 

7. Do crime de responsabilidade

 

     Como vimos, a inclusão de verba no orçamento para pagamento de precatório recebido até o dia 1º de julho é obrigatória , nos termos do § 1º do art. 100 da CF. Obrigatório , também, o seu pagamento até o final do exercício, conforme § 2º do mesmo art. 100. A não-inclusão no orçamento de verba necessária ao pagamento de débitos tempestivamente apresentados, bem como, a não-satisfação desses débitos, até o final do prazo, em virtude de desvio da respectiva dotação orçamentária, configuram crimes de responsabilidade.

 

 

7.1. Crimes de responsabilidade do Presidente da República

 

     Constitui crime de responsabilidade do Presidente da República deixar de apresentar ao Congresso Nacional a proposta orçamentária anual até o dia 30 de agosto de cada ano, conforme art. 10, 1(2) da Lei nº 1.079/50 c.c. o art. 35, § 2º, inciso III(3), do ADCT.

   

 A apresentação de proposta orçamentária anual, obviamente, deverá ser feita de conformidade com os artigos 22 a 31 da Lei nº 4.320/64 e art. 5º e parágrafos da Lei Complementar nº 101/00 – LRF – o que pressupõe a inclusão de despesas para pagamento de precatórios entregues até o dia 1º de julho, mesmo porque a Constituição Federal determina sua inclusão obrigatória (§ 1º do art. 100).

     Uma vez aprovada a Lei Orçamentária Anual, com a fixação de despesas para satisfação de débitos oriundos de sentenças judiciárias, as verbas consignadas a esse título deverão ser integralmente utilizadas no pagamento de precatórios, até o dia 31 de dezembro. Qualquer desvio dessa verba, para pagamento de outras despesas, por mais relevantes que sejam, implica crime de responsabilidade, nos termos do art. 85, VI(4) da CF e art. 10, inciso 4(5) da Lei nº 1.079/50.

 

(2) Art. 10 – São crimes de responsabilidade contra a Lei Orçamentária:

1 – não apresentar ao Congresso Nacional a proposta do orçamento da República dentro dos primeiros dois meses da cada sessão legislativa’

(3) Art. 35 – O disposto no art. 165, § 7º, será cumprido de forma progressiva no prazo de até dez anos, distribuindo-se os recursos entre as regiões macroeconômicas…

§ 2º Até a entrada em vigor da Lei Complementar a que se refere o art. 165, § 9º, I e II, serão obedecidas as seguintes normas:

…………………………………………….

III – O projeto de lei orçamentária da União será encaminhado até quatro meses antes do encerramento do exercício financeiro e devolvido para sanção até o encerramento da sessão legislativa.’

(4) Art. 85 – São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da Republica que atentem contra a Constituição federal, e, especialmente contra:

……………………………………………

V – a probidade na administração;

VI – a Lei Orçamentária.

(5) Art. 10 – São crimes de responsabilidade contra a Lei Orçamentária:

4 – infringir patentemente e de qualquer modo, dispositivo da Lei Orçamentária.

 

 

7.2. Crimes de responsabilidade do Governador

 

     Além do art. 74 da Lei nº 1.079/51, que define os crimes de responsabilidade do Governador, a Constituição do Estado de São Paulo dispôs, expressamente, em seu art. 48:

 

    Art. 48 – São crimes de responsabilidade do Governador os que atentem contra a Constituição Federal ou a do Estado, especialmente contra:

    I – …………………………………………….;

    V – a probidade na administração;

    VI – a lei orçamentária;

    VII o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

 

     Na forma do art. 75 da Lei nº 1.079/50, qualquer cidadão poderá denunciar o Governador perante a Assembléia Legislativa, por crime de responsabilidade. A denúncia assinada pelo denunciante e com firma reconhecida, deve ser acompanhada dos documentos que a comprovem, ou da declaração de impossibilidade de apresentá-los com a indicação do local em que possam ser encontrados. Nos crimes de que houver prova testemunhal, conterão rol das testemunhas, em número de cinco pelo menos (art. 76). O art. 77 prescreve que, apresentada a denúncia e julgada objeto de deliberação, se a Assembléia Legislativa por maioria absoluta, decretar a procedência da acusação, será o Governador imediatamente suspenso de suas funções. O Governador será julgado nos crimes de responsabilidade, pela forma que determinar a Constituição do Estado e não poderá ser condenado senão a perda do cargo, com inabilitação até cinco aos para o exercício de qualquer função pública, sem prejuízo da ação da justiça comum (art. 78).

 

     O art. 49 da CE prescreve que admitida a acusação contra o Governador, por dois terços da Assembléia Legislativa, será ele submetido a julgamento perante Tribunal Especial. Esse Tribunal Especial é composto por sete Deputados e sete Desembargadores, sorteados pelo Presidente do Tribunal de Justiça, que também o presidirá (§ 1º). O Governador ficará suspenso de suas funções após instauração do processo pela Assembléia Legislativa (§ 3º, inciso 2), cessando o afastamento se o julgamento não tiver sido concluído, no prazo de 180 dias (§ 4º). O art. 50 da CE faculta a qualquer cidadão, partido político, associação ou entidade sindical denunciar o Governador, por crime de responsabilidade perante a Assembléia Legislativa, único órgão competente para receber a denúncia e promover o respectivo processo (art. 20, XXV da CE).

 

7.3. Crimes de Responsabilidade do Prefeito

 

     Em perfeita sintonia com a Lei nº 1.079/50, dispõe o Decreto-lei nº 201/67:

 

    Art. 4º – São infrações político-administrativas dos Prefeitos Municipais sujeitas ao julgamento pela Câmara de Vereadores e sancionadas com a cassação do mandato:

    I – ……………………………..

    V – deixar de apresentar à Câmara, no devido tempo, e em forma regular, a proposta orçamentária;

    VI – descumprir o orçamento aprovado para o exercício financeiro;

    VII – praticar, contra expressa disposição de lei, ato de sua competência ou omitir-se na sua prática.

 

     Entretanto, a definição dada por esse art. 4º não prevalece nos Municípios, onde a respectiva Lei Orgânica tenha definido de forma diferente . A Lei Orgânica do Município de São Paulo dispõe o seguinte sobre essa matéria:

 

    Art. 72 – O Prefeito e o Vice-Prefeito serão processados e julgados:

    ………………………………………..

    II – pela Câmara Municipal nas infrações político-administrativas, nos termos da lei, assegurados dentre outros requisitos de validade, o contraditório, a publicidade, ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, e a decisão motivada que se limitará a decretar a cassação do mandato do Prefeito.

    § 1º – Admitir-se-á a denúncia por Vereador, por partido político e por qualquer munícipe eleitor.

    § 2º – A denúncia será lida em sessão de até 5 (cinco) dias após o seu recebimento e despachada para avaliação a uma Comissão Especial eleita, composta de 7 (sete) membros, observada, tanto quanto possível, a proporcionalidade da representação partidária.

    § 3º – A Comissão a que alude o inciso anterior deverá emitir parecer no prazo de 10 (dez) dias, indicando se a denúncia deve ser transformada em acusação ou não.

    § 4º – Admitida a acusação por 3/5 (três quintos) dos membros da Câmara Municipal, será constituída Comissão Processante, composta de 7 (sete) Vereadores.

    § 5º – A perda do mandato do Prefeito será decidida por, pelo menos, 2/3 (dois terços) dos membros da Câmara Municipal.

    § 6º – Não participará do processo, nem do julgamento o vereador denunciante.

    § 7º – Se decorrido 90 (noventa) dias da acusação e o julgamento não estiver concluído, o processo será arquivado.

    § 8º – O Prefeito, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de sua funções.

    § 9º – A lei definirá os procedimentos a serem observados desde o acolhimento da denúncia.

    Art. 73 – O Prefeito perderá o mandato, por cassação, nos termos do inciso II e dos parágrafos do artigo anterior quando:

    …………………………………………….

    IV – atentar contra:

    …………………………………………….

    d) a probidade na administração;

    e) a lei orçamentária;

    f) o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

 

     Como se vê, do ponto de vista material, a LOMSP elegeu como crimes de responsabilidade do Prefeito as mesmas condutas descritas na Constituição Estadual em relação aos crimes de responsabilidade do Governador que, por sua vez, guardam simetria com o disposto na Lei nº 1.079/50, que define os crimes de responsabilidade do Presidente da República.

 

     Desta forma, bastará confrontar as verbas consignadas em cada exercício, na Lei Orçamentária Anual, com os valores de precatórios pagos, até o dia 31 de dezembro, para saber se houve ou não desvio de verbas.

 

     O Departamento de Contabilidade do Tribunal de Justiça – DECO – dispõe de relação de precatórios expedidos em cada período requisitorial, com os respectivos valores, bem como, a relação daqueles satisfeitos até o dia 31 de dezembro de cada ano, assim como, dos precatórios pendentes de pagamento. Se for constatado pagamento menor do que a verba consignada no orçamento, em determinado exercício, e existindo precatórios, ainda, não satisfeitos, caracterizado estará o desvio na execução orçamentária, sujeitando o Chefe do Executivo ao processo de impeachment, por crime de responsabilidade.

 

     No caso do Município de São Paulo em que, até hoje, apenas parte dos precatórios de natureza alimentícia, referentes aos idos de 1998, foram satisfeitos, nem seria preciso o aludido confronto de valores para caracterização do crime de responsabilidade de que estamos falando. O que falta no Município de São Paulo, que detém um orçamento invejável, é tão somente a vontade política para efetiva responsabilização do agente político infrator, pelo órgão representativo da sociedade.

 

     A parte processual, também, já está disciplinada pela Lei Orgânica, que estabelece a legitimidade dos denunciantes; o recebimento da denúncia; a formação de Comissão Especial para exarar o parecer quanto à convolação, ou não, da denúncia em acusação; a admissão da acusação por quorum de 3/5 dos membros da Câmara Municipal e constituição da Comissão Processante.

 

     Todavia, o § 9º do art. 73 supra transcrito dispõe que a lei definirá os procedimentos a serem observados desde o acolhimento da denúncia. Isso poderá ensejar a equivocada interpretação de que, na ausência de lei reguladora, não será possível o julgamento político do Prefeito infrator. Não é possível sustentar que o crime de responsabilidade de Chefe do Executivo das três esferas políticas, previsto na Constituição Federal, na Constituição Estadual e na Lei Orgânica do Município fique sem possibilidade de apuração e punição no Município, onde não houver legislação processual específica, por omissão do legislador local.

  

  O art. 390 do Regimento Interno da Câmara dos Vereadores de São Paulo já regulamentou o procedimento para julgamento do Prefeito por crime de responsabilidade definida no art. 73 da LOMSP, nos seguintes termos:

 

    Art. 390 – O Prefeito e o Vice-Prefeito serão processados e julgados pela Câmara Municipal nas infrações político-administrativas definidas no artigo 73 da Lei Orgânica do Município, assegurados, dentre outros requisitos de validade, o contraditório, a publicidade, ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, e a decisão motivada, que se limitará a decretar a cassação do mandato do Prefeito.

    § 1º – Será admitida a denúncia por Vereador, por partido político e por qualquer munícipe eleitor.

    § 2º – A denúncia será lida em sessão, até 5 (cinco) dias após o seu recebimento, e despachada para avaliação a uma Comissão Especial eleita, composta de 7 (sete) membros, observada, tanto quanto possível, a proporcionalidade da representação partidária.

    § 3º – A Comissão a que alude o parágrafo anterior deverá emitir parecer no prazo de 10 (dez) dias, indicando se a denúncia deverá ser transformada em acusação ou não.

    § 4º – Admitida a acusação por 3/5 (três quintos) dos membros da Câmara Municipal, será constituída Comissão Processante, composta de 7 (sete) Vereadores, indicados por sorteio.

    § 5º – A perda do mandato do Prefeito será decidida por, pelo menos, 2/3 (dois terços) dos membros da Câmara Municipal.

    § 6º – Não participará do processo nem do julgamento, o Vereador denunciante.

    § 7º – Se decorridos 90 (noventa) dias da acusação e o julgamento não estiver concluído , o processo será arquivado.

    § 8º – O Prefeito, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.

    § 9º – Serão observados outros procedimentos definidos em lei.

 

     Como se vê, apesar do disposto no § 9º do art. 390 supra transcrito, o procedimento para decretação de impechment do Prefeito por crime de responsabilidade está minuciosamente descrito no Regimento Interno. Aplicável, também, naquilo que não tiver sido contrariado pela LOMSP, as disposições processuais, previstas no Decreto-lei nº 201/67, que dispõe sobre responsabilidade de Prefeitos e Vereadores. Prescreve o seu art. 5º e parágrafos:

 

 

    Art. 5º O processo de cassação do mandato do Prefeito pela Câmara, por infrações definidas no artigo anterior, obedecerá ao seguinte rito, se outro não for estabelecido pela legislação do Estado respectivo:

 

    I – a denúncia escrita da infração poderá ser feita por qualquer eleitor, com a exposição dos fatos e a indicação das provas. Se o denunciante for Vereador, ficará impedido de votar sobre a denúncia e de integrar a Comissão processante podendo, todavia, praticar todos os atos de acusação. Se o denunciante for o Presidente da Câmara, passará a Presidência ao substituto legal, para os atos do processo, e só votará se necessário para completar o quorum de julgamento. Será convocado o suplente do Vereador impedido de votar, o qual não poderá integrar a Comissão processante;

 

    II – de posse da denúncia, o Presidente da Câmara, na primeira sessão, determinará sua leitura e consultará a Câmara sobre o seu recebimento. Decidido o recebimento, pelo voto da maioria dos presentes, na mesma sessão será constituída a Comissão processante, com três Vereadores sorteados entre os desimpedidos, os quais elegerão, desde logo, o Presidente e o Relator;

 

    III – recebendo o processo, o Presidente da Comissão iniciará os trabalhos, dentro em cinco dias, notificando o denunciado, com a remessa de cópia de denúncia e documentos que a instituírem, para que, no prazo de dez dias, apresente defesa prévia, por escrito, indique as provas que pretender produzir e arrole testemunhas, até o máximo de dez. Se estiver ausente do Município, a notificação far-se-á por edital publicado duas vezes, no órgão oficial, com intervalo de três dias, pelo menos, contado o prazo da primeira publicação. Decorrido o prazo de defesa, a Comissão processante emitirá parecer dentro em cinco dias, opinando pelo prosseguimento ou arquivamento da denúncia, o qual, neste caso, será submetido ao Plenário. Se a Comissão opinar pelo prosseguimento, o Presidente designará desde logo, o início da instrução, e determinará os atos, diligências e audiências que se fizerem necessários, para o depoimento do denunciado e inquirição das testemunhas;

 

    IV – o denunciado deverá ser intimado de todos os atos do processo, pessoalmente, ou na pessoa de seu procurador, com a antecedência, pelo menos, de vinte e quatro horas, sendo-lhe permitido assistir as diligências e audiências, bem como formular perguntas e reperguntas às testemunhas e requerer o que for de interesse da defesa;

 

    V – concluída a instrução, será aberta vista do processo ao denunciado, para razões escritas, no prazo de cinco dias e, após, a Comissão processante emitirá parecer final, pela procedência ou improcedência da acusação, e solicitará ao Presidente da Câmara a convocação de sessão para julgamento. Na sessão de julgamento, o processo será lido, integralmente, e, a seguir, os Vereadores que o desejarem poderão manifestar-se verbalmente, pelo tempo máximo de quinze minutos cada um, e, ao final, o denunciado, ou seu procurador, terá o prazo máximo de duas horas, para produzir sua defesa oral;

 

    VI – concluída a defesa, proceder-se-á tantas votações nominais, quantas forem as infrações articuladas na denúncia. Considerar-se-á afastado, definitivamente, do cargo, o denunciado que for declarado, pelo voto de dois terços, pelo menos, dos membros da Câmara, incurso em qualquer das infrações especificadas na denúncia. Concluído o julgamento, o Presidente da Câmara proclamará imediatamente o resultado e fará lavrar ata que consigne a votação nominal sobre cada infração, e, se houver condenação, expedirá o competente decreto legislativo de cassação do mandato de Prefeito. Se o resultado da votação for absolutório, o Presidente determinará o arquivamento do processo. Em qualquer dos casos, o Presidente da Câmara comunicará à Justiça Eleitoral o resultado;

 

    VII – o processo, a que se refere este artigo, deverá estar concluído dentro de noventa dias, contados da data em que se efetivar a notificação do acusado. Transcorrido o prazo sem o julgamento, o processo será arquivado, sem prejuízo de nova denúncia, ainda que sobre os mesmos fatos.

 

     A clareza dos dispositivos dispensa comentários. O procedimento é mais ou menos igual àqueles previstos nas esferas federal e estadual. No que se refere ao denunciante prevalece a legitimação prevista na LOMSP e Regimento Interno da Câmara, que não se restringem ao eleitor. Outra particularidade é que no julgamento do Prefeito, por crime de responsabilidade, não há participação de autoridades judiciárias, como ocorre na esfera federal, cuja sessão e julgamento no Senado Federal é presidida pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, e na esfera estadual em que a sessão de julgamento pelo Tribunal Especial, composto de sete Deputados e sete Desembargadores, é presidido pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Estado. Além disso, tanto a LOMSP, quanto o Regimento Interno e o Decreto-lei 201-67 determinam a conclusão do processo em noventa dias, a contar da data da notificação do acusado, sob pena de arquivamento, facultada a reapresentação da denúncia, ainda que sobre os mesmos fatos.

 

     Pode-se aplicar, ainda, subsidiariamente, as disposições do Código de Processo Civil. O importante é que sejam integralmente respeitados os princípios constitucionais do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa (art. 5º, LIV e LV da CF), impositivos em quaisquer procedimentos administrativos ou judiciais.

 

 

8. Conclusões

 

     a) A jurisprudência firmada pela Corte Suprema, no sentido de que descumprimento de precatório não constitui desobediência à ordem judicial, porque o ato de requisição de pagamento do montante da condenação judicial não se insere no âmbito de atuação juridicional do Tribunal, mas, na sua esfera administrativa, afasta apenas a implementação do instituto da intervenção. Em nada prejudica a instauração de processo administrativo perante a Casa Legislativa competente, para apuração do crime de responsabilidade dos governantes, a fim de cassar o mandato da autoridade infratora.

 

     b) Pela LOMSP, julgada procedente a acusação, a decisão limitar-se-á a decretar a cassação do mandato do Prefeito.

 

     c) O Presidente da República e o Governador, no caso de procedência da acusação, além da perda do mandato respectivo, ficarão sujeitos à pena de inabilitação para o exercício de qualquer função pública, pelo prazo de até cinco anos.

 

     d) É imperativo que as instituições representativas da sociedade civil pressionem os Legislativos estadual e municipal para impor as sanções políticas, previstas em níveis constitucional e infra-constitucional para por cobro a essa situação acintosa, desrespeitosa e inadmissível dos governantes, que vêm ignorando e desprezando as requisições judiciais de pagamento, oriundos de condenações judiciais, por atos perpetrados contra os direitos dos cidadãos.

 

     e) Não é possível que as Casas Legislativas, órgãos de representação popular, fiquem alheios e insensíveis às contínuas e permanentes afrontas perpetradas pelos governantes contra os direitos fundamentais do cidadão, que já extrapolaram as fronteiras de nosso País, encontrando ecos no exterior. Tribunais internacionais já condenaram o nosso Estado por descumprimento de precatórios judiciais de natureza alimentar.

 

SP, 26.12.03.

 

 

* Sócio fundador da Harada Advogados Associados.

   Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro.

   Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos.

   Conselheiro do IASP.

   Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

   kiyoshi@haradaadvogados.com.br

   www.haradaadvogados.com.br

 

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Como citar e referenciar este artigo:
HARADA, Kiyoshi. Precatórios judiciais. Descumprimento. Crime de Responsabilidade. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/precatorios-judiciais-descumprimento-crime-de-responsabilidade/ Acesso em: 29 mar. 2024