A Reforma da Reforma
Fernando Machado da Silva Lima*
23.08.2000
Quem está mesmo com a razão é o Jô Soares, quando diz que os humoristas vão ficar desempregados, porque as notícias de Brasília são muito mais engraçadas.
Na semana passada, os deputados e senadores aprovaram uma lei para anistiar as suas próprias multas eleitorais, e agora, o Governo está pretendendo mudar as regras da reforma constitucional, para facilitar a aprovação da Reforma Tributária. E vai conseguir, certamente, mesmo que seja para criar mais alguns impostos. Mas tomara que o Brasil se classifique para a Copa, porque se esse desastre acontecer, todos vão rodar, a começar por Luxemburgo, FHC, ACM, Jader, Eduardo Jorge, Luiz Estevão, Nicolau e Collor.
Mas a última vez que uma Emenda Constitucional reformou o processo previsto, no texto de uma Constituição Federal, para a elaboração das Emendas Constitucionais, foi em 14.04.77, com o chamado “Pacote de Abril”.
Naquela oportunidade, a Emenda Constitucional nº 8, de 14.04.77, que de Emenda Constitucional tinha apenas o nome, foi editada pelo General-Presidente Ernesto Geisel, com fundamento no § 1o do art. 2o do Ato Institucional nº 5, de 13.12.68, que lhe permitia legislar sobre todas as matérias de competência do Congresso Nacional.
Com essa Emenda, para a aprovação da proposta, que antes era feita por “dois terços dos votos dos membros de suas Casas” (art. 48), passou a ser exigida apenas “a maioria absoluta dos votos do total de membros do Congresso Nacional”, ou seja, mais da metade do número total de deputados e senadores.
Mas agora, que a chamada “Legislação Revolucionária” foi substituída pela “Constituição Cidadã”, a imprensa está noticiando que o Vice-Presidente da República, Marco Maciel, o líder do PDT na Câmara, Miro Teixeira e os líderes do PSDB, Aécio Neves, e do PFL, Inocêncio Oliveira, são favoráveis à aprovação de uma emenda constitucional, para que seja alterado o processo de reforma previsto no art. 60 da Constituição Federal, que exige três quintos dos votos, para permitir que a reforma tributária seja aprovada por maioria absoluta. Em decorrência, estão propondo que sejam realizados estudos jurídicos mais profundos, para que seja encontrada a melhor fórmula.
Infelizmente, na minha opinião, essa fórmula não existe, no momento, porque o que eles estão pretendendo é um golpe, haja vista que o Congresso tem apenas poderes constituintes derivados, e por isso mesmo limitados pela Constituição Federal.
Quando a Constituinte elaborou a Constituição de 1.988, determinou (art. 60) o processo de sua reforma, que deveria ser respeitado pelo Congresso Nacional. Por essa razão, qualquer Emenda Constitucional que ultrapasse esses limites será inconstitucional, e poderá ser derrubada pelo Judiciário.
A única solução, portanto, para que seja reformado o art. 60 da Constituição, para facilitar a aprovação da reforma tributária, não é uma solução jurídica, porque hoje não dispomos do instrumento excepcional que permitiu a aprovação do “Pacote de Abril”, acima referido, e que era o Ato Institucional nº 5/68, que excluía “de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com este ato institucional e seus atos complementares, bem como os respectivos efeitos” (art.11).
Aliás, é preciso dizer que nada justificaria a alteração dessas normas, mesmo que ela fosse juridicamente possível, porque a Constituição de 1.988 já foi muito remendada, muito mais do que qualquer outra de nossas Constituições anteriores, a um ritmo de duas emendas por ano, o que prejudica, evidentemente, a estabilidade que se requer de uma Lei Fundamental, que deve servir como o firme alicerce de todo o nosso ordenamento jurídico.
É evidente, portanto, que deveria ser, ao contrário, dificultada a sua reforma (o que também é juridicamente impossível), para que ela não pudesse ser, a todo momento, alterada, em razão de necessidades ocasionais, de interesses imediatos, ou do humor dos eventuais detentores do Poder.
Segundo Oscar Vilhena Vieira, o constitucionalismo democrático, para evitar o arbítrio, impõe dificuldades para aqueles que exercem o poder, e assim as Constituições funcionam como mecanismos de auto-limitação das sociedades democráticas e de garantia dos direitos fundamentais. Diz ele:
“Além de servirem como mecanismos de autolimitação, as Constituições também funcionam como instrumentos pelos quais as sociedades democráticas delegam aos governantes uma série de funções, reservando a si os direitos fundamentais e o próprio poder de reconstituir os termos do pacto constitucional. Daí por que o Congresso Nacional não tem autoridade para alterá-lo sem maiores cerimônias. Muito menos realizar uma ampla revisão da Constituição. Sua autoridade legislativa é uma mera delegação, recebida dos cidadãos e, portanto, limitada. A Constituição é o documento que contém os limites e as regras dessa delegação. Seria absolutamente ilógico e contrário à democracia que os representantes pudessem alterar a extensão dessa delegação, alçando- se à posição de autêntico poder constituinte, capaz de realizar uma profunda revisão constitucional, o que se traduziria num simples ato de usurpação da soberania popular”. (Fraude Constitucional, http://www.neofito.com.br)
Assim, não resta dúvida de que é juridicamente impossível reformar o art. 60 da Constituição Federal, para reduzir o “quorum” exigido, com a finalidade de possibilitar a aprovação da reforma tributária, porque o Congresso Nacional é obrigado a respeitar os limites estabelecidos pelo Poder Constituinte Originário.
Somente uma nova Constituinte poderia alterar essas regras, o que não é, evidentemente, improvável, mesmo porque nossas Constituições costumam durar, em média, apenas vinte anos, e a Constituição de 1.988 já está com o seu “prazo de validade” praticamente vencido.
* Professor de Direito Constitucional
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