Direito Constitucional

“Casa, o asilo inviolável (.) (?) (!)”

Resumo: A doutrina dos direitos fundamentais é mandamentos para todos, sejam pessoas físicas ou jurídicas. Sendo assim, os Estado por intermédio de seus agentes
devem ter nas suas condutas o pendão da obediência a aludidos preceitos. O Estado como instituidor dos direitos e garantias fundamentais deve a eles se
submeter, residindo nesse modo de agir, o que a doutrina denominou de teoria da eficácia vertical dos direitos fundamentais. Esses direitos existem para
impor limites à força do Estado-Soberano. Acontece que nenhum é direito é absoluto, devendo ser relativizado quando o bem da coletividade o exigir. Dito
isto, observamos que, a hegemonia do lar pode ser quebrada nos casos expressos na Constituição Federal. O estudo aqui se deteve em analisar apenas duas,
das cinco hipóteses constitucionais de quebra da inviolabilidade do domicílio, são elas: flagrante delito e determinação judicial.

Palavras-chave: Direitos Fundamentais. Domicílio. Inviolabilidade. Relativização.

Abstract: The doctrine of fundamental rights for all commandments is, whether individuals or corporations. Therefore, the State through its agents must have in their
conduct the standard of obedience to the precepts alluded. The State as a settlor of rights and guarantees should be submitted to them, living this way of
acting, that the doctrine called the theory of effective vertical fundamental rights. These rights exist to impose limits on the strength of the Sovereign
State. It turns out that no right is absolute and must be qualified when the collective good so requires. That said, we observe that the hegemony of the
home can be broken in cases expressed in the Constitution. The study stopped here to examine only two of the five cases of breach of constitutional
inviolability of the home, they are: flagrante delicto and judicial determination.

Keywords: Fundamental Rights. Home. Inviolability. Relativization.

Sumário: Introdução. 1. A Eficácia Vertical dos Direitos Fundamentais. 2. Domicílio e Casa. 3. Relativização da Inviolabilidade Domiciliar.
Considerações finais. Referências bibliográficas.

INTRODUÇÃO

A casa de uma pessoa, por mais humilde que seja, tem o seu âmbito preservado das ingerências de particulares e também do Estado. A casa, o domicílio do ser
humano só pode ser violado nas circunstâncias que a própria Constituição Federal prevê.

A garantia da inviolabilidade do lar ou centro de ocupações de um indivíduo é um direito constitucional, previsto no ordenamento jurídico brasileiro desde
a Constituição do Império e nas outras Cartas que a ela se sucederam.

Atualmente, o asilo inviolável do indivíduo será posto em xeque nos casos de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por
determinação judicial. Além dessas quatro formas de violação domiciliar, há também a hipótese de o morador consentir com a devassa.

O estudo, em tela, ocupar-se-á das hipóteses de quebra da inviolabilidade domiciliar frente ao flagrante delito e do mandado judicial.

Dentro das hipóteses estudadas, perceber-se-á que há casos de abusos perpetrados por aqueles que deveriam primar pelo cumprimento da obediência aos
direitos fundamentais, exemplo disso está nos casos de flagrantes ilegais; na ingerência ao domicílio sem a detenção de mandado judicial; e nas hipóteses
em que os mandados são verdadeiras cartas-brancas, permitindo que os executores das ordens façam arrastões-legais.

Sendo assim, vê-se que embora exista o mandamento constitucional de direitos fundamentais, a sua execução na vida prática não tem sido observada pelos
representantes do Estado.

1. A EFICÁCIA VERTICAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

O século XX foi marcado por grandes guerras: Primeira e Segunda Guerra Mundial (1918 e 1945, respectivamente), em meio a tanta luta, sofrimento e morte eis
que surge em 1948 a Declaração Universal dos Direitos Humanos e já em seu primeiro artigo declara: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em
dignidade e direitos”.

O objetivo fulcral do aludido documento universal é o de garantir dignidade no tratamento, nas relações entre os seres iguais, entre seres humanos,
independente das classificações que ousam nos diferenciar.

Sobre a luta pela dignidade humana, Dalmo de Abreu Dallari faz as seguintes considerações (2008, p. 10):

“O excesso de agressões à dignidade da pessoa humana, em decorrência do egoísmo, da insaciável voracidade, da insensibilidade moral dos dominadores tem
despertado reações, tanto no plano das ideias quanto no âmbito da ação material. Desse modo surgiram teorias e movimentos revolucionários, que foram
contribuindo para que um número cada vez maior de seres humanos tomasse consciência de sua dignidade essencial e dos direitos a ela inerentes”.

Os direitos humanos quando concebidos por um ordenamento jurídico passam a denominar direito fundamentais, essa é a lição de Ingo Wolfgang Sarlet (2009, p.
29) ao ensinar que a expressão direitos humanos guarda relação com os direitos do ser humano que foram reconhecidos, apenas, em documentos internacionais;
ao passo que, direitos fundamentais são os direitos do homem que, num primeiro momento, faziam parte dos instrumentos de direito internacional e, depois,
foram reconhecidos na esfera de soberania do Estado e constitucionalizados, tornando-se normas constitucionais.

No Brasil, os direitos fundamentais são encontrados na Constituição Federal da República Federativa do Brasil, de outubro de 1988.

A aplicação dos direitos fundamentais nas relações que se estabelecem entre o Estado e o particular são denominados eficácia vertical dos direitos
fundamentais.

Os direitos fundamentais foram arquitetados para impor limites ao lastro autoritário do Estado, já que, por ser soberano em poder e força pode aniquilar a
qualquer instante seu súdito, o povo. Os direitos e as garantias fundamentais são direcionados ao homem em detrimento do Estado. Nesse plano, reside a
teoria vertical dos direitos fundamentais, que consiste num mandamento para o Estado. Em razão disso, Ele deverá observar a lei devendo a ela cingir-se em
respeito ao direito do homem (Joaquim José Gomes Canotilho, 2002, p. 1240).

O Estado, antes de exigir qualquer comportamento do particular de obediência aos direitos fundamentais deverá, ele mesmo, subordinar-se aos mandamentos
constitucionais que priorizam a dignidade do ser humano.

Neste trabalho, nos ocupamos com apenas um dos muitos direitos fundamentais dispersos pelo Texto Maior. A inviolabilidade domiciliar é mandamento para o
Estado que, via de regra, não poderá ingressar no domicilio dos seus; poderá, entretanto, violar tal preceito nas hipóteses em que a lei
infraconstitucional permitir.

2. DOMICÍLIO E CASA

A casa é o ponto de refúgio do ser humano, é nela que ele se ancora para revigorar as forças através do refrigério do lar. É, bem assim, por isso, um
santuário que recebe proteção legal quanto à sua inviolabilidade.

Frase celebre que encerra o pensamento de tutela ao domicílio foi a do Lord Chatham ao afirmar que:

“O homem mais pobre desafia em sua casa todas as forças da Coroa, sua cabana pode ser muito frágil, seu teto pode tremer, o vento pode soprar entre as
portas mal ajustadas, a tormenta pode nela penetrar, mas o Rei da Inglaterra não pode nela entrar. (MORAES, 1991, p. 896)”.

A proteção ao domicílio nasceu no Direito Inglês e sempre esteve presente nas constituições do Brasil.

A
Constituição Política do Império do Brasil, de 25 de março de 1824 protegeu a casa do cidadão da seguinte forma:

CAPITULO III – Das Disposições Geraes, e Garantias dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros.

Art.179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a
propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte.

VII. Todo o Cidadão tem em sua casa um asylo inviolavel. De noite não se poderá entrar nella, senão por seu consentimento, ou para o defender de incendio,
ou inundação; e de dia só será franqueada a sua entrada nos casos, e pela maneira, que a Lei determinar.

A Constituição idealizada e elaborada por Rui Barbosa, a
Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891 , também deu guarida ao domicílio do cidadão, e o fez da seguinte maneira:

CAPITULO V – Declaração de Direitos.

Art 72 – A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança
individual e à propriedade, nos termos seguintes:

§ 11 – A casa é o asilo inviolável do indivíduo; ninguém pode aí penetrar de noite, sem consentimento do morador, senão para acudir as vítimas de crimes ou
desastres, nem de dia, senão nos casos e pela forma prescritos na lei.

A Carta Política de 1934, a
Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934 , aninhou a inviolabilidade do domicílio em seu artigo 113, da maneira como segue:

CAPÍTULO II – Dos Direitos e das Garantias Individuais.

Art 113 – A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à
subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

16) A casa é o asilo inviolável do indivíduo. Nela ninguém poderá penetrar, de noite, sem consentimento do morador, senão para acudir a vítimas de crimes
ou desastres, nem de dia, senão nos casos e pela forma prescritos na lei.

A Lei Maior de Novembro, a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de Novembro de 1937, ocupou-se do assunto inviolabilidade de domicílio em seu
artigo 122, com seguintes dizeres:

CAPÍTULO – Dos Direitos e Garantias Individuais.

Art 122 – A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no País o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos
termos seguintes: 6º) a inviolabilidade do domicílio e de correspondência, salvas as exceções expressas em lei.

Quase nove anos depois, nasce uma nova ordem constitucional, a Carta de 1946, denominada
Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de Setembro de 1946 , escudou o domicílio de ingerências totalitárias, no seu artigo 141, utilizando a redação que segue:

CAPÍTULO II – Dos Direitos e das Garantias individuais.

Art 141 – A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a
segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

§ 15 – A casa é o asilo inviolável do indivíduo. Ninguém poderá nela penetrar à noite, sem consentimento do morador, a não ser para acudir a vitimas de
crime ou desastre, nem durante o dia, fora dos casos e pela forma que a lei estabelecer.

No fim da década de sessenta duas novas constituições ainda estavam por vir, primeiro a
Constituição da República Federativa do Brasil De 1967 , que em seu artigo 150 protegia o domicílio do cidadão contra possíveis violações, dispunha o artigo mencionado que:

CAPÍTULO IV – Dos Direitos e Garantias Individuais.

Art 150 – A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

§ 10 – A casa é o asilo inviolável do indivíduo. Ninguém pode penetrar nela, à noite, sem consentimento do morador, a não ser em caso de crime ou desastre,
nem durante o dia, fora dos casos e na forma que a lei estabelecer.

A última Constituição da década de sessenta foi a
Emenda Constitucional Nº 1, de 17 de Outubro de 1969 , e no seu texto, assim como nas demais Cartas a casa era asilo inviolável do cidadão, dispôs a Carta da época que:

CAPÍTULO IV – DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS.

Art. 153. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à
segurança e à propriedade, nos têrmos seguintes:

§ 10. A casa é o asilo inviolável do indivíduo; ninguém pode penetrar nela, à noite, sem consentimento do morador, a não ser em caso de crime ou desastre,
nem durante o dia, fora dos casos e na forma que a lei estabelecer.

A Constituição de Outubro de 1988, essa que nos rege nesse início do século XXI, definiu em seu artigo 5º inciso XI a inviolabilidade domiciliar, dispõe o
texto da Lei Maior:

CAPÍTULO I – Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou
para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.

Seguindo sistemática da Constituição de 1988, o ordenamento jurídico brasileiro protege a casa por meio da legislação civil e penal. O legislador civil
conceitua domicílio como o lugar onde a pessoa reside com ânimo definitivo, por este conceito, verifica-se que o legislador procurou proteger o lar, a
casa, no caso seria o lugar onde alguém mora, como por exemplo: barraca de campista, barraco de favela ou rancho de pescador, não importando se a moradia
seja de forma permanente, transitória, eventual ou alternada (DAMÁSIO, 2007, p. 531).

O Código Penal, ao conceituar e considerar o domicílio do indivíduo não o faz igualmente ao Código Civil. Em interpretação autêntica, prevê o § 4º do art.
150 que no conceito de casa compreende: (a) qualquer compartimento habitado (moleca, barraca etc.), (b) aposento ocupado de habitação coletiva (quartos de
pensão, hotel, motel etc.), (c) compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade (consultório, escritório, oficina, ateliê
etc.), (MIRABETE, 2005, p. 1197/1198). Na seara penal, o conceito de casa pode ser dado como o de qualquer construção, aberta ou fechada, imóvel ou móvel,
de uso permanente ou ocupada transitoriamente.

O Supremo Tribunal Federal, no RHC 90.376, afirma que o termo casa deve ser interpretado com elasticidade, vejamos:

Para os fins da proteção jurídica a que se refere o art. 5º, XI, da CF, o conceito normativo de ‘casa’ revela-se abrangente e, por estender-se a qualquer
aposento de habitação coletiva, desde que ocupado (CP, art. 150, § 4º, II), compreende, observada essa específica limitação espacial, os quartos de hotel.
Doutrina. Precedentes. Sem que ocorra qualquer das situações excepcionais taxativamente previstas no texto constitucional (art. 5º, XI), nenhum agente
público poderá, contra a vontade de quem de direito (invito domino), ingressar, durante o dia, sem mandado judicial, em aposento ocupado de habitação
coletiva, sob pena de a prova resultante dessa diligência de busca e apreensão reputar-se inadmissível, porque impregnada de ilicitude originária.
Doutrina. Precedentes (STF). (RHC 90.376, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 3-4-2007, Segunda Turma, DJ de 18-5-2007).

O conceito de casa deve ser interpretado extensivamente, já que, esse é um direito fundamental, e os direitos fundamentais devem ter interpretação ampla,
ao invés de restrita. A inviolabilidade é a regra, só se admitindo ingerências estranhas ao domicílio em casos expressos pela Constituição da República do
Brasil, de 1988.

3. RELATIVIZAÇÃO DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR

O parâmetro a ser seguido é que ninguém pode romper a regra da inviolabilidade domiciliar; contudo, o texto constitucional coloca ressalvas, excepcionando
casos em que a violação será legal e permitida.

São hipóteses autorizadas, em qualquer hora do dia ou da noite, de violação domiciliar: a ocorrência de flagrante delito, os casos de desastre e a
prestação de socorro às vítimas.

Em outro norte, deverá ser realizada, apenas durante o dia, a violação domiciliar por determinação judicial.

Dentre as quatro hipóteses de permissão de violação domiciliar as que mais suscitam celeumas são: o flagrante delito e a determinação judicial, durante o
dia.

Essas duas permissões constitucionais de violação domiciliar nos remetem, obrigatoriamente, à seara do direito processual penal.

Os casos de flagrante delito estão no Código de Processo Penal que, no seu artigo 302, define o instituto assim:

Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:

I – está cometendo a infração penal;

II – acaba de cometê-la;

III – é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

IV – é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

Art. 303. Nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência.

Nesse sentido, têm-se as seguintes hipóteses legais de flagrante: a) flagrante próprio ou real (art. 302, I e II, CPP): ocorre quando alguém é surpreendido
cometendo uma infração penal ou quando acaba de cometê-la. É a hipóteses clássica de flagrante; b) flagrante impróprio ou quase-flagrante (art. 302, III,
CPP): ocorre quando alguém é perseguido logo após a prática de uma infração penal, em situação que faça presumir ser ele o seu autor; c) flagrante ficto ou
presumido (art. 302, IV, CPP): ocorre quando alguém é encontrado logo depois da prática de uma infração penal, com instrumentos, armas, objetos ou papéis
que façam presumir ser ele o seu autor; e d) flagrante retardado ou diferido (art. 2º, I, da Lei nº 9.034/95): ocorre quando, nos crimes praticados por
organizações criminosas, os agentes policiais deixam de prender os suspeitos no momento em que se deparam com a prática criminosa, aguardando momento mais
oportuno para fazê-lo, do ponto de vista da formação de provas e fornecimento de informações. Observe-se que, quanto ao flagrante retardado, há dispositivo
semelhante no art. 53, II, da Lei nº 11.343/06. (NUCCI, 2008, p. 782).

Indo de encontro com as hipóteses legais de flagrante há as hipóteses ilegais do instituto. A doutrina aponta algumas hipóteses nitidamente ilegais de
flagrante: a) flagrante preparado ou provocado (delito de ensaio): alguém induz o autor à prática do crime, viciando sua vontade, e, em seguida, o prende
em flagrante. Como a infração não foi praticada espontaneamente pelo agente, não pode existir crime, caracterizando, na hipótese, crime impossível (Súmula
145 do STF); e b) flagrante forjado: terceiros criam, forjam, provas de um crime que sequer existe. (NUCCI, 2008, p. 784).

O que deve passar pelo crivo, quando o assunto é flagrante, são as classificações dos crimes. Nesse diapasão, as mais importantes são: i) crimes
permanentes: por esta classe enquanto não cessar a permanência, o agente encontra-se em situação de flagrância, como por exemplo, ocorre no crime de
sequestro (art. 148, CP); e ii) crimes habituais: em tese não se admite o flagrante, pois o crime só se caracteriza com a reiteração da conduta, o que não
se pode verificar num ato isolado. (MIRABETE, 2002, p. 129 e 132).

Outro ponto, importantíssimo, do direito formal é a expedição dos mandados judiciais de busca e apreensão. Reza o artigo 243 do Código de Processo Penal:

O mandado de busca deverá:

I – indicar, o mais precisamente possível, a casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador, ou, no caso de busca
pessoal, o nome da pessoa que terá de sofrê-la ou sinais que a identifiquem;

II – mencionar o motivo e os fins da diligência;

III – ser subscrito pelo escrivão e assinado pela autoridade que o fizer expedir.

O mandado deve ter objetividade, não podem ser concedidos com cláusulas abertas de modo que o seu cumpridor esteja liberado para fazer arrastão-jurídico.
Sobre o assunto decidiu o Supremo Tribunal Federal no HC 95.009:

De que vale declarar a Constituição que ‘a casa é asilo inviolável do indivíduo’ (art. 5º, XI) se moradias são invadidas por policiais munidos de mandados
que consubstanciem verdadeiras cartas brancas, mandados com poderes de a tudo devassar, só porque o habitante é suspeito de um crime? Mandados expedidos
sem justa causa, isto é, sem especificar o que se deve buscar e sem que a decisão que determina sua expedição seja precedida de perquirição quanto à
possibilidade de adoção de meio menos gravoso para chegar-se ao mesmo fim. A polícia é autorizada, largamente, a apreender tudo quanto possa vir a
consubstanciar prova de qualquer crime, objeto ou não da investigação. Eis aí o que se pode chamar de autêntica ‘devassa’. Esses mandados ordinariamente
autorizam a apreensão de computadores, nos quais fica indelevelmente gravado tudo quanto respeite à intimidade das pessoas e possa vir a ser, quando e se
oportuno, no futuro, usado contra quem se pretenda atingir. (HC 95.009, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 6-11-2008, Plenário, DJE de 19-12-2008).

Quando o assunto é a necessidade de mandado para quebrar a regra da inviolabilidade domiciliar, não falta exemplo de que o mandamento legal deve ser
extensivo a todo aquele que atua como longa manus do Estado. A regra atinge também a administração tributária, que sempre está munida de muitos
poderes. Decidiu o Supremo Tribunal Federal nos autos do HC 93.050 da seguinte maneira:

Fiscalização tributária. Apreensão de livros contábeis e documentos fiscais realizada, em escritório de contabilidade, por agentes fazendários e policiais
federais, sem mandado judicial. Inadmissibilidade. Espaço privado, não aberto ao público, sujeito à proteção constitucional da inviolabilidade domiciliar
(CF, art. 5º, XI). Subsunção ao conceito normativo de ‘casa’. Necessidade de ordem judicial. Administração pública e fiscalização tributária. Dever de
observância, por parte de seus órgãos e agentes, dos limites jurídicos impostos pela constituição e pelas leis da República. Impossibilidade de utilização,
pelo Ministério Público, de prova obtida com transgressão à garantia de inviolabilidade domiciliar. Prova ilícita. Inidoneidade jurídica (…)
Administração tributária. Fiscalização. Poderes. Necessário respeito aos direitos e garantias individuais dos contribuintes e terceiros. Aos direitos e
garantias individuais dos contribuintes e de terceiros.
Não são absolutos os poderes de que se acham investidos os órgãos e agentes da administração tributária, pois o Estado, em tema de tributação,
inclusive em matéria de fiscalização tributária, está sujeito à observância de um complexo de direitos e prerrogativas que assistem,
constitucionalmente, aos contribuintes e aos cidadãos em geral.
Na realidade, os poderes do Estado encontram, nos direitos e garantias individuais, limites intransponíveis, cujo desrespeito pode caracterizar ilícito
constitucional. A administração tributária, por isso mesmo, embora podendo muito, não pode tudo. É que, ao Estado, é
somente lícito atuar, ‘respeitados os direitos individuais e nos termos da lei’ (CF, art. 145, § 1º), consideradas, sobretudo, e para esse específico
efeito, as limitações jurídicas decorrentes do próprio sistema instituído pela Lei Fundamental, cuja eficácia – que prepondera sobre todos os órgãos e
agentes fazendários – restringe-lhes o alcance do poder de que se acham investidos, especialmente quando exercido em face do contribuinte e dos cidadãos da
República, que são titulares de garantias impregnadas de estatura constitucional e que, por tal razão, não podem ser transgredidas por aqueles que exercem
a autoridade em nome do Estado. (HC 93.050, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 10-6-2008, Segunda Turma, DJE de 1º-8-2008.) (Sem grifos no original).

A exceção à inviolabilidade deve ser vista de maneira restritiva. É permito ao Estado, por meio dos seus executores, violar o domicílio; entretanto as
hipóteses são numerus clausus. E, tanto o flagrante quanto o mandado devem obedecer estritamente aos ditames legais, sob pena de macularem a
prisão efetuada, a prova produzida e o processo como um todo.

Ao agir conforme a Constituição, obedecendo às limitações do texto da Carta Maior, o Estado estará cumprindo com o dever de respeitar os direitos
fundamentais, e nesse contexto, a teoria vertical dos direitos fundamentais torna-se uma verdade jurídica, na vida dos cidadãos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os direitos fundamentais nem sempre tiveram essa nomenclatura, em um primeiro momento foram concebidos como direitos humanos, só depois, quando foram
constitucionalizados pelos Estados é que se passou a denominá-los direitos fundamentais. O trabalho ocupou-se em estudar a eficácia desses direitos. A
temática eficácia é pesquisada, pela doutrina, em duas vertentes: a horizontal, que se verifica entre os particulares nas suas relações privadas; e a
vertical, que ocorre entre o Estado-Soberano e os particulares. O objetivado nesse ensaio foi os direitos fundamentais quanto à sua eficácia vertical.

Muito amplo seria se fôssemos investigar a eficácia vertical dos direitos fundamentais a todas às relações do Estado vs. Individua, por isso,
fechamos o foco para as hipóteses em que se está permitido violar o domicílio do ser humano, e, dentro das possibilidades de violação nos detivemos em
apenas duas: a violação em casos de flagrante delito e em casos de autorização judicial.

O que se pretendeu foi demonstrar que há uma limitação imposta ao Estado quando o assunto é violar direitos fundamentais. E que, exceto nos casos previstos
constitucionalmente, o Estado não poderá lançar mão de subterfúgios que quebrem esse dever de respeito ao direito do homem.

Disso conclui-se que, não há direitos fundamentais absolutos; entretanto, as hipóteses de permissão de quebra a esses direitos devem estar expressos no
texto Maior.

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Cícero Alexandre Granja

Funcionário Público Estadual, Bacharel em Direito pela IESP (Instituto Educacional do Estado de São Paulo – Birigui), Aluno Especial do Programa de
Mestrado em Direito – Centro Universitário Eurípedes de Marília – UNIVEM – Marília/SP.

Como citar e referenciar este artigo:
GRANJA, Cícero Alexandre. “Casa, o asilo inviolável (.) (?) (!)”. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2012. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/casa-o-asilo-inviolavel/ Acesso em: 16 abr. 2024