Direito Constitucional

Direito à vida e a descriminalização do aborto

RESUMO

A questão do abordo é um assunto que vem amplamente sendo discutido, pois esta ligada a valores sociais, religiosos, econômicos e jurídicos. Essa questão é
polêmica e vem sendo discutida para que deixe de ser crime, ou seja, o que se quer é a descriminalização do aborto no Brasil, em face do código penal
vigente criminalizar a prática do aborto como crime, mesmo em caso de fetos anencefálicos que é o que esta sendo discutido, inclusive pelo Supremo Tribunal
Federal. Que se manifestou por se tratar também de matéria constitucional.  Tendo em vista a grande repercussão causada pela legalização do aborto no
Brasil é que optou-se em realizar o estudo sobre os aspectos que envolvem essa prática em nosso país, bem como a posição do STF em relação a legalização
nos casos de fetos anencefálicos. Outro fator importante é o direito a vida do nascituro previsto pelo código civil e pela Constituição Federal versus o
principio da dignidade da pessoa humana, no caso referenciando o sofrimento da mãe. Para enriquecer a pesquisa, trouxe-se jurisprudências sobre a
interrupção da gestação de fetos anencefálicos, antes da decisão do STF. Após conclusão do estudo, pode-se observar a questão da legalização do aborto como
um direito da mãe e do nascituro, mesmo porque, o feto sem cérebro não terá nenhuma chance de sobrevivência, esse diagnostico é atestado por exames
médicos, o que sedimenta ainda mais a descriminalização do aborto no Brasil. Até o momento o STF ainda não havia se manifestado, no entanto, tamanha a
complexidade do assunto, no dia 12 de abril deste ano, tornou constitucionalmente possível a interrupção da gestão em caso de fetos anencéfalos, ou seja, o
aborto nessa situação não é mais crime.

Palavras-chave: Legalização do aborto, Constituição Federal, Direito a Vida, Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

INTRODUÇÃO

A questão do tratamento jurídico relacionado ao aborto esta sendo discutida e atualmente despertando polêmica em torno da legalização do aborto no Brasil.
Essa polêmica gira em torno do fato de que existem posições contrárias à legalização e posições a favor não se limitando aos argumentos jurídicos, morais,
sociais, de saúde pública e religiosos.

Os que são a favor, afirmam que a mulher tem direito de fazer escolhas em relação ao seu corpo e os que repudiam esta prática, prezam pela garantia do
direito a vida do nascituro.

O código penal editado em 1940 previu a prática do abordo como crime no Brasil, salvo em algumas exceções, que é em casos de estrupo ou em que exista
perigo de vida a saúde da mulher. Logo as exceções determinadas pelo código visam garantir a integridade física e mental da mulher.

Em alguns casos mesmo com a interpretação das normas jurídicas a questão do aborto ainda deixa dúvidas, pois como fora citado anteriormente, são muitas
divergências em face deste assunto, por isso há a necessidade de analisar os preceitos jurídicos que regem atualmente a prática do aborto, bem como os
fatores que contribuem para a sua legalização.

Com base nos problemas e nas discussões a cerca da questão da legalização do abordo no Brasil, optou-se em realizar o presente estudo, cujo objetivo
principal é demonstrar de forma abrangente a visão do aborto no Brasil, ou seja, buscando-se identificar os preceitos utilizados pelo direito para
legalizar este procedimento, bem como a visão da sociedade e da igreja. E ainda a posição do Supremo Tribunal Federal.

Na realização da pesquisa buscou-se analisar diferentes situações que proporcionassem um maior entendimento sobre o tema, unido três ramos do direito o
direito penal, o direito civil e o direito constitucional, pois ambos podem ser aplicados em casos concreto no que se refere ao aborto.

Desta forma, para melhor esclarecimento do tema abordado, também procurou-se pesquisar na jurisprudência sobre os aspectos da legalização do aborto no
Brasil e o direito a vida nas situações de fetos anencefálicos, antes da decisão do STF.

A estrutura do trabalho foi distribuída em capítulos para melhor compreensão do estudo. No primeiro capítulo tem-se a introdução, a qual relata o tema alvo
da pesquisa, bem como as questões a serem abordadas durante o trabalho. O segundo capítulo destaca-se o aborto no Brasil, trazendo a visão de autores sobre
o assunto, a análise do fato de acordo com o cenário social atual e a posição do STF. No terceiro capítulo tem-se a questão jurisprudencial nos caso de
aborto em fetos anencefálicos. E por fim o quarto capitulo trazendo as considerações finais, demonstrando a conclusão a cerca do tema.

A QUESTÃO DA LEGALIZAÇÃO DO ABORTO NO BRASIL

A legalização do aborto além de ser um assunto extremamente polêmico esta sendo discutido atualmente pelos nossos representantes políticos. Existe um
Anteprojeto de lei favorecendo o aborto, o qual já fora aprovado pela comissão de juristas em Brasília em março deste ano. Essa comissão de juristas foi
instaurada em 2011 pelo senado brasileiro para reformular o texto do código penal, incluindo os artigos que contemplam as penas de aborto e a eutanásia.

Para analisar a questão do aborto faz-se necessário definir a palavra aborto. Na visão de Capez (2004, p. 108) o aborto é: “a interrupção da gravidez, com
a consequente destruição do produto da concepção. Consiste na eliminação da vida intrauterina”.

Lima (2011, p. 53): diz que: “O aborto é um dos temas mais polêmicos em discussão na sociedade contemporânea. É atual ao mesmo tempo um dos mais antigos na
história da humanidade […]”.

O Código Penal (art. 124 a 128) tipifica o aborto como crime, bem como determina que em alguns casos o aborto pode ser realizado de forma legal, ou seja,
nos casos de estupro e quando a mulher corre risco de vida.

“No sentido etimológico, aborto, significa privação do nascimento. Advém de ab, que significa privação, e ortus, nascimento.” (LIMA, 2011, p.
53)

O anteprojeto foi aprovado com votação de 16 votos favoráveis e apenas 1 voto contra. “A versão do texto em que são ampliadas as causas nas quais o crime
do aborto pode ser praticado impunemente e prevendo penas mínimas para a eutanásia e até mesmo sua aprovação em determinadas circunstâncias.” (Agência
Senado, 2011).

A revisão realizada para a proposta do novo código penal era a seguinte: “Não será criminalizado o aborto durante os três primeiros meses de gestação
sempre que um médico constatar que a mulher não apresenta condições psicológicas de arcar com a maternidade.” (Agência Senado, 2011).

O procurador Luiz Carlos Gonçalves relator da comissão especial de juristas encarregada de elaborar o anteprojeto afirma que: “Nossa proposta não
despenaliza o aborto, mas ela leva em consideração a situação de mulheres que abortam, portanto, ela se preocupa com a saúde da gestante que hoje não está
contemplada na Lei Penal”.

Desta forma, o aborto continuará sendo criminalizado, mais haverá exceções, as quais estão sendo discutidas no anteprojeto, sendo levado em consideração o
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana assegurado pela Constituição Federal.

Mas há que se destacar que a comissão somente realizou a aprovação do anteprojeto, quem realmente irá torná-lo lei é o senado, por isso pode-se dizer que
existe sim, uma grande possibilidade de tornar a questão do aborto legalizada no Brasil.

O ministro do STJ Gilson Dipp o qual preside a comissão relatoria do anteprojeto de lei, citou casos em estudo para uma possível permissão do aborto:
“quando a mulher for vítima de inseminação artificial com a qual não tenha concordância; e quando o feto estiver irremediavelmente condenado à morte por
anencefalia e outras doenças físicas e mentais graves.” (Agência Senado, 2011).

A realização do anteprojeto sobre a ampliação dos casos de permissão legal para aborto não é para descriminalizar o aborto no Brasil, a questão a ser
tratada é a da saúde da mulher. O que esta sendo levado em consideração é o risco que ela corre interrompendo a gestação sem o mínimo de decência possível,
ou seja, na maioria dos casos, o aborto é realizado em clinicas clandestinas que não comportam nenhum parâmetro de saúde.  .

A posição dos juristas é a de reformular o texto do código penal, ampliando assim em alguns casos a pratica do aborto, tornando-a legal.  O fato é que
existem outras posições contrárias do que esta sendo relatado pela comissão. A Igreja Católica é contra a legalização do aborto, a visão dela é que o
aborto além de ser crime é um meio cruel para tirar a vida do feto.  Já a sociedade se mostra dividida, muitos pensam como a igreja, outros acham que a
legalização do aborto irá acabar com as clinicas clandestinas, o que resultará na diminuição dos riscos relativos a saúde da mulher e das mortes.

Para a igreja católica o aborto é a mesma coisa que matar alguém, pois isso implica no mandamento católico “não matarás”. Não aceitando nem mesmo casos de
anencefalia e risco de vida da gestante.

A questão do aborto vem sendo discutida a muito tempo, não somente a questão jurídica, mais também a questão religiosa, pois por muito tempo a igreja
católica intervinha no Estado, hoje não mais por se tratar de um Estado Democrático de Direito. O Estado é o único detentor do direito de punir, somente
ele tem a pretensão punitiva.

Desta modo, somente o Estado tem a jurisdição e a competência de aplicação a sansão penal nos crimes de aborto. Salienta-se de acordo com Lima, (2011, p.
54): “O tema pode ser enfocado sob vários ângulos, como social, o religioso, o político, o jurídico, o médico, o psicológico, o ético e outros. Por ser
controverso uma vez que coloca em discussão o direito à vida e à dignidade, deve ser tratado de forma criteriosa, profunda e respeitosa.”

Por isso não somente o Estado deve determinar a descriminalização do aborto, ou a igreja ditar sua posição e esta ter que ser aceita pela sociedade. É
necessário que se tenha um entendimento de vários ângulos para que haja o equilíbrio social.

De acordo com o código penal o aborto esta classificado de duas formas, como aborto provocado pela gestante ou com o seu consentimento e o aborto provado
por terceiros.

Logo a realização de uma das situações resultara em um sansão penal que irá acarretar a mãe e ao terceiro que praticou o procedimento da retirada do feto,
ou seja, que provocou voluntariamente a morte do nascituro.

No entanto, o feto não faz parte do corpo da mulher, apesar de ter sido concebido por ela, e precisar do seu vente para existir, isso não justifica a
interferência na vida do nascituro.

Pode-se dizer que a mulher não é obrigada a carregar em seu vente durante nove meses uma criança que ela não quer, mas a criança também não pediu para
nascer. Desta forma são posições contrárias que dificultam o entendimento desse tema que é tão complexo.

Mesmo sendo uma pratica prevista como crime, o aborto ainda é realizado no Brasil de forma ilegal, em função de inúmeros aspectos, tais como: a iniciação
sexual prematura, fazendo com que muitas adolescentes que engravidam vêm o abordo como uma saída, a facilidade ao acesso de medicamentos abortivos, bem
como o acesso a clinicas clandestinas. Aspectos sociais e econômicos também são determinantes nesses casos.

Lima (2011, p. 35) afirma que: “o bem jurídico dos seres humanos por excelência é a vida. Somente a partir da existência da vida é que o individuo passa a
ser titular de todos os outros direitos, uma vez que a vida é a fonte primária para a titularidade de direitos.”

O abordo está tipificado no código penal como crime contra a pessoa, ou seja, crime contra a vida, o que nos faz observar que essa questão não esta somente
ligada ao corpo da mulher ou ao direito dela fazer o que quiser mais também trás a tona a questão de que nos primeiros momentos da gravidez já existe uma
vida e que ninguém tem o direito de privar a vida do nascituro.

Nesse sentido não há como discutir a questão da legalização do abordo sem contestar o problema da proteção jurídica da vida humana intrauterina, conforme
estabelece o código civil em seu art. 2º que: “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com a vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção,
os direitos do nascituro.” Portanto, se há a determinação em lei sedimentada pelo código civil é necessário analisar que o nascituro tem direito a vida e
que ninguém poderá privá-lo do seu direito, mesmo em caso de fetos anencefalos.

Percebe-se a interferência do direito constitucional no direito penal, pois a lei maior a constituição federal consagra o direito a vida em seu art. 5º,
referenciando o direito a vida como um direito fundamental dos indivíduos. Não podendo o direito penal ir contra esse preceito.

Deste modo faz-se o seguinte questionamento: como legalizar a questão do aborto no Brasil? Se esta pratica irá interferir no direito a vida. Sendo que este
direito é garantido pela nossa lei maior, a Constituição Federal, mas levando em consideração também o principio da dignidade da pessoa humana o qual é
assegurado pela lei maior.

O direito a vida é um direito de todos, inclusive do nascituro, mesmo não sendo considerado uma pessoa, o código civil também guarda seu direito de
capacidade civil.

Essa questão é extremamente complicada, pelo fato de abranger inúmeros elementos os quais irão repercutir na sociedade, refletindo no contexto social
atual, pois existem visões divergentes que deverão ser respeitadas.

“Ao consagrar o direito à vida, a Constituição não faz distinção entre a vida intra e extrauterina, e não atribui valor maior à vida extrauterina em
relação a intrauterina, como faz a legislação infraconstitucional, em particular a legislação penal.” (LIMA, 2011, p. 35).

A visão do referido autor é de que o direito a vida inserido na nossa lei maior não faz diferenciação entre a vida dentro e fora do ventre da mãe,
destacando que o direito penal é que faz esta distinção, tipificando o aborto como crime.

O direito à vida consagrado pela Constituição Federal também não faz menção sobre as etapas da vida embrionária, entende-se, que, o direito á vida estará
amparado em todos os sentidos, ou seja, sempre que existir manifestação de vida humana.

No entanto, a mãe também tem o direito a vida, bem como o direito a ter uma vida com dignidade.

O que não pode acontecer é a sociedade, bem como a igreja e demais entes irem contra os preceitos já estabelecidos pela legislação vigente, ou seja, se o
código penal determina que o abordo é considerado como crime, e que a constituição federal contempla o direito a vida, não há como simplesmente fazer sumir
tais direitos. Por isso é necessário uma analise sob o aspecto do direito penal, civil e constitucional.

Por conseguinte é necessário observar que, o direito à vida é um dos direitos fundamentais aludidos pela Constituição Federal, logo, as leis
infraconstitucionais, e neste caso, fala-se no direito penal, deverá respeitar a lei maior, resguardando os direitos fundamentais trazidos pela
constituição.

Há que se referenciar outro direito estabelecido pela constituição federal que esta determinado no art. 2º, inciso III, no que se refere ao principio da
dignidade da pessoa humana. O nascituro assim como a gestante estão legalmente assegurados do seu direito a vida.

Como já fora mencionado anteriormente o código penal trás como crimes contra a vida o aborto, nos casos em que o aborto é provocado pela gestante ou por
terceiro com o seu consentimento, o art. 124 do código penal prevê a aplicação da pena de detenção de um a três anos. E no caso em o um terceiro provoca o
aborto terá pena de reclusão de três a dez anos, acontecer sem o consentimento da gestante conforme termina o art. 125 do código penal, ou a pena de
reclusão de uma a quatro anos, caso seja com o consentimento da gestante determinado pelo art. 126 do código penal.

Em relação a questão do aborto de fetos anencefálicos, são casos em que existe uma má formação do feto, onde o qual ele possui cérebro o que o levará a
morte nos primeiros momentos de vida, ou seja, a criança nasce com vida, mais depois de algumas horas é levada a óbito, em algumas situações até minutos.

Em relação a esses casos Dutra (2012) relata que a questão esta sendo discutida no Supremo Tribunal Federal na Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental n. 54, ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores de Saúde, tendo como pedido a interpretação conforme a Constituição dos
dispositivos do Código Penal mencionados anteriormente, para que seja declarada a sua não incidência nos casos de aborto de fetos anencefálicos.

Essa questão foi encaminhada ao STF em função de que não se trata somente do aborto nos casos de feto anencefálicos estar tipificado como crime no código
penal, mais porque é uma questão constitucional, trazendo a tona o principio da dignidade da pessoa humana, bem como a saúde da mulher.

Portanto, de acordo com Dutra (apud Novelino, 2008), a arguição possui três argumentos básicos:

1º) antecipação terapêutica do parto não é aborto (atipicidade da conduta): “a morte do feto, nesses casos, decorre da má formação congênita, sendo certa e
inevitável, ainda que decorridos os nove meses normais de gestação. Falta à hipótese o suporte fático exigido pelo tipo penal”; 2º) ainda que se
considerasse a antecipação terapêutica como aborto, ela não seria punível (interpretação evolutiva do Código Penal): “a hipótese aqui em exame só não foi
expressamente abrigada no art. 128 do Código Penal como excludente de punibilidade porque em 1940, quando editada sua Parte Especial, a tecnologia
existente não possibilitava o diagnóstico preciso de anomalias fetais incompatíveis com a vida”; 3º) dignidade da pessoa humana, analogia à tortura e
interpretação conforme a Constituição: “impor à mulher o dever de carregar por nove meses um feto que sabe, com plenitude de certeza, não sobreviverá,
causando-lhe dor, angústia e frustração, importa violação de ambas as vertentes da dignidade humana (…)”.

O entendimento da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde é que levando em consideração o principio da dignidade da pessoa humana, a mulher não é
obrigada a manter em seu ventre durante nove (9) meses o feto, sendo que após o nascimento, o feto virá a óbito. O que também poderá causar sérios
problemas psicológicos na mulher. E nesses casos não há como o Estado obrigar a mulher a passar por toda a gestação se o feto ao nascer não sobreviverá.

Existem muitos casos em que é concedido o direito a mulher retirar o feto anencefálico, pois se entende que não há motivo nenhum para se levar em frente
uma gestão a qual o feto não terá chances de sobreviver.

No dia 12 de abril deste ano, o STF decidiu que as gravidas de fetos sem cérebro poderão optar em interromper a gestação com assistência médica. Foram 8
(oito) votos á 2 (dois) votos, os ministros decidiram que o aborto em caso de fetos anencefálicos não é crime.

Este foi um passo fundamental para a legalização do aborto, diria que o entendimento do STF foi a favor da gestante e também da criança, que não terá o
mínimo de dignidade para sobreviver, pois levar a gestação ao fim é prolongar o sofrimento de ambos. Desta forma, constitucionalmente o aborto nesses casos
esta legalizado.

O Ministro Marco Aurélio Mello relator da ação afirmou que: “Aborto é crime contra a vida. Tutela-se a vida em potencial. No caso do anencéfalo, não existe
vida possível. O feto anencéfalo é biologicamente vivo, por ser formado por células vivas, e juridicamente morto, não gozando de proteção estatal. […] O
anencéfalo jamais se tornará uma pessoa. Em síntese, não se cuida de vida em potencial, mas de morte segura. Anencefalia é incompatível com a vida”.

Ao relatar seu voto o Ministro Luiz Fux afirmou que: “Um bebê anencéfalo é geralmente cego, surdo, inconsciente e incapaz de sentir dor. Apesar de que
alguns indivíduos com anencefalia possam viver por minutos, a falta de um cérebro descarta complementamente qualquer possibilidade de haver consciência.
[…] Impedir a interrupção da gravidez sob ameaça penal equivale à tortura”. Perante a afirmação do ministro entende-se que pior que retirar o feto é
torturar a mãe, a qual será obrigada a levar a gestação até o fim, não podendo ter o direito de escolha sobre sua própria vida.

É importante destacar que o STF não esta importando a descriminalização do aborto em casos de anencefalos, ou seja, a mulher terá o direito facultativo de
optar em levar a gestação até o final, ou interrompe-la. Desta forma, se ela optar em interromper terá seu direito assegurado pela lei.

Os ministros se preocuparam em ressaltar que o entendimento não autoriza “práticas abortivas”, nem obriga a interrupção da gravidez de anencéfalo. Apenas
dá à mulher a possibilidade de escolher ou não o aborto em casos de anencefalia. (SANTOS, 2012)

O Ministro Ayres Britto afirmou em seu voto que: “O aborto do feto anencéfalo é um direito que tem a mulher de interromper uma gravidez que trai até mesmo
a ideia-força que exprime a locução ‘dar à luz’. Dar à luz é dar à vida e não dar à morte. É como se fosse uma gravidez que impedisse o rio de ser
corrente”

Entende-se que a interrupção da gravidez em fetos anencefálicos não pode ser considerada como aborto, pois o feto não tem atividade cerebral, logo não é
tido como vivo nem pela medicina nem juridicamente.

Já o Ministro Cezar Peluso o qual foi contra a descriminalização do aborto em fetos anencefálicos disse que: “Ao feto, reduzido no fim das contas à
condição de lixo ou de outra coisa imprestável e incômoda, não é dispensada de nenhum ângulo a menor consideração ética ou jurídica nem reconhecido grau
algum da dignidade jurídica que lhe vem da incontestável ascendência e natureza humana. […]”.

Em seu parecer o Ministro Peluso afirmou que o feto esta sendo tratado como lixo, tendo sua vida descartada, não sendo levado em consideração nenhum fator
ético ou jurídico.

Nesse sentido Lima (2011, p. 39) afirma que:

O direito à vida, como todos os outros direitos, pode ser restringido quando em situação da colisão com outros direitos também fundamentais. É o que se
depreende do princípio da convivência das liberdades públicas. O bem jurídico nem sempre prevalece quando em conflito com outros bens também
constitucionalmente protegidos.

Quando há colisão entre as normas constitucionais busca-se a interpretação da norma analisando-a e aplicando-a ao caso concreto.

Acredito que em casos de estupro como determina a lei, mais também em casos de fetos anencefalos a mulher deve sim ter o direito de abortar, pois aquela
situação irá lhe causar sofrimento, sendo que ela ficará toda a gestação esperando o dia em que seu filho vai nascer e morrer. Isso é crueldade, haverá uma
grande pressão psicológica.

Lima (2011, p. 42) determina que: “a partir da fecundação, há um novo ser, com individualidade e com carga genética já definida. […] Ele é um ser humano,
porque já traz em si o gene de todas as características do ser racional”. Em face dessa afirmação o autor identifica como existente e consagrada pelo
ordenamento jurídico à vida do feto.

A proteção constitucional da vida humana não se restringe à vida biológica. O ordenamento jurídico, ao tutelar a vida, impõe ao Estado o dever de proteção
ampla. Importa o direito de ter assegurado o normal desenvolvimento intrauterino, de vir à luz com a vida, de estar vivo e não ser privado de viver, bem
como ter a existência digna.(LIMA, 2011, p. 43)

Há que se ressaltar que o feto tem assegurado o seu direito de viver com dignidade, ou seja, é assegurado o direito de não ter o processo vital
interrompido.

Por isso é tão complexo essa questão do aborto, pois é necessário identificar os preceitos jurídicos a cerca do mesmo, os direitos fundamentais assegurados
pela constituição federal, bem como a criminalização do aborto estabelecida pelo código penal.

O procedimento realizado pelo STF tornando a legalização do aborto em casos de anencéfalos teve grande repercussão. O Supremo Tribunal Federal trata
somente de matéria constitucional e o direito de interromper a gestão faz parte dos nossos direitos fundamentais e garantias constitucionais. Deste modo o
entendimento do STF é de que o aborto nesses casos não deverá ser considerado como crime.

Não há como dizer que o STF esta obrigando a gestante a interromper a gestação, mais sim dando a possibilidade jurídica de fazê-lo, sem que a mulher corra
risco de vida. Mesmo porque nesses casos a medicina assegura 99% de chances do feto anencéfalo não sobreviver, pois o diagnóstico é extremamente preciso. O
diagnóstico na visão do STF irá servir de embasamento jurídico (prova) para concretizar a existência de anencefalia ou não.

Abrindo um parênteses para esclarecimento de que o Supremo Tribunal Federal não legisla, apenas interpreta, pois muitos não conseguem enxergar a 
importância da função do STF nos casos que tratam de matéria constitucional. E neste caso em especifico interpretou de forma magnifica, assegurando o
direito da mãe e do feto.

Apresente-se a seguir uma decisão jurisprudencial em caso de aborto de feto anencefálico antes da decisão do STF.

JURISPRUDÊNCIA EM CASOS DE ABORTO EM FETOS ANENCEFÁLICOS

As decisões jurisprudenciais positivas nos casos de aborto em fetos anencefálicos são cada vez mais constantes nos tribunais. A decisão relatada pelo
relator Francisco Bruno em 2011, só vem a reformar esta afirmativa.

Cita-se Mandado de Segurança nº 0011516-37.2011.8.26.0000, da Comarca de São José do Rio Preto, sendo impetrado MM. JUIZ (A) DE DIREITO DA 1ª VARA CRIMINAL
DA COMARCA DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO. “ACORDAM, em 9ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:
“Concederam a segurança “, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. Tem-se a seguinte decisão:

5. Em síntese, e para encerrar: em face da expressa autorização legal para o uso da analogia, do evidente cabimento de seu emprego na hipótese, e tendo já
(embora contra minhas convicções pessoais) autorizado a interrupção da gravidez de diversos fetos saudáveis, em casos de estupro, não me vejo autorizado a
impedi-lo num caso em que o sofrimento da mãe é pelo menos tão grande como naqueles, e em que a vítima poderá ter, quando muito, uma vida

vegetativa.

6. Pelo exposto, meu voto ratifica a liminar e concede a segurança.

A questão aqui relatada é justamente o pedido dos pais requerendo o aborto em função de má formação fetal (anencefalia), tendo por sua vez, o pedido
deferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

A presente decisão a cerca da possibilidade de interrupção da gestação, acima evidenciada, é anterior ao posicionamento do Supremo Tribunal Federal.
Pode-se dizer que o visão desse jurista foi a mesma do STF quando concedeu o pedido.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base na pesquisa pode-se identificar os inúmeros fatores que influenciam a pratica do aborto no Brasil, bem como os aspectos jurídicos, sociais,
econômicos e religiosos em torno deste assunto.

Apesar de a Constituição Federal salvaguardar nossos direitos fundamentais, ainda existe um conflito em face da legalização do aborto no Brasil em relação
aos princípios e garantias constitucionais.

Portanto, sendo um dos direitos fundamentais é o direito a vida, por isso o presente estudo em torno da legalização do aborto no Brasil nos monstra que,
caso o código penal venha a ser realmente alterado, dará o entendimento de que, havendo a legalização do aborto estar-se-á tirando o direito a vida do
feto, salvo as exceções em casos já previstos no código, no que se refere ao aborto nos casos de estupro e quando há risco de vida a mulher.

Todavia o posicionamento do STF nos casos de fetos anecenfálicos demonstra que as normas bem como os princípios constitucionais foram interpretados afim de
trazer uma resposta a esta questão tão polêmica.

O que fora ressaltado pelo Supremo Tribunal Federal foi justamente o preceito jurídico constitucional referente ao principio da dignidade da pessoa humana
e o direito a vida, pois como já fora abortado no decorrer do trabalho, a mulher não deve ser obrigada a passar por toda a gestão, se ao final o feto não
terá vida, deste modo, todo o esforço da mãe será em vão, causando-lhe sérios abalos emocionais.

Desta forma o presente estudo traz à tona a questão da legalização do aborto em casos de fetos anencefálicos e quando o médico constatar durante os três
primeiros meses de gestação que a mulher não apresenta condições psicológicas de arcar com a maternidade. Sendo que, atualmente são práticas consideradas
ilícitas pelo código penal vigente.

Entretanto, observou-se que são muitos os casos em que a jurisprudência admite que seja realizado o aborto, quando comprovado que existe a má formação do
feto, verificando que não haverá sobrevivência do feto após o parto.

Anteriormente a apresentação do anteprojeto sobre a legalização do aborto, nesses casos já se tinha muitas decisões positivas em face das condições de
sobrevivência do feto (anencefálico). Essas situações também foram reforçadas pelos avanços da medicina, demonstrando através de exames altamente precisos
as anomalias na fase de formação do feto.

Diante deste contexto é visível que o legislador precisa reformular nosso código penal sim, pois o que esta em pauta é o sofrimento e a saúde da mulher
nesses casos. Não sendo justo levar uma gravidez até o ultimo mês de gestação, se não há chances de sobrevivência do feto. Também leva-se em consideração o
abalo psicológico sofrido pela mãe, bem como pela família.

Dando ênfase a posição referenciada em torno deste artigo em face a legalização do aborto em casos de fetos anencefálicos cita-se a decisão jurisprudencial
tendo como relator Francisco Bruno na cidade de São Paulo: “Não tenho dúvida de que, se houvesse, em 1940, a possibilidade científica de prever a
anencefalia (ou outra má-formação que inviabilize a vida extrauterina), a hipótese teria sido acrescida ao art. 128 do Código Penal”.

Logo as modificações a cerca da legalização do aborto visão assegurar o direito da mulher nos casos em que o feto possui má formação, ou seja,
salvaguardando o principio da dignidade da pessoa humana. Sendo que nessas situações a dignidade da pessoa humana se sobressairia ao direito à vida, mesmo
porque, o feto não terá vida ao nascer.

A decisão do STF descriminalizando o aborto em fetos anencefálicos sedimentou o direito da mulher optar em interromper a gravidez, ou seja, trouxe a tona o
direito a vida e o direito a dignidade da pessoa humana, pois quando há conflitos entre as normas se faz necessário a utilização dos princípios
estabelecidos pelo direito e sua interpretação ao caso concreto.

Em face dessa decisão, as mães poderão exercer o seu direito subjetivo estando asseguradas pela lei.

ACIDIGITAL. Anteprojeto de lei favorecendo o aborto e a eutanásia é aprovado por comissão de juristas em Brasília, 2012. Disponível em:
<http://www.acidigital.com/noticia.php?id=23262>. Acesso em: 30 Mar. 2012.

BRASIL. Lei n. 2.848, de 07 de Dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm >. Acesso em: 01 abr. 2012.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm >.

Acesso em: 15 mar. 2012.

CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2004.

DUTRA, Falcão Quésia. A impossibilidade da legalização do aborto no Brasil. Disponível em: < http://www.ufsm.br/revistadireito/eds/v6n1/A1.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2012.

LIMA, Carolina Alves Souza de. Aborto e Anencefalia: Direitos fundamentais em colisão. Curitiba: Juruá, 2011.

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Decisão de Mandado de Segurança em face do aborto no caso de feto anencefálico. 2011. Disponível em:

<
http://www.jusbrasil.com.br/filedown/dev5/files/JUS2/TJSP/IT/MS_115163720118260000_SP_1301686777870.pdf >. Acesso em: 03 abr. 2012.

SANTOS, Debora. Supremo decide por 8 a 2 que aborto de feto sem cérebro não é crime. Brasília, 2012. Disponível em:

<
http://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/04/supremo-decide-por-8-2-que-aborto-de-feto-sem-cerebro-nao-e-crime.html >. Acesso em: 12 abr. 2012.

Como citar e referenciar este artigo:
BEM, Paula de. Direito à vida e a descriminalização do aborto. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2012. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/direito-a-vida-e-a-descriminalizacao-do-aborto/ Acesso em: 29 mar. 2024