Direito Constitucional

União Homoafetiva Dentro do Ordenamento Jurídico Pátrio

União Homoafetiva Dentro do Ordenamento Jurídico Pátrio

 

Alessandra Amato*

 

Primeiramente cabe esclarecer, que o artigo em questão, não tem como objetivo opiniões ou argumentos jurídicos favoráveis ou desfavoráveis referentes à união estável homossexual, e sim, expor o tratamento jurídico doutrinário e jurisprudencial do assunto, dentro da atualidade.

 

O que não pode ocorrer é fingir que o homossexualismo não existe, tapando o sol com a peneira, excluindo do sistema jurídico uma realidade viva e atualmente em grande proporção, deixando a relação das vidas dessas pessoas, a margem da lei.

 

O objetivo do direito não é julgar conceitos religiosos e culturais, e sim, ajustar as relações existentes, dando total suporte jurídico, para que a comunidade possa viver em harmonia e com dignidade.

 

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 1°, inciso III dispõe sobre a dignidade da pessoa humana, assegurando os direitos fundamentais e garantias individuais ao ser humano.

 

Art. 1° A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

 

III – a dignidade da pessoa humana.”

 

A dignidade da pessoa humana somente terá eficácia, quando o homem não passar de mero arbítrios e injustiças. A liberdade, a igualdade são direitos fundamentais e devem ser assegurados aos homossexuais. Há de haver respeito a vida e a integridade das pessoas.

 

De acordo com Clóvis Beviláqua veremos a definição de casamento na óptica de legitimação estatal das relações carnais e implicitamente estabelecendo suas conseqüências na órbita patrimonial, senão vejamos: “Casamento é um contrato bilateral e solene, pelo qual um homem e uma mulher se unem indissoluvelmente, legitimando por ele suas relações sexuais; estabelecendo a mais estreita comunhão de vida e de interesses, e comprometendo-se a criar e educar a prole que de ambos nascer”.

 

Verificamos que a legitimação da união estável homossexual está ainda caminhando lentamente para obter um espaço vitorioso dentro do ordenamento jurídico pátrio. O alvo da discriminação e a vetação de qualquer legislação do assunto, se deve a crítica e discriminação por parte da sociedade, do próprio Estado e da Igreja.

 

Em relação à união estável, podemos defini-la, conforme os ensinamentos de Milhomens e Alvescomo: “união duradoura entre duas pessoas, de sexos diferentes, que passam a viver como se fossem marido e mulher, morae uxorio “.

 

Podemos observar também, que na união estável é pressuposto para sua configuração a união de pessoas de sexos diferentes. Não há espaço na legislação para união de pessoas do mesmo sexo, com exceção para direitos de cunhos patrimoniais.

 

De acordo com Pontes de Miranda: “Uma união, ainda solenemente feita, entre duas pessoas do mesmo sexo, não constitui matrimônio, porque ele é, por definição, contrato do homem e da mulher, viri et mulieris coniunctio, com o fim de satisfação sexual e de procriação”. 

 

Diante do mencionado, podemos observar claramente que é inexistente o casamento entre homossexuais, assim como a união homoafetiva. O direito de família não ampara a união homossexual. Se houver a união estável entre pessoas do mesmo sexo, com vida em comum, laços afetivos, divisão de despesas, configura-se sociedade de fato, amparado pelo direito das obrigações.

 

Por quase unanimidade, o entendimento é que as relações homossexuais devem ser discutidas na Vara Cível, e não, na Vara da Família, uma vez que, não é reconhecida como entidade familiar.

 

O Novo Código Civil manteve silêncio em relação às uniões homossexuais, continuando retrógrado, desatualizado, conservador e discriminatório.

 

De acordo com o artigo 5° da Lei Maior:  “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (…)”.

 

Os direitos dos homossexuais devem ser garantidos pelo ordenamento jurídico brasileiro, não prevalecendo a falsa e retrógrada opinião de conservadores que insistem em negar a realidade, negando a devida proteção a qual os mesmos fazem jus. O sentimento de amor e afeto é o que há de mais sublime na espécie humana, não havendo regras ou padrões sociais convencionados.

 

Se houver uma vida em comum, laços afetivos, divisão de despesas, entre outros, não há como negar os efeitos jurídicos à união homoafetiva, configurando sociedade de fato, independente do casamento ou união estável, sendo assim, amparado pelo direito das obrigações, esse é o posicionamento.

 

De acordo com o STF: Se a sociedade é fruto de contrato consensual, realiza-se o seu objetivo, que é o interesse de ambos os contraentes, com a fusão dos seus esforços e recursos. que é o interesse de ambos os contraentes, com a fusão dos seus esforços e recursos. Quando a lei menciona esforços, significa contribuição de natureza pessoal; quando se refere a recursos, refere-se a contribuições de natureza econômica. Assim, reconhecida a sociedade de fato, deve haver a partilha dos bens amealhados pelo esforço comum, quando dissolvida essa sociedade, seja por separação ou por morte”.

 

Pedimos venia para transcrever um trecho do voto do Ministro do Superior Tribunal de Justiça Ruy Rosado de Aguiar: “fato de duas pessoas do mesmo sexo dividirem o mesmo teto, não importa por quanto tempo, não resulta direito algum e não cria laço senão o de amizade. Porém, se em razão dessa amizade os parceiros praticam atos da vida civil e adotam reiterado comportamento a demonstrar o propósito de constituírem uma sociedade com os pressupostos de fato enumerados no artigo 1.363 do Código Civil, um de natureza objetiva (combinação de esforços) e outro subjetivo (fim comum), impende avaliar essa realidade jurídica e lhe atribuir os efeitos que a lei consagra. É certo que o legislador do início do século não mirou para um caso como o dos autos, mas não pode o juiz de hoje desconhecer a realidade e negar que duas pessoas do mesmo sexo podem reunir esforços, nas circunstâncias descritas nos autos, na tentativa de realizarem um projeto de vida em comum. Com tal propósito, é possível amealharem um patrimônio resultante dessa conjugação, e por isso mesmo comum. O comportamento sexual deles pode não estar de acordo com a moral vigente, mas a sociedade civil entre eles resultou de um ato lícito, a reunião de recursos não está vedada na lei e a formação do patrimônio comum é conseqüência daquela sociedade. Na sua dissolução, cumpre partilhar os bens”. Venho defender a possibilidade jurídica da união homoafetiva, não pretendo dizer que tais uniões sejam corretas, mas também não venho condenar tais uniões, venho apenas dizer que tais uniões são, sob o ponto de vista jurídico, legítimas e, portanto, devem ser protegidas pelo Poder Judiciário, e por toda a sociedade”.

 

No direito brasileiro a convivência entre pessoas do mesmo sexo não possui regulamentação legal. O Poder Judiciário Pátrio vem presenciando situações em seus Juízos e Tribunais, as quais dividem as opiniões entre magistrados, juristas que se preocupam com a efetiva prestação jurisdicional do Estado ali personificado.

 

Pedimos venia para transcrever no trabalho apresentado, algumas jurisprudências relacionadas ao assunto em pauta, para que os leitores possam ter uma idéia das tendências dos tribunais brasileiros em relação à união estável homossexual, dentro da atualidade:

 

 “Ementa: Relações homossexuais. Competência para julgamento de separação de sociedade de fato dos casais formados por pessoas do mesmo sexo. Em se tratando de situações que envolvem relações de afeto, mostra-se competente para o julgamento da causa uma das Varas de Família (grifos nossos), a semelhança das separações ocorridas entre casais heterossexuais. Agravo provido. (Agravo de Instrumento nº 599075496, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Breno Moreira Mussi).

 

“Ementa: Homossexuais. União Estável. Possibilidade jurídica do pedido. É possível o processamento e o reconhecimento de união estável entre homossexuais, ante princípios fundamentais esculpidos na Constituição Federal que vedam qualquer discriminação, inclusive quanto ao sexo, sendo descabida discriminação quanto à união homossexual. E é justamente agora, quando uma onda renovadora se estende pelo mundo, com reflexos acentuados em nosso país, destruindo preceitos arcaicos, modificando conceitos e impondo a serenidade científica da modernidade no trato das relações humanas, que as posições devem ser marcadas e amadurecidas, para que os avanços não sofram retrocesso e para que as individualidades e coletividades possam andar seguras na tão almejada busca da felicidade, direito fundamental de todos.Sentença desconstituída para que seja instruído o feito. Apelação provida.. (9 FL S) (Apelação Cível Nº 598362655, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des José Ataídes Siqueira Trindade).

 

“Ementa: Agravo de Instrumento. O relacionamento homossexual não está amparado pela Lei 8971 de 21 de dezembro de 1994, e Lei 9278, de 10 de maio de 1996, o que impede a concessão de alimentos para uma das partes, pois o envolvimento amoroso de duas mulheres não se constitui em união estável, e semelhante convivência traduz uma sociedade de fato. Voto vencido. (21 fls) (Agravo de Instrumento nº 70000535542, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Antônio Carlos Stangler Pereira).

 

“A homologação do termo de dissolução da sociedade estável e afetiva entre pessoas do mesmo sexo cumulada com partilha de bens e guarda, responsabilidade e direito de visita a menor deve ser processada na vara cível não especializada, ou seja, não tem competência para processar a referida homologação a vara de família. No caso, a homologação guarda aspectos econômicos, pois versa sobre a partilha do patrimônio comum. No termo do acordo, a criança ficará sob a responsabilidade econômica, posse e guarda da pessoa que a registrou como seu filho. Assim, não há questão verdadeiramente familiar. Precedente citado: REsp 148.897-MG, DJ 6/4/1998. (REsp 502.995-RN, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 26/4/2005).”

 

É função do direito regular a vida das pessoas. Daí o papel não só do legislador, mas também dos operadores do Direito de adequarem os institutos jurídicos à vida. Concordando ou não com o homossexualismo, ele está presente em número significativo no mundo, não podendo, nosso ordenamento jurídico, fingir que não existe e não operar em função do mesmo.

 

Cabe a nós, operador do direito, lutarmos para conquistarmos um novo código civil atualizado, sem discriminação, sem lacunas, para que todos os brasileiros possam ser alcançados pelo ordenamento jurídico, trazendo desta forma, tranqüilidade e respaldo para os “menos favorecidos” até então.

 

* Advogada Civilista e Criminalista/ Educadora (professora de direito) e Escritora de artigos jurídicos publicados em sites e jornais. Escritora de livros e apostilas jurí­dicas. Pós-Graduada em Direito Civil e Direito Processual Civil. Especialista em Docência no Ensino Superior.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
AMATO, Alessandra. União Homoafetiva Dentro do Ordenamento Jurídico Pátrio. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/uniao-homoafetiva-dentro-do-ordenamento-juridico-patrio/ Acesso em: 29 mar. 2024