Direito Constitucional

Decisões Intermediárias de Constitucionalidade

 

 

O termo decisões intermediárias ou, sentenças intermediárias, como alguns denominam, surgiu para designar a resposta dada pelo tribunal da jurisdição constitucional, quando este, muito embora haja identificado uma inconstitucionalidade na norma impugnada, não a declara diretamente, mas promove sua adequação ao texto constitucional.

 

Tecnicamente, o termo decisões intermediárias é o mais correto, tendo se em vista que no controle de constitucionalidade brasileiro, o termo sentença só é utilizado no âmbito do controle difuso, já que, tal fenônemo ocorre no controle concentrado, deve se falar em decisão as quais possuem escopo amplo, como depreende do julgado colacionado abaixo:

 

“A extensão da jurisprudência, desenvolvida para afastar do controle abstrato de normas os atos administrativos de efeito concreto, às chamadas leis formais suscita, sem dúvida, alguma insegurança, porque coloca a salvo do controle de constitucionalidade um sem-número de leis. (…) Outra há de ser, todavia, a interpretação, se se cuida de atos editados sob a forma de lei. Nesse caso, houve por bem o constituinte não distinguir entre leis dotadas de generalidade e aqueloutras, conformadas sem o atributo da generalidade e abstração. Essas leis formais decorrem ou da vontade do legislador ou do desiderato do próprio constituinte, que exige que determinados atos, ainda que de efeito concreto, sejam editados sob a forma de lei (v.g., lei de orçamento, lei que institui empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia e fundação pública). Ora, se a Constituição submete a lei ao processo de controle abstrato, até por ser este o meio próprio de inovação na ordem jurídica e o instrumento adequado de concretização da ordem constitucional, não parece admissível que o intérprete debilite essa garantia da Constituição, isentando um número elevado de atos aprovados sob a forma de lei do controle abstrato de normas e, muito provavelmente, de qualquer forma de controle. É que muitos desses atos, por não envolverem situações subjetivas, dificilmente poderão ser submetidos a um controle de legitimidade no âmbito da jurisdição ordinária. Ressalte-se que não se vislumbram razões de índole lógica ou jurídica contra a aferição da legitimidade das leis formais no controle abstrato de normas, até porque abstrato – isto é, não vinculado ao caso concreto – há de ser o processo e não o ato legislativo submetido ao controle de constitucionalidade. (…) Todas essas considerações parecem demonstrar que a jurisprudência do STF não andou bem ao considerar as leis de efeito concreto como inidôneas para o controle abstrato de normas. (…) A Corte não pode se furtar à análise do tema posto nesta ação direta. Há uma questão constitucional, de inegável relevância jurídica e política, que deve ser analisada a fundo.” (ADI 4.048-MC, voto do Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 14-5-2008, Plenário, DJE de 22-8-2008.) No mesmo sentido: ADI 4.049-MC, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 5-11-2008, Plenário, DJE de 08-5-2009. Em sentido contrário: ADI 1.716, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 19-12-1997, Plenário, DJ de 27-3-1998; ADI 1.372-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 14-12-1995, Plenário, DJE de 3-4-2009”.

 

Kildare Gonçalves afirma que “decisão intermediária de constitucionalidade é aquela por meio da qual a Corte Constitucional, incumbida da atividade de legislador negativo, mantém em vigor determinada norma imputada de inconstitucional, porque a sua retirada do ordenamento jurídico não se mostra conveniente, sob o ponto de vista político, econômico e social, ou porque os escopos constitucionais serão mais bem alcançados se a norma ainda continuar vigente, ainda que com seus efeitos restringidos. Em suma, é o exercício do controle de compatibilidade vertical que não tem o efeito derrogatório, ablativo ou extrativo”.

 

Portanto, segundo Leonarbo Tibo Barbosa Lima, são espécies de decisões que, muito embora declarem a inconstitucionalidade da norma impugnada não a retiram imediatamente do mundo jurídico ou mesmo promovem sua adaptação ao texto constitucional, em homenagem à proporcionalidade.

 

No âmbito do controle de constitucionlidade essas decisões são notadamente classificadas em:

 

A. aviso ao legislador: quando há mutação constitucional a Corte Constitucional informar ao legislador qual a interpretação que está sendo por ele atribuída a determinada questão constitucional.

 

B. apelo ao legislador ou Appellentscheidung, “em que o Tribunal, rejeitando a argüição de inconstitucionalidade, reconhece que a situação é ainda constitucional ou não é ainda inconstitucional, e vincula essa declaração ao “apelo ao legislador” para que, num determinado prazo, proceda à correção dessa situação, segundo diretrizes fixadas pelo próprio Tribunal”.

 

C. decisão com efeito extrativo diferido: trata se da modulação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade.

 

D. decisão de inconstitucionalidade sem efeito extrativo stricto sensu: a norma é declarada inconstitucional mas os seus efeitos continuam a regular as relações jurídicas normalmente.

 

E. Decisão ampliativa: se divide em ampliativa de texto e ampliativa de preceito. Quando determinada norma é considerada inconstitucional porque omitiu texto, a decisão da Corte Suprema deve acrescentar o texto para constitucionalizá-la. Quando a norma deixa de consagrar determinado
princípio inerente à matéria por ela tratada, deve a Corte Constitucional adequar o texto normativo para atender ao preceito (ou princípio) olvidado, esquecido.

 

F. decisão que aplica a técnica de interpretação conforme à Constituição: pode dar ensejo tanto à declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto como à declaração de constitucionalidade com restrição da atividade hermenêutica.

 

O professor José Adércio Sampaio estabelece as subespécies das decisões intermediárias, quais sejam: decisões normativas e decisões transitivas ou transacionais.

 

As decisões normativas, ainda no dizer de Adércio Sampaio são “aqueles pronunciamentos judiciais que importam a criação de norma jurídica de caráter geral e vinculante”. Podem ser divididas em decisões de interpretação conforme a Constituição; decisões aditivas de texto; decisões aditivas de princípio e decisões substitutivas.

 

A interpretação conforme a Constituição, para Carvalho, consiste em declarar o Tribunal qual das possíveis interpretações se revela compatível com a Constituição, sempre que determinada lei ou ato normativa ofereça diferentes possibilidades de interpretação, sendo algumas delas incompatíveis com a própria Constituição. Observe se esclarecedora jurisprudência sobre o tema:

 

“As decisões consubstanciadoras de declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive aquelas que importem em interpretação conforme à Constituição e em declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, quando proferidas pelo STF, em sede de fiscalização normativa abstrata, revestem-se de eficácia contra todos (erga omnes) e possuem efeito vinculante em relação a todos os magistrados e Tribunais, bem assim em face da Administração Pública federal, estadual, distrital e municipal, impondo-se, em consequência, à necessária observância por tais órgãos estatais, que deverão adequar-se, por isso mesmo, em seus pronunciamentos, ao que a Suprema Corte, em manifestação subordinante, houver decidido, seja no âmbito da ação direta de inconstitucionalidade, seja no da ação declaratória de constitucionalidade, a propósito da validade ou da invalidade jurídico-constitucional de determinada lei ou ato normativo.” (Rcl 2.143-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 12-3-2003, Plenário, DJ de 6-6-2003.)

 

As decisões aditivas de texto, conforme nos ensina Sampaio importam em declarar inconstitucional um certo dispositivo por ter deixado de dizer algo,  desde que, a disposição omitida seja imposta pela lógica do sistema legislativo e constitucional ou, em outros termos, resulte rime obbligate, segundo uma operação de integração analógica ou de interpretação extensiva.

 

Nas decisões aditivas de princípio declara-se inconstitucional a disciplina legislativa denunciada, individualizando apenas a diretriz da norma ou princípio que deve ser introduzido em sua substituição e assinalando ao legislador a tarefa de aprovar a nova disciplina, via de regra, dentro de um tempo prefixado, embora possa o juiz, em algumas hipóteses, fazer referência àquela diretriz na solução de alguns casos concretos.

 

As decisões substitutivas censuram um dispositivo na parte em que prevê uma certa conseqüência ao invés de outra, que seria a constitucionalmente adequada. Assim, a Corte Constitucional anula o conteúdo da disposição impugnada e, depois, substitui a parte problemática do dispositivo por um conteúdo diferente.

 

No deslinde das subespécies das decisões intermediárias deve se analisar, em seguida, as as decisões transitivas as quais voltam se para a interpretação de existência de inconstitucionalidade segundo critérios transitivos. Assim é que, muito embora possa uma norma estar eivada de vício de inconstitucionalidade, a declaração de tal condição, por fatores econômicos, políticos e sociais, não interessa ao Estado, de tal sorte a comprometer a supremacia constitucional, balizando se tal decisão com base no importante princípio da proporcionalidade.

 

Seguindo a classificação dada por Sampaio as decisões transitivas se dividem em decisões de inconstitucionalidade sem efeito ablativo; decisões de inconstitucionalidade com ablação diferida; decisões apelativas e decisões de aviso.

 

Decisões de inconstitucionalidade sem efeito ablativo ocorrem quando a retirada da norma inconstitucional demonstrar, na prática, ser mais prejudicial à consecução dos objetivos constitucionais do que sua permanência no mundo jurídico, existe a possibilidade de se declarar o vício da inconstitucionalidade sem retirar a norma do mundo jurídico. Todavia, essa decisão é acompanhada dos seguintes efeitos: (a) suspende todos os processos judiciais, até que uma nova lei venha a ser aprovada pelo legislador; e (b) atribui ao legislador o dever de modificar ou substituir a lei por uma outra dentro de um tempo razoável. Como segue:

 

“Impossibilidade, na espécie, de se dar interpretação conforme à Constituição, pois essa técnica só é utilizável quando a norma impugnada admite, dentre as várias interpretações possíveis, uma que a compatibilize com a Carta Magna, e não quando o sentido da norma é unívoco, como sucede no caso presente. Quando, pela redação do texto no qual se inclui a parte da norma que é atacada como inconstitucional, não é possível suprimir dele qualquer expressão para alcançar essa parte, impõe-se a utilização da técnica de concessão da liminar ‘para a suspensão da eficácia parcial do texto impugnado sem a redução de sua expressão literal’, técnica essa que se inspira na razão de ser da declaração de inconstitucionalidade ‘sem redução do texto’ em decorrência de este permitir ‘interpretação conforme à Constituição’.” (ADI 1.344-MC, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 18-12-1995, Plenário, DJ de 19-4-1996.) No mesmo sentido: ADI 3.046, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 15-4-2004, Plenário, DJ de 28-5-2004. Vide: ADI 3.510, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 29-5-2008, Plenário, DJE de 28-5-2010; ADPF 130, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 30-4-2009, Plenário, DJE de 6-11-2009”.

 

Decisões de inconstitucionalidade com ablação diferida nada mais é do que a possilidade da Corte Suprema modular os efeitos das decisões em controle de constitucionalidade nos termos do art. 27 da Lei 9.868/99. Senão vejamos:

 

“Considerações sobre o valor do ato inconstitucional – Os diversos graus de invalidade do ato em conflito com a Constituição: ato inexistente? ato nulo? ato anulável (com eficácia ex tunc ou com eficácia ex nunc)? – Formulações teóricas – O status quaestionis na jurisprudência do STF. Modulação temporal dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade: técnica inaplicável quando se tratar de juízo negativo de recepção de atos pré-constitucionais. A declaração de inconstitucionalidade reveste-se, ordinariamente, de eficácia ex tunc (RTJ 146/461-462 – RTJ 164/506-509), retroagindo ao momento em que editado o ato estatal reconhecido inconstitucional pelo STF. O STF tem reconhecido, excepcionalmente, a possibilidade de proceder à modulação ou limitação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, mesmo quando proferida, por esta Corte, em sede de controle difuso. Precedente: RE 197.917/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa (Pleno). Revela-se inaplicável, no entanto, a teoria da limitação temporal dos efeitos, se e quando o ST F, ao julgar determinada causa, nesta formular juízo negativo de recepção, por entender que certa lei pré-constitucional mostra-se materialmente incompatível com normas constitucionais a ela supervenientes. A não recepção de ato estatal pré-constitucional, por não implicar a declaração de sua inconstitucionalidade – mas o reconhecimento de sua pura e simples revogação (RTJ 143/355 — RTJ 145/339) –, descaracteriza um dos pressupostos indispensáveis à utilização da técnica da modulação temporal, que supõe, para incidir, dentre outros elementos, a necessária existência de um juízo de inconstitucionalidade. Inaplicabilidade, ao caso em exame, da técnica da modulação dos efeitos, por tratar-se de diploma legislativo, que, editado em 1984, não foi recepcionado, no ponto concernente à norma questionada, pelo vigente ordenamento constitucional.” (AI 589.281-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 5-9-2006, Segunda Turma, DJE de 10-11-2006.) No mesmo sentido: AI 532.232-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 30-6-2009, Segunda Turma, DJE de 14-8-2009”.

 

E ainda:

 

“IPI – Insumo – Alíquota Zero – Creditamento – Inexistência do direito – Eficácia. Descabe, em face do texto constitucional regedor do Imposto sobre Produtos Industrializados e do sistema jurisdicional brasileiro, a modulação de efeitos do pronunciamento do Supremo, com isso sendo emprestada à Carta da República a maior eficácia possível, consagrando-se o princípio da segurança jurídica.” (RE 353.657, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 25-6-2007, Plenário, DJE de 7-3-2008.)

 

 As decisões apelativas visam declarar a constitucionalidade provisória de uma norma, deixando, entretanto, clara a iminência da ocorrência do vício da inconstitucionalidade, em futuro próximo. Assim, a Corte Constitucional faz um verdadeiro apelo ao legislador, para que este possa impedir a superveniência da inconstitucionalidade através de suas funções legislativas. As decisões de aviso, de origem Alemã, “prenunciam uma mudança de orientação jurisprudencial, deixando de ser aplicadas ao caso ou ação no curso do qual são proferidas”. No caso concreto o tema repercutiu gigantemente conforme verifica se em decisão da Suprema Corte:

 

“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 6.893, de 28 de janeiro de 1998, do Estado do Mato Grosso, que criou o Município de Santo Antônio do Leste. Inconstitucionalidade de lei estadual posterior à EC 15/1996. Ausência de lei complementar federal prevista no texto constitucional. Afronta ao disposto no art. 18, § 4º, da CF. Omissão do Poder Legislativo. Existência de fato. Situação consolidada. Princípio da segurança jurídica. Situação de exceção, estado de exceção. A exceção não se subtrai à norma, mas esta, suspendendo-se, dá lugar à exceção – apenas assim ela se constitui como regra, mantendo-se em relação com a exceção. O Município foi efetivamente criado e assumiu existência de fato, como ente federativo. Existência de fato do Município, decorrente da decisão política que importou na sua instalação como ente federativo dotado de autonomia. Situação excepcional consolidada, de caráter institucional, político. Hipótese que consubstancia reconhecimento e acolhimento da força normativa dos fatos. Esta Corte não pode limitar-se à prática de mero exercício de subsunção. A situação de exceção, situação consolidada – embora ainda não jurídica – não pode ser desconsiderada. A exceção resulta de omissão do Poder Legislativo, visto que o impedimento de criação, incorporação, fusão e desmembramento de Municípios, desde a promulgação da Emenda Constitucional 15, em 12 de setembro de 1996, deve-se à ausência de lei complementar federal. Omissão do Congresso Nacional que inviabiliza o que a Constituição autoriza: a criação de Município. A não edição da lei complementar dentro de um prazo razoável consubstancia autêntica violação da ordem constitucional. A criação do Município de Santo Antônio do Leste importa, tal como se deu, uma situação excepcional não prevista pelo direito positivo. O estado de exceção é uma zona de indiferença entre o caos e o estado da normalidade. Não é a exceção que se subtrai à norma, mas a norma que, suspendendo-se, dá lugar à exceção – apenas desse modo ela se constitui como regra, mantendo-se em relação com a exceção. Ao STF incumbe decidir regulando também essas situações de exceção. Não se afasta do ordenamento, ao fazê-lo, eis que aplica a norma à exceção desaplicando-a, isto é, retirando-a da exceção. Cumpre verificar o que menos compromete a força normativa futura da Constituição e sua função de estabilização. No aparente conflito de inconstitucionalidades, impor-se-ia o reconhecimento da existência válida do Município, a fim de que se afaste a agressão à federação. O princípio da segurança jurídica prospera em benefício da preservação do Município. Princípio da continuidade do Estado. Julgamento no qual foi considerada a decisão desta Corte no MI 725, quando determinado que o Congresso Nacional, no prazo de dezoito meses, ao editar a lei complementar federal referida no § 4º do art. 18 da Constituição do Brasil, considere, reconhecendo-a, a existência consolidada do Município de Luís Eduardo Magalhães. Declaração de inconstitucionalidade da lei estadual sem pronúncia de sua nulidade. Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade, mas não pronunciar a nulidade pelo prazo de 24 meses, Lei 6.893, de 28 de janeiro de 1998, do Estado do Mato Grosso.” (ADI 3.316, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 9-5-2007, Plenário, DJ de 29-6-2007). No mesmo sentido: ADI 2.240, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 9-5-2007, Plenário, DJ de 3-8-2007; ADI 3.489, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 9-5-2007, Plenário, DJ de 3-8-2007.

 

Alexandre de Morais afirma que as decisões do Judiciário no controle de constitucionalidade se embasam no texto normativo redigido pelo Legislador Constituinte Originário, fazendo, pois, com que o controle exercido pela Corte Constitucional se presuma como vontade do povo que elegeu o Legislador Originário para elaborar a Constituição.

 

E acrescenta o brilhante constitucionalista que “ao controlar a constitucionalidade das leis elaboradas pelo Legislador Constituído, o Judiciário não estaria infringindo o Princípio da Separação dos Poderes e o Princípio Democrático Representativo, mas sim, garantindo que a vontade soberana do povo, manifestada no texto constitucional, seja respeitada”.

 

Nesse sentido é a lição de Thomas Cooley: “o Poder Judiciário, tendo de decidir qual a lei que deve ser aplicada em determinada controvérsia, pode encontrar a vontade do poder legislativo, conforme é expresso em lei, em conflito com a vontade do povo em conformidade do expresso na Constituição, e as duas se não poderem conciliar. Nesse caso, como o poder legislativo é o conferido pela Constituição, é claro que o poder delegado foi o que se excedeu; que o mandatário não se manteve dentro da órbita do mandato. O excesso, por conseguinte, é nulo e é dever do tribunal reconhecer e fazer efetiva a Constituição como o direito primordial, e recusar-se a dar execução ao ato legislativo, e assim o anular na prática”.

 

Demonstrada a legitimidade do Judiciário para declarar a inconstitucionalidade das leis, resta saber se dentro dessa legitimidade está inserido poder de inovar no ordenamento jurídico, a exemplo das sentenças normativas.

 

Não só pela crise na representação democrática, mas, especialmente, pela necessidade legítima de promover a supremacia constitucional, acredita-se que é legítima a inovação promovida pelo Judiciário. Isso porque os limites dessa inovação, embora não estejam totalmente nítidos, podem perfeitamente ser aclarados, especialmente pelo fato de que as decisões da Corte Constitucional têm de ser necessariamente motivadas.

 

Ademais, o Supremo Tribunal Federal de maneira cristalina e reiterada limita sua ação como legislador negativo e guardião da Constituição Federal, especialmente, resguardando os demais Poderes:

 

“O STF como legislador negativo: A ação direta de inconstitucionalidade não pode ser utilizada com o objetivo de transformar o STF, indevidamente, em legislador positivo, eis que o poder de inovar o sistema normativo, em caráter inaugural, constitui função típica da instituição parlamentar. Não se revela lícito pretender, em sede de controle normativo abstrato, que o STF, a partir da supressão seletiva de fragmentos do discurso normativo inscrito no ato estatal impugnado, proceda à virtual criação de outra regra legal, substancialmente divorciada do conteúdo material que lhe deu o próprio legislador.” (ADI 1.063-MC-QO, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 18-5-1994, Plenário, DJ de 27-4-2001.)

 

“A mera instauração do processo de controle normativo abstrato não se reveste, só por si, de efeitos inibitórios das atividades normativas do Poder Legislativo, que não fica impossibilitado, por isso mesmo, de revogar, enquanto pendente a respectiva ação direta, a própria lei objeto de impugnação perante o Supremo Tribunal, podendo, até mesmo, reeditar o diploma anteriormente pronunciado inconstitucional, eis que não se estende, ao Parlamento, a eficácia vinculante que resulta, naturalmente, da própria declaração de inconstitucionalidade proferida em sede concentrada.” (ADI 2.903, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 1º-12-2005, Plenário, DJE de 19-9-2008.)

 

“A mera instauração do processo de controle normativo abstrato não se reveste, só por si, de efeitos inibitórios das atividades normativas do Poder Legislativo, que não fica impossibilitado, por isso mesmo, de revogar, enquanto pendente a respectiva ação direta, a própria lei objeto de impugnação perante o Supremo Tribunal, podendo, até mesmo, reeditar o diploma anteriormente pronunciado inconstitucional, eis que não se estende, ao Parlamento, a eficácia vinculante que resulta, naturalmente, da própria declaração de inconstitucionalidade proferida em sede concentrada.” (ADI 2.903, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 1º-12-2005, Plenário, DJE de 19-9-2008.)

 

No entanto, há pensamentos em sentido contrário, os quais afirmam que no exame de compatibilidade vertical em sentido formal não se admite temperamentos, ou seja, uma vez descumprido o quórum para a apreciação de emenda constitucional, verbi gratia, não pode a Corte Constitucional invocar preceitos mitigadores da rigidez das normas constitucionais de natureza procedimental.

 

Ademais, deve se observar nos termos do já decidido pelo Supremo Tribunal Federal as limitações impostas ao controle de constitucionalidade sob pena de atacar se o seus próprios fundamentos. Senão vejamos:

 

“Ação direta de inconstitucionalidade. ADI. Inadmissibilidade. Art. 14, § 4º, da CF. Norma constitucional originária. Objeto nomológico insuscetível de controle  de constitucionalidade. Princípio da unidade hierárquico-normativa e caráter rígido da Constituição brasileira. Doutrina. Precedentes. Carência da ação. Inépcia reconhecida. Indeferimento da petição inicial. Agravo improvido. Não se admite controle concentrado ou difuso de constitucionalidade de normas produzidas pelo poder constituinte originário.” (ADI 4.097-AgR, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 8-10-2008, Plenário, DJE de 7-11-2008.)

 

Assim, a supremacia constitucional não se aplica tão somente à atividade legislativa, mas também à executiva e à jurisdicional. Isto quer dizer, em essência, que os efeitos decorrentes da posição da Constituição no ordenamento jurídico devem vincular a atividade do Juiz, de tal modo que se vontade do Constituinte não se compatibilizar com a declaração de inconstitucionalidade uma lei ou com a sua retirada do ordenamento jurídico, opção não restará ao julgador das relações jurídicas, senão cumprir aquilo idealizado pela mais alta norma de uma sociedade política organizada.

 

 

* Ravênia Márcia de Oliveira Leite, Delegada de Polícia Civil – PCMG. Bacharela em Direito e Administração pela Universidade Federal de Uberlândia. Pós graduada em Direito Público – Universidade Potiguar. Pós graduada em Direito Penal e Processo Penal – Universidade Gama Filho.

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Ravênia Márcia de Oliveira. Decisões Intermediárias de Constitucionalidade. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/decisoes-intermediarias-de-constitucionalidade/ Acesso em: 25 abr. 2024