Direito Constitucional

Discriminação – Um Ensaio à Luz da Constituição Vigente

Discriminação – Um Ensaio à Luz da Constituição Vigente

 

 

Antonio de Jesus Trovão*

 

 

“É o sofrimento, e só o sofrimento, que abre no homem a compreensão interior.” Ghandi.

“A opressão nunca conseguiu suprimir nas pessoas o desejo de viver em liberdade”. Dalai Lama.

 

 

Discriminar significa “fazer uma distinção”. Existem diversos significados para a palavra. O significado mais comum, no entanto, tem a ver com a discriminação sociológica: a discriminação social, racial, religiosa, sexual, étnica ou especista.

 

O direito ao trabalho vem definido na Constituição Federal como um direito social, sendo proibido qualquer tipo de discriminação que tenha por objetivo reduzir ou limitar as oportunidades de acesso e manutenção do emprego.

 

A Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho considera discriminação toda distinção, exclusão ou preferência que tenha por fim alterar a igualdade de oportunidade ou tratamento em matéria de emprego ou profissão. Exclui aquelas diferenças ou preferências fundadas em qualificações exigidas para um determinado emprego.

 

Há duas formas de discriminar: a primeira, visível, reprovável de imediato e a segunda, indireta, que diz respeito a prática de atos aparentemente neutros, mas que produzem efeitos diversos sobre determinados grupos.

 

A discriminação pode se dar por sexo, idade, cor, estado civil, ou por ser a pessoa, portadora de algum tipo de deficiência. Pode ocorrer ainda, simplesmente porque o empregado propôs uma ação reclamatória, contra um ex-patrão ou porque participou de uma greve. Discrimina-se, ainda, por doença, orientação sexual, aparência, e por uma série de outros motivos, que nada têm a ver com os requisitos necessários ao efetivo desempenho da função oferecida. O ato discriminatório pode estar consubstanciado, também, na exigência de certidões pessoais ou de exames médicos dos candidatos a emprego. O legislador pátrio considera crime o ato discriminatório, como se depreende das Leis nºs 7.853/89 (pessoa portadora de deficiência), 9.029/95 (origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, idade e sexo) e 7.716/89 (raça ou cor).

 

O Ministério Público do Trabalho, no desempenho de suas atribuições institucionais tem se dedicado a reprimir toda e qualquer forma de discriminação que limite o acesso ou a manutenção de postos de trabalho. Essa importante função é exercida preventiva e repressivamente, através de procedimentos investigatórios e inquéritos civis públicos, que podem acarretar tanto a assinatura de Termos de Compromisso de Ajustamento de Conduta, em que o denunciado se compromete anão mais praticar aquele ato tido como discriminatório, como a propositura de Ações Civis. Atua também perante os Tribunais, emitindo pareceres circunstanciados, ou na qualidade de custus legis, na defesa de interesse de menores e incapazes, submetidos à discriminação.

 

Através da Coordenadoria Nacional de Promoção de Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho a Procuradoria Geral do Ministério Público do Trabalho objetiva integrar as Procuradorias Regionais, em âmbito nacional, para estabelecer ações estratégicas de atuação efetiva.

 

A Procuradoria Regional do Trabalho da 2ª Região conta com núcleo específico composto por Procuradores da Codin – Coordenadoria de Defesa dos Direitos Difusos e Indisponíveis, para coibir as práticas discriminatórias. Todas as denúncias são apuradas porque um simples ato pode representar uma prática habitual. A conduta fundada no preconceito não caracteriza ofensa a direito individual apenas, mas lesão potencial a todos os que venham a se encontrar em determinada situação.

 

 

01. DISCRIMINAÇÃO X PRECONCEITO.

 

Na esfera do direito, a Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 1966, em seu artigo 1º, conceitua discriminação como sendo: “Qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor descendência ou origem nacional ou étnica que tenha o propósito ou o efeito de anular ou prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício em pé de igualdade de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, económico, social, cultural ou em qualquer outro domínio da vida pública.”

 

Deve-se destacar que os termos discriminação e preconceito não se confundem, embora a discriminação tenha muitas vezes sua origem no simples preconceito.

 

Ivair Augusto Alves dos Santos (1) afirma que o preconceito não pode ser tomado como sinonimo de discriminação, pois esta é fruto daquela, ou seja, a discriminação pode ser provocada e motivada por preconceito. Diz ainda que:Discriminação é um conceito mais amplo e dinâmico do que o preconceito. Ambos têm agentes diversos: a discriminação pode ser provocada por indivíduos e por instituições e o preconceito, só pelo indivíduo. A discriminação possibilita que o enfoque seja do agente discriminador para o objecto da discriminação. Enquanto o preconceito é avaliado sob o ponto de vista do portador, a discriminação pode ser analisada sob a óptica do receptor.

 

Portanto, pode-se observar que apesar de serem corriqueira mente confundidos, a discriminação e o preconceito são etimologicamente diferentes, posto que um decorre da prática do outro.

 

 

02. OS DIVERSOS CONCEITOS A SEREM CONSIDERADOS.

 

A análise do tema em questão nos remete, imediatamente, à necessidade de estabelecer-se a distinção e definição de alguns termos que, interligados entre si, compõe o quadro de conceituação a ser abordado de forma mais científica neste pequeno opúsculo.

 

Esta necessidade visa, primeiramente, evitar opiniões de natureza emocional ou ideológica, gerando o inevitável risco da generalização e, até mesmo à banalização deste tema tão em voga nos últimos tempos.

 

Ademais, a realidade social exige que estes conceitos sejam retidos em nossa mente com a finalidade de compreender sua funcionalidade no cotidiano, especialmente para que tenhamos a plena consciência da imperatividade de que estes sejam evitados, combatidos e colocados à frente de ações afirmativas plenas e efetivas.

 

Preconceito – É um julgamento prévio (ou pré-julgamento), de uma pessoa com base em esteriótipos, ou seja, simples carimbo (ou rótulo). Este conceito prévio nada mais é que preconceito. Qualquer atitude eivada de negatividade ou desfavorabilidade para com uma pessoa ou grupo de pessoas que é caracterizado por esteriótipos ou crenças cujo fundamento remonta à opiniõessem base histórica ou mesmo científica.

 

Trata-se de proferir um julgamento sobre uma pessoa, uma idéia ou uma crença cuja resultante nasce dentro do próprio indivíduo e cujas conseqüências são reverberadas ao longo de todo o tecido social. Localiza-se na esfera da consiência ou ainda na afetividade humanas e, por esta razão não fere qualquer espécie de direitos, até mesmo porque ninguém é obrigado a gostar ou desgostar dede um portador de deficiência, de um homossexual, de um idoso, de um índio ou de um afro-descendente, porém todos são obrigados à respeitá-los.

 

Racismo – Versa sobre uma doutrina ou ideologia que defende e justifica a existência de hierarquia entre grupos humanos. Ou seja, admite a possibilidade de que algumas raças possam ser superiores à outras, permitindo à estas ditas superiores o direito de dominação sobre aquelas tidas como inferiores. Procuram, por suas próprias razões, justificar o direito de exploração e dominação sobre determinados grupos humanos, seja pela via econômica ou social, seja pela via histórica que caracterizou o Século XIX.

 

Esteriótipo – É uma conseqüência do preconceito, já que após atribuir-lhe um “carimbo”, as pessoas deixam de avaliar os membros dessses grupos por suas reais e efetivas qualidades, julgando-os apenas pelo respectivo carimbo.

 

Discriminação – Esta depende de uma conduta (ação ou omissão), que resulta em direta violação de direitos com base em raça, sexo, idade, estado civil, deficiência física ou mental, opção religiosa e outros.

 

A Constituição Federal de 1988 procurou alargar as medidas proibitivas de práticas discriminatórias como se vê no inteiro teor do artigo 3º.

 

Como vimos nesta primeira parte de nossa análise, temos que nascido um preconceito sobre um determinado grupo social, estabelece-se a formação de um esteriótipo que, algumas vezes (ou melhor, na maioria delas) evolui para uma concecpção prioritariamente racista, ocasionando práticas discriminatórias que, por via de conseqüência, deságuam na intolerância entre indivíduos.

 

Entretanto, cabe aqui um questionamento bastante relevante: porque um ato oriundo meramente da psiquê humana (que é o caso do preconceito), pode evoluir para algo tão abjeto e detestável como a discriminação e o racismo.

 

 

03. ESCALA DE ALLPORT

 

Escala de Allport é um método para medir o preconceito numa sociedade. Também é conhecida por Escala de Preconceito e Discriminação de Allport ou Escala de Preconceito de Allport. Ela foi descrita pelo psicólogo Gordon Allport em seu livro The Nature of Prejudice (1954).

 

3.1 A ESCALA

 

A Escala de Allport vai de 1 a 5.

 

Nível 1 – Antilocução

Antilocução significa um grupo majoritário fazendo piadas abertamente sobre um grupo minoritário. A fala se dá em termos de estereótipos negativos e imagens negativas. Isto também é chamado de incitamento ao ódio. É geralmente vista como inofensiva pela maioria. A antilocução por si mesma pode não ser danosa, mas estabelece o cenário para erupções mais sérias de preconceito. Por exemplo, piadas sobre portugueses (no Brasil), brasileiros (em Portugal), negros, gays etc.

 

Nível 2 – Esquiva

O contato com as pessoas do grupo minoritário passa a ser ativamente evitado pelos membros do grupo majoritário. Pode não se pretender fazer mal diretamente, mas o mal é feito através do isolamento.

 

Nível 3 – Discriminação

O grupo minoritário é discriminado negando-lhe oportunidades e serviços e acrescentando preconceito à ação. Os comportamentos têm por objetivo específico prejudicar o grupo minoritário impedindo-o de atingir seus objetivos, obtendo educação ou empregos etc. O grupo majoritário está tentando ativamente prejudicar o minoritário.

 

Nível 4 – Ataque Físico

O grupo majoritário vandaliza as coisas do grupo minoritário, queimam propriedades e desempenham ataques violentos contra indivíduos e grupos. Danos físicos são perpetrados contra os membros do grupo minoritário. Por exemplo, linchamento de negros nos Estados Unidos da América, pogroms contra os judeus na Europa, e a aplicação de pixe e penas em mórmons nos EUA dos anos 1800.

 

Nível 5 – Extermínio

O grupo majoritário busca a exterminação do grupo minoritário. Eles tentam liquidar todo um grupo de pessoas (por exemplo, a população dos índios norte-americanos, a Solução Final para o Problema Judeu, a Limpeza Étnica na Bósnia etc).

 

 

04. A PRÁTICA DISCRIMINATÓRIA.

 

Como podemos observar a nível prático e cotidiano, a prática discriminatória nasce, quase sempre, de atitudes simplistas porém eivadas de preconceito estabelecido a partir de práticas sistematicamente repetidas com o intuito de minimizar, ou mesmo, desprezar pessoas dentro do grupo social. Consiste em agir de forma a demonstrar às escâncaras que aquela pessoa ou mesmo aquele grupo possui atributos negativos em face dos demais, cujos efeitos tornam estes indivíduos menores, ou melhor, “menorizados”, perante os demais.

 

“O termo discriminação abarca qualquer distinção, exclusão, limitação ou preferência que, por motivo de raça, cor, sexo, língua, opinião pública, ou qualquer outra opinião, origem nacional ou social, condição econômica ou nascimento, tenha por objeto ou efeito destruir ou alterar a igualdade de tratamento em matéria de ensino.” (Convenção Relativa à Luta Contra a Discriminação no Campo do Ensino – adotada pela conferência Geral da UNESCO em Paris, 1960 – promulgada pelo Decreto nº. 63.223 de 06 de setembro de 1968 (2).

 

Por distinção, exclusão, limitação ou preferência, devemos admitir qualquer prática que vise exclusivamente discriminar (menorizar, inferiorizar) outros indivíduos, mesmo que tal prática nasça, por exemplo, de um ato jocoso cometido de forma inicialmente leviana e descontraída, passando, a seguir, por meio de métodos repetitivos e dispersivos entre o grupo a admitir um esteriotipo sobre aquelas pessoa ou pessoas de um determinado segmento social.

 

Assim, se considerarmos um superior hierárquico em uma estrutura produtiva (fábrica ou indústria), que sistematicamente emite a viva voz opiniões jocosas ou mesmo hilárias sobre um funcionário que, por qualquer motivo possua alguma inabilidade ou ausência de destreza no desepenho de suas funções, pode ser considerado o primeiro estágio do processo discriminatório (preconceito), principalmente se estas opiniões tornaram-se, ao longo do tempo, uma prática constante que por si só seja capaz de causar mal-estar não apenas na vítima objeto das considerações, como também nos demais integrantes do grupo de trabalho.

Veja bem que não se trata de um fato isolado, considerado apenas em seu próprio conteúdo, mas sim uma prática (ação preconceituosa) que dá início a um processo que, lamentavelmente, tende a evoluir de forma maligna, quase como uma doença que se alastra pelo corpo de um indivíduo.

 

Os danos – a nível psicológico e fisiológico – somente podem ser mensurados após uma criteriosa análise do perfil do indivíduo afetado pelo ato discriminatório, sendo certo que, na maioria das vezes, tais danos serão de caráter irreversível.

 

A todo o momento em que estabelecemos um preconceito, ou seja, rotulamos alguém por uma determinada característica física, social ou moral, estamos, via de conseqüência, discriminando não apenas aquela pessoa ou indivíduo, mas também aqueles que, por qualquer simpatia ou similaridade encontrem-se na mesma situação. Deste modo, estaremos estabelecendo uma distinção de caráter eminentemente negativo em face de outro indivíduo, procurando criar, a partir desta distinção (preconceito) um preceito discriminatório, ensejando que todos que estejam ao nosso lado, além de perceberem tal distinção, assimilem-na para si próprios, vinculando aquela característica à uma certa qualidade discriminatória eventual se e quando necessário.

 

Pois bem. Na verdade o que se almeja é a segregação, a separação destes daqueles com vistas ao estabelecimento de um regime de controle, ou melhor, um regime de poder que, paulatinamente, tomará os contornos neste sentido. Querendo ou não, aqueles que estão sendo discriminados a partir de um preconceito estabelecido, estarão sujeitos tanto a atos discriminatórios, como  também ações segregacionistas, atendendo precipuamente o princípio do “dividir para conquistar”. E não nos esqueçamos que a história elenca inúmeros elementos de prova de que o ato de preconceituação conduz à discriminação e, por sua vez, uma ação segregacionista.

 

Alguns especialistas (antropólogos e sociólogos), acreditam que tal comportamento pertença à natureza humana. Tomemos como exemplo o belissímo texto de Simon Schwartzman (*) a respeito do assunto:

O projeto de lei da Senadora Benedita da Silva, de tornar obrigatório o registro da cor das pessoas nos documentos de identidade, nos registros escolares, nos registros hospitalares e nos registros policiais (3) , é uma tentativa de intensificar, pela via legal e administrativa, a afirmação da identidade negra que no Brasil. A justificativa é a persistência das diferenças de raça no país, e a necessidade de “quantificar e especificar a população negra, contribuindo também para a formação da consciência, de nossa sociedade e da sua pluralidade”. Apesar da boa intenção, a proposta é muito problemática, e pode acabar criando uma situação extremamente difícil, e não contribuindo para os objetivos a que se propõe.

Existe uma grande diferença entre o que ocorre com os grandes números, no nível da estatística, e o que ocorre com as pessoas, e o projeto não toma isto em consideração. Sabemos, por exemplo, que as pessoas gordas correm mais risco de terem problemas coronarianos do que as demais, e isto deve ser estudado estatisticamente. Não teria sentido, no entanto, exigir que estas pessoas tivessem a identidade de “gordo” registrada em suas carteiras. No passado, e ainda hoje em muitas sociedades, as pessoas eram separadas em grupos fechados, e a identidade de cada um era definida de forma clara e inequívoca, já que, quase sempre, quem era de determinada raça era também de determinada religião, morava em determinada área, falava determinada língua, e assim por diante. Nas sociedades modernas, as identidades tendem a ser muito mais confusas, muito menos predeterminadas, e depende, muitas vezes, da opção de cada um. Para mulheres ativas nos movimentos feministas, a identidade feminina pode ser aquilo que elas preferem acentuar, e a através da qual elas querem ser identificadas. Para os participantes dos movimentos gays ou lésbicos, o que predomina é a preferência sexual. Para os religiosos de determinados grupos, a marca principal é a religião; para os profissionais, vale a profissão; para os membros do movimento negro, é a raça, ou a cultura de origem africana, que identifica as pessoas acima de tudo. Tornar obrigatória e oficial uma destas possíveis identidades – neste caso, a raça, expressa como “cor” – pode ser um passo no sentido de obrigar as pessoas a assumir uma identidade que elas podem preferir não ressaltar, por que entendem que sua inserção na sociedade se dá por outras vias. O mesmo argumento sobre a obrigatoriedade da “cor” nos documentos poderia se ampliado para a obrigatoriedade do registro da preferência sexual, religiosa, constituição física, origem e assim por diante, consistindo em uma intromissão indevida do direito das pessoas por optar e administrar sua própria forma de inserção na sociedade.

 

(*) – (Simon Schwartzman, nascido em Belo Horizonte é Presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade no Rio de Janeiro. Foi, entre 1994 e 1998, Presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)e, entre 1999 e 2002, diretor para o Brasil do American Institutes for Research.Estudou sociologia, ciência política e administração pública na Universidade Federal de Minas Gerais  (1961); tem um mestrado em sociologia pela Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (FLACSO), Santiago do Chile (1963); e Ph. D. em ciência política pela Universidade da Califórnia, Berkeley  (1973). Home page: http://www.schwartzman.org.br.

 

Ou seja, se estabelecermos critérios amplos para estabelecimentos sociais neste e em qualquer outro sentido, estaremos criando condições mais que propícias para que preconceito venha a se tornar discriminação, constatando-se como ação de caráter negativo em sua substância. Como já sabidamente dizia HANNAH ARENDT:

Compreender, para Arendt, significava enfrentar sem preconceitos e com atenção a própria realidade, qualquer que fosse, e resistir a ela, em vez de negar a atrocidade ou atribuí-la a precedentes históricos (Birulés 1997). Se, para compreender, é necessário evitar os preconceitos, essa compreensão tampouco pode produzir uma verdade absoluta, já que consiste em um empreendimento sempre inacabado, mediante o qual, ao estarmos submetidos a constantes mudanças, nos reconciliamos com a realidade e procuramos estar no mundo (Arendt 1953). Em lugar de esquivar-se das tensões entre liberdade e compromisso político, ou de privilegiar um lado do dilema moderno, Arendt buscou, ao longo de toda a sua vida, uma forma de conciliar a liberdade individual de movimento e pensamento com a percepção de um mundo, ao mesmo tempo, plural e compartilhado.

(in: http://www.culturajudaica.org.br/01b/visualizar.asp?id=444&sec=PERSONALIDADES).

Na mesma vertente a ilustre pensadora moderna continua em suas considerações sobre o tema:

Arendt considera que a identidade tratada aqui como (interesse e ideologia comuns) é o que faz as pessoas se agruparem, neste sentido a ameaça advém de sua própria constituição, capazes de destruir qualquer diferença contrária às convicções que confessam. Para ela, o desprezo pelo “outro”, o afastamento, a exclusão, são subprodutos do preconceito, cuja evitação é constituída na medida da grande ameaça ao grupo, e na manutenção de seus propósitos e ideologias.

(In http://www.am.unisal.br/publicacoes/pdf/artigo-prof-crispim.pdf ).

Razão de ser destas considerações expendidas pela autora em análise refere-se especificamente ao medo do “outro”, posto que o outro seja um desconhecido distante e desconectado da nossa realidade, caminhando em nossa direção e nos deixando atônitos quanto à suas intenções, até mesmo porque, por conjecturas de caráter atávico, somos sempre (eternamente) tomados de imenso temor em face do outro – seja ele quem for e sejam elas quais forem as suas intenções – sabidamente porque estaremos nos expondo para alguém que não conhecemos. E, deste modo, estaremos expondo não apenas nosso físico, mas também nosso emocional e nosso psicológico. O medo do outro (e não pelo outro) faz com que os sintamos sempre alertas e, porque não existe qualquer outra alternativa em face do desconhecido (outro) senão evitá-lo, ignorá-lo, ou ainda, destruí-lo antes que ele assim o faça.

 

Tais considerações nos fazem meditar sobre a possibilidade efetiva de que o ato preconceituoso é o núcleo do qual nascerá a discriminação, o racismo, e, finalmente, a segregação. Alega-se que o desconhecimento do outro nos coloca nesta posição defensiva/destrutiva que, até onde podemos discernir, não é um bom fruto a ser colhido, mas que, necessariamente, deverá sê-lo pelo simples motivo de que a natureza humana assim o exige.

 

 

05. DO ATO AO FATO.

 

A partir do pequeno escopo acima percebemos que o ato preconceituoso, praticado na maior parte das vezes de forma quase que inocente nascida da opinião pessoal e pouco elogiosa que temos a respeito de alguém ou de algum grupo determinado, induz, ao longo de sua repetição e por sucessivas disseminações ao longo do tecido social, ao fato discriminatório, cuja carga deixa de ser meramente distintiva de ordem pessoal e íntima, para ser uma percepção a respeito de alguém ou algumas pessoas, buscando estabelecer uma relação estereotipada para diminuir ou menosprezar a origem do ato.

 

 Forma de autoritarismo social de uma sociedade doente. Normalmente o preconceito é causado pela ignorância, isto é, o não conhecimento do outro que é diferente. O preconceito leva à discriminação, à marginalização e à violência. Estas atitudes vem acompanhadas por teorias justificativas. O racismo e o etnocentrismo defendem e praticam a superioridade de povos e raças.

               Alguns preconceitos étnicos: “Todo cigano é ladrão.”  “O judeu é perverso”: v. Anti-semitismo. “Os índios em geral são improdutivos e preguiçosos”;  “Todo negro é adepto de feitiçaria”. Outros preconceitos: a mulher no volante e o velho vagaroso são ridicularizados e acabam excluídos. Há patrões que defendem: “A todo operário falta a inteligência”. O pobre que “nada tem” (não contribui financeiramente, não compra, não paga imposto) e “nada sabe”, é marginalizado na sociedade. Não vendo a sua participação valorizada, ausenta-se. Em seguida, os pobres são acusados de apatia, preguiça, ingenuidade e de fuga nas festas. Finalmente lembramos aqui os preconceitos moralistas contra o corpo nu, contra a dança, a umbigada. E o preconceito contra a magia. 

(in): http://www.religiosidadepopular.uaivip.com.br/preconceito.htm).

 

O fato gerado pelo ato, inicialmente, como já dissemos inocente ou não intencionado, possui dentro de si uma enorme carga destrutiva, ou melhor, uma carga de controle relativamente a quem quer deter alguma forma de controle sobre outrem, estabelecendo uma sutil ordem de comando e obediência que nasce no indivíduo que almeja, de alguma forma controlar, ou sobrepujar-se sobre outrem, demonstrando de modo inequívoco que ele retém o outro quase como um refém de sua própria vontade, deixando bem claro que aquele indivíduo sob controle é inferior em face de seu controlador. Veja que não se trata de uma relação similar a de criador e criatura, já que neste aspecto existem laços mais dóceis que ligam um ao outro.

 

O delineamento rascunhado na relação de poder a partir da discriminação nascida do preconceito possui traços bem mais fortes, mais calcados, mais definidos, inclusive no que se refere aos interesses existentes em jogo entre dominador e dominado (ou subjugado). O discriminador precisa de todas as formas demonstrar continuamente que o seu “ex-adverso”, além de inferior, deve ser submetido, porque, caso estivesse por sua própria conta estaria, inevitavelmente, condenado à obscuridão, ao ostracismo, e, por fim, à morte por inanição.

 

Sempre que houver interesses não apenas materialmente demonstráveis, mas também, e em especial, interesse que transcendem a vontade de ter, caminhando em direção à vontade de querer, está no lodaçal existente no universo da discriminação, criando diversos estágios e sucessões de ocorrências que são por si próprias, capazes de submeter alguém aos desejos e ânsias de outrem. E o custo desta relação perversa e ignóbil deságuam nas estruturas sócias diferenciadas como castas, ocasionando as enormes valas da desigualdade social.

 

Observe que pobreza falta de informação, analfabetismo, dificuldade de acesso à informação e aos serviços essenciais, são as piores forma de discriminação, já que em seu interior carregam o núcleo de um preconceito em princípio inocente, criado a partir de estereótipos originários da mente humana, com elevada dose de jocosidade e malícia e pouca base filosófica que a justifique. Aliás, mais se parece como uma infecção que nasce em um individuo que, na verdade, está doente, a tinge outro saudável e que passa a ser mais doente do que aquele que o contaminou. Os efeitos colaterais e os sintomas são distintos para cada caso: raça, credo religioso, opção sexual, cultura, etnia, comportamento e se bem observarmos, a cada dia surgirá uma nova forma de preconceito que evoluirá naturalmente em direção à discriminação.

 

 

 

06. AS CONSEQÜÊNCIAS.

 

Não nos parece muito difícil que a análise deste evento seja plenamente capaz de gerar conseqüências desastrosas que se reproduzem por todo o meio social, econômico e político. Capacidades de absorção de um fenômeno como estes nem sempre são aquelas com as quais todos os indivíduos sabem lidar da melhor forma, razão pela qual a Ciência do Direito é chamada à cena a fim de regular tais efeitos. Isso porque sendo o Direito a Ciência das Relações Humanas, não visando apenas regulá-las, mas também e principalmente ordenar seus efeitos e conseqüências com o pleno intuito de manutenção da paz social (e isto não deve ser tomado como algo meramente utópico, em especial neste caso), proporcionando uma melhor inter-relação dentro da coexistência humana.

 

Todavia, que conseqüências podemos sentir como decorrente do ato preconceituoso e do fato discriminatório? Provavelmente, a principal delas seja a criação de uma variante de desigualdade que se perpetua por todas as esferas, ocasionando atritos e conflitos de toda a espécie. E não apenas aqueles de caráter material, que via-de-regra podem ser sanados através da responsabilização civil, tirante o aspecto criminal envolvido.

 

Há aqueles decorrentes de dano moral e psicológico, cujas decorrências são sentidas diretamente pelo indivíduo que dentro do seu “eu interior”, absorve a discriminação, assim como o preconceito, como uma marca em brasa que lhe fere profundamente, fazendo com que ele se ressinta com tal intensidade que a única reparação aceitável é aquela que seja capaz de devolver-lhe a dignidade.

 

E como o Direito, assim como a Justiça pode valer-se de instrumentos capazes de suprir uma deficiência.

 

A de tal tamanho? Uma das respostas que encontramos está sediada no princípio da igualdade, insculpido no texto constitucional, em especial no caput do artigo 5º, o qual a seguir transcrevemos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…).

 

Perscrutando o texto acima, imediatamente salta aos olhos a observação de que não é um caminho de mão dupla, pois trata-se de um texto jurídico de ordem impositiva e por este pressuposto deve ser assim considerado. Ou seja, não é pela via da igualdade que devemos considerá-lo, mas sim pela via inversa – da desigualdade – obtendo um resultado que possa ser sentido pelos cidadãos. Aliás, oportuna a colocação do mestre CALMON DOS PASSOS (4), que abaixo tomamos a liberdade de reproduzir:

Acredito ser possível assentar a seguinte orientação: a igualdade substancial é um objetivo constitucionalmente tutelado. Mas como igualar substancialmente pessoas entre si tão diferenciadas? A única solução é desigualá-las em termos jurídicos para que através desse desigual tratamento se obtenha maior igualdade substancial. Desigualar nesses termos é permanecer fiel ao princípio constitucional da igualdade e seu consectário lógico, o princípio de não discriminação. Desigualar em termos diversos é discriminar, o que está constitucionalmente vetado. Ali, o tratamento desigual deixou de ser discriminador, por ter produzido maior igualdade como resultado. Na segunda hipótese, o tratamento desigual se macula de inconstitucionalidade, por oferecer como resultado a manutenção da desigualdade anterior ou sua exasperação, ou a instituição de desigualdade nova antes inexistente.

 

E ainda, arremata o insigne jurista:

 

“A mim se afigura que a coluna mestra dessa construção hermenêutica, em matéria do princípio de não discriminação, é o ter-se presente, sempre, que o tratamento desigual só se legitima quando dele resulta maior igualdade em termos substanciais”.

 

Deflui-se, assim, que a aplicação do princípio constitucional da igualdade (ou não-discriminação), tem por finalidade primordial restabelecer o equilíbrio necessária não apenas na relação jurídica existente como também assegurar que a infração objeto de reparação não mais ocorra naquela relação e em quaisquer outras similares à ela.

 

Ousando uma pequena conclusão deste tópico, devemos ter sempre em mente que o princípio da igualdade deve ser tomado em toda a sua extensão, porém não de forma absoluta e direta, mas sim de forma relativa e indireta com a meta de assegurar que esta igualdade reflita não apenas o pensamento dos Tribunais, dos Juízes e dos advogados. Ele deve ser tomado do modo mais amplo possível, sem quaisquer hesitações, temores ou dúvidas, pois aí repousa a Segurança Jurídica que abarca todo o sistema jurídico positivado existente. Acreditarmos em algo diferente disso seria não apenas ousado, mas de forma inequívoca algo impensável nos dias atuais.

 

 

07. ALGUNS DISPOSITIVOS NÃO IGUALADOS.

 

Uma pergunta recorrente nos dias atuais e muito próxima de nossa digressão, tem relação com o sistema de cotas adotado pelo Governo Federal para admissão de estudantes junto às Universidades Públicas, constante do teor íntegro da lei Federal nº. 10.558/2002, cujo arcabouço estabelece a criação deste sistema, conforme descrito em seu artigo 1º, e orientado para a possibilidade de acesso de alunos oriundos de grupos socialmente desfavorecidos, especialmente afro-descendentes e populações indígenas.

 

Inicialmente, vamos estabelecer que a expressão “grupos socialmente desfavorecidos”, além de genérica e difusa impede qualquer interpretação restritiva aos moldes da hermenêutica constitucional; ou seja, a análise desta expressão deve contentar todos aqueles que se encontrem inseridos em tais grupos, sendo certo que o desfavoreci mento social não se coaduna com outro meio de interpretação que não ele próprio.

 

Assim sendo, a pergunta imediata é: os jovens advindos de escolas públicas são membros deste grupo? Perigosa seria qualquer resposta imediata e destituída de capacidade analítica, posto que tal desfavoreci mento não deve decorrer apenas do convencimento de que, sendo ele aluno de escola pública tem assegurado o direito de obter uma vaga disponível em Universidade Pública.

 

Porém, não nos esqueçamos do analisado em tópico anterior cujo objetivo era restabelecer a igualdade a partir da desigualdade, e, nesta ilação, obteremos a validade deste pressuposto como meio de reintegração do indivíduo ao meio social do qual foi excluído por pertencer ao dito grupo socialmente desfavorecido.

 

A inclusão social de um indivíduo deveria ser algo natural, sem qualquer espécie de tratamento forçado ou mesmo a partir de critérios legais, posto que esta também é uma tarefa constitucionalmente delegada ao Estado que deve através de seus mecanismos assegurar este processo inclusivo, eliminando as desigualdades sociais existentes. Fazê-lo através de um sistema de cotas é o mesmo que criar uma desigualdade dentro de outra, potencializando não apenas a celeuma em torno do assunto, como também evidenciando sua ineficiência em face de suas próprias atribuições.

 

A colocação pode parecer crítica ao extremo, conduzindo o nível do assunto a um patamar mais conflituoso e ambíguo, ensejando mais e mais discussões e dúvidas a respeito. É certo que a pretensão deste trabalho não é essa e nem mesmo a de encontrar a pedra de toque capaz de solucioná-lo de uma vez por todas. Seguindo uma linha de raciocínio lógico-jurídico, a intenção é estabelecer que a criação de uma desigualdade inserida em outro contexto de mesma origem é o mesmo que tentar solver-se um problema com outro.

 

Não há sombra de dúvidas que o sistema é discriminatório, beirando as raias da segregação, inclusive porque ao utilizar termos como aquele acima analisado, acrescido do “especialmente afro-descendentes e populações indígenas”, está-se criando uma base preconceituosa, ou melhor, discriminatória, posto que tais indivíduos encontram-se sediados em um determinado grupo social privilegiado em face dos demais. Que análise se sustenta a partir deste pensamento, considerando-se que isto nada mais é que uma discriminação inserida em outra? Acreditar-se que tal sistema queira viabilizar a ascensão social desses grupos, sem que este evento possua em si próprio uma carga discriminadora, é o mesmo que crer na possibilidade de que a inclusão social seja um mecanismo simplório de inserir indivíduos dentro de um meio integrado sem que estes estejam plenamente qualificados e capacitados para enfrentar as dificuldades de desarranjos provenientes não de ato discriminador ou segregacionista, mas sim apenas de tornar-se capaz de competir com eficiência e qualidade em um meio capitalista que preme por indivíduos cada vez mais aptos a adaptar-se.

 

Que nos perdoem aqueles que possam repudiar nossas considerações, obliterando que estamos a serviços de interesses escusos ou exclusivos. Não há qualquer receio em relação a isto, até mesmo porque a análise acima está completamente destituída de ânimo, e apenas revela a sua intenção mais precípua de elucidar e propor o que o sábio ARISTÓTELES já denominava de “o caminho do meio”, como melhor forma de solução de conflitos.

 

Ademais, seria ingênuo admitir-se que o estabelecimento deste sistema de cotas seria, por suas próprias razões, elemento suficiente e necessário para extinguir com a exclusão social através do ensino. Pensadores renomados no campo da educação são uníssonos em afirmar que a própria educação já é, por si, um meio de eliminação de desigualdades, atribuindo a alunos e professores a capacidade natural de integrarem-se com vistas à um objetivo comum, obter progresso com paz social. Não se trata de um pensamento meramente utópico, uma mensagem sem substância. Trata-se da mais insigne simbologia de que apenas através da educação é que se eliminam barreiras de qualquer ordem, e que o acesso à educação de boa qualidade deve ser a todos assegurado, motivando o surgimento de pessoas mais integradas e capazes de integrar, de multiplicar oportunidades, independentemente de sua cor de pele, religião, etnia, credo filosófico ou de qualquer outra ordem.

 

Cremos ainda que o estabelecimento desta política de cotas, fosse capaz de vingar qual semente boa, deveria ser reproduzido também para o Sistema Público de Saúde, para os benefícios sociais, para a moradia e habitação e demais subsistemas constante da política social inserida na Magna Carta. E, se desta forma fossem eles tratados, teríamos mais e mais discriminações inseridas em outras.

 

 

08. A DISCRIMINAÇÃO PELA OPÇÃO SEXUAL.

 

Há muito tempo, ouvimos dizer que as preferências sexuais de cada um são coisas que dizem respeito apenas a ela e que ninguém pode ou deve interferir. Trata-se de uma máxima consagrada pelo uso popular que traz dentro de si uma verdade e uma mentira: de fato a vida privada do cidadão é protegida pela Constituição, assegurando-lhe o direito de ter proteção ante ameaças ou abusos cometido por ente públicos ou privados, conforme dispõe o inciso X do artigo 5º da Magna Carta vigente. De outro lado, há o aspecto a ser considerado sobre o momento em que as preferências sexuais de alguém se tornam objeto – passivo ou ativo – de abusos cometidos tanto pelo próprio indivíduo ou contra ele. Neste momento exige-se o direito à reparação pelo dano gerado contra ou por alguém.

 

Vejamos, preliminarmente, o conceito de liberdade que é fundamental para nosso entendimento a respeito deste tópico.

 

Na concepção gramatical da palavra, verificamos os seguintes significados, segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira:

 

Liberdade. [Do lat. libertate] S. f. 1. Faculdade de cada um se decidir ou agir segundo a própria determinação: Sua liberdade, ninguém a tolhia. 2. Poder de agir, no seio de uma sociedade organizada, segundo a própria determinação, dentro dos limites impostos por normas definidas: liberdade civil; liberdade de imprensa; liberdade de ensino. 3. Faculdade de praticar tudo quanto não é proibido por lei. 4. Supressão ou ausência de toda a opressão considerada anormal, ilegítima, imoral: Liberdade não é libertinagem; Liberdade de pensamento é um direito fundamental do homem. 5. Estado ou condição de homem livre: dar liberdade a um prisioneiro, a um escravo. 6. Independência, autonomia: O Brasil conquistou a liberdade política em 1822. 7. Facilidade, desembaraço: Liberdade de movimentos. 8. Permissão, licença: Tem liberdade de deixar o país. 9. Confiança, familiaridade, intimidade (às vezes abusiva): Desculpe-me, tomei a liberdade de vir aqui sem telefonar-lhe; Muito comunicativo, toma às vezes certas liberdades que me aborrecem. 10. Bras. V. risca (4): ´Trazia os cabelos caprichosamente penteados, com uma abertura ao meio, formando liberdade. ´ (De Araújo Costa, O Menino e o Tempo, p. 29.) 11. Filos. Caráter ou condição de um ser que não está impedido de expressar, ou que efetivamente expressa algum aspecto de sua essência ou natureza. [Quanto à liberdade humana, o problema consiste quer na determinação dos limites que sejam garantias de desenvolvimento das potencialidades dos homens no seus conjunto – as leis, a organização política, social e econômica, a moral, etc. -, quer na definição das potencialidades que caracterizam a humanidade na sua essência, concebendo-se a liberdade como o efetivo exercício dessas potencialidades que caracterizam a humanidade na sua essência, concebendo-se a liberdade como o efetivo exercício dessas potencialidades, as quais, concretamente, se manifestam pela capacidade que tenham os homens de reconhecer, com amplitude sempre crescente, os. condicionamentos, implicações e conseqüências das situações concretas em que se encontram, aumentando com esse reconhecimento o poder de conservá-las ou transformá-las em seu próprio benefício.]”

 

É comezinho de que a liberdade de cada não pode, e não deve ser absoluta, já que, vivendo em comunidade a liberdade de cada é limitada pela liberdade do outro. Assim, qualquer ato praticado por um indivíduo deve observar esta limitação não apenas por uma mera questão social, mas também, e principalmente, por uma questão de respeito à dignidade do outro. Liberdade exige de cada um enorme dose de responsabilidade para saber usá-la com consciência e bom senso.

 

Segundo a Professora MARIA HELENA DINIZ,(5) em seu colossal “Dicionário Jurídico“, a expressão “liberdade sexual” pode ser assim entendida:

 

LIBERDADE SEXUAL. Direito penal. Direito de disposição do próprio corpo ou de não ser forçado a praticar ato sexual. Constituirão crimes contra liberdade sexual: o ato de constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça; o atentado violento ao pudor, forçando alguém a praticar ato libidinoso diverso da conjunção carnal; a conjunção carnal com mulher honesta, mediante fraude; o ato de induzir mulher honesta, mediante fraude, a praticar ato libidinoso.”(10)

 

A noção jurídica de liberdade sexual está ligada, portanto, à idéia de livre disposição do próprio corpo, concepção esta que se relaciona a uma visão individualista do ser humano, que pode ser sintetizada na frase, tão ouvida entre os apologistas da legalização das drogas, de que “cada um faz com seu corpo o que quiser”.

 

Sobre a liberdade sexual, ensina Magalhães Noronha:

 

“Tal liberdade não desaparece nas próprias espécies inferiores, onde se observa que geralmente o macho procura a fêmea, quando ela se acha em cio, isto é, predisposta ao coito. Nelas, também, a requesta antecedente é o fato observado pelos zoólogos.

Os odores, as cores, as formas, a força, o som, as danças etc. são sempre recursos postos em prática antes do amplexo sexual.

No homem, a requesta antecede ao ato, mesmo entre os selvagens. São sempre a música e a dança os atos preliminares da união dos sexos, como anota Havelock Ellis.

Fácil, pois, é conjeturar quão intenso é o primitivismo bárbaro do que atenta contra a disponibilidade sexual da pessoa”.

 

Há, portanto, sedimentação doutrinária acerca da existência e importância da liberdade sexual para o convívio entre os indivíduos na sociedade moderna, estando a mesma, inclusive, tutelada por normas de natureza criminal.

 

Todavia, sabe-se muito bem, mesmo nos dias atuais, que inexiste consenso sobre o que pode ser tomado como liberdade e orientação sexual. O que é factualmente comprovado, a nosso ver, é que as relações cujo comportamento demonstre certo desvio do ortodoxo (heterosexualismo) são tidas pela sociedade como comportamentos a serem reprimidos. Ora, repressão é um tema que concorre com o preconceito e a discriminação, até mesmo porque reprime-se aquilo que não se conhece, ou aquilo que não se sabe ao certo como rotular mediante uma bula prévia e preparada para este fim.

 

De outro lado, vislumbramos a questão, também grave do assédio sexual, que nada mais é que uma relação de poder, onde um indivíduo que possui poder de comando ou controle sobre outrem, se utiliza desta prerrogativa com fins diversos daqueles propostos na relação originalmente tomada.

 

O assédio sexual tem sido objeto de preocupação também da Organização Internacional do Trabalho – OIT, cujo Departamento de Igualdade de Gênero chegou a produzir um documento intitulado O assédio sexual, segundo o Documento sobre Violência contra a Mulher, em que se colocam algumas das conseqüências da prática nas relações de trabalho:

 

“… viola o direito das trabalhadoras à segurança no trabalho e à igualdade de oportunidades, pode criar condições prejudiciais ao seu bem-estar físico e psicológico e interfere no ambiente de trabalho ao criar uma atmosfera que fragiliza e desmoraliza a mulher trabalhadora. Se ignorado, tem alto custo para as empresas em termos de diminuição de produtividade, de alto nível de faltas ao trabalho entre as mulheres afetadas, de reiteradas licenças médicas, de treinamento de novo pessoal e de “baixo astral”. Pode, ainda, afetar a imagem pública da empresa e diminuir os lucros devido à possibilidade de ações judiciais já que acarreta custos legais”.

 

Segundo MARIA GORETTI DAL BOSCO (7): “O assédio sexual pode se dar de várias formas nas relações de subordinação. Alice Monteiro de Barros ensina que pode haver assédio por intimidação e por chantagem. O assédio por intimidação é aquele que surge com a importunação do sexo oposto, proveniente de incitações sexuais importunas, de uma solicitação sexual ou de outras manifestações da mesma índole, verbais ou físicas, que têm como finalidade prejudicar a atuação laboral de uma pessoa ou de criar uma situação ofensiva, hostil, de intimidação ou abuso no trabalho. Já o assédio por chantagem, é definido pela autora como a exigência formulada por superior hierárquico a um subordinado, para que se preste à atividade sexual, sob pena de perder o emprego ou benefícios advindos da relação de emprego”.

 

Uma singela análise do que foi aqui exposto, deflui-se que, novamente, que a repressão ao indivíduo pela via sexual, possui em seu conteúdo uma ação preconceituosa e que pode conduzir, de forma perigosa à discriminação, estabelecendo um elo indissolúvel entre uma prática perniciosa e um fato conhecido. Não se pode convir com uma idéia absurda de que discriminar pela orientação sexual é uma forma de mero ato preconceituoso oriundo de um sentimento interno, pois, se assim o fosse estaríamos frente a intolerância que também conduz à discriminação. Homens e mulheres podem e devem ter assegurados, primeiramente, o direito à privacidade e, a seguir, o direito à dignidade, já que tais bens da vida não podem ser objeto do perjúrio e da ignomia de alguns poucos seres que se dizem humanos, mas que desconhecem o significado da palavra humanidade.

 

Qual a prova científica de qualquer ordem que aduz ser o indivíduo optante de uma preferência sexual qualquer e que lhe diz respeito apenas à ele, é inferior ou mesmo uma ameaça aos demais? Por óbvio vamos aqui intercalar uma consideração relevante: a de que a preferência sexual aqui tomada não é aquela cujo resultado da ação do indivíduo posse afetar de qualquer forma a outrem, prejudicando-lhe a própria vida, a liberdade e a dignidade.

 

Da mesma forma, impingir a outrem um abuso de direito ou de liberdade, utilizando-se para tal de uma qualidade que lhe foi auferida dentro de uma relação de poder, além de abominável, odioso e repudiante, não pode ser aceito ou recebido sem a devida reprovação.

 

Nesta vertente a necessidade de desigualar para obter igualdade é a melhor e única forma de assegurar aos indivíduos a garantia de seus direitos, demonstrando que sua orientação sexual ou sua subordinação não devam ser tomados como instrumentos para torná-los reféns de outros, ou ainda, vítimas de lesões ou ameaças que extingam seu direito à liberdade da exata forma como aqui tomamos. E, se assim o fosse, estaríamos diante de um procedimento discriminatório infeliz que traz à tona medos e temores há muito distantes de nossa memória.

 

O que resta a dizer sobre o assunto se torna mera retórica jurídica daqueles que possam vir a alegar em defesa de ações contrárias ao acima exposto de que a liberdade está sendo tolhida do cidadão a partir do controle de sua orientação sexual. Verdade é que, num futuro não muito distante – com os avanços científicos no projeto GENOMA HUMANO – é que haverão formas muito mais sutis de discriminar, inclusive pela orientação sexual. Sem qualquer medo acerca de quem somos e em quem podemos nos tornar, lembremos-nos de HANNAH ARENDT em suas considerações pós-guerra, especialmente em sua obra “Eichmann em Jerusalém”, na qual atesta que o militar alemão declarara que disse que cumpria ordens e considerava desonesto não executar o trabalho que lhe foi dado, no caso, exterminar os judeus. Segundo a pensadora eis aí o conceito de “banalidade do mal”, pelo qual executar ordens se torna mais imperativo que pensar sobre elas.

 

E no contexto em análise temos que existe uma estreita relação entre, poder, violência, discriminação e preconceito, que se ligam de tal maneira a ponto de inexistir qualquer diferenciação entre meios e fins admitidos pelo homem. O texto constitucional repudia qualquer forma de discriminação e o conjunto de leis vigentes procuram extirpar qualquer possibilidade de que a discriminação possa se tornar um procedimento comum, até mesmo usual, inclusive com a sua criminalização. No entanto, não podemos perder de vista o jogo do poder que estabelece regras não escritas, onde pessoas fazem qualquer coisa que esteja ao seu alcance para sobrepujar os demais que o cercam.

 

Ainda aqui cabe uma consideração de reputamos como mais significativa, a de que as leis foram feitas por homens e para os homens, razão pela são estes mesmos homens (eu, você e os demais), que possuem o dever e a responsabilidade de assegurar que este conjunto positivado seja observado em qualquer situação, e de modo mais relevante quando em face de ação discriminatória que sempre possui finalidade de dominar, sobrepujar, submeter alguém à outro.

 

Acreditamos piamente que o texto constitucional em análise é auto-aplicativo, desnecessitando de qualquer aparato mais significativo senão aquele capaz de coibi-lo nas relações individuais, promovendo a devida compensação, seja de ordem pecuniária, seja de ordem obrigacional, até mesmo porque percebemos no mundo atual que a mera reprimenda de ordem financeira, muitas vezes, representa um alívio ao acusado que pode se ver livre de demais infortúnios apenas pagando certa soma em dinheiro pelas suas ações prejudiciais não apenas ao indivíduo, mas também para toda a sociedade.

 

 

09. DISCRMINAÇÃO REPRODUTIVA.

 

Na verdade, trata-se de assunto recentíssimo e que versa especificamente sobre o uso de células-tronco obtidas a partir de embriões humanos e que são capazes de produzir qualquer tipo de tecido. A forma mais comum de obtenção destas células ainda é por meio de embriões congelados. Nesta técnica, óvulos fertilizados em clínicas de reprodução assistida se desenvolvem até o estágio conhecido como blastocisto. Após chegar a este estágio, o embrião é destruído e as células-tronco são removidas.

 

Outra forma que também prevê a destruição do embrião é o procedimento conhecido como clonagem terapêutica. A técnica é a mesma utilizada para criar a ovelha Dolly.

 

Pelo procedimento, células adultas extraídas da pele humana tem sua carga genética (núcleo) retirada e fundido com um óvulo sem núcleo. O núcleo implantado no óvulo “oco” é então estimulado a se dividir, produzindo um blastocisto. Até hoje, no entanto, nenhuma linhagem de células-tronco humana foi derivada dessa forma. Ambas as técnicas recebem objeções de ativistas contrários ao direito ao aborto. Segundo eles, a destruição dos embriões representa a morte de uma forma de vida humana.

 

O principal objetivo das pesquisas com células-tronco é usá-las para recuperar tecidos danificados por essas doenças e traumas. São encontradas em células embrionárias e em vários locais do corpo, como no cordão umbilical, na medula óssea, no sangue, no fígado, na placenta e no líquido amniótico. Nesse último local, conforme descoberta de pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade de Wake Forest, no estado norte-americano da Carolina do Norte, noticiada pela imprensa mundial nos primeiros dias de 2007.

 

Em nosso país a lei que trata do tema é a de nº. 11.105 de 24/03/2005, chamada de lei da biossegurança, e que no momento é tema controvertido em discussão no Superior Tribunal Federal, posto que há correntes favoráveis à utilização das células-tronco em pesquisa científica para o progresso da medicina e da biotecnologia, e outras, contrárias, que alegam que o embrião já é um ser vivo pensante (um ser humano) que não pode ser destruído apenas para esta finalidade.

 

Para um breve entendimento da celeuma leia-se abaixa texto integral de notícia veiculada pela FOLHA ON LINE em 02.03.2005:

 

A Lei de Biossegurança tenta regulamentar duas polêmicas de uma só vez –a produção e comercialização de organismos geneticamente modificados e a pesquisa com células-tronco.

Os transgênicos são aqueles produtos acrescidos de um novo gene ou fragmento de DNA para que desenvolva uma característica em particular, como mudanças do valor nutricional ou resistência a pragas.

A polêmica em torno do plantio e da comercialização dos transgênicos passa pelos campos econômico, social e ambiental. Os defensores dos OGM argumentam que a biotecnologia aumentaria a produção de alimentos, o que, por sua vez, reduziria a quantidade de brasileiros vítimas da fome.

No outro lado, estão os críticos dos transgênicos. Ambientalistas e algumas organizações de cientistas argumentam que seus efeitos na saúde humana e no meio ambiente ainda são desconhecidos.

O texto da lei define que a CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) deve analisar tecnicamente o pedido para o plantio dos transgênicos. E um conselho de 11 ministros, por fim, vai analisar se permite ou não a comercialização desses produtos.

Células-tronco

A outra polêmica refere-se às pesquisas científicas com células-tronco. Essas células são como curingas, ou seja, células neutras que ainda não possuem características que as diferenciem como uma célula da pele ou do músculo, por exemplo, e que podem ser usadas para gerar um outro órgão.

Hoje, as pesquisas no país se restringem às células da medula óssea e do cordão umbilical. Mas essas células originam apenas alguns tecidos do corpo.

A lei, aprovada pelo Senado, permite a pesquisa em células-tronco de embriões obtidos por fertilização in vitro e congelados há mais de três anos. Mas, para que o estudo seja feito, os pais devem autorizar a pesquisa expressamente.

Atualmente, esses embriões, ao completarem quatro anos de congelamento, são descartados. Essas células, ao contrário das provenientes da medula e do cordão umbilical, se mostram mais eficazes para formar qualquer tecido do corpo.

 

A esta altura poder-se-ia perguntar o que este assunto tem a ver com o tema ora em discussão. E a resposta imediata seria, no mínimo, simplória, posto que uma análise mais acurada demonstraria de forma cristalina que a utilização deste novo método científico possui em seu interior um rança de discriminação; para tanto basta que nos lembremos do que foi pesquisado pelos cientistas alemães durante a Segunda Guerra Mundial. O tema, embora meio que melancólico e profundamente amargo, nos rememora um evento que também possuía um caráter discriminatório, cuja finalidade era comprovar a existência de uma raça superior às demais e sua supremacia enquanto representante da humanidade.

 

Cabe relembrar que o conceito de raça não pode ser confundido com o conceito de etnia e, desta forma, raça temos apenas a humana e nenhuma outra. De qualquer maneira, pesquisas feitas com células-tronco são fundamentais ao fim principal a que se destinam, pois asseguram a possibilidade de cura de diversas doenças que até hoje são as responsáveis por milhares (ou melhor, milhões) de mortes ao longo dos últimos anos. Esta pesquisa, conduzida por cientistas eticamente conceituados e orientadas por parâmetros e critérios rígidos de segurança e confiabilidade, podem ser realmente desenvolvidas no rumo originalmente adotado de progresso e bem-estar.

 

Todavia, como todos sabemos, a alma humana nunca é plena de seriedade e de bom senso, especialmente quando o tema envolve interesses financeiros e/ou econômicos, que é o que acontece na maioria dos assuntos dentro da ciência e tecnologia. Movida por interesses que, muitas das vezes, são colocados acima de qualquer outra coisa, inclusive acima do bem-estar de outros indivíduos cujo futuro depende de pessoas que não se escusam de valer-se de quaisquer meios para a obtenção de seus fins.

 

Ora, parece-nos evidente que a pesquisa envolvendo células-tronco, possui dentro – ou melhor, oculto – de si interesses de grandes laboratórios farmacêuticos, governos, empreendedores, investidores e capitalistas em geral que nelas vêem não apenas uma oportunidade de ganhar espaço no meio empresarial, mas sim o de avolumar enormes ganhos financeiros decorrentes desta pesquisa. E assim será, posto que, por óbvio, esta instrumentação científica somente estará disponível há todos muito tempo depois de auferir renda líquida e certa para aqueles que nele investiram.

 

E mais. Como já afirmou a geneticista brasileira Mayana Zats a pesquisa com células-tronco, aliada à pesquisa do genoma humano serão capazes de definir exatamente qual o perfil biológico e genealógico de um determinado indivíduo, permitindo que se saiba exatamente que tipos de doenças geneticamente transmissíveis ele pode desenvolver, que vícios possui, qual o seu bio-tipo, enfim, informações que se disponibilizadas a todos os meios, permitirá um enorme controle sobre todos nós.

 

Melhor explicando: empresas deixarão de contratar pessoas que possuam em seu perfil genético possibilidades de desenvolvimento de doenças degenerativas, predisposição à ocorrência de doenças deformativas, ou ainda originárias de má-formação genética, inclusive em relação à sua prole! Absurdo absoluto que não pode ser admitido sob pena de estarmos indo em direção ao BIG BROTHER ficticiamente criado pelo escritor inglês George Orwell.

 

Se não existe dentro do raciocínio acima desenvolvido qualquer pista evidente de um processo não preconceituoso, porém claramente discriminatório, que me perdoem os interessados no tema, mas nada mais poderá ser dito a respeito. E que pese acerca de tudo o que foi dito o fato de que não nos colocamos nem contra nem a favor o processo científico, até mesmo porque a experiência humana já comprovou fartamente que o desenvolvimento científico é uma marcha que, após iniciada, nunca mais cessa, conduzindo o homem em direção ao conhecimento de si próprio e do mundo que o cerca. Não há meios, quer sejam políticos ou jurídicos de se impedir que a ciência caminhe – afinal, é tudo uma questão de tempo – apenas se pode retardar seu andamento, o que, mesmo assim, não significa um retrocesso, mas apenas uma leve parada para meditação e reflexão.

 

De outro lado, não nos esqueçamos que a análise direta da questão, ou seja, mesmo que este desenvolvimento científico siga o seu curso inexorável, mesmo assim estar-se-á diante de um processo discriminatório considerado pelo tempo e pela abrangência que esta tecnologia estará disponível a todos os seres humanos, sendo o caso de perguntar-se se ela realmente estará disponível a todos em algum momento. Nossa resposta é afirmativa, pois, afinal, tudo é uma questão de tempo (e de dinheiro).

 

 

10. DISCRIMINAÇÃO PELA IDADE.

 

A lei ordinária de número 10.741 de 1º. 10.2003, também chamada de Estatuto do Idoso”, foi criada com a finalidade de assegurar acessibilidade ao indivíduo com mais de sessenta anos de idade à todos os dispositivos e equipamentos a ele disponíveis com tramitação preferencial em estabelecimentos públicos ou privados. Desde seu surgimento, esta lei foi recebida pelo meio jurídico como um avanço da mesma ordem do Código de Defesa do Consumidor, justificando-se sua criação e implementação ao crescimento da população idosa num futuro não muito distante.

 

Trata-se de um dispositivo que tem por preceito fundamental, assegurar e fiscalizar as garantias individuais ao idoso, assim como se fez com a criança e o adolescente, integrando uma política nacional de cidadania desenvolvida pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos, órgão ligado ao Gabinete da Presidência da República. A proteção a que esta lei se refere possui uma integralidade da própria cidadania, posto que se não defendemos nossos idosos e nossas crianças não podemos assumir o papel de nação conceitualmente estabelecida pela Organização das Nações Unidas (ONU), sendo certo que a sua implementação até hoje gera efeitos no comportamentos das unidades estatais e da empresas por todo o país.

 

Sabedores que todos somos de nossas responsabilidades e deveres para com a cidadania, desnecessário seria qualquer consideração acerca da aplicabilidade e eficácia desta lei, como tantas outras que neste país surgem diariamente com o objetivo precípuo de estabelecer uma consciência cidadã em todos os seus integrantes, pouparemos qualquer esforço em elucidá-la ou discuti-la, já que isto seria mera verborragia cansativa e enfadonha.

 

O que cabe ressaltar é que esta lei, assim como tantas outras, também possui um “lado negro”, ou melhor, o lado em que ela serve aos interesses escusos de outrem que dela se beneficia com a finalidade não cidadã, mas apenas a de enriquecimento próprio e, porque não dizer, até mesmo ilícito. Veja-se, por exemplo, a utilização de idosos para o tráfico de entorpecentes internacional, amplamente difundido pelas organizações criminosas. Veja-se também a contratação de idosos aposentados por empresas para valer-se de sua condição especial para obter acesso em agências bancárias, órgãos públicos e demais instituições.

 

Diga-se se isto não é uma forma de discriminar aquele que precisa de emprego e não lhe é oferecido porque não é idoso. Diga-se se a utilização de um idoso, cuja pensão ou aposentadoria paga pelo sistema público é risível, para traficar entorpecentes em larga escala ao longo do planeta, beneficiando as organizações criminosas e conduzindo diversos jovens e adolescentes ao pesadelo do vício e ao drama e sofrimento imposto à suas famílias.

 

Qualquer contestação seria aceitável em sua totalidade, não fosse o fato de que, a discriminação aqui possui duplo sentido: de um lado discrimina-se o idoso ao oferecer-se a ele uma legislação moderna e atualizada, porém de pouca eficiência prática, e de outro, faz-se com que este mesmo idoso seja um agente discriminador de seus semelhantes ao intervir no meio produtivo e social de forma o mais que nocivo.

 

Não percamos de vista o fato mais que cristalino que nosso comentário não é uma crítica por si a qualquer instrumento legislativo destituída de qualquer substância, até mesmo porque nosso objetivo aqui não possui caráter de filosofia política ou análise sociológica. O que queremos realmente é demonstrar que o fenômeno ardiloso da discriminação encontra-se arraigado à alma humana, exigindo que cada pessoa deste planeta faça alguma coisa a fim de evitar que tal fenômeno evolua de forma perniciosa como já se teve notícia. E, além disso, vale a esta altura relembramos a fábula do pequeno pássaro que, sozinho, tentava apagar o incêndio na floresta: pelo menos ele estava fazendo a sua parte.

 

A aplicação de um lei, de um dispositivo jurídico passa, necessariamente, pela atuação cidadã de cada indivíduo, tomado não nele mesmo – em seus interesses, anseios e sonhos -, mas sim, enquanto integrante de um grupo social e, mais do que isso, enquanto ser humano responsável pela manutenção de sua própria espécie e conservação do meio ambiente em que vive tanto para si mesmo como também para os seus descendentes e semelhantes.

 

 

11. DISCRIMINAÇÃO PELA NATUREZA SEXUAL.

 

Como se sabe, foi aprovada no final do ano de 2006 a Lei 11.340, que instituiu uma proteção penal diferenciada para as mulheres vítimas de violência doméstica. Esta Lei tem por objetivo criminalizar a postura do marido que, deliberadamente, agride sua companheira, tratando-a, assim, de forma menosprezada e porque não dizer, desprezada.

 

Nesse sentido, relata Maria Berenice Dias (08), em artigo publicado no jornal Zero Hora, em 10/05/1998:

O transbordamento do conceito de dignidade para atitudes alheias ensejou o surgimento de uma excludente de criminalidade não prevista na lei. A chamada legítima defesa da honra foi forjada mediante a idéia de que, se é possível defender a vida, possível é defender a vida interior, que é a honra. A justificativa da teoria é a possibilidade do sacrifício de bem jurídico alheio para a preservação de bem maior, ou seja, não é criminoso revidar a agressão à integridade, não só física, mas também à integridade moral. A convicção de que a infidelidade da mulher denigre a dignidade do homem acabava por autorizar sua morte, como forma de resguardo do próprio agressor. Assim, durante muito tempo, foram absolvidos todos os que, sentindo-se ultrajados, lavaram a própria honra a sangue.

Essa concepção evidencia um sentimento de posse do macho com relação à fêmea, transformando-a em objeto de sua propriedade e à hierarquização do par. Surge um elemento de submissão e subordinação dela em relação a ele, que resta como detentor do poder e editor das regras comportamentais. Porém, descabe conceder o controle da sexualidade feminina ao homem. Nos relacionamentos interpessoais, ao ser a mulher considerada a rainha do lar, recebe o cetro de responsável pela boa estrutura da família. Restando como guardiã exclusiva da moral familiar, fica o homem liberado. O seu comportamento fora de casa nada afeta, nem sua própria imagem, e muito menos a dignidade da esposa ou a honradez do lar.

Os tribunais pátrios, reconhecendo o equívoco, passaram a decantar a inexistência de dita excludente de antijuridicidade. Deixaram os homens de ficar impunes, quando, sentindo-se traídos, matavam suas mulheres. Mesmo pacificada essa postura jurisprudencial, não se encontra justificativa para a recente absolvição, levada a efeito pelo júri popular de uma cidade missioneira, do homem que matou a ex-mulher, após já estarem separados havia dois anos. O fundamento aceito unanimemente pelo corpo de jurados (seis homens e uma mulher), é de ter agido o réu em legítima defesa da honra, ao ser chamado na rua de ‘cornudo’.

No entanto, mais surpreendente que a própria absolvição foi a ausência de reação dos movimentos feministas, a inércia dos defensores dos direitos humanos e a falta de repercussão do episódio nos meios de comunicação. É indispensável que esse infeliz episódio sirva para alertar a sociedade de que tal tipo de reação não decorre de um gesto de amor, mas simplesmente de amor próprio ferido. Um mero sentimento de vingança, em nome do resgate da própria honra, não pode legitimar que se disponha da vida alheia impunemente. Essa prática, ao receber o referendo da própria Justiça, revela que persiste a violência doméstica, não se podendo ainda falar em igualdade, como cânone maior da ordem constitucional. (grifos e destaques nossos)

É evidente que não se está dizendo que a infidelidade conjugal, seja do homem ou da mulher, não deva ter conseqüências. Geradora da insuportabilidade da vida em comum, justifica pedido de separação judicial. Ademais, historicamente e mesmo sob a égide da atual legislação, permite a atribuição de culpa ao outro cônjuge, com as penalidades legais a tanto, embora estudos recentes apontem a inconstitucionalidade da atribuição de culpa na separação judicial por indevida ingerência estatal na privacidade do casal.

Tais fatos repita-se, são notórios e historicamente inegáveis, justificadores da especial proteção legal conferida à mulher pela Lei Maria da Penha, que se afigura, portanto, como absolutamente necessária para coibir as violências e abusos historicamente sofridos pelas mulheres em seu ambiente familiar, donde realmente “Só quem não quer não enxerga a legitimidade de tal ação afirmativa que, nada obstante formalmente aparentar ofensa ao princípio da igualdade de gênero, em essência busca restabelecer a igualdade material entre esses gêneros, nada tendo, deste modo, de inconstitucional” [07].

A Lei Maria da Penha não teve seu nome escolhido aleatoriamente: trata-se de justa homenagem a uma mulher que sofreu absurdas agressões de seu marido em seu ambiente doméstico, na década de 1980, e não conseguiu a punição de seu marido pelas leis de então, devido à comunhão de ineficácia legislativa e morosidade judicial.

 

Aclamada como uma verdadeira revolução no tratamento da violência doméstica perante o judiciário, a Lei Maria da Penha provocou reverberações em todos os segmentos, justificando que sua aplicabilidade viria a ser um elemento capaz de diminuir, ou até mesmo eliminar, o tratamento nas relações conjugais, com a finalidade de extirpar do meio social a detestável prática de atos violentos do marido em relação a sua cônjuge. A pedra de toque relacionava-se diretamente com o fato da criminalização da prática abusiva que, mesmo acontecendo entre as quatro paredes do lar, não mais passaria despercebida dos olhos e ouvidos dos meios responsáveis pela segurança pública, bem como pelo crivo de controle do judiciário.

 

A bem da verdade, tal instituto foi alvo de críticas das mais severas, tanto no segmento político como no judiciário, em especial no que se referia à lesão que esta estaria causando ao texto constitucional no que se refere ao princípio da igualdade inserto no artigo 5º, onde está claro que não podem haver diferenciações entre homem e mulher, anunciando, por esta linha de raciocínio adotada, um elemento discriminador entre pessoas que deveriam ser tratadas igualmente.

 

Neste sentido, afirmam Flávia Piovesan e Sílvia Pimentel no artigo “Lei Maria da Penha: Inconstitucional não é a lei, mas a ausência dela”, assim citada pelo Desembargador Herculano Rodrigues no julgamento da Apelação Criminal 1.0672.07.234359-7/001(1)(09):

 

(…) O texto constitucional transcende a chamada ‘igualdade formal’, tradicionalmente reduzida à fórmula “todos são iguais perante a lei”, para consolidar a exigência ética da “igualdade material”, a igualdade como um processo em construção, como uma busca constitucionalmente demandada. Tanto é assim que a mesma Constituição que afirma a igualdade entre os gêneros, estabelece, por exemplo, no seu artigo 7º, XX, ‘a proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos’.

Se, para a concepção formal de igualdade, esta é tomada como pressuposto, como um dado e um ponto de partida abstrato, para a concepção material de igualdade, esta é tomada como um resultado ao qual se pretende chegar, tendo como ponto de partida a visibilidade às diferenças. Isto é, essencial mostra-se distinguir a diferença e a desigualdade. A ótica material objetiva construir e afirmar a igualdade com respeito à diversidade e, assim sendo, o reconhecimento de identidades e o direito à diferença é que conduzirão à uma plataforma emancipatória e igualitária. Estudos e pesquisas revelam a existência de uma desigualdade estrutural de poder entre homens e mulheres e grande vulnerabilidade social das últimas, muito especialmente na esfera privada de suas vidas. Daí a aceitação do novo paradigma que, indo além dos princípios éticos universais, abarque também princípios compensatórios das várias vulnerabilidades sociais.

Neste contexto, a ‘Lei Maria da Penha, ao enfrentar a violência que de forma desproporcional acomete tantas mulheres, é instrumento de concretização da igualdade material entre homens e mulheres, conferindo efetividade à vontade constitucional, inspirada em princípios éticos compensatórios. Atente-se que a Constituição dispõe do dever do Estado de criar mecanismos para coibir a violência no âmbito das relações familiares (artigo 226, parágrafo 8º). Inconstitucional não é a Lei Maria da Penha, mas a ausência dela.

 

Destarte, não se pode afirmar, sem correr o iminente risco de alegar-se algo sem conteúdo, que a lei em si possui em seu cerne qualquer preceito discriminatório, envidando, na verdade, esforços no sentido de eliminar possibilidade de que o homem, valendo-se de uma prerrogativa arcaica e plenamente invalidade em nosso meio social da atualidade, venha a cometer práticas abusivas não apenas contra a sua cônjuge, mas sim contra outro ser humano que, segundo a lei, possui as mesmas qualidades, capacidades, direitos e deveres que seu agressor, tornando a relação entre eles uma relação de violência baseada em um poder que não existe e que não pode subsistir quando confrontado com o princípio da igualdade.

 

Por outro lado, uma análise mais acurada da lei ora em apreço nos conduz ao seu aprofundamento, percebendo que em seus artigos certas nuances podem indicar uma discriminação ao contrário, ou seja, o tratamento do indivíduo, tido como agressor tomado a partir de uma análise pouco usual em direito sobre o cometimento do ato criminoso, ou ainda, o estabelecimento de uma agressão ou ameaça que, na verdade, talvez nunca tenha acontecido de fato.

 

Melhor explicando: um rol de exemplificativo de condutas cuja conceituação encontra-se excessivamente aberta, permitindo ao interprete da lei uma versão desproporcionalizada que, na maior parte das vezes, causará seqüelas na direção de um tido agressor que assim não se portou. Ou seja, a esposa pode proferir denúncia contra abusos cometidos pelo marido, estabelecendo uma acusação cuja formalidade carece de fundamento de verdade real e transformando o dito agressor em “vítima” de suas próprias ações, sejam estas inocentes ou não. E se isto não se parece como uma forma discreta de discriminação, que me digam os discordantes como tal problemática poderá ser solucionada sem prejuízo para uma relação humana.

 

 

12. BREVES CONCLUSÕES

 

De tudo que foi acima exposto, gostaríamos de salientar a importância da análise inicialmente considerada acerca da discriminação: qualquer preconceito socialmente disseminado pode, necessariamente, descambar para o universo da discriminação, estabelecendo um tratamento diferenciado entre seres humanos originalmente iguais em qualquer instância que se tome como referencial. O tratamento discriminatório além de nocivo ao meio social também é uma forma de estabelecimento do poder pela força, como demonstrou a história pouco recente da humanidade (Segunda Guerra Mundial), bem como é o que demonstra a história recente (racismo nos Estados Unidos da América), e ainda o que comprova a atualidade (guerra contra o terrorismo praticado em nome de Alá), cujos métodos e práticas demonstram às escâncaras que inserido na ação discriminatória sempre há um interesse escuso, uma ameaça contra a ordem e a paz estabelecidas, um conluio de forças cujo único intuito, além de a consagração do caos é a plena satisfação de interesses pessoais, de um pequeno grupo que almeja ser dominante e que é capaz de qualquer meio para atingir tal fim.

 

Todavia, não se trata apenas disso. Existe um componente mais odioso que compõe a discriminação e que grassa em todo o meio existencial da raça humana: trata-se de uma simples e absurda utilização do homem pelo homem, o tratamento destinado à menosprezar, diminuir, submeter e, por fim, estagnar a alma e a dignidade de outrem, avantajando seu propósito inicial de conduta orientada pelo poder em direção à submissão e deterioração do potencial humano, lançando a humanidade em uma era de escuridão, medo e incerteza.

 

O colóquio que aqui se tentou construir demonstra o trabalho hercúleo do judiciário em especial quando da análise de problemas discriminatórios, posto que a única forma de eliminação desta ameaça é o combate à toda e qualquer forma de discriminação, não perdendo de vista que a lei deve, sempre e eternamente, valorizar a alma do indivíduo acima de seu status social, sua cor de pele, sua profissão religiosa, e qualquer outra particularidade relativa à forma como as pessoas vêem o mundo. Cabe exclusivamente ao judiciário, quando provocado, não apenas eliminar esta ou aquela forma de discriminação, mas assegurar ao cidadão que práticas como aquelas não deverão repetir-se vinculando o fato à norma da maneira mais precisa possível.

 

Recentemente, tivemos notícias da manifestação do Excelentíssimo Senhor Presidente da República sobre colocação feita pela ilustre Magistrado Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ministro Marco Aurélio de Mello, alegando, em outras palavras, que cada um deve cuidar do que é seu e não meter o bedelho nos assuntos dos outros.

 

Lamentavelmente, olvidou-se Excelentíssimo Senhor Presidente de averiguar que sua manifestação, além de imprópria e inoportuna, deflagra uma aura discriminatória de um poder sobre outro, vilipendiando o ilustre pensador francês MONSTEQUIEU em sua obra o “O ESPÍRITO DAS LEIS”, que estabeleceu que os poderes públicos devem relacionar-se de forma independente, porém harmônica, harmonia esta que o Chefe Supremo do Executivo Nacional não apenas deixou de lado, mas tolheu qualquer possibilidade de diálogo, discriminando a manifestação do Nobre Ministro como se fosse ele um incurso de primeira hora na disputa eleitoral. Aquele de profere tais palavras age como se ignorasse não apenas a representatividade formal do Ministro, mas também, e principalmente, sua representatividade material, deitando por terra qualquer resquício de harmonia e independência.

 

Ademais, o caráter notadamente eleitoreiro do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento), tem sido amplamente demonstrado pelas ações do Executivo Nacional, ampliando planos em um momento inoportuno e também impróprio. E tenha-se em vista que a manifestação do Senhor Ministro deu-se dentro da mais plena e consentânea atmosfera de cordialidade e de seriedade necessária à um membro do Judiciário, não havendo por parte dele de trazer para a sua esfera algo que não lhe competisse não apenas como Ministro do Superior Tribunal Federal e atual Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, mas sim como cidadão dotado de poder-dever, aquele mesmo amplamente descrito nos compêndios de Direito Administrativo, compêndios aos quais o Senhor Presidente da República parece não demonstrar qualquer espécie de reverência ou consideração.

 

O custo social da discriminação não pode ser medido por qualquer outra escala que não aquela da dor, do sofrimento, da diminuição, do perdimento total da dignidade, estabelecendo que aquele ou este indivíduos não são tão dignos quanto os demais, que este ou aquele indivíduo não merece a mesma atenção dispensada aos demais, que este ou aquele indivíduo não possa ter acesso aos meios socialmente disponíveis, porquanto estar ele situado em nível inferior aos demais de seu grupo.

Aliás, tenhamos em mente que, no mundo moderno inexiste maior demonstração da capacidade discriminatória do ser humano sobre aqueles da sua espécie que não seja a forma pela qual esta mais se manifesta: a da exclusão social, que nada mais é que uma forma de discriminação baseada na incapacidade de todos de trazer para próximo de si aqueles indivíduos desafortunados que, por absoluta ausência de políticas inclusivas de um Estado exclusivo, vivem à margem de tudo que os cerca e que diuturnamente sofrem os efeitos da incapacidade do Estado e de seus representantes em exercer políticas e ações programáticas cujo fim se destine à maior parcela da sociedade e não à apenas uns poucos cidadãos que, por sua vez se sentem responsáveis pela necessidade de incluir seus semelhantes, rumando em direção oposta àquela que lhes foi orientada pelo Estado e pelos membros de seu corpo político.

 

A nosso ver, as considerações expendidas no parágrafo anterior não possuem qualquer condão da elaboração de um discurso socialista utópico, ou mesmo de fortuita ação com caráter eminentemente político. A intenção refere-se “exclusivamente”, ao tema tratado. A discriminação é um ação que se inicia pela busca e conquista de poder baseada na criação de um estereotipo pré-concebido que, à medida que avança em sua intenção escusa, cresce qual um câncer, uma doença que irá alastrar-se pelo corpo social, estabelecendo uma nova ordem que existe apenas para a sustentação do interesse original proposto pelas pessoas (ou pessoa) que age no sentido único de dividir para vencer, discriminar para dominar e controlar.

 

Acreditamos sem qualquer sombra de dúvida, que a aplicabilidade do artigo 5º da Constituição Federal vigente é um dispositivo auto-aplicável em sua essência interpretativa, posto que “Todos os brasileiros são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza…”, dicção constitucional através da qual pode o legislador analisar a discriminação sob qualquer de suas formas, inclusive com a agregação do constante no parágrafo primeiro do inciso LXXVIII que dá aplicabilidade imediata às normas garantidoras fundamentais, permitindo que juristas, advogados e demais operadores do direito saibam sentir os efeitos de sua ação imediata no combate a qualquer forma de discriminação.

 

Por fim, é necessário que tenhamos plena consciência de que nossa existência neste planeta não é nossa, não é de nossos filhos, nem mesmo de nossos netos. A nossa existência nos foi dada para vivermos em comunidade, em harmonia e com pleno respeito aos nossos semelhantes. Respeitar as diferenças é respeitar a nós mesmos, pois cada vez que conservamos nosso meio ambiente, cada vez que percebemos que é na diferença dos seres humanos que se encontra a maravilha da vida, cada vez que sentimos fluir em nossos espíritos o sopro da mesma vida que sopra em nossos filhos, amigos e parentes, e não apenas nestes momentos, é que percebemos como somos uma realização fantástica que não pode e não merece ser discriminada, vilipendiada, maltratada ou eliminada de forma tão simplória e por razão tão incoerente quanto a de mera sede de poder.

 

 

13. BIBLIOGRAFIA.

 

(1)               – Ivair Augusto Alves dos Santos é assessor especial e secretário executivo do Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD). O CNCD é ligado à Secretaria Especial de Direitos Humanos do Ministério da Justiça.

(2)                – Direitos Humanos: instrumentos internacionais – Senado Federal. 1997, p. 304.

(3)               – Projeto de Lei do Senado nº. 16, de 1995.

(4)               – In: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2990.

(5)               – Diniz, Maria Helena, Dicionário Jurídico, vol. 3, São Paulo, Editora Saraiva, 1998, p. 122.

(6)               – Noronha, E. Magalhães, Direito Penal, vol. 3, 20ª ed., São Paulo, Editora Saraiva, 1992, p. 99.

(7)               – In DAL BOSCO, Maria Goretti. Assédio sexual nas relações de trabalho . Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 52, nov. 2001. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2430>. Acesso em: 03/03/2008.

(8)               In VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Da constitucionalidade e da conveniência da Lei Maria da Penha. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1711, 8 mar. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11030>. Acesso em: 08 mar. 2008.

(9)               Ibidem ao anterior.

 

 

 

* Graduação em Administração de Empresas pela Escola Superior de Administração de Negócios (ESAN), Campus de São Paulo (ano de 1995) – pós-graduação em Administração Estratégica pela mesma escola superior. graduado no curso de Direito na Universidade São Francisco – Campus de São Paulo (2006). Servidor público federal, lotado no Judiciário Trabalhista, junto ao Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região (primeira instância). ocupando atualmente o cargo de assistente de diretor.

 

Compare preços de Dicionários Jurídicos, Manuais de Direito e Livros de Direito.

Como citar e referenciar este artigo:
TROVÃO, Antonio de Jesus. Discriminação – Um Ensaio à Luz da Constituição Vigente. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/discriminacao-um-ensaio-a-luz-da-constituicao-vigente/ Acesso em: 25 abr. 2024