Direito Constitucional

Vinte Anos da (Des)Constituição

Vinte Anos da (Des)Constituição

 

 

Mário Guerreiro

 

 

Como quase todo mundo sabe, a Constituição de 88 (a Popozuda) está fazendo vinte anos. Saudada por Ulysses-no-País-das-Maravilhas como a “Constituição dos miseráveis”, como se fosse atribuição de uma Carta Política resolver o problema da miséria. Diferentemente do referido demagogo, foi chamada por Yves Gandra como a “Constituição da hiperinflação” e por Miguel Reale como um “totalitarismo normativo”. Com certeza, estes dois últimos epítetos estão mais apropriados.

 

Nunca nos esqueceremos da aguda observação de Roberto Campos numa conferência na Universidade Estácio de Sá em que ele falava sobre a nossa Carta Política: “Ela estabeleceu muitos intitulamentos para poucas provisões”, ou seja: concedeu muitos direitos individuais sem levar em consideração a capacidade de o Estado arcar com as despesas geradas em curto, meio e longo prazo.

 

E o brasilianista Thomas Skidmore foi, segundo pensamos, quem apresentou a melhor visão sintética da Constituição de 88:  “Ela tornou o país ingovernável, na mão de um aparato administrativo permissivo e ultrapassado”. Por sua vez, o jurista Ney Prado entrou em detalhes, apontando as mazelas constitucionais e indicando as passagens em que estão as mesmas:

 

“Além de utópica, demagógica e corporativista, nossa Constituição revela aspectos socializantes. (…) no tocante ao regime de bens, restringe o direito de propriedade (artigos 172, 176, 178, parágrafo 4, incisos I,II e 3, artigo 186); no que diz respeito ao regime de pessoas, restringe o domínio da iniciativa no campo econômico (artigos 171, 172, 174, 176, 184, 190, 192, 222, 223, 231, 237 e 238), no que concerne ao regime de renda, restringe a percepção dos lucros, tornando-os relativos não à produção, mas às necessidades tidas como de justiça social (artigos172, 179, inciso VII e parágrafo 3) e, por último, no que tange ao regime de produção-distribuição, restringe e limita o controle privado na produção de bens e disciplina, fora das forças de mercado, os mecanismos de circulação e consumo das riquezas” (N. Prado: Razão das Virtudes e Vícios da Constituição de 1988, São Paulo, Ed. Inconfidentes 1994, p.54).

 

Por sua vez, Alfred Pögler, presidente da ABIGRAF (Associação Brasileira da Indústria Gráfica) e vice-presidente da ABRASCA (Associação Brasileira das Companhias Abertas), embora considere a Constituição de 88 “a mais avançada da nossa história e um marco institucional da democracia” [obs. minha: Ele deve ser certamente um espírito irônico] reconhece seus gravíssimos defeitos. Entre eles, o de que é demasiadamente prolixa e redundante: “permeada de artigos e princípios, alguns deles detalhados e regulamentados por meio de leis ordinárias, que conspiram contra o desenvolvimento sustentado.” (Jornal do Commercio, 7/10/2008).

 

Dentre as distorções encontráveis no texto da Constituição, estão um oneroso sistema tributário. De nossa parte, entendemos que Millôr Fernandes estava certo quando disse que quem melhor qualificou o supramencionado sistema foi Winston Churchill quando disse: “Nunca tantos deveram tanto a tão poucos”. E conforme já asseveramos e reasseveramos várias vezes, este mesmo sistema tributário transformou o Brasil na Alemívia: tributos da Alemanha, mas serviços públicos da Bolívia.

 

Concordamos inteiramente com Pögler quando ele caracteriza o sistema como oneroso, burocrático e atrelado à irresponsabilidade fiscal. Em segundo lugar, está a Previdência Social que se tornou ao mesmo tempo deficitária e cruel com os aposentados. Entendemos que uma das causas disso se deve à concessão de aposentadoria a trabalhadores rurais que não contribuíram nem sequer com um centavo para o caixa da Providência – uma medida bem ao estilo do Dr. Ulysses, demagógica e irresponsável. Acresce-se a esse espúrio “direito social”, ainda segundo Pögler, “os avanços acrescidos à já anacrônica legislação trabalhista, estimulando a informalidade dos empregos e limitando o crescimento da massa salarial.

 

De nossa parte, pensamos que o artigo revelador da mais crassa ignorância em matéria de Economia dos constituintes que o aprovaram – com a honrosa exceção de Roberto Campos e poucos outros – foi o que estabeleceu uma taxa de juros fixa quando sabemos que este instrumento de controle do Estado deve receber aumento ou diminuição dependendo de condições variáveis da atividade econômica.  

 

Parece que o pouco que há de bom na Constituição, principalmente no que propicia maior participação dos cidadãos no sentido de exercer seu direito de controlar e fiscalizar as ações do Estado, foi relegado ao esquecimento. Como diz Pögler muito bem:

 

“Nesses 20 anos, quantos projetos de lei da autoria dos cidadãos, nos moldes como prevê a Carta, foram elaborados, encaminhados e transformados em lei? Quantas vezes valeram-se os brasileiros dos mandados de injunção? Nos governos da União, estados e municípios, qual a efetiva representatividade dos empresários, trabalhadores, cientistas e entidades de classe? É triste, mas inevitável, constatar que o País inverteu os valores da Carta Magna, aplicando o que ela tem de pior e negligenciando suas virtudes” (Jornal do Commercio, 7/10/2008). Embora poucas, não podemos negar que as há.

 

Mas a Constituição de 1988 não criou somente entraves econômicos: criou também estorvos de natureza política. Rodrigo Constantino apontou alguns deles cujo o mais grave, segundo pensamos, afeta diretamente a representação política numa república que se diz “federativa”, mas não passa de arremedo grotesco de uma federação:

 

“Um grave problema do Brasil, a desproporcionalidade da representação na Câmara dos Deputados em desfavor do centro-sul, foi bastante agravado com a Constituição de 1988 também. A criação de novos estados na Constituição gerava uma distorção ainda maior, particularmente contra São Paulo. Para eleger um deputado nordestino, com o mesmo poder de um paulista, precisa-se de bem menos votos. Isso cria um deslocamento de poder para as regiões do norte e nordeste, dificultando reformas econômicas que seriam mais facilmente aprovadas se dependessem da escolha do sul e sudeste, que carregam a economia do país nas costas.”

 

E este mesmo autor acrescenta: “Além disso, ao remover quaisquer barreiras, tanto de criação como de representação legislativa dos partidos, a Constituição de 1988 “nos legou um multipartidarismo caótico com partidos nanicos que não representam parcelas significativas da opinião pública, sendo antes clubes personalistas e regionalistas ou exibicionismo de sutilezas ideológicas”. Conforme conclui [Roberto] Campos, ficamos muito mais com uma ‘demoscopia’ que uma democracia.” (R.Constantino: “A Constituição Besteirol” em www.parlata.com.br em 6/10/2008).

 

Diante desses e de muitos outros desacertos da demagógica Carta Política, não temos nenhuma razão para comemorar seus 20 anos, nem teríamos nenhuma para comemorar uma possível revisão constitucional; pois, se é para piorar, é melhor deixar como está.

 

 

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Como citar e referenciar este artigo:
GUERREIRO, Mário. Vinte Anos da (Des)Constituição. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/vinte-anos-da-desconstituicao/ Acesso em: 19 abr. 2024