Direito Constitucional

Indenizações Inconstitucionais

Indenizações Inconstitucionais

 

 

Ives Gandra da Silva Martins*

 

 

A leitura do art. 8º do ADCT não permite a interpretação que lhe outorga a Comissão dos “Indenizáveis”, para garantir, àqueles que se sentem lesados pelo Estado Brasileiro, a percepção de indenizações milionárias, à custa do dinheiro pago pelos contribuintes.

 

O referido dispositivo assegura à quem tenha perdido cargos, empregos, postos ou graduações em

virtude de atos de exceção, praticados no período compreendido entre 18.9.46 a 5.10.88, em decorrência “perseguição sofrida” por motivação exclusivamente política, o direito às promoções inerentes às respectivas carreiras. Assegura, também, reparação de natureza econômica a quem não tenha conseguido outro emprego ou tenha ficado impedido de trabalhar – como aconteceu com os judeus, na Alemanha nazista.

 

Das normas que integram esse dispositivo só pode resultar que, quem, durante o período da ditadura, não ficou impedido de exercer profissão ou ofício remunerado, não pode pleitear senão a diferença entre o que efetivamente percebeu e o que poderia ter percebido, se tivesse permanecido no cargo que ocupava e do qual foi excluído pelo regime de exceção. Caso contrário, uma cláusula pétrea da Constituição Federal, ou seja, a de que todos os brasileiros são iguais perante a lei, restaria duramente ferida.

 

Com efeito, se um militar que tenha sido afastado, vier a receber, pelo período de inatividade, a remuneração a que faria jus na ativa, além daquilo que efetivamente ganhou com trabalho desenvolvido em outros ofícios, durante o período de afastamento, estará, em verdade, recebendo não uma “reparação”, mas um tratamento privilegiadíssimo. Com efeito, além de lhe serem garantidas, automaticamente, todas as promoções, estará ele sendo remunerado duplamente pelo mesmo período de atividade, pois os proventos que lhe forem pagos a título de indenização somar-se-ão ao já recebido em virtude do exercício de outras atividades – muitas vezes, melhor remuneradas que aquelas próprias do serviço militar.

 

Ora, uma Constituição não pode ser interpretada “às avessas”, transformando “reparação” em “privilégio”, ao beneficiar quem não pôde exercer uma determinada função, mas exerceu outras, também remuneradas, à custa de quem pagou e paga os tributos. Note-se que já lhe é assegurada a progressão funcional, ou seja, a prerrogativa de ultrapassar, automaticamente, os que, permanecendo na ativa, tiveram de preencher todas as condições para galgar as promoções próprias da carreira.

 

Como intérprete da Constituição e antigo professor titular de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie, só vejo uma forma de conciliar o art. 8º com o artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal: qualquer reparação de natureza econômica a ser outorgada –em matéria de títulos, patentes e promoções, não faço restrição- deve levar em conta aquilo que o destinatário recebeu, durante o período em que esteve afastado, pelo exercício de outras atividades remuneradas, deduzindo-se, daquilo que teriam, teoricamente, a receber, o que efetivamente receberam em outros ofícios.

 

Só desta forma, não se criará uma casta de privilegiados à custa de 180.000.000 de brasileiros, que, mediante o pagamento de tributos diretos e indiretos, são os que estão pagando esta conta.

 

Para que se tenha noção do escândalo indenizatório instaurado no País, basta considerar que, pouco mais de 30.000 beneficiários –fala-se que podem chegar a 60.000- receberão mais de 3 bilhões de reais, ou seja, quantia superior à que o governo pretendeu arrecadar com a naufragada M.P. n. 232 (2 bilhões e meio) e que provocou a maior reação popular dos últimos tempos contra a curra tributária que a sociedade vem sofrendo.

 

É interessante notar que o § 1º do art. 8º do ADCT, declara:

 

“§ 1º – O disposto neste artigo somente gerará efeitos financeiros a partir da promulgação da Constituição, vedada a remuneração de qualquer espécie em caráter retroativo”,

 

de forma que não há critério exegético que legitime a “soma de felicidades” que estão recebendo.

 

Se a norma fala em “efeitos financeiros”, estes só podem ser aqueles decorrentes da reparação ao efetivo prejuízo experimentado pelo lesado durante o período. Se ele, entretanto, trabalhou e ganhou mais do que ganharia se tivesse permanecido no cargo de que foi afastado, à evidência, os “efeitos financeiros” do trabalho desempenhado foram melhores do que os que teria auferido, se o afastamento não tivesse ocorrido, não havendo o que indenizar.

 

Por fim, o art. 9º do ADCT não se aplica senão a pouquíssimas situações em que a cassação ou suspensão dos direitos políticos tenha decorrido de determinação especial do então Presidente da República e que esteja eivada de grave vício, devendo, o pedido, ser diretamente dirigido ao Supremo Tribunal Federal.

 

É necessário que o Ministério Público, a bem do Erário e de 180 milhões de brasileiros, procure investigar se a Constituição, nesta hipótese, está sendo bem interpretada ou se o que está havendo é um festival de generosas “doações” outorgadas pelo Tesouro e pela Comissão a 0,04% da população do Brasil.

 

 

SP., 30/03/2005.

 

* Advogado tributarista, professor emérito das Universidades Mackenzie e UniFMU e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, é presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, do Centro de Extensão Universitária e da Academia Paulista de Letras.

 

 

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Como citar e referenciar este artigo:
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Indenizações Inconstitucionais. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/indenizacoes-inconstitucionais/ Acesso em: 28 mar. 2024