Direito Constitucional

A Criação da Ação Civil Pública

 

Ação civil pública

 

Acesso à JUSTIÇA

 

A proteção do meio ambiente relacionado ao acesso a justiça é um tema com bastante discussão no meio jurídico, está relacionado com o sistema de intermédio do qual se permite às pessoas reivindicarem os seus direitos e resolverem os seus litígios, e  seja igualmente acessível à toda sociedade sem nenhum tipo de discriminação dos direitos reconhecidos e produza resultados justos no sentido individual e social.

 

Mauro Cappelletti entende da seguinte forma:

 

Foi essa ótica, então, que se passou a encarar o acesso à justiça, incluindo entre os mais elementares direitos do homem, em qualquer sistema jurídico verdadeiramente igualitário, que pretenda garantir efetivamente, e não proclamar, os direitos de todos.

 

Ainda nessa ótica Cândido Dinamarco diz:

 

Nesse sentido, o acesso à justiça aparece não só como um simples ideal ou uma mera promessa generosa do Estado contemporâneo, mas, sobretudo, como um dos pilares fundamentais do Estado democrático de direito no mundo moderno, sem o qual a democracia não se realiza concretamente.

 

O acesso à justiça tem se formado uma grande celeuma da proteção jurisdicional ao meio ambiente,  visto que, a dimensão exacerbada da degradação ambiental promovida pelo homem ao logo do tempo, que notoriamente o consumo desenfreado dos recursos naturais, e pela imensa poluição das águas, como por exemplo.

 

Doravante, surgiram respostas legislativas a essa necessidade e assim de forma progressiva acompanhou, de certo modo, a própria evolução da concepção de proteção ao meio ambiente no curso dos anos. No início, originaram-se normas destinadas à tutela  de elementos  isolados da natureza, como o Código Florestal, Lei de Proteção a Fauna, o Código de Pesca. Na seqüencial, dentro de uma ótica mais abrangente, foram editadas leis com fito de preservar a poluição da água, ar, e solo, e as relativas a parque e a áreas naturais protegidas, sempre com a visão de preservar o ecossistema.

 

Alvaro Luiz Valery Mirra com muito conhecimento tece assim:

 

O ponto máximo desse processo evolutivo, ao nosso ver, foi reconhecimento de que a preservação da qualidade ambiental é de interesse de toda a coletividade, com os estudos que se desenvolvem já das décadas de 1970 e 1980 a respeito dos denominados interesses difusos, que depois avançou até a consagração, na Constituição de 1988, do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, como direito humano fundamental.

 

Nesses termos, a necessidade da proteção do meio ambiente como condição indispensável à preservação da vida e da dignidade das pessoas como um fator de desenvolvimento para os países.

 

Enfim, a preservação da qualidade ambiental como interesse difuso, a todos pertencentes indistinta e indivisivelmente, nascendo como um caminho para a proclamação do direito ao meio ambiente como direito fundamental do indivíduo, cuja garantia é essencial à consolidação de qualquer projeto democrático, cumpria, sem dúvida, a partir daí, a sociedade munir de instrumentos jurídicos com capacidade de surtir efeitos de interesse ou de direito abrangendo o coletivo com normas destinadas à proteção ao meio ambiente com o respaldo do Poder Judiciário.

 

Doravante, após toda a dificuldade em se buscar o direito lesado, acabou por exigir uma tutela que fosse bastante forte, moderna e inovadora, esse instrumento é chamado de Ação Civil Pública da lei 7.347/85 – com intento de propiciar o acesso a justiça para a defesa do meio ambiente, e ainda o patrimônio de todos, ou seja, buscando preservar algo que é coletivo.

 

O ponto de partida para o acesso a justiça com objetivo de preservar o meio ambiente foi a constatação da insuficiência do sistema processual tradicional para a tutela de todos, assim comprometendo uma justiça eficaz, em questões ambientais e sua qualidade.

 

Tais problemáticas judiciais enfrentadas são relatadas por vários autores, pelo o que passa-se a transcorrer esse ponto com mais clareza o autor Enrico Tullio Liebman:

 

Como apontado pela doutrina especializada, o processo civil, entre nós, na sua origem e nas codificações que se sucederam, foi estruturado para ser palco e veículo de disputa envolvendo direitos individuais e conflitos intersubjetivos, dentro de uma concepção individualista e formal, de inspiração liberal, que invariavelmente privilegiava a tutela de situações de confronto entre indivíduos isolados ou dispostos em grupos bem definidos  ou entre estes e o Estado, Considerado ele mesmo, no âmbito processual, uma pessoa singular.

 

E ainda tecendo nesse sentido:

 

O próprio direto de ação, inclusive, em tal contexto, sempre  foi definido como um direito subjetivo , posto à disposição da pessoa, para fazer valer direitos próprios  e individuais.

 

Com relação a essa orientação pode-se entender que só era legitimo ingressar em juízo, o sujeito que era ou afirmava ser titular da relação jurídica material, vedada a defesa em nome próprio de direito alheio, salvo expressa orientação legal (art. 6 do CPC). Mesmo ainda vislumbrando a existência de interesse público a e ser defendido no processo, o intuito do ordenamento jurídico era legitimar ação de órgãos estatais, como o Ministério Público, representante do Estado, monopolizando a tutela de interesses que ultrapassam a esfera individual e privada das pessoas.

Nessa linha de entendimento tece Ada Pellegrini Grinover:

 

Ainda, de cunho, individualista, os efeitos diretos da sentença e a autoridade de coisa julgada sempre permaneceram limitados às partes do processo, não se admitindo que pudesse beneficiar ou prejudicar terceiros estranhos à relação jurídica processual, exceto em situações excepcionais (art. 472 do CPC).

 

E ainda discorrendo sobre esse tema Mauro Cappelletti diz:

 

Ademais, nesse interesse processual clássico o direito de acesso a proteção judicial significava essencialmente o direto formal do indivíduo agravado de propor ou contestar uma ação, incumbido àquele que se dispusesse a enfrentar uma batalha judicial arcar com todos os encargos a tanto necessários. Tal peculiaridade do sistema jurídico judicial encontrava reflexo significativo nas normas relacionadas às despesas do processo, notadamente a do ônus do adiantamento das despesas processuais para a prática dos atos e elas correspondentes, com o reembolso final pelo vencido, sobre quem recaía, ainda, o pagamento dos honorários do advogado vencedor – excetuados os casos de assistência judiciária gratuita.

 

Cumpre salientar que essa busca pela tutela jurisdicional só era alcançada por aqueles que tivessem condições de arcar com as custa processuais, ao passo, que os que não tinham esse poder aquisitivo, ficariam a mercê de sua própria sorte.

Rodolfo de Camargo tece abaixo com muita sabedoria:

 

Com efeito, com a contínua e progressiva ocorrência de agressões ao meio ambiente percebeu-se que uma das características marcantes da proteção ambiental era de não ser um interesse ou direito meramente individual, vale dizer, pertencente a uma ou algumas pessoas apenas, e de índole privada, nem propriamente, um interesse público, com tradicionalmente entendido, ou seja, aquele que, embora relacionado com interesses primordiais da sociedade, tem como titular único, na persecução da sua satisfação, o estado, na condição de representante da coletividade.

 

O direito processual, em se tratando de direito difuso, não atrelado a tutela exclusiva de Estado, seria inviável reunir todos os titulares do direito a preservação do meio ambiente, ou seja compilar todas partes do pólo ativo da demanda, surgindo a figura do litisconsórcio necessário, apesar do julgamento da causa restar por atingir o inevitavelmente todos os membros da sociedade, inclusive aqueles que não são partes. Então quem seria parte legítima para propositura da ação em defesa do meio ambiente?, como definir um líder que possa representar todos em um feito.

 

Essas indagações se perpetuaram por muito tempo, pois além de eleger  alguém que pudesse lutar em juízo pleiteando direitos coletivos em prol do meio ambiente, estaria indo em confronto com ao art. 6o do Código de Processo Civil, que dispõe que ninguém pode atuar em juízo defendendo em nome próprio direito alheio, porém são substituições processuais permitidas pela lei.

 

O autor José Carlos Barbosa Moreira em sua obra A Proteção Jurisdicional dos Interesses Coletivos e Difusos diz:

 

Como era natural, a tendência inicial foi a de caminhar na direção de uma “adaptação criativa” dos institutos processuais existentes às novas exigências da tutela jurisdicional dos interesses difusos de maneira geral, independente da revisão global do sistema, tendo em vista, sobretudo, a necessidade de propiciar o quanto antes a proteção judicial a esses novos direitos, que não poderia ficar no aguardo da intervenção do legislador para instituição de instrumentos específicos.

Na adaptação constante dos direito romanos às necessidades do direito moderno, muitos doutrinadores defendem a legitimação do interesse de agir na hermenêutica menos rígida e mais aberta as regras para a legitimação de agir, a fim de serem eliminados, ou ao menos contornados, as barreiras resultantes do art. 6 do CPC.

 

Foram realizadas muitas discussões doutrinarias, e em alguns casos foram apontados como melhor solução  a propositura das ações em defesa do meio ambiente a admissão da legitimidade do ministério Público e o reconhecimento da legitimação ordinária das pessoas individualmente consideradas ou dos cidadãos e das associações civis sem fins lucrativos dedicadas ao meio ambiente.

 

O autor  Antonio Augusto Mello de Camargo tece nesse sentido:

 

No tocante ao Ministério Público, pesavam a seu favor a atribuição pioneira de sua legitimidade para agir nas ações de responsabilidade civil por danos ao meio ambiente, por força de expressa disposição da Lei n. 6.938/81. – do que decorria logicamente a sua legitimidade para outras medidas correlatas, como as ações cautelares e as execuções das sentenças proferidas nas ações de conhecimento – e o fato de ser o Parquet, no sistema brasileiro, o tutor natural do interesse público no processo (arts. 81 e 82, III, do CPC), habituado, assim, à defesa desinteressada dos direitos e interesses indisponíveis da sociedade.

 

Ministério Público, ademais, mais quotado para assumir assim a posição de legitimado para tutelar em juízo, esse entendimento estava prevalecendo não só na doutrina mais também nas jurisprudências, pois atuando nas ações como parte estaria isento de adiantamento de custas, e despesas judiciais, e ainda não estaria sujeito à condenação do pagamento final de honorários advocatícios, na eventualidade de julgamento de improcedência da demanda.

 

Em termos genéricos, como acentuava José Carlos Barbosa Moreira:

 

Essa solução da legitimação concorrente e disjuntiva de todos os titulares do interesse difuso à qualidade ambiental harmonizava-se tranquilamente com a sistemática do ordenamento jurídico nacional, em que não  se podia ter como estranho o fenômeno de uma pessoa reclamar em juízo a satisfação de interesse ao mesmo tempo ”próprio” e ”alheio”. Já o Código Civil, pode exemplo, ao tratar das obrigações indivisíveis, estatui, no art. 892, 1 parte, que “se a pluralidade for dos credores, poderá cada um destes exigir a dívida inteira”. Assim, prosseguia o autor, sendo a indivisibilidade, precisamente, uma das características essenciais da estrutura dos interesses  difusos, bastaria, resolver o problema, operação hermenêutica simples, que desprende da acepção rigorosamente técnica as palavras “credores” e  ”dívida”.

 

Com fito de uma interpretação mais aberta da norma do art. 6 do CPC, à luz de princípios constitucionais que recomendavam a solidariedade e estimulavam a organização de associações, não só para fins de recreação, como também para o bem estar da sociedade, e de normas da legislação a certos entes representativos de comunidade de interesses, muitas vezes sem personalidade jurídica, além da aplicação às avessas da teoria do superamento da Personalidade jurídica.

 

Assim, das palavras de Ada Pellegrini Grinover, é importante citar:

 

Em relação ao Ministério Público, temia-se, por exemplo, a circunstância de tratar de órgão estatal estritamente ligada ao Poder Executivo, com a vinculação capaz de comprometer a independência de seus membros no exercício de suas funções, quando estivessem diante da necessidade de atuar para prevenir ou coibir agressões ambientais oriundas da ação ou omissão de organismos ou agentes públicos. Segundo se entendia, tal ligação do Ministério Público com os Órgãos de governo tornava insatisfatória, ou no mínimo insuficiente, a solução de admiti-lo como legitimado exclusivo para as demandas ambientais.

 

E ainda tecendo nesse sentido:

 

No que concerne à legitimidade dos indivíduos e cidadãos, o problema maior na aceitação dessa solução, como alternativa válida, estava na dificuldade de conseguisse a mobilização das pessoas para, isoladamente, fazerem valer o seu direito ao meio ambiente. Considera-se improvável que o cidadão se sentisse estimulado a envolver-se sozinho em complexas batalhas judiciais para a defesa de direito ou interesse coletivo que, apesar de ser acima de tudo seu próprio, não teria, no mais das vezes, repercussão positiva direta e imediata em sua esfera pessoal e patrimonial. E sem a respectiva de obtenção de mau vantagem pessoal concreta da demanda, notadamente de ordem econômica, dificilmente alguma pessoa aceitaria assumir o risco de ser condenada ao pagamento das despesas processuais e honorários de advocatícios da  parte contrária, na eventualidade de derrota no processo, e muito menos de ter ressarcir o seu opoente ser prejuízos sofridos, se sua iniciativa judicial fosse caracterizada como litigante de má-fé.

 

A dificuldade de suportar os custos do processo, aliás, ficará ressaltada quando ao ingresso das demandas em juízo das associações civis para a tutela do meio ambiente, por serem entidades sem fins lucrativos tinham que arcar com tais despesas. Todo esse problema, supracitado nesse capítulo, comprometiam sem dúvida, a viabilidade de um adequado para a justiça com relação a proteção ao meio ambiente, como se isso não bastasse, outros pontos críticos foram identificados.

A questão dos limites subjetivos da coisa julgada, foi outra questão enfrentada, pois tinha como características da tutela jurisdicional do meio ambiente, como bem indivisível e a todos pertencentes, deixava claro que as sentenças das demandas iriam de encontro inevitavelmente a todos os membros da coletividade, mesmo que não tinha relação com o processo iniciado. Assim surgia a dúvida sobre os limites subjetivos da coisa julgada, haja vista causar polêmica em função do art. 472 do CPC que diz:

 

Art. 472. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros.

 

As doutrinas oscilavam ao tema da atribuição de eficácia ultra partes e erga omnes à coisa julgada e a não incidência  da autoridade de coisa julgada e nem inter partes, nas demandas de tutela de interesse público.

 

Assim discorre Mauro Capelletti:

 

Para os partidários da primeira orientação – da coisa julgada ultra partes, impunha-se admitir a extensão dos efeitos da sentença e da autoridade de coisa julgada a terceiros, em função da própria natureza do direito ou interesse pleiteado, em que a sua satisfação a todos aproveita indistinta e indivisivelmente, já que os terceiros são também co-titulares do direito ou interesse discutido em juízo. Nesses termos, a extensão do julgado ultra partes e, ainda, erga omnes aparecia como conseqüência natural e inevitável das peculiaridades dos interesses difusos, como relativo à proteção do meio ambiente.

 

Solução ainda meio ortodoxa, era a de as sentenças proferidas nas ações para tutela de interesses difusos não adquirem autoridade de coisa julgada.

 

Como muito bem coloca Alvaro Luiz Valery Mirra em sua obra:

 

Tratava-se de enfoque distinto do anterior, onde não só admitiu a coisa julgada como se pleiteou sua extensão a terceiros. Entendia-se que se deveria admitir a extensão da eficácia da sentença erga omnes nessas ações coletivas, mas não a autoridade de coisa julgada, a qual não incidiria sequer inter partes. Haveria, tão somente, coisa julgada formal, a fim de evitar o prolongamento indefinido da ação, mantendo-se aberta, porém, a possibilidade de rediscussão do julgado, não tornando imutável.

 

E ainda Monteleone Girolamo diz:

 

O reconhecimento de eficácia ultra partes da coisa julgada, segundo se dizia, corria o risco de pôr em xeque garantias processuais das partes de jurisdição, da maior relevância, inerentes à limitação subjetiva do julgado, quais sejam, as do contraditório e do direito de defesa, que impõem a obrigatoriedade de possibilitar-se às partes terem efetiva ciência dos atos  e termos do processo e concreta possibilidade de defenderem-se no desenrolar da relação jurídica processual. Assim, vincular à coisa julgada terceiros que não foram parte no processo,  que não tiveram nem direito, nem o ônus de se manifestar sobre as questões decididas, poderia significar violação a princípios constitucionais processuais fundamentais, além de desprezo à indispensabilidade de tratamento igualitário das partes nas relação jurídica processual.

 

Por outro lado:

 

A admissão da coisa julgada, inclusive como garantia constitucional, decorre de uma opção política do legislador no sentido de prestigiar a segurança extrínseca das relações jurídicas, a existir um limite no tempo para controvérsias, reconhecido como valor indispensável à estabilidade dos direitos. Dessa forma, afastar a eficácia da coisa julgada, consistente naquela qualidade de imutabilidade que se agrega aos efeitos da sentença, nas ações para defesa do meio ambiente e de outros interesses difusos, poderia levar, na prática, a eternização dos litígios, com o conseqüente comprometimento da segurança da segurança e certeza jurídica, essenciais à estabilidade das relações reguladas pelo direito, sujeitando, notadamente o réu vencedor, à contingência de repetição indiscriminadas da mesma demanda.

 

De tal sorte, em qual situação escolhida, poderíamos concluir, que o único norte verdadeiro insatisfatório seria o do art. 472, que está na primeira parte da CPC, ou seja, que há a necessidade de intervenção legislativa  para regular a matéria  dos interesses difusos, e sempre em conformidade com as garantias do devido processo legal.

 

As tutelas preventiva e reparatória, quando começaram a discutir  a respeito da tutela jurisdicional do meio ambiente, foram logo evidenciadas quando surgiram as agressões, assim, uma vez consumada uma degradação ambiental, logo a sua reparação invariavelmente aparece como medida complexa, e geralmente, custosa, destacando a relevância do caráter preventivo.

 

Muito bem destaca sobre as tutelas preventiva e reparatória o autor José Carlos Barbosa Moreira:

 

Entretanto, o entendimento generalizado era de que o direito brasileiro dispunha de poucos instrumentos tipicamente preventivos, impondo-se, no mais das vezes, recorrer às relações cautelares, com as limitações inerentes a esse tipo de tutela , como regra destinada tão-só a assegurar a viabilidade da realização do direito afirmado, objeto, por seu turno, de discussão e acertamento em outro processo, do qual aquela é meramente instrumental. Faltavam, de fato, instrumentos que permitissem, no bojo do próprio processo de conhecimento, a tutela preventiva de urgência das agressões à qualidade ambiental.

 

Na tutela reparatória, verifica-se a dificuldade de avaliação econômica dos danos ambientais, visto que o meio ambiente é um bem extraordinário, sem valor a mensurar, assim, surgiu também a questão relacionada com os destinatários da reparação pecuniária eventualmente concedida e da utilização do dinheiro vindo da condenação da demanda judicial.

 

Destarte, depois dessa odisséia jurídica, foi criada, então a Lei 7.347/85, a ação civil pública para a efetiva proteção ao meio ambiente e outros interesses difusos nelas especificados, é o que será analisado nó próximo subcapítulo.

 

 

Criação da ação civil pública

 

Após a saga jurídica para a proteção ao meio ambiente, foi criada a Ação Civil Pública instrumento próprio especifico para a institucionalização do acesso a justiça e com fito de proteger o meio ambiente. Essa ação foi inspirada em alguns dispositivos da lei da ação popular e em previsão específica da Lei n. 6938/81 (art. 14), foi regulamentada pela Lei n. 7.347/85, a qual, por sua vez, sofreu algumas alterações posteriores introduzidas pela Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor).

 

A Lei n. 7.347/85, com todo seu vigor atribuiu ao Ministério Público, a União, aos Estados, aos Municípios, às autarquias e entidades paraestatais e às associações civis ambientalistas, em caráter concorrente  autônomo, a legitimação para a propositura da Ação Civil Pública em pró do meio ambiente.

 

Para esclarecer melhor, Álvaro Luiz Valer Mirra tece nesse sentido:

 

Optou-se, portanto, no sistema brasileiro, pela solução de atribuir legitimidade para a defesa do meio ambiente em juízo, ao mesmo tempo, a organismos públicos e privados, que podem atuar em conjunto ou separadamente, em hipótese caracterizadora de litisconsórcio ativo facultativo (art. 5, caput), evitando, com isso, o monopólio do exercício da ação por único ente legitimado. Procurou, também o legislador, com a legitimação das associações civis, estimular a atuação perante o judiciário das entidades de proteção ao meio ambiente que organizam espontaneamente no seio da sociedade.

 

Com o poder dessa lei, ainda previu a possibilidade de utilização da Ação Civil Pública para a prevenção quanto a reparação de danos, e ainda, instituiu garantias ao cumprimento e a efetividade das decisões judiciais, quanto estas impuserem ao degradador do meio ambiente obrigação de fazer e não fazer – seja a título de preservação, reparação de danos, destacando também a cominação de multa diária para eventual descumprimento da prestação imposta.

 

Ainda no mesmo tema Álvaro Luiz Valery Mirra tece assim:

 

Essa disposição legal revela que, entre nós, preferiu-se solução intermediária entre as duas posições teóricas antes expostas. De fato, ao dispor que a sentença fará coisa julgada erga omne, no caso de procedência ou de improcedência por ser a demanda infundada, encampou o legislador a teoria da eficácia ultra partes direta da coisa julgada. Ao estatuir que, na hipótese de improcedência por deficiência de provas, a sentença não adquire autoridade de coisa julgada, reconheceu-se a prescindibilidade da imputabilidade dos efeitos da sentença em tal circunstância.

 

Em tese o que pretendeu-se com essa matéria foi evitar submeter o réu vencedor a reiteradas ações  infundadas, de forma indiscriminada.

 

Assim, nos mostra Alvaro Luiz Valery Mirra:

 

Procurou-se prevenir, também, com admissibilidade da renovação da demanda na segunda hipótese, o conluio entre o autor legitimado e o réu para a propositura de ações simuladas, as quais, devidos à atuação insatisfatória do demandante na produção de provas, poderiam ser julgadas improcedentes, com a garantia da coisa julgada fraudulenta.

 

Diante disso, foi com essa disciplina legislativa da matéria, advinda pela Lei 7.347/85, que enfrentou problemas com relação ao acesso a justiça com fito de proteger o meio ambiente, e de outros interesses difusos.

 

Para que possamos conceituar a Ação Civil Pública da Lei 7.347/85, é importante citar o autor Enrico Tullio Liebman:

 

É o direito de uma pessoa à obtenção de um provimento judicial, fazendo atuar a lei a uma determinada situação fática, por ela deduzida em juízo.

 

Já José Frederico Marques pensa assim:

 

Sob essa ótica, no âmbito, a ação civil sempre foi vista como um direito subjetivo – direito para agir em juízo em defesa de interesses próprios -; público – pois que dirigido pelo Estado-; autônomo – no sentido de estar desvinculado do direito material -; abstrato – podendo a decisão ser favorável ou desfavorável -; e instrumental – na medida em que é meio e modo para obter a satisfação de uma pretensão de direito material.

 

Nessa vereda, podemos perceber a legitimidade nas ações civil públicas, que esteve ligadas as demandas dirigidas pelo Estado, com intuito de exigir a tutela jurisdicional, já que em aspecto  subjetivo, era exercida pela pessoa  individualmente considerada, e sob o aspecto objetivo, defendendo sempre os direitos ou interesses individuais.

 

Como Lecionava José Frederico Marques, em estrita observância ao nome dado a ação:

 

Ação Civil Pública é toda e qualquer ação proposta perante a jurisdição civil, por algum orgão do Estado. Ação Civil Pública, por exemplo, é o executivo fiscal movido pela União, pelo Estado, ou pelo Município, como também o é a ação de desapropriação, proposta por alguma dessas pessoas jurídicas.

 

É importante ressaltar que a Ação Civil Pública é um direito conferido ao Ministério Público de fazer atuar a função jurisdicional.

 

Alguns autores entendem que o Ministério Publico não possui o monopólio  da Ação Civil Pública, como se infere do que ficou exposto e da circunstância apontada de ter esta, como  sinal específico, a sua propositura e exercício em nome do órgão público, qualquer que seja.

 

Muito bem Waldemar Mariz de Oliveira discorre sobre a Lei 7.347/85:

 

Entretanto, a Ação Civil Pública disciplinada pela Lei 7.347/85 adquiriu maior amplitude, pois o legislador, como referido, atribuiu a legitimação ativa a órgãos públicos e privados, atendendo aos reclamos da doutrina especializada. Nela não há exclusividade nem prioridade na atuação do Ministério Público ou de qualquer outro ente estatal, que podem ser antecedidos na propositura da ação por uma associação civil (art. 5, caput),  bem como terem-na ao seu lado, na qualidade de litisconsorte ativo, na ação por eles proposta.

 

E ainda Alvaro Luiz Valery Mirra tece neste sentido:

 

Com a Lei 7.347/85, que conferiu legitimidade a entes privados para a propositura da Ação Civil Pública, um segundo entendimento hoje dominante, se formou, desfocando a atenção do problema da legitimação e voltando-a para a natureza do interesse material que se pretende protegido pelo Poder Judiciário público será toda ação que tiver por objeto a tutela de um interesse público (latu sensu, significando não-individual).

 

Na mesma linha de raciocínio avança Rodolfo de Camargo Mancuso:

 

(…) parece, que se deve desfocar o critério que permite caracterizar essa ação, como pública: passando do aspecto concernente à legitimação ativa (já que o MP, parte pública, não é o legitimado exclusivo) para o aspecto respeitante ao seu objeto: a proteção de interesses meta individuais, relativos ao meio ambiente, patrimônio cultural, consumidores (…).

 

Diante do exposto, podemos verificar que a natureza jurídica da Ação Civil Pública para a tutela de interesses difusos é especialíssima, assim Álvaro Luiz Mirra diz:

 

Primeiro, porque não se está diante de um direito subjetivo, já que a legitimação para a causa, foi atribuída a órgãos públicos e privada que não atuam em defesa de direitos próprios e individuais, excluída, ainda, a iniciativa dos cidadãos individualmente considerados. Segundo, porque a ação covil pública não visa à tutela de interesses e direitos individuais, mas de interesses e direitos supraindividuais que não têm no Estado o titular do monopólio na persecução da sua satisfação.

 

Ademais, cabe salientar que o Ministério Público, como um dos legitimados para ingressar com a Ação Civil Pública, não se pode dizer apenas que é o seu direito em exercício, mais sim, o dever-poder de atuar na jurisdição em prol do meio ambiente e outros interesses difusos.

 

Foi destacado anteriormente que, as principais características da proteção ao meio ambiente, é o interesse difuso, está evidenciado supraindividualmente. Assim não tem o Estado o titular único na defesa do direito tutelado, e sim, como um representante da sociedade, que aparece como o responsável pela defesa da degradação da qualidade ambiental devidamente representado pelo Estado.

 

Como muito bem explicita, e merece destaque, a doutrina de Ada Pellegrini Grinover:

 

Salva à vista o aspecto político da tutela dos interesses difusos, na medida em que é evidente que os procedimentos normais de mediação  do sistema político mostraram sua insuficiência, daí resultado o conflito de massa.

 

Falar na existência dos interesses difusos, pretender sua tutelabilidade, e ainda criar o instrumento necessário com fito de efetivar a proteção, ou seja acolher novas formas  de participação, como um artifício de racionalização do poder.

 

Contudo, não podemos duvidar do interesse dos detentores do poder, econômico e político, no sentido de controlar e absolver o alto índice de conflitos meta individuais existentes pelos interesses difusos.

 

O nosso ordenamento jurídico, envolve a participação popular na proteção ao meio ambiente que está previsto no art. 1, da Constituição Federal, e, como regra específica em matéria ambiental, no art. 225, caput, também na carta magna.

 

O autor Fabio Konder Conparato merece destaque quando diz:

 

De forma genérica, o art. 1, parágrafo único, da CF diz que “todo poder emana do povo que exercer por meio de representantes eleitos ou diretamente (…). Definiu o constituinte, com tal fórmula, por um lado, quem é o titular da soberania no Brasil, como poder supremo na sociedade brasileira – o povo -, e, por outro lado, de que a forma a soberania será exercida  entre nós – por meio de representantes ou diretamente  – instituindo-se no país um regime de democracia semi-direta”.

 

E ainda Álvaro Luiz Valery Mirra completa o raciocínio:

 

O art. 225, caput, da CF, tantas vezes citado, por sua vez, consagrou o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e qualificou o meio ambiente como um bem de uso comum do povo, pertencente à coletividade e insuscetível de apropriação por quem quer que seja – o particular ou o Estado . E porque o meio ambiente pertence indivisivelmente a todos os indivíduos da sociedade, que têm o direito à sua manutenção de forma ecologicamente equilibrada, existe a necessidade de  grupo social participar  ativa e diretamente na preservação  desse “patrimônio”que lhe pertence. Não foi outra razão, inclusive, que a Constituição de 1988, ao lado de consagrar o direito de todos ao meio ambiente, impôs à coletividade também o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

 

Contudo, verifica-se que a integração popular em defesa ao meio ambiente advêm da própria essência do regime democrático que se pretende instaurar no país, claro, sempre atendendo e seguindo a nossa Carta Magna.

 

Nesse sentido tece Fabio Konter Comparato:

 

Entre os mecanismos de participação popular na defesa do meio ambiente estão previstas,  no ordenamento jurídico nacional, a participação nos processos de criação do direito ambiental, a participação na formação e na execução de políticas públicas ambientais e a participação judicial, ou seja, por intermédio do Poder Judiciário.

 

De acordo com o Diogo de Figueiredo Moreira Neto:

 

Tal modalidade de participação política por intermédio do Judiciária justifica-se plenamente como forma de assegurar vigilância e controle mais amplos sobre a legitimidade da ação  do Estado e de outras entidades, estatais ou não,  no tocante a valores sociais extremamente sensíveis, como os abarcados pelos interesses e direitos meta individuais, cuja afirmação ou sacrifício podem repercutir ponderavelmente sobre a toda a sociedade.

 

Ademais, é importante ressaltar que são muitos os instrumentos processuais que servem à participação popular na proteção ao meio ambiente, a saber, ação direta de inconstitucionalidade de leis e atos normativos contrários aos princípios constitucionais de preservação ambiental e a ação de inconstitucionalidade por omissão; a ação popular, tendente à anulação  ou declaração de nulidade de atos administrativos efetiva ou potencialmente lesivos ao meio ambiente e à reparação  de danos ambientais resultantes de tais atos; o mandado de segurança coletivo, também para anulação ou declaração de nulidade de atos administrativos lesivos ao meio ambiente; o mandado de injunção, para casos em que a ausência de normas regulamentadora torne inviável o exercício do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado; e a ação civil pública da Lei. 7.347/85 ora estudada, de todos o mais amplo instrumento processual, já que por seu intermédio pode-se obter a anulação ou a declaração  de nulidade de atos administrativos lesivos ao meio ambiente, a responsabilização civil do degradador por danos ao meio ambiente, seja física ou jurídica, inclusive com obrigação de fazer, ou não fazer.

 

O autor Diogo de Figueiredo Moreira Neto ressalta algo importante:

 

Importa observar, neste passo, que o legislador federal, na ação civil pública da Lei. 7347/85, privilegiou a participação judicial semi-direta na defesa do meio ambiente, ao atribuir a iniciativa da ação civil pública apenas aos denominados “grupos ou instituições sociais secundários” –  no caso, o Ministério Público e as associações civis ambientalistas – que se encontram em posição intermediária entre os cidadãos e os representantes eleitos pelo povo, afastada a participação direta das pessoas individualmente consideradas, que não tiveram reconhecida sua legitimidade ativa para a causa.

 

E ainda suscitando nesse tema Celso Antonio Pacheco:

 

No que concerne às associações civis, cumpre ressaltar que sua relevância decorre, primordialmente, do fato de serem entidades criadas espontaneamente no seio da sociedade, pela vontade e iniciativa de indivíduos e cidadãos, desvinculados do Estado e livres de qualquer tipo de controle estatal, constituídas com o fim institucional específico de atuar em defesa de um interesse difuso e coletivo, sem conotação corporativista.

 

O Ministério Público, no tocante, impõe-se anotar que, mesmo sendo um órgão concernente ao Estado, substancialmente, pela sua atuação, tem se notabilizado como órgão da sociedade.

 

em nossa Carta Magna de 1988 disciplina que o Ministério Publico encontra-se em capítulo distinto daquele destinado aos poderes do Estado, assegurada a sua independência frente ao Legislativo, ao Judiciário e, sobretudo, ao Executivo, vedada, ainda, expressamente a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas (art. 129, IX).

 

Com relação a evolução histórica do Ministério Público é interessante registrar a análise de Marcelo Pedroso Goulart:

 

O caminho percorrido pelo Ministério Público brasileiro e a sua mutação histórica demonstram que a Instituição  transforma-se e constrói a sua nova identidade a partir das exigências sociais, respondendo às novas demandas postas por uma sociedade urbana-industrial cada vez mais complexa e conflituosa, permeada pela ação permanente de novos agentes coletivos, que emergiram e continuam a emergir no processo de mudanças estruturais que se aceleram sobretudo a partir de meados do século XX. O fortalecimento da sociedade civil brasileira impôs a estruturação  de um Ministério Publico independente e vocacionado pela  defesa dos interesses sociais e dos valores democráticos. A interação  desses novos e múltiplos e sujeitos políticos coletivos provoca a abertura de novos espaços de participação, a conquista de direitos e ampliação da cidadania. O Ministério Público apresenta-se, em seu novo perfil, como agente-parceiro da consolidação  e ampliação desses novos espaços, servindo de canal privilegiado às demandas que visam a concretização dos novos direitos e o resgate da cidadania da parcela majoritária da população brasileira que vive à margem dos processos políticos e econômico.

 

Em tese, essas linhas gerais suscitadas, são de fato os principais aspectos relacionados a criação da Ação Civil Pública da Lei. 7.347/85 no direito brasileiro, dentro de todo o contexto jurídico, político e científico, que consequentemente orientou o movimento para o acesso a justiça, toda essa odisséia jurídica foi com um único objetivo, dar a dimensão verdadeiramente publicista à ação e ao processo civil, sem o que o direito fundamental ao meio ambiente, formalmente reconhecido, permanecia sem efetiva proteção.

 

* Allisson Acioli Soares, advogado, graduado em 2008 pela Faculdade de Direito de Itajaí – UNIVALI, SC, com especialização em Direito Ambiental, e com atuação profissional nas áreas do Direito Civil, Penal, Trabalhista, Ambiental e Empresarial. Sócio titular da Empresa ACIOLI ADVOGADOS, com sede em Joinville/SC, Contato: (47) 3435-5055-8814-8141

 

Como citar e referenciar este artigo:
SOARES, Allisson Acioli. A Criação da Ação Civil Pública. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/a-criacao-da-acao-civil-publica/ Acesso em: 28 mar. 2024