Direito Constitucional

Orçamento Anual – Processo Legislativo**

Orçamento Anual – Processo Legislativo**

 

 

Kiyoshi Harada*

 

 

A lei orçamentária anual – LOA – é aquela que abrange o orçamento fiscal (receitas e despesas), o orçamento de investimentos das empresas estatais e o orçamento da seguridade social (§ 5º do art. 165 da CF). O orçamento fiscal da União abarca os três Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, além das fundações instituídas e mantidas pelo poder público.

    

Esses três orçamentos inter-relacionam-se com o plano plurianual – PPA – que estabelece diretrizes, objetivos e metas da administração, para um período superior a um ano, bem como com a lei de diretrizes orçamentárias – LDO – à qual, cabe selecionar as metas e objetivos viáveis a serem alcançados, através de recursos provenientes do orçamento anual. Por isso, afirmamos que a existência, entre nós, do plano plurianual não prejudica o princípio da anualidade orçamentária, porque aquele não tem caráter dinâmico-operativo, próprio do orçamento anual.

    

O orçamento anual é aprovado por uma lei de natureza concreta, de iniciativa exclusiva do Poder Executivo, para vigorar por um período de um ano que, desde o Brasil-Império, tem coincidido com o ano calendário, isto é, aquele período que vai de 1º de janeiro a 31 de dezembro.

    

O Poder Judiciário e o Ministério Público, em razão da autonomia orçamentária deverão elaborar suas propostas orçamentárias dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias (art. 99, § 1º e art. 127, § 3º da CF), sendo que a proposta do Judiciário, no âmbito da União, é encaminhada pelos Presidentes do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores (art. 99, § 2º da CF). O Poder Executivo, ao receber as propostas orçamentárias parciais de outros Poderes e do Ministério Público deverá unificá-las, juntando-as à sua proposta e proceder aos ajustes necessários, para resultar na proposta orçamentária anual equilibrada do ente político, a ser enviada ao Poder Legislativo. Se a soma das despesas consignadas nas propostas parciais exceder o total da estimativa de receitas, o ajuste só poderá ser feito na forma de cortes de despesas. Isso porque as estimativas de receitas não podem ser aleatoriamente alteradas. As previsões de receitas, na forma do art. 12 da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF -, devem considerar os efeitos das alterações na legislação tributária, a variação de índice de preços e o crescimento da economia, ou qualquer outro fator relevante que possa, em tese, influir na arrecadação. Além disso, essas estimativas de receitas devem estar acompanhadas de demonstrativos de sua evolução nos últimos três anos, da projeção dos dois seguintes a que se referirem, assim como da metodologia de cálculo, tudo nos moldes do que já prescreviam os artigos 29 e 30 da Lei nº 4.320/64. Não podendo aumentar as estimativas de receitas, feitas com base em critérios legais e mediante observância de metodologia igualmente prescrita em lei, só restará ao Chefe do Executivo efetuar cortes nas despesas projetadas. Esse corte poderá recair sobre qualquer uma das propostas parciais. É obrigação do Chefe do Executivo enviar ao Poder Legislativo, até o final do mês de agosto de cada exercício, a proposta orçamentária anual equilibrada. O desequilíbrio pode ocorrer na execução orçamentária, jamais, na proposta orçamentária. A questão do ajuste final do projeto orçamentário, portanto, nada tem a ver com o princípio federativo da independência e harmonia dos Poderes. Eventual remanejamento de verbas dar-se-á no âmbito do Poder Legislativo, na oportunidade própria, como veremos a seguir. O direcionamento de despesas pela LOA deve respeitar a vontade média da população, pois, essa lei outra coisa não é senão o instrumento do exercício de cidadania, significando prévio consentimento popular na realização de despesas fixadas. Positivando práticas observadas por algumas Municipalidades, a Lei nº 10.257, de 10-7-2001, conhecida como Estatuto da Cidade, em seu art. 43, instituiu a chamada gestão orçamentária participativa, tornando obrigatória a realização de debates, consultas e audiências públicas como condição para aprovação, pela Câmara Municipal, dos projetos de leis versando sobre o orçamento plurianual, diretrizes orçamentárias e orçamento anual. A familiarização da sociedade com os instrumentos orçamentários é de suma importância para o pleno exercício da cidadania, participando no sistema de direcionamentos das despesas públicas, bem como fiscalizando a fiel execução do que foi aprovado (ver § 2º do art. 74 da CF). Nos âmbitos estadual e federal não é obrigatória a observância do princípio da gestão orçamentária participativa, quer porque esse princípio é um dos instrumentos de execução da política de desenvolvimento urbano, de competência municipal (art. 182 da CF), quer em razão da notória dificuldade de os membros da comunidade dirigirem-se às Casas Legislativas estaduais e ao Parlamento Nacional. É claro que nada disso impede, ao contrário, seria salutar o entendimento prévio do Chefe do Executivo com os Chefes de outros Poderes, sempre que precisar fazer cortes das despesas projetadas nas propostas parciais.

    

O projeto de lei orçamentária anual é apreciado pelas duas Casas do Congresso Nacional, na forma do regimento comum, sendo, desde logo, examinado por uma comissão mista permanente de senadores e deputados, que emitirá o parecer. Cabe à aludida comissão receber as emendas consignando o parecer acerca delas para ulterior apreciação pelo Plenário do Congresso Nacional (art. 166, §§ 1º e 2º da CF). O cabimento de emendas obedece a critérios peculiares previstos no § 3º do art. 166 da CF. O poder dos parlamentares, nesse particular, é bem mais amplo do que no regime constitucional antecedente. Entretanto, toda emenda com vistas ao aumento de despesas deve indicar os recursos necessários, que só podem resultar da anulação de despesas, ou da correção de erros ou da omissão. A anulação de despesas, por sua vez, não pode recair sobre as dotações pertinentes ao pessoal e seus encargos, ao serviço da dívida e às transferências tributárias constitucionais. (art. 166, § 3º, II da CF). A LRF permite a reestimativa de receitas, somente se comprovado erro ou omissão de ordem técnica ou legal. Além dessas limitações, as emendas devem guardar compatibilidade com o PPA e a LDO.

    

Uma vez aprovada a LOA, cabe ao Executivo promover a entrega dos recursos financeiros correspondentes às dotações orçamentárias dos órgãos dos Poderes Judiciário, Legislativo e do Ministério Público, até o dia 20 (vinte) de cada mês, na forma da lei complementar referida no art. 165, § 9º (art. 169 da CF). O único condicionamento que se pode fazer para a liberação dos recursos em duodécimos é a observância do princípio da programação, que é impositivo a todos os órgãos dos três Poderes. Por isso, o STF declarou a inconstitucionalidade do § 3º, do art. 9º da LRF, que permitia ao Executivo limitar os valores financeiros de outros Poderes e do Ministério Público, ante a omissão deles, na hipótese de superação, ao final de um bimestre, das metas de resultado primário ou nominal, estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, que integra a LDO.

    

Por derradeiro, cumpre verificar a providência a ser adotada na hipótese de omissão do Legislativo na apreciação e devolução tempestiva do projeto de lei orçamentária. Na década de noventa era comum o descumprimento de prazo constitucional pelo Congresso Nacional.

    

Cabe ao Chefe do Executivo enviar, ao Poder Legislativo, o projeto de lei orçamentária (art. 84, XIII da CF) até quatro meses antes do encerramento do exercício financeiro a fim de ser devolvido, para sanção, até o final da sessão legislativa (art. 35, § 2º, III do ADCT). Como proceder na hipótese de omissão do Poder Legislativo na devolução do projeto de lei orçamentária anual até o dia 31 de dezembro?. O art. 6º da LRF, que autorizava, nessa hipótese, a execução de até dois doze avos do total de cada dotação foi, acertadamente, vetado. Ninguém pode governar sem orçamento. Tanto é que, não tendo sido possível votar o orçamento do exercício de 1994, em razão do impasse político-institucional, que culminou com o impeachmant do presidente da República, foi aprovado o Fundo de Emergência Social, composto basicamente de vinte por cento da arrecadação de tributos federais, através da Emenda Constitucional de Revisão nº 1, de 1º de março de 1994, para vigorar nos exercícios de 1994 e 1995. Se o Congresso Nacional não devolver o projeto de lei orçamentária, até o dia 31 de dezembro, cabe ao Chefe do Executivo promulgá-lo tal como o enviou ao Parlamento, ignorando eventuais emendas aprovadas ou em discussão. Se há um prazo para receber o projeto, deve haver um prazo para devolvê-lo. Prescreve o art. 32 da Lei nº 4.320/64 que se não receber a proposta orçamentária no prazo fixado nas Constituições ou nas Leis Orgânicas dos Municípios, o Poder Legislativo considerará como proposta a Lei do Orçamento vigente. Logo, pela aplicação do princípio da simetria conclui-se que a não devolução do projeto até o final do exercício implicará promulgação, pelo Executivo, do projeto de lei enviado. Na prática, isso nunca aconteceu, pois, o Executivo sempre preferiu patrocionar Emenda Constitucional para ir prorrogando o Fundo de Emergência Social até com mudança de sua denominação para Fundo de Estabilização Fiscal (ver Emendas Constitucionais ns. 10/96 e 17/97).

    

É fora de dúvida, entretanto, que a Carta Política assegura ao Chefe do Executivo a faculdade de promulgar o projeto de lei orçamentária anual, na hipótese de omissão do Poder Legislativo.

 

SP, 18.11.01.

 

 

* Sócio da Harada Advogados  Associados. Professor de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Ex-Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica da Procuradoria Geral do Município de São Paulo.

**Artigo publicado na Revista Jurídica Consulex, Ano V, nº 118, dezembro/01, p. 24.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
HARADA, Kiyoshi. Orçamento Anual – Processo Legislativo**. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/orcamento-anual-processo-legislativo/ Acesso em: 28 mar. 2024