Direito Constitucional

Os terrenos dos brasileiros e as terras dos índios

Os terrenos dos brasileiros e as terras dos índios

 

 

Ives Gandra da Silva Martins*

 

 

 

A Constituição brasileira, em seu artigo 231, declara que:

 

“São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

 

Fazendo uma interpretação apenas literal do dispositivo –a mais pobre das técnicas hermenêuticas— ter-se-ia que concluir que os índios não são brasileiros.

 

Seus costumes, línguas, crenças e tradições diferem daqueles dos demais habitantes do país. Mais do que isto: sua organização social não é a da sociedade brasileira.

 

Por outro lado, se todas as terras que tradicionalmente ocupam lhes pertencem, todo o Brasil pode ser deles, desde que se prove que algum descendente de índio continue ocupando, até hoje, terra que foi de seus ancestrais.

 

Diz a Constituição que a União tem a função de proteger o indígena e seus bens, demarcando as terras que possuem.

 

Assim, aos 300.000 índios brasileiros foi assegurado – graças a um “lobby” internacional fantástico, com famosos astros estrangeiros, como Sting, a pressionar o constituinte – 10% do território nacional, pelo menos, ou ainda mais, visto que a todo momento aparecem reivindicações sobre novas terras. È o que está ocorrendo, por exemplo, no litoral paulista e também no Estado de Roraima, onde, em face de pretensão avalisada pelo Governo Federal, intenta-se outorgar grande parte do território nacional para 15.000 cidadãos de outra cultura e de outra organização social, que são os índios.

 

E os confrontos começam a preocupar, havendo, inclusive, suspeitas de que os mais interessados nessa outorga seriam os narcotraficantes – embora preferissem que tal demarcação ocorresse em Estados mais desenvolvidos, como São Paulo, por exemplo. Além de facilitar a utilização dos indígenas como “mulas” ou mensageiros, poderiam contar com menor força repressora, eis que compete à polícia federal – que tem menor contingente – cuidar dos índios, estando afastada a atuação das polícias estaduais.

 

Admitindo-se – numa leitura meramente gramatical do texto maior – que os índios não sejam brasileiros e que caiba à União apenas “proteger” as terras desses “não-nacionais”, à evidência, qualquer potência estrangeira –que não respeite as normas da ONU– poderá entender que o Brasil está mal defendendo os silvícolas –hoje altamente civilizados— e querer reivindicar para si própria o protetorado de 10% do território nacional, respaldada … na própria lei suprema brasileira!!! E o Brasil teria reduzido seu território atual em 10%.

 

O pior é que a quase totalidade destes 10% do território nacional – por enquanto – encontra-se na Amazônia. Assim, 25% da Amazônia poderia ser internacionalizada, com base no canhestro dispositivo da Constituição de 1988!!!

 

Creio que o Ministro Márcio Tomas Bastos deveria refletir sobre a conveniência de rever sua posição quanto a Roraima. Principalmente porque, partindo da premissa de que devem ser demarcadas e outorgadas aos silvícolas terras que tradicionalmente ocupam –e “tradicionalmente” é vocábulo que se vincula ao passado, aquilo que sempre se fez e se repete– o território brasileiro inteiro poderá ser sempre reivindicado por algum descendente que continue residindo em terras outrora pertencentes a sua tribo.

 

A cidade de São Paulo, por exemplo, foi fundada por Anchieta, Nóbrega e João Ramalho, casado com Bartira. O príncipe dos poetas brasileiros – Paulo Bonfim – é descendente direto de Bartira. A valer a tese de que os 15.000 índios de Roraima têm direito exclusivo às terras de fronteira, podendo desalojar famílias que há gerações se encontram lá instaladas, certamente Paulo Bonfim poderá reivindicar toda a cidade de São Paulo para si e seus descendentes, visto que vem sendo tradicionalmente ocupada por sua família, desde os tempos de Bartira.

 

Preocupa que tenhamos criado, para 300.000 índios, o direito a 10% do território nacional, e, para 175.000.000 de brasileiros, os outros 90%.

 

Por esta razão, tenho emprestado ao texto constitucional uma leitura que me parece mais razoável, ou seja, que todo o território é brasileiro. Nenhuma parcela pertence aos índios, como integrantes de um povo diversa do brasileiro. A Constituição lhes assegura a permanência nas terras que na data da promulgação da Carta ocupavam, mantendo sua peculiar organização social, e nisso já os privilegia. Cumpre ao Estado demarcar essas áreas, para dar-lhes a proteção que a Lei Maior determina. Porém, na qualidade de brasileiros, pelo princípio da isonomia, não podem ter direito a maior área, “per capita”, do que qualquer brasileiro não indígena.

 

Assim, somente aquelas terras em que estão localizadas as suas habitações, onde desenvolvem sua cultura e costumes, é que efetivamente lhes pertencem. E, se não as fizerem produzir, poderão ser desapropriados, nos termos do art. 185 da C.F.

 

 

* Advogado tributarista, professor emérito das Universidades Mackenzie e UniFMU e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, é presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, do Centro de Extensão Universitária e da Academia Paulista de Letras.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Os terrenos dos brasileiros e as terras dos índios. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/os-terrenos-dos-brasileiros-e-as-terras-dos-indios/ Acesso em: 28 mar. 2024