Responsabilidade Civil

Esclarecimentos sobre a responsabilidade civil dos médicos

Esclarecimentos sobre a responsabilidade civil dos médicos

 

 

Gisele Leite*

 

 

A medicina teve durante muito tempo imantada por um caráter religioso, ritualístico e místico e dentro de um contexto em que não se responsabilizava o médico que apenas participava do ritual dependente da vontade divina.


Assim a conduta do médico era inquestionável figurando o médico como um sacerdote, amigo e conselheiro não se duvidando da qualidade de seus serviços.

 

O médico na antiguidade era mais um mago, sacerdote dotado de poderes curativos sobrenaturais do que um profissional dependente de seu ofício e experiência. Tal crença decorria da ignorância absoluta sobre a etiologia das doenças e das reações do organismo humano aos processos de cura.

 

O castigo à falha médica se vinculava por vezes a uma reação vingativa guiada pelo instinto e com consequencias selvagens. Bem depois e, devido a importância da medicina presente em todos os tempos históricos foram elaboradas legislações específicas a regular o comportamento profissional e ético dos médicos.

 

Um dos mais significativos documentos que cogita da responsabilidade médica é o Código Hamurabi que adotava a lei de Talião (quem um olho furou, que lhe seja furado um olho, e, etc.) onde havia penas severas aplicadas aos cirurgiões. Se quem morresse fosse um escravo, o médico, no entanto, se obrigava a apenas pagar o preço a título de reparação.

 

O Talião representa um resquício embrionário da responsabilidade civil e imputando uma certa proporcionalidade que veio refrear a amplitude da reação do ofendido e ainda individualizou a culpa embora não contivesse sentido jurídico propriamente.

 

Outras leis, anteriores ao Hamurabi também disciplinaram o tema, como por exemplo, as leis do rei Urukagina do terceiro milênio a.C., a coletânea de leis do rei Ur-Namu, o código Lpsit Ishtar e, ainda, a Lei de Eshumma, do rei Dadusha.

 

Algumas questões éticas e principiológicas estão intimamente vinculadas com a atividade médica principalmente quando tratamos da bioética, da cirurgia estética .

 

Bernard da Academia de Ciências francesa bem afirma que: “a pessoa é uma individualidade, um ser de relações psicossociais, um indivíduo para os juristas. Contudo, ela transcende essas definições analíticas. Ela aparece como valor (…) Nos problemas éticos decorrentes do processo das pesquisas biológicas e médicas devem ser respeitados dos os homens e o homem todo.”

 

Interessante ressaltar que somente em 1335 através do edito de Jean I, rei da França o exercício da Medicina restringiu-se aos diplomados em Universidades, segundo a lição de Giostri.

 

No começo do século XIX registrasse um retrocesso no princípio da obrigação jurídica de reparar o dano produzido por médico cometido por imperícia que deveria ser identificado pela Academia de Medicina de Paris que na época proclamava somente a responsabilidade moral e não-pecuniária dos profissionais da arte de curar, exceto quando se tratasse de falta grave, imperícia visível e manifesta. Era o que se chamava de responsabilidade eufemística.

 

Seus seguidores em face da pluralidade dos critérios médicos que envolvem diagnóstico, prognóstico, tratamento, cirurgia, apontavam que era tudo muito vago e meramente conjetural.

 

Assim a culpa médica deveria ser verificada quando grave, inescusável e advinda de erro grosseiro, elementar sendo certo que o ônus da prova caberia sempreao paciente.

 

Também se questionava a reparabilidade do dano, aliás todo o direito francês antigo bem como todo o direito medieval a responsabilidade civil e penal não se distinguiam, o autor do dano era castigado por pena privada. Posteriormente, a idéia de pena fora substituída por indenização pecuniária, logrando-se a enunciar que caberia o direito de reparação mesmo ante da culpa leve.

 

A partir de 1832, operou-se uma pequena revolução quanto ao tema devido a jurisprudência por causa de um processo  aonde atuou o procurador geral da Câmara Civil da Corte de Cassação de Paris, André Marie Jean-Jacques Dupin.

 

Em síntese, ocorreu quando o Dr. Hélie de Domfront foi chamado às seis horas da manhã para dar assistência ao parto da sra. Foucault. Porém, somente as nove horas compareceu quando se constatou ao primeiro exame do feto que se apresentava de ombros e com a mão direita no trajeto vaginal da mãe.


E, como foram infrutíferas as tentativas de manobras do feto para seu nascimento, resolveu o médico amputar o ombro e mão do feto, para facilitar a expulsão do nascente. Resultando no nascimento com vida do nascente, apesar esvaindo-se em sangue devido ao tocotraumismo.

 

Inconformados com amputação dos membros, os pais processaram o médico e no transcorrer da lide, o tribunal francês solicitou a Academia de Medicina de Paris um parecer, que inicialmente considerou a operação médica como uma falta grave e contrária as regras. Mas, supõe-se por força do corporativismo conclui-se o novo laudo pericial pela não-responsabilidade do Dr. Hélie.

 

O Tribunal francês em análise aos dois pareceres contraditórios e divergentes decidiu por condenar o obstetra a pagar a família Foucault a importância anual vitalícia de 200 francos.

 

Atualmente é plena a responsabilização pelo dano médico entre os franceses. Em Paris, é trivial que os juízes sejam convidados a assistirem grandes cirurgias abdominais a fim de que possam vivenciar a atividade médica-cirúrgica.

 

Um enfoque histórico sobre a cirurgia plástica pode esclarecer sua evolução e envolvem quatro fatores determinantes: necessidade, aspectos culturais, conhecimento anatômico e sucesso e podem ser aplicados também para a cirurgia em geral.

 

O primeiro aspecto é a necessidade que pode surgir devido a um trauma, lesão corporal ou ainda alguma patologia cirúrgica.

 

A necessidade pode ser reforçada por causa de guerras, guerrilhas e outros fatores histórico-sociais. Já os aspectos culturais tais como os religiosos, sociais ou político também influenciaram a evolução da cirurgia plástica, ora permitindo-a ou não o seu desenvolvimento.

 

O conhecimento anatômico foi crucial para o avanço da cirurgia plástica. Os estudos anatômicos estiveram presentes em algumas culturais, como por exemplo, na Índia no segundo milênio a.C., mas é a partir do século XVI (do Renascimento) que tomou impulso definitivo (vide Leonardo da Vinci e Andreas Vesalius – De Humani Corporis Fabrica de 1543 que representou marco inicial da anatomia moderna.

 

Foi o sucesso a condição primordial para fazer da cirurgia plástica uma forma de terapia e, não mais uma mera alternativa. Tornando mais natural seu procedimento e, percentualmente mais expressivo particularmente após os estudos de Louis Pasteur (com o progresso da assepsia cirúrgica).

 

O desenvolvimento recente da cirurgia plástica e mais particularmente da cirurgia estética suscitou na consciência cristã o interesse em torno da liceidade de suas intervenções. Principalmente aquelas intervenções não voltadas a restauração funcional mas aquela atinentes ao embelezamento da pessoa e modificação de traços fisionômicos ou simplesmente a eliminação de rugas(advindas da ação natural do tempo).

 

Deformidades ou imperfeições podem provocar sérias perturbações psíquicas no índivíduo e causar-lhes embaraços na vida social e afetiva. E, nessa tarefa a mão do cirurgião plástico parece repetir a mão divina ao modelar o homem à sua imagem e semelhança.

 

N ótica de Savatier a responsabilidade civil é obrigação que pode incumbir a uma pessoa de reparar o prejuízo causado a outrem por fato seu, ou pelo fato das pessoas ou das coisas desta dependentes.

 

A responsabilidade no sentido lato sensu consiste na obrigação de reparar os danos causados a outrem, pela violação de direitos alheios sejam resultantes de inadimplemento, da má execução ou do atraso do cumprimento das obrigações negociais, seja resultante da violação de direitos alheios (sejam estes absolutos tais como os direitos da personalidade os direitos reais e os direitos sobre bens imateriais que também são merecedoras da tutela jurídica).

 

Informa o viés constitucional vigente que dentre os princípios fundamentais do homem devem ser considerados na elaboração da lei e na aplicação do Direito para a efetivação da Justiça, destaca-se o neminem laedere (não lesar a ninguém) que se situa no art. 5º, caput, X e XXII impondo a todos os deveres jurídicos fundamentais, legais e constitucionais de respeito a bem de outrem, ao mesmo tempo que estabelece a sanção do responsável em forma de reparação pecuniária dos danos materiais e/ ou morais na transgressão da norma.

 

O princípio neminem laedere que inspirou normas da legislação ordinária afigura-se de forma indissociável da norma secundária infraconstitucional devendo, portanto, integrá-la na interpretação e aplicação do caso concreto de responsabilidade civil.

 

A responsabilidade civil em stricto sensu significa a segunda categoria de obrigações que consiste de reparar danos resultantes do dever geral de neminem laedere conforme o art. 927, caput do CC de 2002. Também há a obrigação de ressarcir danos causados nas obrigações negociais que se ampara no art. 389 do CC.

 

A responsabilidade civil, na acepção estrita ou técnica é tradicionalmente chamada de extracontratual enquanto que a responsabilidade negocial é usualmente chamada de responsabilidade contratual.

 

Muito há de se ampliar os deveres jurídicos em face dos princípios da boa-fé objetiva e da função social dos contratos que criaram diversos deveres anexos ou colaterais como direito de informação, de transparência, de não venire contra factum proprium, surrectio, supressio, duty of mitigate the lost.

 

A responsabilidade aquiliana, delitual ou decorrente de atos ilícitos são outras designações tradicionalmente dadas à responsabilidade extracontratual. Eram designações que pareciam ser adequadas no tempo em que se acreditava ser requisito essencial da obrigação de indenizar a existência de uma atuação culposa fosse na forma de culpa em stricto sensu, fosse na forma de dolo.

 

A designação aquiliana deve-se a Lex Aquilia de damno que no século III a.C., em Roma, introduziu no Direito a idéia de culpa. Hoje, porém, a responsabilidade civil alargou-se, alcançando diversos casos em que uma pessoa tem de reparar danos de outrem, independentemente de culpa: são casos de responsabilidade objetiva ou pelo risco, calcada no nexo de causalidade entre a atividade e o dano.

 

Cogita-se contemporaneamente sobre a responsabilidade pressuposta.

 

Hironaka em sua teve de livre docência na USP sugeriu que havia nova modalidade de responsabilização que era a responsabilidade pressuposta.

 

Aponta Hironaka a evolução doutrinária e histórica da responsabilidade mediante culpa (subjetiva) para a responsabilidade objetiva.

 

E, frisa que poucos institutos jurídicos evoluíram tanto como a responsabilidade civil principalmente no sentido de prover pronto-atendimento às vítimas de danos, pela atribuição a alguém do dever de repará-los.

 

O momento atual desta trilha evolutiva paira sobre a preocupação de ser garantido o direito de alguém não ser vítima de danos.

 

Daí, a prevenção de danos ter virado a vedete no sistema de responsabilidade civil, o que conclama um novo sistema teórico-jurisprudencial em razão da revisão e manutenção do justo.

 

Reler a noção do “mise em danger” ou sobre critério melhor que não fosse a velha concepção de culpa, mas que relevasse o risco além da identificação causal do dano reparável, representando um sólido mecanismo de responsabilidade sem culpa elevado a categoria de “règle à valeur d’ordonnancement juridique’.

 

A análise de principais institutos privados não à luz do CC de 002 e dos microssistemas jurídicos relevante, mas sobretudo, sob o prisma da CF de 1988.

 

Ricardo Lorenzetti diz que o sistema do direito privado tem como o sol a Constituição Federal de 1988, como planeta principal o Código Civil; e os satélites seriam os microssistemas ou estatutos como CDC, ECA, e o Estatuto de Idoso, a Lei de Locação e, tal simbologia demonstra bem didaticamente a concepção do Direito Civil Constitucional.

 

Que está amparado em três princípios básicos com relação direta com a responsabilidade civil:

 

a proteção da dignidade da pessoa humana (grifo meu) trazendo a repersonalização de todo direito privado da antiga hegemonia do patrimônio (despatrimonialização).

 

O STJ entendeu como pretensão imprescritível no caso de tortura à luz do que consta na CF. A imprescritibilidade deve ser a regra, quando se busca indenização por danos morais conseqüentes de sua pátria.

 

De sorte a não aplicar o prazo especial de três anos (art. 206,§ 3º , V CC) ou o prazo geral de dez anos ( cf. o art. 205 do CC).

 

Entendendo que a regulamentação da responsabilidade pressuposta seria para proteção da dignidade humana.

 

– O segundo princípio seria a solidariedade social (art. 3º, I, art. 170 CF/ 1988);

 

Interessante e ver que o dano moral produzido pelo abandono paterno- filial.

 

Por fim, o terceiro e o ultimo princípio a CF consagra a isonomia e a igualdade lato sensu prevista no caput do art. 5º da CF de 1988.

 

A igualdade conforme a célebre frase de RUI BARBOSA deve tratar de maneira desigual os desiguais na medida de sua desigualdade que é princípio específico da igualdade stricto sensu.

 

Aliás, nesse sentido converge a Súmula 291 do STJ que confirma a impossibilidade de tarifação para indenização para dano moral, e, assim não tem acudido para a tarifação constante da Convenção de Varsóvia para casos de danos morais por extravio e bagagens, atrasos e cancelamento de vôos.

 

Qualquer “tabela” é visceralmente inconstitucional. A definição da responsabilidade civil sempre esteve relacionada à lesão de direito que corresponde a infringência do dever jurídico.

 

Ato ilícito é considerado como fato jurídico lato sensu que produz efeitos jurídicos que não foram desejados por seus agentes, mas somente aqueles impostos pela lei, sendo, por isso, chamados de involuntários.

 

O ato ilícito pode ser civil, penal ou administrativo. Ato ilícito segue o esquema: = lesão de direitos + danos.

 

O ato ilícito é fato jurídico lato sensu mas não é ato jurídico, eis que para este é necessária a licitude da conduta.

 

O art. 187 do CC –  teoria do abuso do direito – o filhote de urubu que nasce branco e, acaba preto, feio de rapina e, ainda comedor de carniça.

 

Diante do abuso de direito (art. 187 do C) para sua definição deve-se preencher quatro conceitos legais indeterminados também chamados de cláusulas gerais que devem ser preenchidas pelo juiz diante do caso concreto:

 

a)           fim social;

b)           fim econômico

c)           boa-fé

d)           bons costumes

 

 

A responsabilidade civil extracontratual subjetiva ou culposa baseia-se na obrigação de repara danos em decorrência de um comportamento voluntário (seja comissivo ou omissivo), sendo a culpa erigida como fundamento básico da responsabilização e pressuposto indispensável para a indenização.

 

Também se tem a culpa quando ocorre a inobservância de uma atuação razoavelmente exigível para o caso concreto, tendo em vista padrões medianos.  Segundo Rosenvald a conduta culposa se decompõe em dois elementos:

1º.) na violação de um dever jurídico que representa o aspecto objetivo da culpa, consiste no desvio de conduta em face do princípio genérico de neminem laedere.

 

Quando é violado o dever geral de diligência ante a prática de ato lesivo, nasce o ato ilícito, salientando-se a culpa lato sensu que engloba também a conduta dolosa e a culpa stricto sensu (imperícia, imprudência e negligência).

 

O ônus da prova em face de existência da conduta culposa cabe à vítima. Em sede de responsabilidade aquiliana, cumpre o ofendido carrear elementos probantes que positivem a violação do dever jurídico e a materialidade do dano sofrido por culpa do ofensor.

 

Saliente-se que a responsabilidade contratual se encontra baseada num vínculo preexistente ao dano, e decorre do inadimplemento que consiste na quebra da relação jurídica avençada por inexecução de uma prestação. Assim vale dizer que o credor da relação contratual apenas demonstrará a existência do vínculo obrigacional e o dano.


Caberá o devedor inadimplente provar eu não agiu com culpa, ou então, que ocorreu alguma causa de excludência do nexo de causalidade. Imputabilidade que representa o aspecto subjetivo da conduta, traduzindo-se na possibilidade de o agente conhecer, enfim, discernir cumprindo o dever jurídico genérico de conduta que é se perquirir a capacidade de entendimento e autodeterminação do ofensor.

 

Pois quem não entende o caráter ilícito do ato que pratica por falta de maturidade ou sanidade não incorre em responsabilidade.

 

Por outro lado, a responsabilidade objetiva ou pelo risco, seja esta negocial ou extracontratual, é a obrigação de reparar danos que independem de qualquer idéia de dolo ou culpa, tendo em vista que todo dano resultante de uma atividade perigosa deve ser indenizável, impondo-se a sua reparação por quem a este se vincula em virtude de nexo de causalidade.

Quando certa atividade gera risco especial, o responsável assume todos os eventos danosos desta decorrentes, garantindo à comunidade o direito à segurança.

 

Mesmo o dano decorrente de ato ilícito em certas situações o legislador pátria entendeu que é mais socialmente justo atribuir a indenização ao criador do risco. Substitui-se a técnica individualista por uma noção indenizatória de solidariedade social.

 

Desloca-se o eixo da responsabilidade da faute (culpa) para o fait (fato) transferindo-se o fundamento da reparação da culpa para a lesão pura e objetiva. O personagem principal dessas ações passa a ser a vítima e a tutela de seus interesses, não mais se enfocando o agente.

 

O doutrinador brasileiro se orientou pela teoria do risco criado, a despeito da existência da teoria do risco proveito. A diferença reside no aspecto mais amplo da teoria do risco criado, dispensando a vítima de demonstrar em juízo o proveito econômico da atividade por parte do ofensor.

 

Mesmo aqueles que não exerçam atividades lucrativas são alcançados pela responsabilidade objetiva, sendo suficiente a apuração dos riscos sociais de sua realização.

 

O movimento tendente a favorecer a indenização resulta de obra conjunta da jurisprudência e do legislativo, motivado pelo caráter social da reparação pelo alargamento da responsabilidade objetiva, assim como pelas causas restritivas.

 

Corresponde a uma necessidade social de indenização freqüentemente ampliada pela mídia. A fatalidade é lançada e pede-se ao Direito organizar uma forma de reparar os prejuízos que suscitam de uma sociedade.

 

Diversas atividades se encontram sob a égide da responsabilidade objetiva, destacamos como pioneira a responsabilidade das estradas de ferro (Decreto 2.681/1912). Seguiu-se a lei de acidentes do trabalho (que acolheu a teoria do risco integral) de que cabe indenização de acidente ocorrido no ambiente do trabalho ou em razão dele, sem exclusão pelo caso fortuito ou culpa da vítima), devendo-se consultar a Lei 8.213/91 e o art. 7º, XXVIII da CF.

 

Posteriormente, afloraram a Lei 6453/77 (responsabilidade por instalação nuclear); o Código Brasileiro de Aeronáutica(Lei 7.565/86); a Lei 6.938/81( danos ao meio ambiente); art. 37, §6º da CF de 1988( responsabilidade por falha de serviço público), merecendo especial realce a responsabilidade objetiva decorrente das relações de consumo (arts. 12 e 14 do CDC) que conquistou grande território, como normatização aplicável a todos os ramos do direito, revelando que é inegável o alargamento da base da teoria objetiva, eis que as relações de consumo se espalham no tecido social, relegando a discussão da culpa a uma segundo plano

 

Cavalieri Filho ao se referir à convivência das duas teorias, invoca a autoridade de Caio Mário que chegou a pontificar: “ a teoria do risco despertou nos meios doutrinários, o certo é que não chegou a substituir a da culpa nos sistemas jurídicos de maior expressão. O que se observa é convivência de ambas: a teoria da culpa impera como direito comum ou a regra geral básica da responsabilidade civil, e a teoria do risco ocupa espaços excedentes, nos casos e situações que lhe são reservados.

 

Assinala o ilustre desembargador Cavalieri Filho que hoje a responsabilidade objetiva que era exceção, passou a ter um maior campo de incidência em comparação a da responsabilidade subjetiva.

 

E, com efeito, o novo Código Civil ampliou-se ainda mais o campo da responsabilidade objetiva apesar de manter a responsabilidade subjetiva ainda como regra geral porém incrementou bastante as hipóteses de responsabilidade objetiva de forma tão extensa e profunda principalmente calcada em cláusulas gerais que consagraram a lesão de direito, o abuso de direito(art. 187), o exercício de atividade de risco ou perigosa( parágrafo único do art. 927 do CC), danos causados por produtos( art. 931), responsabilidade pelo fato de outrem ( art. 932 c/c 933), responsabilidade pelo fato da coisa e do animal arts. 936, 937 e 939) e ainda a responsabilidade dos incapazes ( art. 928).

 

 Doutrinariamente evoluímos da culpa presumida ou implícita para a responsabilidade objetiva calcada no nexo de causalidade entre dano e a atividade desenvolvida pelo ofensor.

Transmuda-se das presunções absoluta de culpas esculpidas no art.1.521 do CC de 1916 para a responsabilidade objetiva consolidada no Código Civil de 2002 art. 933.

 

Veio novo codex regulamentar diversas situações referentes à responsabilidade civil não diretamente positivada pelo código anterior e, somente, pacificamente avaliada pela prestimosa jurisprudência pátria.

 

Precisamos recapitular os pressupostos da responsabilidade subjetiva quer no âmbito contratual ou aquiliano, sendo esta última modalidade a mais relevante no que tange a responsabilização dos médicos.

 

O primeiro dos pressupostos é a conduta culposa que decorre de ação (ato comissivo) voluntário, ou ainda, ato omissivo (omissão) e ilícito ocasionando efeitos jurídicos de modo contrário ao Direito ou que transgride um dever.

 

A culpa lato sensu inclui também o dolo (que é a intenção deliberada e direcionada a causar um dano). Ao passo que a culpa stricto sensu se divide em: imprudência, negligência e imperícia (a chamada culpa profissional).

 

Outro pressuposto é o dano que corresponde ao prejuízo sofrido por alguém, por conseqüência da violação de um direito seu, ou seja, representa uma lesão a um bem jurídico, podendo consistir em dano patrimonial ou dano moral ou imaterial, ou ainda, extrapatrimonial. Podendo ser um dano pessoal e direto, ou ainda, dano indireto ou reflexo.

 

Relevantíssimo pressuposto é o nexo de causalidade posto que só haverá obrigação de reparar danos que podem ser considerados como efeitos do fato gerador. É o liame que liga a conduta do agente ao dano.

 

 A doutrina mais coerente é pela teoria da causa adequada, a qual determina que não é qualquer causa que antecede a lesão que poderá ser reputada como causa para a imputação da responsabilidade, mas aquela que seja determinante por ser decisiva, efetiva e crucial para redundar no resultado lesivo.


Adverte Rosenvald que existem três hipóteses de exclusão de nexo causal, todas refletindo situações aonde o dano é produzido em razão de elemento externo, a saber:

 

Caso fortuito e força maior vige forte controvérsia a respeito da definição de tais institutos, porém é certo, que a distinção é meramente conceitual e acadêmica e, o art. 393 do CC os nivela quanto aos efeitos jurídicos.

 

Mas, é importante ressaltar que o fortuito interno que é intrinsecamente ligado à atividade desenvolvida pelo ofensor em algumas relações jurídicas não possui o condão exonerativo de responsabilização, é o caso, por exemplo, das relações de consumo. Enquanto que o fortuito externo mantém-se como exonerativo de responsabilidade civil.

 

De qualquer maneira temos a inevitabilidade e a imprevisibilidade dos fatores externos que podem definitivamente romper o nexo de causalidade. Os tribunais destacam que a imprevisibilidade não é um traço característico das excludentes (caso fortuito e força maior) pois apesar de se poder predizer o fenômeno permanece a irresistibilidade ( como é o caso dos terremotos, tsunamis e, tempestades).

 

Outra excludente importante é o fato exclusivo da vítima, outrora chamada de culpa exclusiva da vítima. Quando o único fator gerador do dano decorre da conduta da vítima, quando restará rompido novamente o nexo de causalidade.

 

E, temos também o fato exclusivo de terceiro quando o aparente causador do dano não exerceu qualquer conduta lesiva, pois o evento lesivo resultou da atuação culposa determinante de um terceiro.

 

O terceiro, nesse caso, seria estranho a vítima e ao agente e pratica conduta ativa que repercute sobre outras pessoas.

 

Atividade médica pelo legislador pátrio de 1916 com relação aos danos provenientes de atos ilícitos era prevista no art. 1545 in verbis:

 

“Os médicos, os cirurgiões farmacêuticos, parteiras e dentistas são obrigados s satisfazer  dano, sempre que da imprudência,negligência  ou imperícia, em atos profissionais, resultar morte, inabilitação de servir, ou ferimento.”

 

Tal dispositivo acarretou uma polêmica sobre ser a responsabilidade contratual ou delitual, o que acarretaria conseqüências processuais.

 

Humberto Theodoro Junior aponta que é desinfluente a situação do tema no sistema geral, mas sim, em razão do relacionamento jurídico. A sede da regra não tem força para alterar a substância da coisa, que a ciência do Direito procura detectar e revelar segundo seus métodos e princípios.

 

Não é mais duvidosa a natureza contratual da responsabilidade médica  e acabou por firmar em França um grande celeiro jurisprudencial, predominando o entendimento que os profissionais liberais em geral estão unidos a seus clientes por um vínculo contratual.

 

É irrelevante apontar a culpa contratual oriunda pela falta de cumprimento do contrato ao passo que a culpa aquiliana é a que deriva de ato ilícito, sem nexo jurídico prévio.

 

 

È fato que entre o paciente e o médico vige um contrato de locação de serviços e, se os recursos empregados pelo profissional não satisfizerem haverá então insatisfação de uma obrigação preexistente, é  pois, um caso de culpa contratual.

 

Como regra geral, a responsabilidade civil dos médicos é vista como contratual, ressalvados alguns casos de responsabilidade civil em sentido estrito (extracontratual). O C.C. de 2002 tentou espancar as dúvidas quanto a natureza jurídica  da responsabilidade civil médica tido por vezes delitual, ou por outro lado, até mesmo deixando de imputar relevância a tal classificação.

 

É o que se extrai do disposto no art. 951 do C.C: “O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional por negligência, imprudência e imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.”

 

A distinção fora abandonada pela doutrina que não enxerga nesta nenhuma utilidade eis que inexiste diferença ontológica entre as duas modalidades de responsabilidade. Sob qualquer prisma, ocorrendo culpa aflora indefectivelmente o dever de indenizar.

 

Contudo, existindo contrato é em seu âmbito e dentro de seus limites que será apurada a culpa quer advinda  a inadimplência total ou parcial(ou mora). Se não há contrato eis que a culpa emerge de um dever de conduta (neminem laedere), é aonde deve ser apurada a culpa.

 

Aventa Aguiar Junior que se encaminha para a unificação do sistema. Mas enquanto não haver  positivação legal devemos admitir abertamente que a responsabilidade civil médica não obedece a um sistema unitário.

 

A acepção contratual pode ser expressa ou tácita, mas será extracontratual quando inexistindo vínculo contratual, as circunstâncias da realidade colocam em contato paciente e médico, cabendo à este o dever de prestar assistência, ou na emergência de intervenção quando em favor de incapaz seja por idade ou por doença mental.

 

De qualquer modo, a obrigação assumida é de meio pois aplicará todos os conhecimentos, técnicos e recursos no sentido de salvar a vida do paciente e aliviar-lhe de sofrimentos . Na verdade, encontramos um legítimo exercício de direito, ou ainda, estado de necessidade.

 

Será também extracontratual o médico da rede pública que atende pacientes em instituição obrigada a receber segurados oriundos da saúde pública, age em razão de função, e também o médico que tenha concluído um contrato com terceiro pelo qual se obriga a prestar seus serviços (médico de empresa, de cooperativa, ou o que labora em clínica privada).

 

 

No caso da rede pública de saúde, o atendimento é obrigatório mesmo que não haja recursos suficientes para prover um bom atendimento e, finalmente, completar o exercício da Medicina.

 

Há outros casos de extracontratualidade quais sejam: no caso de sérvios médicos requeridos por pessoa distinta do paciente, sempre que aquela não se apresente como representante legal ou voluntária do paciente, ou aqueles casos onde o paciente não está em condições de prestar seu consentimento e o médico intervém em razão de urgência, nos casos do suicida que recebe atendimento antes de concluir seu intento mórbido. Tal atendimento médico pode ocorrer até contrário à vontade do paciente suicida.

 

Quando o feito médico configurar lesões graves e mutilações desnecessárias ou experimento sem fim lucrativo, ou ainda, simplesmente quando o contrato celebrado for nulo.

 

Enfim, a responsabilidade indenizatória por falha da assistência médica ocorrerá tanto quando houver contrato ou independente deste.

 

Segundo Gustavo Tepedino a superação da dicotomia da responsabilidade contratual e extracontratual foi corroborada pela promulgação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) que prevê expressamente no quarto parágrafo do seu art. 14 uma clara exceção à regra da responsabilidade objetiva tão típica das relações de consumo e determina então que a responsabilização dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.

 

E, o valor da distinção entre a responsabilidade contratual e extracontratual perde muita importância diante da atividade médica. Evidentemente na seara extracontratual incumbe a vítima a demonstração de culpa (in stricto sensu, quer seja imprudência, negligência ou imperícia)do agente causador de dano, ao revés da responsabilidade civil negocial em que basta o descumprir contratual que já se cria a presunção de responsabilidade do devedor, e nesse caso, lhe cabe o ônus de provar a ausência de culpa para o inadimplemento.

 

Outra distinção relevante é sobre a obrigação de meio e a obrigação de resultado ou fim eis que os profissionais de saúde encontram-se vinculados geralmente às obrigações de meio, e não às obrigações de resultado. Exceção feita ao cirurgião estético.

 

O entendimento majoritário em doutrina aponta que o comum atendimento médico destina-se a configurar obrigação de meio, o profissional não se obriga a curar o paciente mas empregar toda a diligência necessária, cautela, conhecimento técnico postos ao alcance da ciência médica, com vistas à curá-lo, ou pelo menos a minimizar-lhes os desconfortos e as dificuldades de sobrevida.

 

Portanto, cabe ao paciente prejudicado provar que o médico agiu culposamente, o que fatalmente produziu o efeito danoso ou pelo menos o agravou sensivelmente.

 

Ainda que se admita a responsabilidade seja contratual isso, não tem o efeito de se presumir culpa.

 

O pacto médico com o paciente é classificado de forma divergente pelos juristas, há quem classifique como mandato, outros como locação de serviços, e, ainda, os que vislumbram um contrato sui generis ou inominado.

 

Ver o médico como mandatário do enfermo assenta raízes no remoto direito romano,considerada um manus dare que significa um dar poder ou autorizar. No sentido técnico-jurídico o mandato geralmente significar o poder dado ou outorgado a alguém, por quem o possa dar, seja pessoa física ou jurídica, para representá-la em qualquer ato.

 

Apesar da teoria do mandato ser mais tradicional e mais aplicável aos profissionais liberais aonde existia a distinção entre os trabalhos manuais e liberais com o afastamento destes do núcleo de contratação e serviços remunerados, enquadrando-se dentro de uma figura que se supunha honorífica, como o mandato.

 

Teoria do contrato inominado ou sui generis é considerada por entender que a atuação médica é atípica e não está integralmente regida por nenhum contrato concreto. Para Ataz Lopes embora o contrato médico seja um contrato de arrendamento de serviços, tem algumas características especiais.

 

Nesse sentido prossegue Savatier para quem este tipo de contrato não teria sido previsto nem organizado pelo CC. Seria pois um contrato inominado em que se precisariam construir as regras reguladoras para o direito comum das obrigações para uso dos profissionais e as regras impostas para uma melhor organização profissional.

 

O médico é simultaneamente conselheiro, protetor e guarda do enfermo que lhe reclama os cuidados profissionais.

 

Já a teoria do arrendamento de serviços, ou seja, na locação de serviços mediante remuneração e por conta e risco deste, há certa subordinação entre locador e locatário, trabalhando aquele sob as ordens e fiscalização deste.

 

Essa teoria do arrendamento de serviços foi fartamente adotada na Idade Média e sustenta que a atividade do profissional liberal, não submisso à legislação trabalhista consistia em prestar ao seu contratante um serviço certo, mediante pagamento determinado.

 

O tribunal supremo da Espanha superou o seu primitivo pronunciamento de que o referido contrato seria mandato, entendendo ainda ser presumível a subordinação do arrendamento de serviços havia sido excluída para tias profissionais, manifestando-se recentemente em 1990 que o referido contrato seria de serviços especiais, unindo o médico e seu paciente, de molde amplíssimo, revelando nítidas diferenças entre o molde tradicional contratual e relação jurídica médico-paciente.

 

Percebe-se que tal enfoque da análise jurisprudencial espanhola que se trata no contrato médico assume feições especiais posição que é adotada por Mariana Massara Rodrigues de Oliveira, aproximando-se bastante da teoria do contrato sui generis e que agrega à prestação remunerada dos serviços médicos um núcleo de deveres extrapatrimoniais, essencial à natureza da avença. O que faz figurar negócio atípico.

 

Examinando o objeto do contrato médico e mais espeficiamente, o de cirurgia plástica estética, impõe-se constatar a sua liceidade e legitimidade. Cumpre diferenciar a cirurgia reparadora que é lícita e necessária, de valor indiscutível e incluída entre os direitos profissionais do médico, e a cirurgia cosmetológica, fora do âmbito da verdadeira Medicina.

 

A cirurgia cosmetológica ou estética não visa a nenhuma ação curativa e a nenhuma necessidade concreta terapêutica, mas à tola pretensão de uns e a inescrupulosidade de outros além de constituir um exercício ilegal da medicina, e que fere postulados ético-jurídicos.

 

 

Por outro lado, negar o direito de intervenção da cirurgia estética, na ausência de necessidade imperiosa de saúde ou de vida, é desprezar a realidade e, atualmente, não é só o autor que se vê na contingência de bater à porta do cirurgião estético.


Um defeito físico que provoca fealdade pode ocasionar neurose séria, determinando grande sofrimento e até conduzindo ao suicídio. Nem sempre o objeto da cirurgia estética é a vaidade ou o luxo, as vezes há casos de exigência de saúde como ,por exemplo, uma grave depressão psíquica.

 

A cirurgia estética pode ser dividida em três fases:a primeira fase é aquela da rejeição, quando prevalecia a opinião de que não se destinando a curar uma patologia, mas apenas corrigir uma imperfeição física, dispensável seria a apuração de culpa, ao realizar operação puramente estética, caso a vítima não obtivesse êxito.

 

Foi proclamado pela jurisprudência francesa no início e de maneira absoluta que a realização da operação cirúrgica-estética por si só, sem qualquer utilidade para a saúde, implicaria de responsabilidade médica, em caso de lesão.

 

A segunda fase ou da aceitação com reservas ocorreu a atenuação da resistência, especialmente em razão de um famoso julgamento do Tribunal de Sena, de 25/02/1929, após o           qual considerou a questão a saber se o médico incidiria em culpa sempre, ou se dependeria esta circunstâncias de cada caso. A referida Corte francesa recusou aplicar o princípio de que todo cirurgião plástica estética seria suscetível de estabelecer a responsabilidade do cirurgião.

 

A terceira fase ou da ampla admissão que é a atual e presente fase. Admite a dita cirurgia como normal e até vista como acontecimento cotidiano. É vista como atividade lícita e uma especialidade médica como outra qualquer. É patente o direito de cuidar da aparência do mesmo modo que se cuida da saúde, e o mesmo deve deferir o mesmo tratamento.

 

A atividade médica é regrada e disciplinada pelo Código de Ética Médica (CEM) que entrou em vigor pela Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) 1.246 de 08/01/1988 que estabelece regras de conduta profissional, de acordo com os avanços constantes da Medicina e das novas necessidades do Estado e da civilização como um todo.


A saúde indubitavelmente é questão de interesse próprio da humanidade. Aliás, o próprio Código de Ética Médica prevê a possibilidade de mudança constante conforme seus arts. 143 e 144.

 

A Resolução 1499/98 os médicos não podem utilizar qualquer prática terapêutica “não reconhecida pela comunidade científica.  As normas regulamentares vigentes expedidas pelo CFM e através de resoluções complementares destinadas à punição de médicos, devem ser interpretadas restritivamente, como sói de toda disposição punitiva.

 

Oportuno ressaltar a Resolução 1711/2003 que fixa os parâmetros de segurança para realização de cirurgias de lipoaspiração.

 

Algumas discussões éticas e principiológicas que são ligadas intimamente com a atividade médica nos remete as controvertidas questões  da Biomedicina como também da cirurgia estética.

 

As definições analíticas sejam biológicas, científicas e até jurídicas a respeito da pessoa, do indivíduo são incapazes de perimetrar sua esfera jurídica e  abarca um ser que está imerso em relações psicossociais, de valores e de princípios que diante das pesquisas biológicas e médicas envolvem certamente questões importantes para toda a humanidade.

 

O ser humano merece respeito e, isso já era preocupação no Corpus Hippocraticum denominação dada a um conjunto de escritos( e, hoje se tem conhecimento que não apenas Hipócrates os escreveu) onde é manifesto o interesse por não lesar e nem danificar as pessoas de forma em geral, e as pessoas enfermas de uma maneira geral.

 

Não causar dano ou prejuízo foi sem dúvida, uma regra ética essencial e a primeira grande norma de conduta entre os profissionais de medicina e de saúde.

 

A preocupação científica da ética é precisar o conteúdo do que é considerado “bom” e, aí, entram questões muito delicadas, como a história, fatores econômicos, sociais, culturais e até psicológicos.

 

Aristóteles em Ética a Nicômaco aduz: “Não pesquisamos para saber o que é virtude, mas para sermos bons.”. A ética normativa, ou seja, aquela que apresenta doutrina como uma série de normas para agir bem ou de modo correto, se aplica ao cotidiano de muitos profissionais e, há questões específicas no Còdigo de Ética Médica.

 

Mas doutrinadores como Kipper e Clotet afirmam que o exercício das profissões ligadas a àrea de saúde alegam que é impossível pautar a conduta apenas pelas normas de código profissional, pois nesse diploma legal há alguns busilis que sequer foram contemplados.

Nesse contexto a Bioética tem particular relevância buscando a reflexão de caráter transdisciplinar e focada prioritariamente com o fenômeno vida humana ligado as grandes avanços da tecnologia das ciências biomédicas, particularmente, após o genoma genético humano e dos tratamentos ambulatoriais.

 

Voltando para discussão em torno da diferença da obrigação de meio e de resultado temos o mérito de René Demogue que criou tal divisão, embora Planiol e outros autores já galgassem fazer divisão semelhante baseada no conteúdo obrigacional.

 

Fábio Konder Comparato aponta que na doutrina germânica do século XIX já costava explícita a distinção de obrigação de meio e de resultado. Segundo Comparato, Bernhoelt escreveu que “toda a relaçãode obrigação implica nua vontade do devedor na direção de certo resultado.  Assim a relação pode ser de tal natureza que o devedor é obrigado simplesmente a fazer o que está em seu poder para conseguir o resultado e, com isso, é liberado independentemente do conseguimento efetivo do escopo.

 

Ou então, tem-se em vista o resultado em si mesmo e, aí, a obrigação não se extingue, enquanto o resultado não é alcançado salvo a impossibilidade superveniente.”

 

Demogue ao enunciar tal classificação das obrigações preocuparva-se em resolver conflitos atinentes aos transportes de pessoas e mercadorias por causa do crescente progresso da indústri automobilística. E, multiplicaram-se os incidentes e acidentes principalmente por caso fortuito e força maior e não devido ao fator álea(sorte).

 

E. tal obrigação foi consagrada por ser de resultado em decorrência da ausência do elemento aleatório.

 

Henri Lalou em reação designou:” cada vez que o resultado buscado pelas partes é tuda por elas como aleatório, a obrigação é simples obrigação gera de prudência e diligência: se este resultado é, ao contrário considerado perfeitamente possível de ser alcançado sem álea, então a obrigação é determinada.

 

Tal distinção elaborada por Demogue fora criticada por Esmein e, outros autores por entenderem que as relações obrigatórias seriam todas de resultado argumetando é que utópico pelo isolar o resultado esperado dos meios que conduzem àqueles, já que ssumir uma obrigação independente de sua natureza, terá como meta, sempre resultado previsto pelas partes.

 

E, ainda, aduz categoricamente que não existem as duas classes de obrigações, Na verdade só há obrigações de resultado. Os que chamam obrigações de meio são apenas obrigações nas quais o resultado se delineia de maneira estreita, fragmentária e parcial, sendo sempre alusivas a um fim mais amplo (Marton, G.).

 

Porém, tal entendimento é descabido  e não deve prevalecer como oblitera Mazeaud onde identifica na divisão o caráter determinado da prestação ou o fim visado. Frise-se que quando o fim último depende de uma álea, a obrigação é apenas de meio, se não depende, é de resultado.

 

A expressão “de resultado” é passível de confusão em fase de sua ligeira dubiedade então Mazeaud et Mazeaud indicaram a divisão de obrigação geral da prudência e diligência e a obrigação determinada( ou com o fim determinado).

 

De qualquer modo toda e qualquer cirurgia (seja reparatória ou embelezatória) inclui riscos muitas vezes não previsíveis pelos métodos tradicionais, e , ainda que tomada toda a diligência possível. Portanto, esse frenesi inexplicável pela obtenção da melhor estética através de meios cirúrgicos deve, sem dúvida, ser repensado.

 

Podemos notar que inclusive teenagers em tenra idade, quando ainda não possuem sequer os traços definitivos determinados pela maturidade, se lançam em procurar e efetivamente realizar diversas cirurgias estéticas bem como as chamadas lipoaspirações que prometem milagrosos efeitos.


Quando em verdade, tudo depende de nutrição, de hábitos de regulares ( como esportes, e vida regrada e, etc.. ) sem contar a grande contribuição da genética e da vida sedentária de algumas pessoas.

Apesar de permanecer como prevalente o entendimento de ser obrigação de resultado, e portanto, prevalecer a responsabilidade objetiva nos casos de cirurgia estética. Ainda temos que avaliar caso a caso , pois é possível que apesar de todas as cautelas e diligências possíveis , venha se suceder não só o insucesso do resultado pretendido, como também alguma séria seqüela na saúde do paciente.

 

É indispensável frisar a relevância do consentimento informado pois o médico deve oferecer todas informações, e os aconselhamentos possíveis e atinentes as contra-indicações, a vedações e cuidados que serão indispensáveis para a cirurgia ocorrer, durante esta e mesmo após.

 

Bem, o presente artigo faz uma pequena digressão sobre o tema, e recomenda a leitura da obra: “Responsabilidade Civil dos Médicos” de autoria de Mariana Massara Rodrigues de Oliveira, editora Juruá. Pois  grande parte de minhas considerações presentes se calcaram nessa referência bibliográfica.

 

É curial contudo ressaltar que não se pretendeu exaurir o tema, mas apenas enfocar aspectos históricos, doutrinários e quiçá filosóficos principalmente no sentido de repensar a natureza jurídica da relação médico-paciente  e da cirurgia plástica estética.

 

Acreditando que a era contemporânea faz mesmo repensar vários valores quer pertinente a Medicina , quer pertinente ao Direito.

 

 

* Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, Doutora em Direito Civil. Leciona na FGV, EMERJ e Univer Cidade. Conselheira-chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas (INPJ).

 

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Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Gisele. Esclarecimentos sobre a responsabilidade civil dos médicos. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/responsabilidade-civil/esclarecimentos-sobre-a-responsabilidade-civil-dos-medicos/ Acesso em: 29 mar. 2024