Direito Civil

Uma Visão mais Ampla Sobre o Crime de Abandono Moral

 

A ENCICLOPÉDIA JURÍDICA LEIB SOIBELMAN consigna sobre o abandono moral:

 

(dir. pen.) Constitui crime permitir alguém que menor de 18 anos, sujeito a seu poder ou confiado a sua guarda ou vigilância, freqüente casa de jogo ou mal afamada, conviva com pessoa viciosa ou de má vida; freqüente espetáculo capaz de pervertê-lo ou de ofender-lhe o pudor, ou participe de representação de igual natureza; resida ou trabalhe em casa de prostituição; mendigue ou sirva a mendigo para excitar a comiseração pública.

Como se sabe, o Código Penal reflete a mentalidade do país na década de 1940. Há, portanto, atualmente, uma defasagem de mais de 60 anos.

 

Atendo-nos ao texto legal, podemos verificar que o legislador pretendia: afastar os menores de 18 anos das casas de jogos ou mal afamadas, da companhia de pessoas viciosas ou de má vida, da freqüência a espetáculos capazes de pervertê-los ou ofensivos ao pudor, da participação em representações de igual natureza, da residência ou trabalho em casa de prostituição, da mendicância ou de serviço a mendigo para excitar a comiseração pública.

 

A enumeração, em resumo, visava explicitar as situações de risco para a formação moral das crianças e jovens.

 

Parece-me que o legislador estava longe de se mostrar conhecedor das necessidades mais profundas do ser humano.

 

Simplesmente afastar crianças e jovens dessas situações extremas não significa realizar grande coisa pela sua formação moral…

 

Os casos enumerados no dispositivo penal representam atitudes de imoralidade extrema.

 

Para dizer a verdade, nunca vi, nesses quase 30 anos de vivência forense, nenhum processo criminal por abandono moral… Trata-se o dispositivo em apreço de verdadeira letra morta…

 

Mas existem outras formas de abandono moral além das enumeradas no Código Penal.

 

Uma criança ou jovem a quem seus responsáveis deixem de aconselhar, orientar através de bens exemplos e convivência sadia costumam, cedo ou tarde, apresentar quadros de desvio moral, talvez irreversível.

 

A criança e o jovem são pequeninas plantas sensíveis que, se não aguadas e adubadas na medida e da forma certas, têm sérias chances de fenecer.

 

Muitos responsáveis, infelizmente, descuram desse munus.

 

Muitos corruptos e corruptores são meros seguidores de pais ou assemelhados que vivem de expedientes escusos…

 

O desinteresse desses responsáveis faz muitos dos seus pupilos enveredarem por caminhos ínvios…

 

A prática da incomparável regra do Direito Romano do viver honestamente, dar a cada um o que é seu e não lesar a ninguém seria suficiente para a orientação moral de crianças e jovens. Todavia, é desacreditada por muitos responsáveis. Há muitos péssimos exemplos (inclusive entre as elites) de desonestidade na vida pública e na vida privada, injustiças cometidas contra terceiros e intenções claras de lesar outrem em situações várias. Tudo isso agride a sensibilidade natural das crianças e jovens, empurrando-os, indiretamente, para desacertos de vários tipos.

 

Representam verdadeiras situações de abandono moral. Infelizmente, o Código Penal parou no tempo e não ampliou o conceito do crime de abandono moral contemplando hipóteses mais condizentes com as exigências éticas do século XXI…

 

Verificam-se muitos casos desse tipo: crianças e jovens condenadas por pais ou assemelhados a penosas caracterizações de abandono moral não punido pelo Código Penal.

 

 

* Luiz Guilherme Marques, Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora (MG).

Como citar e referenciar este artigo:
MARQUES, Luiz Guilherme. Uma Visão mais Ampla Sobre o Crime de Abandono Moral. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-civil/uma-visao-mais-ampla-sobre-o-crime-de-abandono-moral/ Acesso em: 18 abr. 2024