Direito Civil

O Direito Frente ao Processo de Investigação de Paternidade

O Direito Frente ao Processo de Investigação de Paternidade

 

 

Tamara da Silva *

 

RESUMO

 

O presente artigo  tem por objetivo, demonstrar a grande importância do exame  do DNA como prova na área jurídica, especialmente no direito de família. A ação de investigação de paternidade, até o surgimento do exame em DNA, vinha sendo julgada de acordo com o convencimento que o julgador obtinha através de algumas presunções e indícios acerca de um suposto relacionamento entre a mãe do investigante e do investigado. Com o surgimento do exame em DNA ocorreram grandes mudanças. Hoje o julgador pode contar com uma prova concreta para dar o seu veredicto final. Através do DNA de cada indivíduo, este exame fornece alicerce para a exclusão ou afirmação de uma paternidade.

 

Palavras-Chaves: O direito, exame de DNA , analise e  investigação de paternidade

 

SUMMARY-The present article has for objective, to demonstrate the great importance of the examination of the DNA as test in the legal area, especially in the family law. The action of inquiry of paternity, until the sprouting of the examination in DNA, in accordance with came being considered the persuation that the judge got through some presunções and indications concerning a presumption relationship enter the mother of the seeking one and of the investigated one. With the sprouting of the examination in DNA great changes had occurred. Today the judge can count on a concrete test to give its final verdict. Through the DNA of each individual, this examination supplies to foundation the exclusion or affirmation of a paternity.

 

Word-Key: The right, examination of DNA, analyze and inquiry of paternity.

 

 1. INTRODUÇÃO

 

                  Com o advento de novas descobertas e conquistas, o mundo científico, através de todo um aparato tecnológico, vem de encontro ao mundo jurídico proporcionando a chance, através de provas confiáveis e seguras, de solucionar problemas aparentemente sem solução.

 

                  Foi com a descoberta do exame em DNA na área de engenharia genética, que se obteve uma das mais importantes e significativas provas na ação de investigação de paternidade. É através deste exame que se obtém o conhecimento de todo o material genético hereditário de um indivíduo.

 

O presente artigo tem por objetivo, demonstrar a grande importância deste exame como prova na área jurídica, especialmente no direito de família.

 

                  A ação de investigação de paternidade, até o surgimento do exame em DNA, vinha sendo julgada de acordo com o convencimento que o julgador obtinha através de algumas presunções e indícios acerca de um suposto relacionamento entre a mãe do investigante e do investigado.

 

                  Com o surgimento do exame em DNA ocorreram grandes mudanças. Hoje o julgador pode contar com uma prova concreta para dar o seu veredicto final. Através do DNA de cada indivíduo, este exame fornece alicerce para a exclusão ou afirmação de uma paternidade.

 

 

2. NOÇÕES PRELIMINARES

 

2.1. CONCEITO DE FILIAÇÃO

                 

                  Tudo, ou quase tudo, em direito de família, gira em torno das noções de conjugalidade e filiação, porque é em torno desses dois eixos fundamentais que praticamente se esgotam as relações familiares.

 

                  E se as relações paterno-filiais são importantes – ao menos nos países de origem romanista, onde sempre predominou a axiologia patriarcal – certamente a questão de filiação e da paternidade assumem uma dimensão incomensurável.

 

                  Mas todo o dilema da filiação esgota-se em ponto tormentoso: como ter certeza da paternidade se ela é incerta, enquanto a mãe é sempre certa?

 

                  A compatibilidade do exame de DNA não só revolucionou o mundo da biomedicina, sobretudo, alterou o quadro estagnado que dominava o ambiente jurídico nacional. Com efeito, o recurso aos testes de identificação genética permitiu não só estabelecer com certeza as relações de parentalidade com diretas repercussões na filiação, como também facilitou a prova diante de tribunal visando inocentar ou afirmar a culpabilidade de um criminoso, nos âmbitos criminais.

 

                  Uma nova era inicia-se no mundo da filiação, restando saber se, efetivamente, o exame de DNA contribuiu de forma concreta para a determinação e atribuição da paternidade ou, apenas, e tão somente, limita-se à exata indicação do genitor de uma determinada criança. O questionamento em torno da família e do que é a paternidade, cresceu muito nas últimas décadas e gerou um pai e uma família incertos.

 

 

2.2. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E O NOVO PARADIGMA DA FILIAÇÃO

 

                  A Constituição Federal de 1988 prima pela lista de direitos fundamentais e traz um capítulo especial dedicado à família, às crianças, adolescentes e idosos. No art. 227 da CF/88 dispõe que é direito da criança, com absoluta prioridade o direito à investigar qual é a sua família, seus laços de origem, sua filiação biológica através do exame de DNA.

 

                  O conceito de igualdade entre filhos foi acolhido na CF/88 como princípio da interpretação às normas infraconstitucionais conforme uma nova realidade material: a da necessária igualdade entre familiares na suas relações de convívio, não importando mais o casamento antes legitimador.

 

                  O avanço foi considerável no que diz respeito à eliminação de diferenças de direitos e qualificações  (art. 226, §6º, CF/88) entre filho nascido na constância do casamento e o filho extraconjugal, inclusive permitindo o reconhecimento da paternidade.

                  A Constituição Federal, permitiu que se reconhecesse constitucionalmente, em perspectiva pós-moderna, dois princípios eventualmente considerados antagônicos: o de proteção à unidade familiar e o de proteção dos filhos.

 

 

2.3. O PAPEL DA VERDADE BIOLÓGICA E DA VERDADE AFETIVA NA DETERMINAÇÃO DA FILIAÇÃO

                  A evolução da ciência e as contradições trazidas pelo desenvolvimento tecnológico foram reduzindo o papel da presunção da paternidade legítima que, juntamente com a procura da paternidade natural, cederam espaço maior ao poder inquestionável das provas científicas da filiação biológica.

 

                  Os exames de sangue, no primeiro momento, e os exames de DNA permitiram, excluir e atribuir a paternidade questionada reduzindo a nada, a filiação estabelecida pela certidão de nascimento.

                  A verdadeira filiação, só pode vingar no terreno da afinidade, da intensidade das relações que unem pais e filhos  independente da origem biológico-genética. A paternidade se faz, se constrói no exercício do cotidiano, pai também pode não ser aquele a quem o ordenamento jurídico presuntivamente atribui a paternidade.

 

                  A questão crucial, que atormenta constantemente, continua sendo a de saber se a vontade de ter um filho é suficiente ou único fundamento do vínculo da filiação.

 

                  Há filiações que dependem unicamente da vontade, como ocorre na adoção. Mas existem filiações que se estabelecem contrariamente a nossa vontade como reconhecimento forçado de um filho natural ou quando a filiação é imposta ao suposto pai pela presunção da paternidade legítima.

 

                  A investigação da paternidade resultante do DNA é de um tocante reducionismo pois, se pode obrigar alguém a responder patrimonial ou pessoalmente por uma conduta indesejada não pode se obrigar quem quer que seja, assumir uma paternidade indesejada.

 

                  A imposição de uma paternidade indesejada pode até criar obrigações de ordem pessoal ou material, mas o fundamental, que continua sendo a relação paterno-filial, a afetividade do pós-sentença, não existe enquanto imposta, enquanto contrária a natureza humana.

 

                  De nada adianta impor uma eventual filiação decorrente dos resultados positivos do exame de DNA, ou, o que é mais grave decorrente de uma negatória de se submeter aquele exame.

 

                  Se os extraordinários avanços das ciências biomédicas fizeram com que a paternidade deixasse definitivamente o domínio da crença para entrar na da certeza, não conseguiram na mesma proporção conciliar os “laços de sangue”, com os “laços afetivos”.

 

                  Por mais que tenham sido espetaculares os efeitos oriundos do DNA na determinação da origem dos seres, o pai não é aquele que a impressão genética designa como tal. A descendência genética é mero dado, enquanto a filiação afetiva se constrói.

 

                  Invocar somente o critério genético na determinação da filiação, faz com que, triste e injustamente retornemos a situação das crianças-objeto.

 

                  Desconhecer tais princípios redunda em negação da própria natureza humana. E o Direito não pode subestimar tais dimensões, sob o risco de se tornar desumano.

 

 

3. O EXAME DE DNA E A SUA INFLUÊNCIA NA INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE.

 

3.1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DNA

 

                  O acrônimo DNA designa uma molécula denominada “ácido desoxirribonucléico”, a qual contém o código genético determinado pela herança cromossômica de cada indivíduo. 

 

                  Os estudos da genética molecular no campo da investigação da identidade tiveram início em 1953, quando os cientistas James Watson e Francis Crick, da Universidade de Cambridge, descobriram a estrutura em dupla hélice do DNA, componente responsável pelo patrimônio genético dos seres vivos. Essa informação genética permite estabelecer a identidade de uma pessoa e seus vínculos de filiação.

 

                  As moléculas do DNA existentes no interior dos cromossomos no núcleo das células compõem-se de duas fitas que se encaixam, ou seja, existe um alinhamento perfeito e específico pela complementaridade química entre as duas fitas, o que representa uma mensagem química escrita em código genético nos milhares de genes existentes em nossas células. Esse código genético é responsável pelas características  de cada pessoa. Em 1980, é que começaram a surgir técnicas capazes de caracterizar as particularidades de cada pessoa. Em 1985, Alec Jeffreys criou sondas moleculares radioativas com a propriedade de reconhecer regiões altamente sensíveis do DNA, e assim levantar os padrões específicos de cada indivíduo, que ele chamou de “impressão digital” genética do DNA.

 

                  A cada dia surgem novidades na tecnologia do exame de DNA. Em 1998, a equipe do renomado geneticista Sérgio Danilo Pena, presidente e diretor do Laboratório GENE, desenvolveu um teste que é feito através da análise da saliva. O geneticista garante que a identificação da paternidade por análise da saliva oferece a mesma margem de segurança que o exame de sangue.

 

                  A utilização da técnica dos testes em DNA, isto é, da pesquisa da impressão genética, tem hoje importância fundamental na identidade pessoal e no estabelecimento ou reconhecimento do vínculo de filiação, permitindo atingir um grau de certeza até então jamais proporcionado antes.

 

                  Sua utilização levanta, porém, questões de ordem ética e legal, como a de saber se a prova genética do DNA tem valor absoluto e inquestionável. A opinião dominante é no sentido de que se constitui um valioso instrumento de prova, embora não se possa dizer que seus métodos e técnicas sejam infalíveis e que seus resultados possam ser considerados irrefutáveis.

 

 

3.2. DESENVOLVIMENTO LABORATORIAL DO EXAME

 

                  Os cientistas tem demonstrado que a credibilidade da perícia genética é mais eficiente se fizermos uso de todos os marcadores tradicionais, em conjunto, fixando o teste de DNA fora da rotina convencional dos laboratórios, sendo, entretanto, de importância vital, nos casos inconclusivos ou frente a uma situação indefinida e complexa, como nos casos onde um dos genitores é falecido, ou ainda quando o possível pai reluta em aceitar um resultado de inclusão de paternidade.

 

                  Existem diferentes testes de DNA disponíveis como ferramentas de trabalho: sondas multilocais (várias regiões genéticas analisadas ao mesmo tempo), baterias de sondas unilocais (uma região genética analisada por vez), teste por PCR (Reação em Cadeia da Polimerase) de locos únicos , seqüenciamento automático de DNA.

 

                  Todas as metodologias são confiáveis e as sondas são bastante informativas, mas o mínimo aceitável é de duas sondas multilocais e seis sondas unilocais. Quanto ao PCR( Reação em cadeia da Polimerase)) deve ser analisado pelo menos doze diferentes locos.

 

                  As técnicas oferecem 100% de segurança de que determinado homem não é o pai de uma criança. Mas nenhum exame garante certeza absoluta de que um suspeito seja realmente o pai. O índice de confiabilidade nesse caso (inclusão de paternidade) varia entre 99% a 99,9999%.

 

                  As pesquisas confirmam que laboratórios que analisam poucas informações genéticas fornecem laudos sem credibilidade.

 

 

3.3. A VALIDADE DO SISTEMA DNA

 

                  No Brasil não existe nenhum controle sobre os laboratórios que oferecem os estudos de DNA, a ponto de não sabermos nem qual o pessoal especializado que dita a sua conformação, nem quais os profissionais que realmente têm capacitação técnica para firmarem tais perícias, que por sua extrema importância tem a capacidade de mudar a vida das pessoas nela envolvidas.

 

                  Consta que atualmente são realizados mais de quatro mil exames anuais de DNA, com mais de cinqüenta laboratórios habilitados no Brasil, sem nenhuma fiscalização, ocorrendo cada vez mais erros nos testes. Nos Estados Unidos são efetuados mais de 200.000 testes por ano, mas a atividade é controlada pela Associação Americana de Bancos de Sangue, devendo um diretor de laboratório ter no mínimo três anos de experiência contínua no estudo do DNA e título de doutor.

 

                  O triunfo desta avançada ciência genética será a conquista jurídica da sentença que preconize a verdade real, sustentada em laudo capaz de afirmar ou excluir o vínculo biológico da filiação, com margem de segurança próximo ao absoluto.

 

                  Contudo, para a aceitação condicional deste liame que se dispõe a unir o direito e a ciência e julgar pela verdade material em superação pioneira da verdade processual que se conforma com a falha humana que fundamenta a coisa julgada, antes, é preciso conquistar a confiança do jurisdicionado, tangente aos laboratórios que propagam a segurança e certeza dos resultados dos testes genéticos.

 

                     Laboratórios que aceitem se submeter à testes periódicos de proeficiência perante órgãos públicos nacionais e entidades internacionais, com procedimentos de pesquisa e de trabalho devidamente regulamentados por lei, deverão ser os únicos a merecer sua habilitação pelos tribunais, com a mostra rotineira de que investem em pesquisa, qualificação profissional e renovação tecnológica.

 

                  O Conselho Nacional de Pesquisas da Academia Americana de Ciências, em 1992, chamou a atenção para a importância do DNA na investigação do vínculo genético da filiação recomendando um padrão para a execução dos testes e o aperfeiçoamento de seus métodos. Deixaram claro alguns pontos como a metodologia da coleta, a análise das amostras, o acesso aos dados e a ocultação de informações sobre os resultados obtidos. Importante é frisar que, depois disso os tribunais americanos passaram a considerar os testes em DNA como elemento probatório adicional e não como prova definitiva, inclusive permitindo o contraditório.

 

 

4. O EXAME DO DNA COMO MEIO DE PROVA

 

4.1. ASPECTOS CONSTITUCIONAIS

 

                  Aspectos dos mais polêmicos, no plano exclusivo de direito constitucional, envolve a questão de se saber se é possível ou não obrigar a alguém a submeter-se ao exame do DNA para apuração de responsabilidade penal ou civil.

 

                  O direito de conhecer o DNA de alguém para determinar a filiação é algo admissível, com as cautelas possíveis. O fruto da relação carnal é de responsabilidade dos pais ou daquele que a forçou. O filho será sempre a vítima de um ato de que não participou, que não pediu para acontecer e de cujas conseqüências é o único prejudicado. Não podemos deixar de avaliar que durante o processo de investigação de paternidade há um desgaste emocional muito grande nas partes envolvidas, principalmente nas crianças, as maiores vítimas de todo este processo.

 

                  A intimidade do pai não é mais forte que o direito do filho de ter assegurado, como conseqüência da atitude paterna menos digna, o seu direito à cidadania ampla é a própria dignidade pessoal decorrente do reconhecimento .

 

                  A questão, todavia, da preservação da intimidade, que não pode ser alegada para obstar a procura da verdade através do exame de DNA, em investigação de paternidade, termina por comportar, a confissão tácita, ficta para os que se negam a fazê-lo.

 

                  Por ser cláusula pétrea, portanto, a preservação da intimidade, nos casos de investigação de paternidade, deverá sempre o magistrado agir com o máximo de cautela para não permitir, de um lado, que a quebra da privacidade e intimidade da pessoa seja atingida, nem de outro lado, desguarnecer o direito de quem não teve responsabilidade de nascer e que , se legítimo seu direito, deveria tê-lo assegurado judicialmente.

 

                  O problema jurídico reside portanto nos limites que se devem estabelecer na utilização da nova técnica, nos processos, de identificação individual e de reconhecimento da filiação, reconhecendo-se que esses processos podem ferir o direito à integridade física e moral da pessoa humana, isto é , os direitos da personalidade.

 

 

4.2. A ANÁLISE GENÉTICA PARA FINS DE PROVA E SEUS LIMITES

 

                  As provas genéticas podem ser sangüíneas e não sangüíneas. Como técnica mais recente e eficaz, a impressão genética do DNA.

 

                  Com esta grande conquista científica abre-se um campo novo para a ciência da genética humana. Utilizando-se procedimento clássico da biologia molecular é possível colocar em evidência caracteres genéticos precisos que permitam estabelecer a identidade individual .  

 

                  Cabe inicialmente dizer que compete ao direito estabelecer as regras procedimentais sobre a prova genética, o exame de DNA, com o fim de fixar a verdadeira identidade das pessoas, pois os critérios da ética são insuficientes pela inexistência de juridicidade a revestir suas prescrições.

                  O grande problema que se levanta no campo jurídico é o reconhecimento de que a prova genética do DNA, por sua grande penetração na intimidade do ser, cria o risco de violação dos direitos fundamentais à integridade física, à intimidade e à vida privada.

 

                  Quanto ao valor probante do exame genético, constitui esse um modo indireto de conhecimento da verdade, um meio que exige a interpretação  do homem, não vinculando o juiz. Além disso, o exame de DNA não é a única prova admissível, nem é obrigatória.

 

                  No que especificamente diz respeito ao vínculo de filiação, a prova genética, com teste em DNA é hoje considerada a rainha das provas, pelo grau de eficácia e confiabilidade que assegura.

 

                  Deve-se porém reconhecer que a identificação genética, sendo um novo e importante meio de prova, está a merecer uma disciplina jurídica específica que afaste todas as incertezas do seu uso. Além disso, toda reflexão sobre os testes em DNA para fins de reconhecimento de filiação nos conduz, de imediato, à primazia do interesse da criança. Postos, todavia em confronto, o direito da criança ao reconhecimento da sua identidade e filiação, e o direito do pretenso pai ao respeito da sua dignidade, integridade física e inviolabilidade do seu corpo e do seu código genético, o equilíbrio é difícil de estabelecer. Mas não se pode, em caso algum, admitir o constrangimento físico do demandado para a obtenção da prova genética do DNA. Deve prevalecer o princípio da dignidade humana que o protege, como previsto na Constituição Federal.

 

                  Pensamos, portanto, que o pano de fundo de todas as opiniões pró e contra o uso do DNA como meio de prova, mesmo que à custa do sacrifício da liberdade individual do réu, é justamente a dúvida que atravessa a reflexão sobre o papel da ciência e do conhecimento humano, que lhe dá o poder de fazer, mas, ao mesmo tempo, que impõe o dever de respeitar limites.

 

 

4.3. RECUSA DO INVESTIGADO EM REALIZAR O EXAME DE DNA

 

                  O tema da realização compulsiva da coleta de sangue para o exame de DNA, na ação de investigação de paternidade, foi largamente debatido tanto do ponto de vista doutrinário como do jurisprudencial, e ainda hoje suscita calorosas discussões.

 

                  Entre aqueles que defendem a impossibilidade da realização compulsiva de mostras de sangue, argumenta-se pela prevalência das garantias constitucionais.

 

                  O principal argumento daqueles que defendem a não realização do exame mediante a forma coercitiva sustentam que, no futuro, a legalização desse procedimento seja empregada para extração de sangue ou outro material biológico para outros propostos (clonagem), porque o direito invocado é garantia constitucional. Entretanto, os que argumentam a obrigatoriedade, mesmo de forma coercitiva, afirmam que o direito à integridade física não é tão absoluto, podendo ser limitado como qualquer outro direito e, ainda, que o exame não acarreta nenhuma lesão ou risco para a saúde, não havendo sequer o perigo presumido.

 

                  Para os que se manifestam a favor da compulsividade na extração de provas imunogenéticas, o problema fundamental deve ser o da defesa à identidade pessoal, ou seja, o direito de cada ser humano conhecer a sua origem.

 

                  Mesmo com o advento do DNA, quando o investigante não dispõe de recursos suficientes para prover a realização do exame e, assim, o Estado, como não poderia deixar de ser, descumpre a garantia constitucional de prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovam insuficiências de recursos, cabe às partes, prover as despesas dos atos que realizam ou requerem no processo, antecipando o pagamento até a sentença final. E não obstante tal fato, a dificuldade não está por terminar, ao contrário por começar. Desde que superadas tais premissas, surge outra de difícil solução, isto é, quando houver a recusa do investigado em submeter-se ao referido exame.

 

                  Sem embaraço da questão estar permeada de aspectos políticos e constitucionais, o problema pode ser apreciado sob critérios estritamente processuais. Assim é que se questionam em doutrina, as  conseqüências, para o réu, de sua recusa em contribuir para o exame. O certo é que, sem a sua participação, não há como obter tal prova.

 

                  Já vimos que não há qualquer efeito endoprocessual quer civil, quer penal quanto a obrigatoriedade de se submeter alguém àquilo que não está previsto em lei (art. 5º, inciso II da CF).

 

                  O tema é por demais palpitante, e somente no plano constitucional é que teremos uma solução momentânea para o problema que nos aflige hoje. Até onde haverá a obrigatoriedade de submeter alguém ao exame de DNA?

 

                  Se por um lado, até então não se admite coercitivamente a coleta de material para pesquisa de uma suposta paternidade, alegando-se garantia constitucional à integridade física, como conciliar ou mesmo entender a determinação judicial, estamos falando da forma coercitiva e obrigatória.

 

                  Sabe-se que para a realização do exame de DNA, é necessária a coleta de material, mas vale ressaltar que, para muitas pessoas, isto é  quase um sacrilégio, pois é o suficiente para caracterizar um estado de sofrimento com ofensa à integridade física e psíquica, tuteladas como direito individual. Tutela que somente se subordina e cede à hipótese de indispensabilidade no resguardo da vida, o que não é o caso de investigação de paternidade, visto não estar a vida do investigante condicionada ao conhecimento da paternidade.

 

                  Aqui não se tem a pretensão de esgotar a temática, mas sim provocar debates que somente em futuro não muito próximo poderão definir se há ou não a obrigatoriedade do exame de DNA, mesmo porque fica em aberto a seguinte questão: a teoria da proporcionalidade poderia ser aplicada nos valores aqui enfocados, ou um valor anularia o outro, já que ambos os bens estariam diante daqueles que maior valor contribui a Constituição Federal, qual seja o direito à Intimidade ou o direito à Identidade?

 

 

5. A DETERMINAÇÃO DA PATERNIDADE E OS TESTES DE DNA

 

                  Os testes genéticos de DNA vêm provocando uma verdadeira revolução na prova judiciária de vinculação da filiação. A crescente evolução das técnicas empregadas na sua efetivação, além do marketing dos laboratórios de análises, determinaram a crença de que esta prova tem valor praticamente absoluto na perícia genética, tornando absoluto os demais meios probantes, tradicionalmente usados em processos investigativos de paternidade.

 

                  Atualmente, o Brasil apresenta um elevado número de laboratórios que se dispõem a realizar testes de DNA com finalidades de investigação de paternidade. Não é difícil abrir um laboratório nesta área, bastando que se adquira equipamentos e se contrate um especialista em biologia molecular para a interpretação dos resultados.

 

                  É um mercado extremamente promissor para um país, como o Brasil, onde o nome do pai não figura no registro de nascimento de 30% das crianças.

 

                  Conquanto a prova pericial de investigação de paternidade tenha se deslocado, de modo praticamente absoluto, para os testes de DNA, ao delegar a ciência um papel decisivo e perigosamente restrito de declarar a verdade biológica, cabendo ao juiz tão somente homologá-la, já se fazem ouvir vozes discordantes da veracidade dos exames.

 

                  Mesmo consagrando a significativa liberdade probatória e dispondo o magistrado do livre convencimento da prova pericial, nota-se uma tendência em se confiar cegamente na perícia do DNA, determinando efeitos deletérios sobre os outros meios legítimos e lúcidos da prova judiciária.

 

                  Até hoje pelos estudos feitos as pesquisas revelam que embora sejam elevados os percentuais de inclusão parental obtidos em perícias realizadas em laboratórios altamente capacitados, os seus resultados serão sempre discutíveis, por não serem totalmente absolutos.

 

                  Todos os laboratórios creditam 99,99% de probabilidade na perícia genética, e alguns tribunais têm confiado exclusivamente no perito e nos informes por ele fornecidos, sem qualquer confrontação oficial. Esta necessária confrontação não significa colocar em dúvida os laboratórios envolvidos com os testes de DNA. Ao contrário, pela certeza com que os laboratórios se apresentam quando oferecem os seus exames de DNA, é necessária uma maior cautela diante da proliferação de laboratórios e da falta de critérios definidos e seguros para o seu credenciamento e sua fiscalização. 

 

                  A prova pericial e a sua verdade científica não podem, de maneira alguma, se tornarem dogmas, a menos que sejam esgotadas todas as incertezas e inseguranças provocadas pela ausência da confiabilidade e credibilidade metodológica usadas por laboratórios genéticos, cujos resultados não são objetos de confrontação por peritos especializados.

 

 

6. A PROVA DE DNA

 

                  As provas serológicas de DNA têm levado a diversas preocupações sobre a sua concretização, no que diz respeito a litigações e determinações das relações filiatórias. Reconhece-se que não existe outro tipo de prova com maior confiabilidade, especificidade e capacidade para descoberta da filiação. Surgem questões em torno da natureza da prova e as presunções sobre a validez e a metodologia, bem como a confiabilidade do processo, seguido pelo laboratório. A preocupação com um juízo justo surge quando se entende que os resultados de laboratórios são os únicos em que se estabelece as discussões sobre a metodologia cientificamente correta e confiável.

 

                  As provas do DNA devem estar assentadas em rigor científico, no que se refere a sua análise e interpretação. O valor probatório do DNA é de grande importância, inclusive quando e´comparado com outras provas prestadas em juízo. O procedimento DNA Typing, termo genérico que inclui a diversidade de métodos de variações genéticas, através das quais pode-se determinar as relações filiais, é muito complexo, no que diz respeito ao julgamento e interpretação das provas. Certas decisões têm admitido que se deve ponderar o resultado dessas provas, para compreender o seu valor probatório. O sistema probatório do DNA, como prova de filiação é compreendido por muitos como dotado de infalibilidade. Essa prova científica, de grande complexidade exige grande rigor processual para as decisões judiciais. A prova do DNA, não se pode duvidar, é um instrumento valioso, mas não se deve abusar de sua interpretação.

 

                  A prova do DNA deve ser compreendida em sua metodologia, processo e valorização. Aceita-se que a valoração dessa prova pode gerar certas interrogações, nas ocasiões em que se pretende utilizar este tipo de prova, como evidência.

 

                  A certeza científica e tecnológica dos estudos do DNA decorre do reconhecimento de sua importância, como um dos meios mais utilizados para determinação de relações biológicas, nos pleitos de paternidade. O DNA é o código genético de cada pessoa. Os cromossomos humanos acompanham e contém o DNA de cada indivíduo. O conteúdo genético é expressão hereditária recebida em partes iguais do pai e da mãe. Trata-se, da molécula que contém de forma codificada, a informação genética de cada indivíduo, que é encontrada nas células do corpo humano.

 

                  Essas técnicas têm variantes cujas diferenças surgem da quantidade de lugares ou localidades genéticas analisadas.

 

                  Surgem dúvidas sobre os resultados da prova do DNA em casos de filiação, quando se examina os dados estatísticos e as decisões judiciais. Os cientistas estão de acordo com a validade dos princípios gerais decorrentes das provas de DNA, circunstâncias que leva a reconhecer o valor dos resultados produzidos por estas provas.

                  Os meios de manipulação genética, seus riscos, inclusive com a utilização do DNA, têm atentado para certos tipos de experimentação, que não podem ficar alheias aos direitos fundamentais.

 

 

7. O EXAME DO DNA: VALORAÇÃO E LIMITES

 

                  A prova do exame do DNA trouxe a verdade científica inquestionável ao processo que demanda a descoberta da paternidade, fazendo as outras provas, até então relevantes, perderem espaço no caderno processual. Para alguns, houve um nivelamento sistemático acerca da prova na investigação de paternidade, admitindo o DNA como absoluto e irrefutável, rejeitando qualquer outra modalidade de prova, ou aceitando-o acima das outras como “o senhor da verdade”.

 

                  É certo que o peso do instrumento pericial do DNA revela-se em sua insignificante margem de erro defendida pelos especialistas da área médica, oferecendo ao julgador um elemento sólido para a construção da verdade e atribuindo ao mesmo um peso determinado entre as prova processuais trazidas pelas partes.

 

                  Em comparação com outras provas processuais, o DNA dos indivíduos envolvidos no litígio acaba por receber um valor diferenciado, agraciado como método pericial capaz e único a desvendar a verdade real, deixando para trás o longo caminho das presunções e indícios que o Direito de Filiação percorreu.

 

                  Contudo, é necessário cautela na utilização desta prova. Não que se esteja aqui negando o seu valor de estabelecer os critérios científicos de probabilidade da paternidade, mas o que se almeja é uma reflexão sobre o momento processual pelo qual passam as investigações de paternidade e seu conjunto probatório.

 

                  É o momento para repensar a verdadeira divinização de que se reveste, nos tempos atuais, o exame pericial do DNA, como se fosse uma prova milagrosa capaz de colocar fim a todos problemas pertinentes à investigação de paternidade. É evidente que o exame pericial é útil e se mostra relevante no contexto probatório. Seria absurdo negá-lo, mas há que se estabelecer uma existência baseada no critério da razoabilidade entre reconhecer o exame como prova importante que traduz a evidência da paternidade, e transformar tal reconhecimento em divindade infalível, com poder de dar por encerrada toda e qualquer discussão.

 

                  Inúmeros fatores podem comprometer e prejudicar os resultados ditos inquestionáveis do exame pericial do DNA, até mesmo conduzindo a erros completos, fato que é reconhecido pelos próprios cientistas.

                  A importância atribuída à tomada de posição cautelosa e reflexiva diante da prova pericial do DNA, da forma como vem sendo recebida e defendida pelos Tribunais, tem razão de ser por constituir  uma forma de evitar o risco da acomodação da Justiça em relação à redução do contexto probatório das investigações de paternidade à prova pericial do DNA, desprezando o critério valorativo das demais provas. O exame científico da paternidade não pode desviar o caminho da instrução probatória, fazendo do juiz um mero homologador de laudos periciais.

 

 

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

                  Missão árdua é a do julgador de imputar uma paternidade buscada em juízo, a pais e filhos que intentam comprovar seu vínculo genético-hereditário. O poder-dever de dizer o direito se reveste de um peso desmedido, consistente no fato de que uma falsa inclusão trará prejuízos morais e financeiros irreparáveis aos indivíduos envolvidos.

 

                  Cabe notar que mesmo a mais acurada técnica de análise genética em DNA é, segundo entendimento médico pacífico, passível de erro, mesmo que em proporções ínfimas.

 

                  A célere propagação do método e investigação de paternidade pela análise do DNA deve ser analisada com a devida cautela. A sua alta rentabilidade e a ampla divulgação pela mídia desencadearam o surgimento desordenado de laboratórios desprovidos de suporte técnico-científico para a elaboração de um laudo plenamente confiável.

 

                  Há de se admitir a possibilidade de falhas quando da percepção de erro na identificação dos examinados, troca do material colhido, ou utilização de materiais inadequados ou insuficientes, culminando uma tragédia generalizada.

 

                  Pelos princípios bioéticos, deve-se atentar a essa probabilidade tolerável de erro, buscando respeitar os direitos dos filhos a privacidade e a unidade da família que, em certos casos, pode ser ameaçada pelos resultados de tais exames.

 

                  O estudo do perfil de DNA , mesmo sendo um exame importante na questão mais delicada da hemogenética médico-legal, não alcançou ainda um nível de certeza que lhe empreste um valor probante absoluto e inquestionável. Primeiro, porque não se pode admitir com certeza aquilo que se tem como probabilidade. E ainda existe entre os laboratórios o uso de técnicas diversas, dando margem, vez por outra, a resultados diferentes, cujos motivos vão desde as técnicas duvidosas até ao material colhido de forma inadequada.

 

                  Durante todo o processo de investigação de paternidade há um desgaste emocional muito grande nas partes envolvidas, principalmente nas crianças, as maiores vítimas de todo este processo.

                 

                  Devemos lembrar que um laudo errôneo incluindo ou excluindo um vínculo genético trará implicações bastante complexas, com possibilidades de abalar toda uma estrutura familiar e onde a repercussão maior será com a criança, que é sem dúvida a parte mais interessada no assunto.

 

                  A paternidade não pode ficar adstrita a uma simples questão biológica. O juiz não deve  se transformar em um mero homologador de laudos.

 

                  Interessante e instigante é que o exame de DNA veio desvendar o mistério milenar da paternidade, tornando possível o acesso ao vínculo genético. Mas esta formidável conquista científica, ansiada por gerações chegou num momento em que a humanidade está repensando a figura da paternidade, que se insere hoje, em três dimensões. A paternidade jurídica, a paternidade biológica e a paternidade sócio-afetiva. Nem sempre elas coincidem.

 

                  Com certeza absoluta, não é o laudo que resolverá o problema. Afinal, a paternidade se faz e se constrói.

 

                  Paradoxalmente, a poderosíssima prova do DNA, em muitos casos, pode não ter importância nenhuma, pode não interessar coisa alguma, porque a verdade que se busca e se quer revelar e prestigiar, nos aludidos casos, não é a verdade do sangue, mas a verdade que brota dos sentimentos.

 

                  A questão do exame de DNA no vínculo de investigação de paternidade ainda está envolvida de muita incerteza. Em países mais desenvolvidos do que o nosso, os próprios cientistas têm sugerido que se tenha cuidado com a supervalorização dos testes de DNA.

 

                  A prudência na apreciação dos fatos e das provas há que ser retomada para afastar a prejudicial confortável segurança da prova biológica. Por certo, essa dualidade de angulações se põe em conflito, pois nem sempre o comportamento imita a biologia e também nem sempre a justiça se encontra no juízo estribado. Na presumida certeza da prova produzida pelo DNA diminui-se aparentemente, o risco do erro. Entretanto, a exagerada confiança neste tipo de prova poderá acabar sendo a própria configuração do equívoco.

 

                  É aconselhável diminuir o entusiasmo pelos testes em DNA levando em consideração a gama de diferentes e poderosos fatores em jogo que criam novas estruturas familiares.

 

 

* Estudante de Direito, 6º Semestre, estagiária do MP e autora de diversos artigos.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
, Tamara da Silva. O Direito Frente ao Processo de Investigação de Paternidade. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-civil/o-direito-frente-ao-processo-de-investigacao-de-paternidade/ Acesso em: 25 abr. 2024