Direito Civil

Sinopse do case: O caso do financiamento do calhambeque (baseado em fatos reais)

Géssica Cristine Medeiros da Silva²

Vail Altarugio Filho³

 1. DESCRIÇÃO DO CASO

Num mundo onde o consumismo é pregado a todo o momento, o possuir se torna mais que essencial para quem quer se adequar o ser aceito na sociedade. Seu Gervázio vive numa sociedade assim, em que ter um bom carro é o principal na vida de qualquer pessoa e por isso dá um jeito de ter um Calhambeque e ser visto com bons olhos. No entanto, seu Gervázio não tem dinheiro para comprar a vista tal bem e o compra com parcelas a perder de vista.

Durante o contrato de financiamento ficam pactuadas suaves 60 parcelas de 1000,00 reais. Pois bem, além desse valor, o mutuário ainda paga 7590,00 reais para abertura de crédito e uma taxa de emissão do boleto no valor de 10,00 reais.  Seu Gervázio realiza o pagamento destes últimos valores citados e nos meses seguintes continua recebendo a cobrança da taxa de emissão de boleto. Assim, o solvens paga seu débito até a nona parcela, quando inesperadamente sua esposa adoece e ele se vê impossibilitado de realizar o pagamento das parcelas seguintes.

Após três meses terem passado, Gervázio procura realizar o pagamento das parcelas em atraso e descobre que foram cobrados juros em cima de juros e também, é cobrada correção monetária em cima das parcelas em atraso. O comprador se sente lesado e procura reivindicar seus direitos.

2. DIREITOS E MECANISMOS

O solvens, no caso Gervázio, encontra-se em débito com o banco, já que tinha obrigação de pagar em determinado tempo e local e não o fez. No entanto, deve-se prestar atenção à causa da inadimplência, ou seja, se ela decorre de um caso fortuito ou de força maior. No caso do nosso personagem, ele vem pagando todas as parcelas fielmente, no entanto, depara-se com um fato imprevisível e irresistível: a doença de Gervázia, sua esposa. Para Venosa, um caso fortuito “é a situação que decorre de fato alheio à vontade da parte, mas proveniente de fatos humanos.” (VENOSA, pág. 356,2005).

O fato de Gervázio estar em atraso em suas parcelas, portanto, em mora. Todavia o caso fortuito, no caso a doença de Gervázia, embasa a decisão de que o devedor não deve responder pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado (Artigo 393 do CC). Reforçando essa ideia, Sílvio Rodrigues afirma que “para que emerja a obigação de reparar, é mister que se caracterize a culpa do devedor moroso ou inadimplente, pois se a obrigação se descumpriu por força maior ou caso fortuito, não se compõe o dano”. (RODRIGUES, pág. 242, 2006).

Além do que já foi citado anteriormente, é necessário frisar que o banco agiu contra a lei ao fixar juros sobre juros, pois esta é uma conduta descrita e não autorizada pelo Decreto 22.626/33. Segundo Venosa, o anatocismo é uma das formas de usura mais perigosa em favor do credor. Pode-se dizer que houve onerosidade excessiva e cobrança indevida, esta última relacionada à cobrança de dez reais pela emissão do boleto para pagamento. Esta cobrança é vedada pela Resolução 003693 de 2007, artigo 2°. A Súmula 121 do STF também proíbe esse tipo de cobrança.

Flávio Tartuce cita em sua obra Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil, o que o dispositivo destaca sobre o caso discutido aqui. Ele lembra que cabe revisão contratual por fato superveniente, diante de uma imprevisibilidade somada a uma onerosidade excessiva. Ainda na mesma obra, Tartuce cita a jurisprudência do STJ: “Encargos excessivos – Ausência de mora – Repetição dos valores. A jurisprudência desta Corte já assentou que a cobrança de encargos ilegais e abusivos descaracteriza a mora do devedor”.

Segundo o Código do Consumidor no artigo 42, todo aquele que é cobrado indevidamente deve receber em dobro o que foi pago. Isto se aplica à questão da cobrança indevida da emissão de boletos por parte do banco.

Sempre que há inadimplemento, há o dever de indenizar, que é uma maneira de sanar o prejuízo de quem foi lesado e é inocente. No entanto, a indenização deve ser provida de culpa. Todavia para Venosa, para que haja responsabilização do devedor, não é suficiente que o devedor só deixe de cumprir de forma culposa sua obrigação, mas que realmente haja um prejuízo válido para o credor. No caso aqui tratado constata-se ausência de culpa do devedor e, portanto, o banco não deverá cobrar indenização por perdas e danos.

O banco que fez o financiamento do Calhambeque de Gervázio tem todo o direito de cobrar os juros moratórios mais a correção monetária, esta última baseada na informação de que já passara um ano da validação do contrato. Desse modo, o devedor que se encontra em atraso deve pagar pelos prejuízos causados pela não realização da obrigação. Se o atraso de Gervázio continuar gerando onerosidade para o banco, este poderá impetrar ação de busca e apreensão. No entanto, como o devedor procura sanar a dívida, o banco poderá negociá-la de acordo com seus interesses.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: parte geral das obrigações – vol. 2; 30ª edição, atualizada. São Paulo: Saraiva, 2006.

TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil – vol. 2; 8ª edição, revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Método, 2013.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações Teoria geral dos Contratos – vol. 2; 5ª edição. São Paulo: Atlas, 2005.

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 1.       Case apresentado à disciplina de Direito das Obrigações da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

 2.       Aluna do 3° período de Direito da UNDB;

 3.       Professor Mestre, orientador.

 

Como citar e referenciar este artigo:
SILVA, Géssica Cristine Medeiros da; FILHO, Vail Altarugio. Sinopse do case: O caso do financiamento do calhambeque (baseado em fatos reais). Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2017. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-civil/sinopse-do-case-o-caso-do-financiamento-do-calhambeque-baseado-em-fatos-reais/ Acesso em: 20 abr. 2024