Direito Civil

Meu imóvel atrasou. E agora?

Bruno de Oliveira Carreirão*

Uma situação desagradável, porém relativamente recorrente, para aqueles que compram imóveis “na planta” é o atraso da entrega. Seja um imóvel comprado para morar, empreender ou investir, o atraso sempre representa um prejuízo ao comprador, que pode ser agravado diante das circunstâncias, sobretudo em um cenário de grave crise econômica pelo qual estamos passando.

Todavia, há formas para que o consumidor possa ser ressarcido pelo seu prejuízo, mesmo que o contrato aparentemente beneficie apenas a construtora. Para tanto, é muito importante que o comprador conheça seus direitos. O objetivo deste artigo é justamente demonstrar de que forma o comprador pode ser indenizado.

1.   PRAZO DE TOLERÂNCIA

Embora os contratos de compra e venda de imóveis ainda em fase de construção tenham prazo para a entrega da obra, é prática bastante recorrente incluir no contrato uma cláusula com o chamado prazo de tolerância, geralmente de 180 dias, que autoriza a construtora a prorrogar a entrega do imóvel por conta de algumas circunstâncias, tais como intensa quantidade de chuvas, falta de mão de obra na região, escassez de materiais e etc.

Há muita discussão a respeito da legalidade desse tipo de cláusula e há jurisprudência considerando tal cláusula abusiva. Em Santa Catarina, contudo, o entendimento que prevalece é de que a cláusula é legal e que o prazo de tolerância pode ser utilizado, porém somente mediante comprovação das circunstâncias que tornaram necessária a sua utilização – o que muitas vezes não ocorre, pois muitas construtoras planejam a obra desde o início já contando com o prazo de tolerância.

Caso a construtora não consiga comprovar tais circunstâncias, o referido prazo não pode ser utilizado, sendo devida indenização pelo atraso.

2.   E SE O CONTRATO NÃO TEM MULTA?

Outra prática comum no mercado imobiliário é incluir no contrato de compra e venda, tipicamente de adesão, multa contratual por descumprimento apenas para o comprador, buscando fugir de punição em caso de atraso na obra. Todavia, tal ideia pode acabar se tornando um “tiro no pé” para a construtora.

Trata-se de situação claramente abusiva, por representar nítido desequilíbrio contratual entre comprador e vendedor. Por conta disso, muitos Tribunais entendem ser lícita a aplicação analógica da cláusula, impondo à construtora a multa prevista para o caso de inadimplemento do comprador.

Outra possibilidade que também encontra respaldo na jurisprudência é a aplicação de multa com base no valor de mercado dos alugueis na região do imóvel, referentes ao período em que a construtora permaneceu injustamente na posse do imóvel, uma vez que este já deveria ter sido entregue.

3.   DANO MORAL E LUCROS CESSANTES

Há quem defenda que o atraso na entrega do imóvel, por si só, gera dano moral – é o chamado dano moral in re ipsa. Contudo, essa posição não é majoritária. Para que seja caracterizado o dano moral, é necessário que o comprador comprove que as circunstâncias do caso fizeram com que o atraso o afetasse além da esfera patrimonial (ex.: casal que compra imóvel e marca casamento em data próxima à previsão da entrega, com a expectativa de iniciar a “vida a dois” naquele imóvel).

O mesmo pode ser dito a respeito dos lucros cessantes – indenização devida em razão do lucro que o comprador deixou de ter. Para que o comprador possa ser indenizado por lucros cessantes, é necessário que demonstre que exploraria o imóvel economicamente (ex.: imóvel comprado para ser alugado).

4.   POSSO RESCINDIR O CONTRATO?

Ainda que o contrato não preveja rescisão na hipótese de atraso, é sim possível requerê-la judicialmente, em razão de previsão no art. 475 do Código Civil: “A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos”.

Neste caso, o imóvel é devolvido à construtora, que deve devolver ao comprador o valor pago, acrescido das devidas indenizações pelo atraso, dano moral e lucro cessantes, a depender de cada caso, conforme explicado nos tópicos acima.



*Advogado. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, Pós-Graduando em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito – EPD e membro da Comissão de Direito Constitucional da OAB/SC.

Como citar e referenciar este artigo:
CARREIRÃO, Bruno de Oliveira. Meu imóvel atrasou. E agora?. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2016. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-civil/meu-imovel-atrasou-e-agora/ Acesso em: 19 abr. 2024