Direito Civil

Prazos e considerações relativos à prescrição no Direito Autoral

Prazos e considerações relativos à prescrição no Direito Autoral

 

 

Diogo Dias Teixeira

 

 

 

Desde 1916, com o advento da Lei 3.071/16, que instituiu o Código Civil, as ações civis relativas às ofensas aos Direitos Autorais tiveram seu prazo prescricional alterado diversas vezes. As alterações feitas pelo legislador, contudo, nem sempre foram adequadas. Em determinado período, por exemplo, a matéria ficou sem norma legal vigente.

 

A fim de melhor entender as conseqüências e implicações dessas alterações, cabe retroceder na evolução do prazo prescricional relativo à matéria. Retrocessão essa, que deve ter como marco inicial o Código Civil de 1916, que fez nascer a complexidade do estudo.

 

Referido diploma legal trouxe em seu art. 178, VII, um prazo específico para demandar em juízo quando a matéria fosse direito autoral:

 

Art. 178 – Prescreve:

§10 – Em 5 (cinco) anos

VII – A ação civil por ofensa a direitos de autor; contado o prazo da data da contrafação;

 

A partir de então, ações civis que versassem acerca da referida matéria estariam sujeitas ao prazo prescricional de cinco anos, também chamado de qüinqüenal. Daí em diante, vieram muitas outras alterações; a primeira, com a Lei de Direito Autoral nº. 5.988 de 1973, que dispôs:

 

Art. 131. Prescreve em cinco anos a ação civil por ofensa a direitos patrimoniais do autor ou conexos, contado o prazo da data em que se deu a violação.

 

A norma especial não alterou o prazo prescricional fixado para a matéria (cinco anos). Todavia, apesar de atribuir prazo idêntico ao do Código Civil, o dispositivo da Lei 5.988/73, por tratar-se de norma posterior que regulava inteiramente a matéria tratada em norma anterior, revogou o artigo 178 daquele diploma legal, qual seja, o Código Civil de 1916. Nesses termos, estatui a Lei de Introdução ao Código Civil em seu artigo 2º, §1º:

 

Art. 2o  Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

 

§ 1o  A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. (grifos nossos)

 

Apesar de predominante o entendimento de que o dispositivo do Código Civil foi revogado – manifestado inclusive em parecer elaborado pela ABPI[1] -, convive-se com opiniões contrárias. No entanto, a tese contrária parece não merecer acolhimento, pois, em suma, sustenta que só seria aplicável a norma da LICC quando o Código Civil dispuser, em parte especial, acerca de determinado assunto. Como exemplo, os revogados Artigos 649 a 673 do Código Civil de 1916, que tratavam da “propriedade literária, científica e artística”. Sustenta essa minoria que um dispositivo que versa a respeito de um assunto específico, porém presente numa parte geral, só poderá ser revogado caso a Lei nova seja incompatível. Essa interpretação da Lei, no entanto, conforme entendimento da melhor doutrina, que acredita estar o dispositivo do Código Civil revogado, carece de fundamento.

 

E sabe-se que revogada a norma, não mais será possível torná-la à vida. Pois salvo disposição em contrário, o efeito repristinatório não é admitido no Brasil, conforme estabelece o §3º do artigo 2º da LICC:

 

§ 3o  Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.

 

Fundamental o entendimento do parágrafo acima transcrito, pois, na etapa seguinte da evolução dos prazos prescricionais, nota-se que a Lei 9.610/98 – também de direitos autorais – revogou expressamente a Lei 5.988/73 que, desse modo, não mais poderá ser utilizada. A revogação, como dito, veio de forma expressa no art. 115 da Lei:

 

Art. 115. Ficam revogados os arts. 649 a 673 e 1.346 a 1.362 do Código Civil e as Leis nºs 4.944, de 6 de abril de 1966; 5.988, de 14 de dezembro de 1973, excetuando-se o art. 17 e seus §§ 1º e 2º; 6.800, de 25 de junho de 1980; 7.123, de 12 de setembro de 1983; 9.045, de 18 de maio de 1995, e demais disposições em contrário, mantidos em vigor as Leis nºs 6.533, de 24 de maio de 1978 e 6.615, de 16 de dezembro de 1978.

 

Ocorre que a Lei 9.610/98, revogando expressamente[2] a Lei 5.988/73, colocou à margem inclusive o dispositivo que ditava o prazo prescricional. Não obstante, não trouxe qualquer prazo para substituí-lo, eis que o Exmo. Sr. Presidente da República vetou o artigo que determinaria o novo prazo prescricional (art. 111).

 

Justamente aí que surgiu o problema, pois a nova Lei de direito Autoral não previa prazo prescricional e, entretanto, revogou o prazo prescricional que vigia anteriormente. Como se não bastasse, a Lei 5.988/73 já havia revogado o dispositivo do Código Civil, vigente à época. Assim, entre a data em que entrou em vigor a norma de 1998 (jun/98) e a entrada em vigor do Código Civil de 2002 (jan/03), não havia previsão legal para os prazos prescricionais referentes às ações civis por ofensa a direito autoral. Logo, qual seria a posição adequada: restaurar, contra determinação da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, o prazo da Lei 5.988/73 ou aplicar a norma geral dos direitos reais prevista no Código Civil de 1916, em vigor naquele período?

 

Como era de se esperar, o prazo prescricional genérico previsto no art. 177 do CC de 1916 foi amplamente adotado, especialmente em combinação com art. 179 também do CC, que, na falta de previsão legal, determinava a sua aplicação:

 

Art. 177.  As ações pessoais prescrevem, ordinariamente, em 20 (vinte) anos, as reais em 10 (dez), entre presentes, e entre ausentes, em 15 (quinze), contados da data em que poderiam ter sido propostas. (Redação da Lei nº 2.437, de 7.3.1955)

 

Art. 179.  Os casos de prescrição não previstos neste Código serão regulados, quanto ao prazo, pelo art. 177.

Ressalte-se, não se trata de renascer o dispositivo do código Civil de 1916, que dispunha de forma específica sobre a matéria (eis que este já havia sido revogado pela Lei de Direitos Autorais de 1973). O prazo prescricional a ser adotado seria o genérico do Código Civil, de acordo com a natureza jurídica da ação movida. A partir de então, tornou-se imprescindível o estudo da natureza jurídica dos provimentos jurisdicionais requeridos nas ações referentes ao Direito Autoral, já que seria determinante para o cálculo dos prazos prescricionais aplicáveis. Contudo, boa parte da doutrina, como sempre, posicionou-se de forma oposta a esse entendimento, defendendo que com a revogação do dispositivo os prazos referentes à matéria teriam sido uniformizados e seguiriam o prazo de 20 anos, previsto no art. 177 do Código Civil de 1916. Entretanto, encontramos em muitas decisões, incluindo a que se segue, um posicionamento diferente dos Tribunais Superiores, que, acertadamente, compreenderam a necessidade de aplicar prazos prescricionais diferentes para pretensões de essência diferente:

 

“I – Prescreve em 10 anos por ser, na sua essência, real, a ação para exigir a abstenção do uso de sistemas informáticos…” (STJ – Resp 187.578 – Min. Antonio de Pádua Ribeiro)

 

Assim, houve, de fato, uma classificação das ações. Ações relativas aos Direitos Morais do Autor, frente os dispositivos da LDA de 1998, seriam, por exemplo, imprescritíveis:

 

Art. 24. São direitos morais do autor:

I – o de reivindicar, a qualquer tempo, a paternidade da obra;

 Art. 27. Os direitos morais do autor são inalienáveis e irrenunciáveis.

 

Desse modo, apenas a título de elucidação, segue tabela que ilustra as alterações nos prazos da ação de indenização por violação de direito patrimonial do Autor, demanda de natureza mais comum entre as pretensões que envolvem direito Autoral:

 

Entrada em Vigor

Norma Legal

Prazo

Dispositivo

Revogou

1916

Código Civil

5 anos

Art.178, §10, VII

Não interessa

1973

Lei 5.988

5 anos

Art.131 – LDA

Art.178, §10, VII, do CC de 1916

Jun/1998

Lei 9.610

20 anos

Art. 177 – CC 1916

Lei 5.988/73

Jan/2003

Código Civil

3 anos

Art.206, §3, V

CC 1916

 

Assim, utilizando como exemplo um uso indevido de obra literária, ocorrido em julho de 1998, o prazo aplicável não será o prazo específico do Código Civil de 1916, muito menos o da Lei de direitos Autorais 5.988/73. O prazo aplicável será o genérico do CC de 1916.

 

A situação derruba diversos advogados, não especializados, que se aventuram em causas onde a matéria discutida é a prescrição no direito autoral, pois a primeira providência que estes advogados tomam é verificar se houve prescrição e, de forma equivoca, encontram e acreditam ser aplicável o prazo específico do Código Civil de 1916. Tudo isso, pois encontram o prazo previsto na norma de 1973, verificam que foi revogado pela norma de 1998 e, sem pensar, aplicam o prazo específico do CC de 1916. Contudo, esquecem-se tais patronos que a aplicação do artigo específico do CC caracterizaria, da mesma forma, uma repristinação, rechaçada pela legislação pátria. Fazem o raciocínio num sentido e não o fazem no sentido inverso!

 

Enfim, esse é o primeiro problema, mas existe um outro ponto, talvez mais relevante do que o primeiro, para o qual ainda não há posição conhecida dos tribunais.

 

Para explicitar o que vem a ser este segundo problema, utilizemos o seguinte exemplo: um uso indevido de obra literária, ocorrido em 2000. Nessa data, ainda não estava em vigor o Código Civil de 2002 e o prazo prescricional era então de 20 anos, conforme determinava o artigo 177 do Código Civil de 1916.

 

Apesar de ocorrida a violação em 2000, o sujeito que teve seu direito violado pretende entrar com a ação em 2004, pergunta-se: esse direito está prescrito?

 

Para responder à pergunta formulada no item anterior é necessário observar as disposições trazidas pelo Código Civil de 2002 no tocante aos prazos prescricionais. Para tanto, nos interessam os artigos 206 e 2028. Vejamos:

 

Art. 206. Prescreve:

§ 3o Em três anos:

V – a pretensão de reparação civil;

 

 Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.

 

Dos dispositivos acima transcritos, extrai-se que a prescrição para o nosso exemplo, com a entrada em vigor do novo Código Civil, passou de 20 para 3 anos, contados da data do fato[3]. Assim, considerando que o fato do nosso exemplo ocorreu em 2000, até a data em que entrou em vigor a Lei 10.406/02 – Código Civil – transcorreram apenas 3 anos.

 

Interpretando o art. 2028 do CC, quando não transcorreu mais da metade dos prazos da lei anterior, serão utilizados os prazos da Lei nova. Portanto, tendo ocorrido o fato há 3 anos, menos da metade do prazo prescricional estabelecido pela norma anterior (20 anos), aplicar-se-á o prazo do novo Código Civil. Assim, se o titular do direito pretende entrar com a ação em 2004, esta ação estará fadada à improcedência, eis que ocorreu a prescrição (3 anos) do direito do Autor.

 

Nessa hipótese, como fica o direito do titular da obra literária, que na vigência da lei anterior adquirira o direito de ingressar com referida ação no prazo de 20 anos? Esse direito adquirido é garantia constitucional? Observe-se:

 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

 

XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

 

Destarte, vê-se que o direito adquirido é sim garantia prevista na Constituição Federal. Resta saber, se o direito em comento (direito de pedir a reparação por uso indevido de obra literária) configura, ou não, direito adquirido, para, assim, estar sob o manto da Carta Magna.

 

Com esse objetivo nos socorremos novamente à Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, que conceitua e, tal qual a Constituição Federal, assegura o direito adquirido:

 

“Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.

 

Da mesma forma, acrescenta Reynaldo Porchat – na obra Retroatividade das Leis Civis, São Paulo, Duprat, 1909 – quando demonstra de forma clara e concisa o conceito de direito adquirido:

 

“Direitos adquiridos são conseqüências de fatos jurídicos passados, mas conseqüências ainda não realizadas, que ainda não se tornaram de todo efetivas. Direito adquirido é, pois, todo direito fundado sobre um fato jurídico que já sucedeu, mas que ainda não foi feito valer.”

 

E para terminar o estudo conceitual do instituto do direito adquirido (que não é o foco do presente trabalho), basta entender o direito subjetivo, que é a possibilidade de ser exercido, de maneira garantida, aquilo que as normas de direito atribuem a alguém como próprio. Ou seja, é um direito garantido por normas jurídicas e exercitável conforme a vontade do titular.

 

Caso um direito subjetivo não seja exercido, sobrevindo uma lei nova, transformar-se-á em direito adquirido, porque configurava um direito exercitável e exigível à vontade do seu titular e que foi incorporado ao seu patrimônio, para ser exercido quando lhe conviesse[4].

 

Por todo o exposto, o direito que aqui discutimos é claramente abrangido pelo instituto do direito adquirido, devendo, por conseguinte, ser protegido tanto pela Constituição Federal quanto pela Lei de Introdução ao Código Civil.

 

Logo, no caso exemplificativo, acolher matéria de prescrição no mérito da demanda, seria violar dispositivo federal e abrir oportunidade para um recurso extraordinário, nos moldes do art. 102, III, “a”, da CF, ou, ainda, tratando-se de última instância ou instância única, para uma ação rescisória nos termos do art. 485, V, do CPC.

 

Portanto, nota-se que a prescrição no direito autoral sofre grande influência das alterações, inadequadas, que ditou, ao longo do tempo, o legislador. Desse modo, eventuais pretensões necessitam de um estudo aprofundado para que tenham seu prazo precisamente determinado.

 

Enfim, chama-se aqui atenção às causas que envolvam a matéria e, principalmente, às decisões dos tribunais que, em breve, deverão consolidar jurisprudência no sentido de caracterizar, ou não, o direito do autor como direito adquirido, afastando a incidência do prazo previsto no novo Código Civil.

 

 

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[1] Manoel J. Pereira dos Santos e Álvaro Loreiro Oliveira, Revista da ABPI 37, Nov/dez de 1998, pg. 44/5.

[2] Frise-se que independentemente de abordar ou não a matéria, a revogação expressa de determinada Lei, afasta a possibilidade de aplicação de dispositivo da Lei revogada, pois a Lei é revogada na integra.

 

[3] Utilizou-se “data do fato” pois existe grande discussão em torno do marco inicial do prazo prescricional, se seria do conhecimento da violação ou da violação em si.

[4] O não exercício do direito que lhe pertence quando da entrada de uma lei nova, não caracteriza motivo para que esta prejudique o que de direito já é seu. Quem tem o direito não é obrigado a exercitá-lo, só o faz quando quiser. A aquisição do direito não pressupõe seu exercício. A possibilidade de exercer o direito subjetivo foi adquirida na vigência da lei velha, tornando-se direito adquirido quando a lei nova lhe alterar as bases normativas sob as quais foi constituído.

 

Como citar e referenciar este artigo:
TEIXEIRA, Diogo Dias. Prazos e considerações relativos à prescrição no Direito Autoral. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-civil/prazos-e-consideracoes-relativos-a-prescricao-no-direito-autoral/ Acesso em: 29 mar. 2024