Direito Civil

A Negativa de Indenização das Companhias Seguradoras em Face das Coberturas de Responsabilidade Civil Facultativa nos Contratos de Seguros de Automóveis

A Negativa de Indenização das Companhias Seguradoras em Face das Coberturas de Responsabilidade Civil Facultativa nos Contratos de Seguros de Automóveis

 

 

Marlon Nogueira Flick*

 

 

RESUMO

 

Tem este trabalho o escopo de analisar, bibliograficamente, a legalidade das Companhias Seguradoras negarem coberturas – em caso de sinistro de automóveis, por culpa grave do segurado e negar a cobertura de terceiros, quando estes segurados forem responsáveis por acidentes sob efeito de álcool ou substâncias entorpecentes. Concluímos que em ambos os casos é ilegal a negativa, pois o segurado paga pela cobertura independente de culpa, visto que a culpa não é da vontade do agente. Com relação aos terceiros, concluímos que a seguradora recebe verba exclusiva para cobrir danos a terceiros, sendo assim tal negativa, caracteriza-se por enriquecimento ilícito.

 

Palavras-chave: Contrato de Seguro. Responsabilidade Civil. Sinistro.

 

I INTRODUÇÃO

 

Quando contratarmos uma apólice de seguros, além de protegermos o nosso patrimônio (vida, veículos, casa, empresas etc.), podemos ainda adquirir diversas outras coberturas que são chamadas de coberturas adicionais. Entre essas coberturas, existe a cobertura de Responsabilidade Civil Facultativa (RCF), que proporciona ao segurado (contratante), uma tranqüilidade sobre danos pessoais e materiais causados a terceiros.

 

            Acontece que, as companhias seguradoras, vêm adotando, de forma quase que na sua totalidade, uma postura de negar as coberturas do RCF, nos casos de sinistros, em que o segurado seja encontrado desabilitado ou sob efeito de álcool ou substância análoga.

 

            A análise da legalidade desta negativa é que será o objeto desse estudo. Tentaremos responder às indagações dos usuários dos contratos de seguros, tais como: o segurado ao pagar a verba adicional e específica para a cobertura dos danos que possam ocorrer a terceiros, não estaria coberto, mesmo em situação de erro? Os terceiros deveriam ser penalizados em virtude de o segurado estar, sob efeito de álcool ou substâncias análogas? As seguradoras ao negarem tal cobertura, não estariam enriquecendo-se ilicitamente?

           

 

II CONCEITO DE CONTRATO DE SEGUROS

 

            Antes de adentrarmos ao cerne da polêmica, se faz mister conceituarmos o contrato de seguro.

            O Código Civil de 2002, no seu artigo 757, assim dispõe: “Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante pagamento do prêmio[*], a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou coisa, contra riscos predeterminados.”

 

            Para Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona (2006, p. 11) o contrato é assim conceituado:


O contrato é um negocio jurídico por meio do qual as partes declarantes, limitadas pelos princípios da função social e boa-fé objetiva, autodisciplina os efeitos patrimoniais que pretendem atingir, segundo a autonomia das suas próprias vontades.

 

            Para a doutrina, o contrato de seguros pode assim ser classificado: a) contrato bilateral, pois exige sempre duas partes no contrato, qual seja, segurador e segurado; b) oneroso, visto que depende de pagamento do prêmio para que seu bem seja assegurado; c) de adesão, pelo simples motivo de o contrato já vir pré-estabelecido pelo segurador, cabendo ao segurado apenas aceitar ou não; d) aleatório; visto que a  obrigação do segurador  surge de evento incerto e futuro; e) contrato de risco, visto que, pode se encerrar o contrato sem o risco esperado e incerto, ou seja, se não houver dano ao bem o segurador não tem necessidade de efetuar o  ressarcimento.

 

            Com relação ao contrato de seguros ser de adesão, vale a pena transcrever magistério de Silvio Venosa (2007, p. 352-353) sobre o assunto, que assim aduz:

 

É o típico contrato que se apresenta com todas as cláusulas predispostas por uma das partes. A outra parte, o aderente (segurado), somente tem alternativa de aceitar ou repelir o contrato. Há condições gerais nos contratos impostos ao público interessado em geral. Assim é o empresário que impõe a maioria dos contratos bancários, securitário, estudo. Tentaremos responder a de transportes de pessoas ou coisas, de espetáculos públicos etc. (Grifo nosso).

 

            Tem o contrato de seguros uma condição diferente dos demais, pois, só pode figurar como segurador, a empresa devidamente autorizada para esses tipos de contratos, conforme preconiza o parágrafo único do artigo 757 do Código Civil de 2002, ora vejamos art. 757: “Somente pode ser parte, no contrato de seguro, como segurador, entidade para tal fim legalmente autorizada.”

 

            Em regra o contrato de seguro é constituído pelo: a) SEGURADOR; b) SEGURADO; c) O INTERESSE A SER PROTEGIDO, (não obstante, em determinados ramos do seguro existir também a figura do BENEFICIÁRIO[†]), e se concretiza com a emissão de cártula contratual chamada APÓLICE[‡].

 

            O SEGURADOR é a empresa devidamente autorizada para tal, e que mediante pagamento, suporta o risco, ou seja, está obrigado contratualmente a ressarcir o segurado ou seu representante, por danos cobertos, que venham acontecer com o bem protegido.

 

            Já o SEGURADO, trata-se de pessoa física ou jurídica, que paga o prêmio, no intuito de ter seu bem protegido, ou seja, ele procura um segurador e paga para que se o seu bem for acometido de qualquer dano, este seja ressarcido pelo segurador.

 

            O INTERESSE A SER PROTEGIDO é o próprio bem que o segurado pretende proteger contra percalços do dia a dia que possam causar danos ao mesmo (vida, casa, auto etc.).

 

            No trabalho em tela discutiremos o contrato de seguro de automóveis, mais particularmente as questões relativas à Responsabilidade Civil nestes contratos.

           

 

III CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL

 

            A Responsabilidade Civil para o festejado civilista Sílvio de Salvo Venosa é assim conceituado:

 

O termo responsabilidade é utilizado em qualquer situação na qual alguma pessoa, natural ou jurídica, deva arcar com as conseqüências de um ato, fato, ou negócio danoso. Sob essa noção, toda atividade humana, portanto, pode acarretar o dever de indenizar (VENOSA, 2006, p. 01).

 

            Já os Ilustres, Pablo Stolze e Rodolfo Plamplona (2006, p. 13), sobre a responsabilidade civil, aduzem que:

 

[…] a noção jurídica de responsabilidade pressupõe a atividade danosa de alguém que, atuando “a priori” ilicitamente, viola uma norma jurídica preexistente (legal ou contratual, subordinando-se, dessa forma, às conseqüências de seu ato (obrigação de reparar).

 

            Seguem ainda conceituando:

 

Trazendo esse conceito para o âmbito do direito privado, e seguindo essa mesma linha de raciocínio, diríamos que a responsabilidade civil deriva da agressão a um bem eminentemente particular, sujeitando, assim, o infrator, ao pagamento de uma compensação pecuniária à vítima, caso não possa repor “in natura” o estado anterior da coisa (STOLZE; PLAMPLONA, 2006, p. 13-14). 

 

            Notemos que os ilustres civilistas vêem a responsabilidade civil como derivada de uma obrigação que pode ser contratual ou extracontratual.

 

            Ainda, na guisa de conceituar responsabilidade civil, impende transcrever magistério da Ilustre Maria Helena Diniz, ora vejamos:

 

É a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar o dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responda, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal.

 

            Nesse diapasão, podemos aduzir que a responsabilidade civil impõe o dever de indenizar a quem, contratual ou extracontratualmente, causar danos a outrem.

 

            A Responsabilidade Civil extracontratual, também conhecida como “aquiliana”, vem expressamente garantida no Código Civil de 2002, nos artigos 186 e 187, que decorre de ato ilícito causado a outrem.

 

            Mister se faz transcrever tais normativos, vejamos:

 

Art. 186 – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato Ilícito.

Art. 187 – Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico e social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

 

            Para o devido entendimento dos artigos acima citados, devemos lê-lo em concomitância ao artigo 927, também do Código Civil de 2002:

 

Art. 927 – Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo Único – Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para o direito de outrem.  

 

            Dito isso, notamos que a responsabilidade extracontratual, surge de atos ilícitos, que cause dano, e podem acontecer a qualquer pessoa e a qualquer tempo, independente de contrato.

 

            Neste mesmo entendimento, assim reforça o Ilustre Salvo Venosa: “A Responsabilidade extracontratual é, […], fonte de obrigações. Reside no ato ilícito seu centro gravitador.” (VENOSA, 2006, p. 2).

            Essas idéias de que, quem causa dano a outrem deve indenizar, é inerente a raça humana, porém nos primórdios, essa indenização era cobrada de forma violenta (auto-tutela), veja como exemplo a “Lei de Talião”, “olho por olho, dente por dente”.

 

            Nos tempos hodiernos, já temos a intervenção do Estado, que buscou para si, a tutela jurisdicional, e tenta dirimir estas cobranças indenizatórias de forma mais humana e civilizada.

 

            Diferentemente da Responsabilidade acima citada, temos a Responsabilidade Civil Contratual, que surge quando do não cumprimento de uma obrigação contratada, que faz surgir um dano à outra parte.

 

            O dano para o civilista Fabrricio Zamprogna Matielo, citando o Ilustre Clóvis Beviláqua, é assim conceituado: “É, em sentido amplo, toda diminuição nos bens da pessoa. Se recai essa diminuição diretamente sobre o patrimônio, o dano é patrimonial; se fere o lado íntimo da personalidade, é moral.” (MARTIELO, 2002, p. 16).

 

            A responsabilidade civil pode ser ainda classificada em: a) subjetiva, que consiste na necessidade de se comprovar a culpa do autor e o nexo de causalidade com o dano; b) objetiva, não há, nesse caso, a necessidade de se provar a culpa, basta que ocorra o dano e o nexo de causalidade.

 

            Após conceituarmos o contrato de seguro e a responsabilidade civil, passamos a analisá-los no contexto do contrato de seguro de automóveis, mais precisamente, na responsabilidade civil decorrente de acidentes de veículos (sinistros)[§].

 

 

IV O CONTRATO DE SEGUROS DE AUTOMÓVES E A RESPONSABILIDADE CIVIL

 

            Como já sabemos, o contrato de seguros é bilateral, oneroso, de adesão, aleatório, entre outros.

            No tocante a Responsabilidade Civil encontrada nos contratos de seguros, temos a Responsabilidade Civil Facultativa, que se trata de cobertura adicional, contratada individualmente pelo segurado, na qual, escolhe o valor de cobertura desejada e paga verba adicional e específica para este serviço.

 

            A função desta cobertura de Responsabilidade Civil Facultativa, que as empresas seguradoras oferecem, é cobrir (até o valor limite contratado), eventuais danos materiais e pessoais, e até morais, causados pelo segurado a terceiros.  

 

            Como exemplo do uso desta cobertura de Responsabilidade Civil Facultativa (RCF), tem o acidente de veículo envolvendo outro veículo. No caso os danos causados pelo veículo segurado ao veículo terceiro, deverão ser ressarcidos pela seguradora.

 

            As seguradoras, nas suas condições gerais, assim conceituam a Responsabilidade Civil Facultativa:

 

É a cobertura que reembolsa o valor da indenização, por danos involuntários corporais e/ou materiais, causados a terceiros pelo veículo segurado, deste que o responsável civilmente seja o segurado (CONDIÇÕES GERAIS DO SEGURO, 2008, p. 9).

                                           

            Assim, terá cobertura para ressarcir os danos causados a terceiros, quando o segurado for o responsável pelo acidente. Esta responsabilização pode ser judicial ou extrajudicial, com anuência da Seguradora.

 

            Nos casos em que houver dúvidas sobre a responsabilidade do segurado, via de regra, o terceiro, só será ressarcido pela seguradora na via judicial.

 

            Neste sentido, podemos notar que a Responsabilidade Civil Facultativa, fruto do contrato de seguros, tem uma peculiaridade, qual seja, a necessidade da responsabilidade do segurado (culpa) e a anuência da seguradora.

 

            Dessa forma, não basta apenas a ocorrência dos danos, deve-se analisar também, se o segurado foi o responsável pelo dano, para que sua responsabilidade contratual possa ser usada, nada impede que seja responsabilizado extracontratualmente.

 

           

V AS CLÁUSULAS DE PERDA DE DIREITOS E A RESPONSABLIDADE CIVIL

 

            Novamente é necessário trazer a baila o caráter de adesão do contrato de seguros, visto que, a Cia. seguradora elabora as cláusulas, e cabe ao segurado somente, aceitar ou não.

 

            Nesse diapasão, salientamos para as cláusulas de perda de direitos do segurado, constantes das diversas apólices:

 

– O segurado ou beneficiário que, por si, sucessores, ou representante, fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta, na taxa do prêmio, no pagamento da indenização em decorrência do sinistro ou qualquer outra alteração ocorrida mesmo na vigência da apólice, nos termos dos artigos 765 e 766 do Código Civil, tais como:

– local de domicilio e/ou residência;

– uso do veículo;

– adaptações do veículo, tais como: rebaixamento, instalação de turbo ou de dispositivo que aumentam a potência do veículo;

– respostas assinaladas no questionário de avaliação do risco;

o sinistro for devido a culpa grave ou dolo do condutor, Segurado, de seu beneficiário e, no caso de pessoa  jurídica, também de seus sócios controladores, administradores legais e representantes legais. (entre outras). (fragmentos retirados das condições gerais de diversas seguradoras.) (grifo nosso).

 

No tocante à perda de direitos, podemos destacar que perderá a cobertura, o segurado que agir com culpa grave ou dolo.

 

Notamos nos fragmentos das condições gerais das seguradoras, que as mesmas tentam identificar qual é o perfil do segurado, fato bastante louvável, pois uma pessoa com o perfil melhor, com menos risco, vai pagar um prêmio menor, enquanto, uma pessoa, que mora numa grande metrópole, menor idade em relação a outros, com maior risco, pagará mais caro o prêmio do seguro, até este momento tudo bem.  

 

A polêmica se estabelece no momento de conceituar “culpa grave”, visto que o nosso Código Civil se refere ao “dolo” nos artigos 145 a 150, e a nossa doutrina o conceitua, porém, quanto à “culpa” não há referência e muito menos conceituação na esfera civil.

 

O artigo 145 do nosso Código Civil assim aduz: “São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua causa.”

 

Para Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona (2008, p. 382), o “dolo” é conceituado como: “[…] todo artifício malicioso empregado por uma das partes ou por terceiros com o propósito de prejudicar outrem, quando da celebração do negócio jurídico.”

 

Para o ilustre Venosa (2206, p. 415-416), o conceito civil do “dolo” consiste em:

 

Dolo consiste em artifício, artimanha, engodo, encenação, astúcia, desejo maligno, tendente a viciar a vontade do destinatário, a desviá-lo de sua correta direção.

No campo do Direito Civil, o dolo, como os demais vícios, tem o condão de anular o negócio jurídico, artigo 145. 171 CC/2002.

 

 Diferente não é o entendimento dos nossos tribunais, ora vejamos:

 

Ação anulatória de negócio jurídico – Dolo – Indícios – Declaração de vontade maculada – Admissibilidade. O dolo do agente pode ser comprovado por todos os meios legais e moralmente legítimos, inclusive por indícios e circunstâncias, podendo o Juiz, inclusive, se valer das máximas da experiência para formar sua convicção. Comprovada prática de artifício que induziram a vítima a emitir a declaração de vontade, esta fica maculada, impondo-se a anulação do negócio jurídico (BRASIL, 2000).

 

Isso posto, entendemos que a perda de direitos no contrato de seguro por culpa grave deve ser considerado cláusula abusiva, visto que, não há no nosso ordenamento civil tal definição.

 

Outrossim, se analisarmos a culpa grave no âmbito penal, veremos que será crime quando expressamente estipulado por lei na opção culpável, mesmo assim, não acredito que deveria ser ainda, motivo para perda de direitos, visto que no crime culposo, não há vontade de cometer o fato, sendo assim, se é fato alheio à vontade do agente, deve a seguradora ressarcir os danos do segurado e do terceiro, se houver.

 

Notem que, quando da contratação da cláusula de Responsabilidade Civil Facultativa, o segurado quer garantir sua tranqüilidade por qualquer dano de sua responsabilidade que venha a ocorrer contra terceiros.

Para o festejado Civilista Washington de Barros Monteiro (p. 360): “[…] quem faz seguro, assim para desfrutar de maior tranqüilidade, para libertar-se de preocupações, para ter paz de espírito.”

 

Assim, se a seguradora recebe tal valor e não paga o ressarcimento devido, fica claro o enriquecimento sem causa, conforme artigos 884 e seguintes do Código Civil de 2002.

 

O artigo 884 aduz que: “Aquele que, sem justa causa se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.”

 

            Dessa forma, os interessados que sofrerem danos de segurados que tenha apólice de seguros com a cláusula de RCF, e que a seguradora negar os reparos do seu veículo, bem como o segurado que pagar pela cláusula de RCF, devem buscar a tutela jurisdicional para ver seus direitos garantidos, com fundamento no enriquecimento sem causa acima citado.

 

            Dito isso, presume-se ilegal por parte das seguradoras, negarem cobertura a eventos que haja terceiros envolvidos por culpa do segurado, independentemente de qual culpa seja.

 

 

VI AS SITUAÇÕES DE NÃO COBERTURA DO CONTRATO DE SEGUROS E A RESPONSABILIDADE CIVIL

 

            Todas as seguradoras estudadas são unânimes em negar cobertura a terceiros, quando a culpa for do segurado que guiava o veículo sob efeito de álcool ou entorpecentes. Vejamos o que fala as condições gerais de diversas seguradoras:

 

Prejuízos Gerais Não-Indenizáveis:

[…]

l) perdas ou danos ocorridos quando for verificado que o veículo segurado foi conduzido por pessoa embriagada ou drogada, desde que demonstrado pela Seguradora que o sinistro ocorreu devido ao consumo de álcool acima dos limites previstos no Código Nacional de Trânsito e ou uso de drogas pelo condutor, cuja infração poderá ser caracterizado por qualquer meio de prova admitido em direito (Fragmentos das condições gerais de contrato de seguros).

 

            Vejamos a seguinte indagação, se o segurado ao contratar uma cobertura dita adicional para ter a cobertura de danos causados a terceiros, pagando verba extra, pode a seguradora deixar de pagar o terceiro? Pode a seguradora prejudicar ainda mais o segurado, pois ele não terá cobertura para o seu veículo, mas para o terceiro foi pago verba adicional, no intuito de dar ao segurado uma tranqüilidade, uma paz de espírito, não seria por parte da seguradora um enriquecimento sem causa?  

 

            Já sabemos que a responsabilidade Civil, surge de ato ilícito praticado contra outrem, gerando obrigação de indenizar o dano.

 

            Sabemos que este ato pode ser extracontratual e contratual.

 

            Observe a hipótese em que o segurado sob o efeito de álcool venha a colidir com o veículo de um terceiro que transitava normalmente na sua via, causando-lhe danos. Podemos verificar que houve, nesse caso, um dano e que na esfera extrajudicial o condutor do veículo deve ressarcir o veículo terceiro.

 

            Observe agora o mesmo exemplo, porém, o condutor do veículo causador do sinistro é possuidor de uma apólice de seguros com uma cláusula adicional de RCF. Nesse caso, continua a responsabilidade extrajudicial entre o condutor e o terceiro, entretanto, o segurado tem um contrato de responsabilidade civil, passando para a responsabilidade da seguradora os danos causados a terceiros, nascendo assim, uma responsabilidade contratual entre a seguradora, o segurado e o terceiro.

 

            Nesse sentido, independe a situação do segurado ou condutor do veículo segurado, quanto à obrigação da Responsabilidade Civil, uma vez que houve um contrato adicional entre segurado e seguradora para cobertura exatamente desse evento.

 

            O fato do condutor no momento do sinistro estar desabilitado, embriagado ou sob substâncias entorpecentes, deve ser motivo para a não cobertura do veículo segurado, no caso de o uso destas substâncias serem causadoras do aumento do risco, e até para o cancelamento da apólice, porém não pode ser obstáculo para o ressarcimento do terceiro, mesmo que isso possa trazer para a Seguradora um direito de regresso, o que, na minha opinião não existe, visto que o segurado pagou pela cobertura adicional.

 

A jurisprudência dominante nos nosso tribunais sedimentaram o entendimento de que, a embriaguez ou uso de substâncias entorpecentes, só acarretam a excludente de responsabilidade por parte da seguradora, quando estas condições realmente aumentarem o risco coberto, isso tudo somente para o carro do segurado, sendo unânime o entendimento de que a seguradora deve sim ressarcir o terceiro que não contribuiu para o acidente.

 

Vejamos o entendimento do STJ:

 

AgRg no Resp 959472/PR

Agravo Regimental no Recurso Especial n. 2007/0133293-4

Ministro MASSAMI UYEDA

Quarta Turma – 18/12/2007.

AGRAVO REGIMENTAL – ECURSO ESPECIAL – DIVERGÊNCIA NOTÓRIA – MITIGAÇÃO DAS EXEGÊNCIAS DE DEMONSTRAÇÃO DO DISSÍDIO – AÇÃO DE COBRANÇA – SEGURO DE VEÍCULOS – EMBRIAGUEZ DO SEGURADO – EXCLUDENTE DE COBERTURA – NÃO-CONFIGURAÇÃO – AGRAVO IMPROVIDO.

1- In casu houve demonstração do dissídio jurisprudencial, já que, este por ser notório, admite a mitigação de diversas exigências regimentais. 2 – A embriaguez, por si só, não constitui causa de exclusão da cobertura securitária, sendo necessário a prova de que o agravamento de risco dela decorrente influiu decisivamente na ocorrência do sinistro. 3 – Agravo regimental improvido. 

                                                                                                          

            Dito isso, temos que a não cobertura dos danos matérias, pessoais ou morais, causados a terceiros pelo segurado, mesmo que em situação de desobediência às normas estabelecidas, caracteriza-se em enriquecimento sem causa por parte da seguradora, conforme artigo 884 do Código civil de 2002, que ao contratar, afirma assegurar total cobertura em eventos contra terceiros e no caso concreto, utiliza-se de critérios que devem levar à falta de cobertura do segurado, quando este critério agravar o risco contratado. O segurado deve responder por seus atos ilícitos, mas nunca a seguradora poderá deixar de ressarcir ao terceiro, quando a cobertura de RCF for contratada, em respeito aos princípios da Função Social do Contrato, bem como a Boa-fé objetiva.

 

            O contrato de seguros é um instrumento bastante importante para o bem estar da sociedade, devendo apenas ser melhor analisado pelas Seguradoras e os Segurados e Terceiros que forem prejudicados devem utilizar da tutela jurisdicional para terem a melhor interpretação das cláusulas.

 

 

VII CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

            Com o presente estudo, podemos chegar as seguintes considerações:

 

1. Quando da contratação da apólice de seguros, for aceita pela seguradora a contratação da cláusula adicional de Responsabilidade Civil Facultativa – RCF, não pode a mesma (seguradora), recusar-se a efetuar o ressarcimento de terceiros que tenham se envolvido em sinistros, onde o segurado for o responsável, mesmo que esteja sob o consumo de álcool ou substâncias entorpecentes, sob pena de enriquecimento ilícito.

 

2. Da mesma forma, não pode a seguradora, alegar perdas de direitos do segurado por culpa grave, visto que, culpa não é pressuposto de vício contratual, e nem vontade de consumar o crime no âmbito penal, pois o crime culposo acontece alheio à vontade do agente, não podendo ser alegado para eximir-se de obrigação contratual.

 

3. Devendo todos os que se sentirem prejudicados pelas empresas seguradoras, buscar junto ao judiciário a tutela jurisdicional para ver seus direitos garantidos. Devendo observar que o prazo para reclamar é decadencial de 1 (hum) ano, a contar da negatória da cobertura pela seguradora, conforme artigo 206, § 1º., inciso II, do Código Civil.

 

            Assim, devemos ao contratar uma apólice de seguros, ler todas a cláusulas para, em uma eventual negativa, podermos cobrar das Seguradoras.

 

 

THE NEGATIVE OF COMPENSATION OF THE COMPANHIAS SEGURADORAS IN FACE OF THE COVERINGS OF OPTIONAL CIVIL RESPONSIBILITY IN THE CONTRACTS OF INSURANCES OF AUTÓMOVEIS

 

ABSTRACT

 

This work has the scope to examine, bibliography, the legality of Insurance Companies deny roofs – in case of car accident by gross negligence of the insured and deny coverage of the third, when policyholders are responsible for accidents under influence of alcohol or substance Narcotics. We conclude that in both cases is illegal to negative because the insured pays for coverage regardless of fault, because the fault is not the will of the agent. Regarding the third, we find that the insurer receives money solely to cover damage to third parties, such as being negative, is characterized by illicit enrichment.

 

Keyword: Contract of Safe. Civil responsibility. Sinister.

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VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: introdução ao direito civil e parte geral. São Paulo: Atlas. 2006. v. 1 (Coleção de Direito Civil).

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2006. v. 4 (Coleção de Direito Civil).  

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. São Paulo: Atlas, 2005. v. 2 (Coleção de Direito Civil

 

 

* Graduando em Direito Pela Faculdade de Tecnologia e Ciências – FTC, e-mail: marlonflick@bol.com.br.

 

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[*] Valor pago pelo segurado para ter direito a cobertura do bem desejado.

[†] Por exemplo, no seguro de vida.

[‡] Documento emitido pelo segurador onde constam todos os dados deste, do segurado e do bem protegido, bem como o lapso temporal da proteção.

[§] Ocorrência envolvendo o veículo segurado. É termo técnico cujo sentido vulgar, de algo fúnebre, funesto, de mau agoro, prende-se aos primordiais do seguro marítimo, que cobria sempre, um efeito negativo para a navegação. Na técnica securitária, significa a realização do evento incurso previsto no contrato de seguros (VENOSA, 2006, p. 355).

Como citar e referenciar este artigo:
FLICK, Marlon Nogueira. A Negativa de Indenização das Companhias Seguradoras em Face das Coberturas de Responsabilidade Civil Facultativa nos Contratos de Seguros de Automóveis. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-civil/a-negativa-de-indenizacao-das-companhias-seguradoras-em-face-das-coberturas-de-responsabilidade-civil-facultativa-nos-contratos-de-seguros-de-automoveis/ Acesso em: 18 abr. 2024