Direito Civil

Limites Objetivos da Coisa Julgada – Breve Contribuição Didática ao Tema.

Limites Objetivos da Coisa Julgada – Breve Contribuição Didática ao Tema.

 

 

Denis Donoso*

 

 

I – INTRODUÇÃO

 

                        O tema “limites objetivos da coisa julgada” tem dado azo a intensos debates na doutrina, certamente porque tem conseqüência práticas muito importantes, dado que delimita a parcela do caso julgado que terá a qualidade da imutabilidade, convertendo-se em lei entre as partes que participaram da ação.

 

                        O seu desenvolvimento não prescinde, contudo, da análise de temas que servirão de premissas úteis à conclusão que se pretende finalmente atingir.

 

                        Assim é que, após uma brevíssima análise do conceito e das principais características da coisa julgada, serão estudados os elementos da ação, especialmente a causa de pedir e o pedido, que, como se verá nas conclusões, têm importância fundamental no estabelecimento dos limites objetivos da coisa julgada.

 

                        Por fim, ao concluir que apenas o dispositivo da sentença, que “reflete” o pedido do autor, é que transita em julgado, estudar-se-á sucintamente a ação declaratória incidental, que visa justamente ampliar os limites objetivos da coisa julgada.

 

                        Pretende-se, precipuamente, que, ao final da leitura, este escrito seja fonte de uma consulta acessível e confiável daquilo que se pode entender como limites objetivos da coisa julgada no processo civil brasileiro atual. Assim sendo, considerar-se-á atingido seu escopo.

 

 

II – COISA JULGADA. APONTAMENTOS BÁSICOS

 

                        A coisa julgada, como lembra ATHOS GUSMÃO CARNEIRO[1], é um atributo específico da jurisdição, pois, das três funções do Estado – a saber, Legislativa, Executiva e Judiciária – apenas esta última é que pode aplicar a lei ao caso concreto de forma definitiva, indiscutível posteriormente.

 

                        Assim, há coisa julgada, quando se repete ação que já foi decidida por sentença, de que não caiba recurso (CPC, art. 301, § 3º, in fine); denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário (CPC, art. 467); e chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso (LICC, art. 6º, § 3º).

 

                        Como se vê, a coisa julgada traz em seu bojo a idéia de segurança jurídica, já que, após decidida uma determinada causa, a “matéria” que lhe é subjacente passa a ser indiscutível entre as partes.

 

                        A questão que se propõe enfrentar, doravante, é saber qual “matéria” se torna indiscutível.

 

                        Assim, numa ação de rescisão contratual que seja julgada procedente por se entender que o negócio jurídico é nulo, a coisa julgada abrange apenas a rescisão contratual ou também vale para a conclusão de que há uma nulidade?

 

                        Para responder questões assim, deve-se, antes, enfrentar o tema dos elementos da ação, dando especial enfoque à causa de pedir e ao pedido.

 

 

III – ELEMENTOS DA AÇÃO

 

                        São os elementos da ação que lhe dão individualidade, daí a importância de seu estudo ao desenvolver o tema da coisa julgada, pois apenas ações idênticas (estando ao menos uma delas finda) é que fazem coisa julgada.

 

                        Veja-se, a propósito, a seguinte decisão:

 

“PROCESSO CIVIL – COISA JULGADA – MANDADO DE SEGURANÇA REPETIDO. 1. Uma demanda é idêntica a outra quando iguais os três elementos da ação: sujeitos, causa de pedir e pedido. 2. Mandado de segurança que é idêntico a outro em dois elementos apenas (sujeitos e causa de pedir), ostentando causas de pedir de igual conteúdo. 3. Identidade que leva à extinção por coisa julgada, conforme a prática jurisprudencial. 4. Recurso especial improvido.” (STJ, 2ª Turma, RMS 11419/MG, rel. Min. ELIANA CALMON, j. 11.9.2001, DJU 04.02.2002 p. 318, v.u.)

 

                        Três são os elementos da ação: partes (personae), causa de pedir (causa petendi) e pedido (res).

 

 

3.1. partes

 

                        Partes são o autor e o réu, ou seja, quem pede (exercita o direito de agir) e quem se defende em juízo (aquele em face de quem esse direito é exercido), parcialmente[2].

 

 

3.2. pedido

 

                        O pedido (ou objeto da ação, como prefere considerável parcela da doutrina) é aquilo que se pleiteia em juízo, podendo ser dividido em pedido mediato e pedido imediato. Diz LEONARDO GRECO[3] que o pedido é o objeto da jurisdição.

 

                        O pedido imediato é aquele que se refere à atuação da lei, vale dizer, é a providência jurisdicional requerida pelo autor (condenação, declaração, desconstituição etc.). O pedido mediato é o bem da vida perseguido pelo autor, ou seja, seu objetivo. Vê-se que o pedido imediato é o caminho para se chegar ao pedido mediato. Numa ação em que o autor requer a condenação do réu a pagar-lhe certa quantidade de dinheiro, o pedido imediato é a condenação e o mediato é o dinheiro. Note-se: a condenação é a via adequada para se obter o dinheiro[4].

 

                        Debate-se se ambos os pedidos – imediato e mediato – têm importância na delimitação da ação, o que tem relevante conseqüência prática no estudo da coisa julgada, pois se a mera alteração do pedido imediato implicar numa ação diversa, não ocorrerá repetição de demandas e, conseqüentemente, não há coisa julgada.

 

                        MANDRIOLI[5] entende que ambos têm importância na identificação da demanda. Ao contrário, MONTELEONE[6] defende que se deve centrar no objeto mediato, sendo secundário perquirir-se o “caminho” (pedido imediato) eleito pelo autor.

 

                        A identidade de ações não prescinde da existência de identidade entre seus três elementos e seis subdivisões (partes: autor e réu; causa de pedir: próxima e remota; pedido: mediato e imediato), como anotam NELSON NERY JR. e ROSA MARIA ANDRADE NERY[7].

 

                        ARRUDA ALVIM, porém, vê como indiferente o pedido imediato elaborado pelo autor na caracterização da coisa julgada material, à medida que este delimita a lide apenas naquilo que o juiz deve decidir, de tal sorte que não se pode condenar numa ação que se pleiteou apenas declaração. Por exemplo, uma vez julgada improcedente a ação declaratória, e com trânsito em julgado da respectiva decisão, seus efeitos são excludentes de ulterior ação condenatória (com identidade dos demais elementos da ação – mesmas partes, idêntica qualificação jurídica e mesma causa de pedir)[8].

 

                        Por essas razões, ao contrário, não se deve duvidar que a alteração do pedido mediato resultará numa ação diversa da anteriormente proposta.

 

                        Neste sentido o seguinte precedente:

 

PRELIMINAR DE COISA JULGADA AFASTADA. PLEITO DE COMPLEMENTAÇÃO DE AÇÕES DA EMPRESA DE TELEFONIA CELULAR. ANTERIOR AÇÃO ONDE ERA BUSCADA A SUBSCRIÇÃO DE AÇÕES DA CRT. Não obstante haver identidade de pedido imediato, referente à prestação jurisdicional, o mesmo não se verifica com relação ao pedido mediato, tendo em vista que, na presente ação, a recorrente busca indenização pelas ações não subscritas da telefonia celular, não sendo tal pleito atingido pelos efeitos da coisa julgada. A causa petendi remota também não demonstra identidade total, uma vez que, não obstante os dois pleitos dizerem respeito ao mesmo contrato de participação financeira, na presente ação o que embasa o pedido da apelante foi o protocolo de cisão parcial da companhia. (TJRS, 12ª CCiv, Apelação cível n.º 70007592959, rel. Des. NAELE OCHOA PIAZZETA, j. 31/03/2004, v.u.)

 

                        Dúvida análoga pode surgir naquelas situações em que de uma única causa de pedir podem resultar dois pedidos diversos, à escolha do autor, como acontece, por exemplo, no caso do art. 18, § 1º, e incisos, do Código de Defesa do Consumidor. Supondo que o consumidor (autor da demanda) tenha optado por propor a ação pleiteando apenas a substituição do produto (inciso I), poderia depois vir a juízo pleitear a restituição da quantia paga (inciso II)?

 

Parece que não, pois, muito embora os pedidos mediatos sejam diversos, forçoso reconhecer que existe equivalência jurídica em ambas as pretensões articuladas. Em outras palavras, os efeitos jurídicos de uma ou outra ação são rigorosamente os mesmos, tanto que o CPC autoriza neste caso a cumulação (imprópria alternativa, conforme o art. 288) de pedidos, de maneira que o réu deveria cumprir a prestação de um ou de outro modo[9].

 

                        Assim sendo, para a identificação da ação com vistas na verificação de coisa julgada, a identidade do pedido imediato é secundária, sendo de maior importância a verificação do pedido mediato, isto é, o bem da vida em torno do qual se instaurou a disputa. Quando, ao revés, a lei autoriza a formulação de mais de um pedido, alternativamente, em decorrência de uma mesma causa de pedir, não está o autor autorizado a repetir a ação alterando apenas o pedido que poderia ter sido alternativo, pois existe equivalência jurídica entre ambas pretensões.

 

 

3.2. causa de pedir

 

                        A causa de pedir, de acordo com a doutrina processual, é a soma dos fatos e fundamentos jurídicos articulados pelo autor[10].

 

                        Aponta JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI que a causa de pedir tem dupla finalidade, a saber, individualizar a demanda e, conseqüentemente, identifica o pedido e sua possibilidade[11].

 

                        A primeira questão que surge é a definição de fato, à medida em que este pode ter duas acepções distinta: fatos essenciais (jurídicos, principais etc) e fatos acessórios (secundários, simples etc.)[12].

 

                        Quando um fato qualquer encontra adequação em previsão abstrata de lei, há a incidência do direito e, automaticamente, de suas conseqüências. O fato jurídico é o fato da vida que encontra a incidência do direito[13]. Bem por isso pontifica CRUZ E TUCCI: para que o órgão do Poder Judiciário possa proferir a sentença, é necessário que o ato inaugural do processo esteja particularizado por determinados acontecimentos produzidos pela dinâmica social e dos quais possa ser extraída uma conseqüência jurídica (…) O “fato essencial”, pois, além de constituir o objeto da prova, é o pressuposto inafastável da existência do direito submetido à apreciação judicial[14].

 

                        De outro lado, há fatos outros dos quais não decorrem conseqüências jurídicas, mas eles se prestam a tornar certa a existência ou inexistência do fato jurídico. São estes os fatos simples, como esclarece CALMON DE PASSOS[15][16].

 

                        A distinção é relevante, especialmente porque se a mudança do fato implica na mudança da causa de pedir, quiçá seja possível “repropor” uma ação apenas com a substituição de um fato simples. A afirmação, porém, não é correta. A mera alteração de um fato simples não implica na mudança da causa de pedir, pois o fato simples não delimita a pretensão.

 

                        Neste sentido:

 

PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA. ALTERAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR. INOCORRÊNCIA. NÃO-EXPLICITAÇÃO SATISFATÓRIA NA INICIAL. NARRATIVA DE CIRCUNSTÂNCIAS ACIDENTAIS. RECURSO DESACOLHIDO. A narrativa de circunstâncias acidentais feita após a contestação com o intuito de esclarecer a petição inicial, sem modificação dos fatos e dos fundamentos jurídicos delineados na peça de ingresso, não importa em alteração da causa de pedir. (LEXSTJ 142/72)

 

                        Apenas a alteração do fato jurídico é que autoriza a propositura de nova ação, pois o novo fato jurídico implicará em nova causa de pedir, logo, em nova ação.

 

                        Assim é que já se decidiu:

 

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. COISA JULGADA. FATO JURÍDICO DIVERSO. INOCORRÊNCIA. ICM E ISS. CONFECÇÕES DE CARIMBOS PERSONALIZADOS. INCIDÊNCIA. I – Para configuração da coisa julgada, necessário que haja identidade de pessoas, causa e objeto; as partes e o fundamento do pedido devem ser os mesmos. Se o fato jurídico no qual se apóia o pedido é diverso daquele objeto de outra decisão proferida anteriormente, como “in casu”, não há falar em coisa julgada. II – Incide o ISS na prestação de serviços consistentes na confecção de carimbos personalizados, que atendem especificações de clientes e resultam de modelagem em matrizes de gesso, de letras e símbolos em borracha. III – Recurso desprovido, sem discrepância.” (STJ, 1ª Turma – RESP 35303/DF, rel. Min. DEMÓCRITO REINALDO, j. 07/06/1995, DJ 04.09.1995 p. 27803, v.u.) (grifos nossos)

 

                        Por isso, numa ação de reparação de danos movida por Caio contra Tício, na qual o primeiro alega que o segundo não respeitou o sinal luminoso, vindo a chocar-se contra seu veículo, se ficar provado que Tício não avançou o sinal, mas estava andando em excesso de velocidade, a ação de Caio será improcedente. Contudo, a ação pode ser reproposta com fulcro no excesso de velocidade, haja vista que a coisa julgada se formou apenas ao fato essencial de avançar o sinal luminoso.

 

                        Situação interessante é aquela em que A pretende separar-se de B imputando-lhe bigamia com C, ficando comprovado na instrução processual que a traição deveras ocorreu, mas com D, não com C. Mais importante do que saber se a ação deve ser julgada procedente ou improcedente, é saber quais são os fatos essenciais e quais são os fatos secundários no caso em tela.

 

                        A questão posta acima serve apenas para trazer à baila a idéia de que a correta definição de fatos simples e acessórios pode depender muito do que se alegar na defesa.

 

                        Com efeito, se B, na contestação, diz simplesmente que jamais traiu A, a definição da pessoa com quem ocorreu a traição pode passar a ser um fato secundário, pois a questão posta se refere exclusivamente à ocorrência ou não do ato de traição. Se for assim, a ação deve ser julgada procedente, não havendo o que se discutir quanto a eventual repropositura da ação.

 

                        De outro lado, se B contesta dizendo que jamais conheceu C, de maneira que com C é impossível ter traído A, quer parecer que a pessoa com quem ocorreu a traição passa a ser fato essencial. Logo, a ação deve ser julgada improcedente, mesmo se provado que houve traição com D. Nada impede, contudo, que A ingresse com nova ação contra B, desta vez imputando-lhe bigamia com D, dado que a coisa julgada se formou apenas em relação à causa de pedir (e fato essencial) “traição com C”.

 

                        Como se vê, por vezes a definição do fato essencial e do fato acessório não prescinde da análise do conteúdo da defesa do réu, conclusão a que se chegou à margem da doutrina e jurisprudência pesquisadas.

 

                        Ao final, assevere-se que os fundamentos jurídicos também formam a causa de pedir.

 

                        Fundamento jurídico é a definição jurídica, qualificação jurídica, instituto jurídico ou, nas palavras de CRUZ E TUCCI[17], a conseqüência jurídica que decorre dos fatos jurídicos narrados.

 

                        Os fundamentos jurídicos não se confundem com os fundamentos legais, quer dizer, o dispositivo de lei correspondente à situação apresentada no processo.

 

A propósito, a errônea indicação do dispositivo de lei ou mesmo da categoria jurídica são irrelevantes. Ao juiz basta o fato, pois que o direito é ele que o sabe, assevera CALMON DE PASSOS[18], o que se revela pelo adágio juria novit curia e também pelo aforismo da mihi factum dabo tibi jus[19].

 

Assim é que já se decidiu:

 

Ao juiz cabe o enquadramento jurídico dos fatos narrados pelas partes, nos termos dos brocardos da mihi factum dabo tibi ius e jura novit curia, aplicáveis ao caso. (STJ – AgRgREsp 612.495/RS, rel. Min. ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, DJ de 24/5/2004)

 

PROCESSO CIVIL. AGRAVO. PRINCÍPIO JURA NOVIT CURIA. CRÉDITO COMERCIAL. LIMITE DE JUROS. LEI Nº 4.595/64. ALTERADA PELO DECRETO-LEI Nº 413/69. RECEPÇÃO COMO LEI COMPLEMENTAR. AUTORIZAÇÃO DO CMN. RESOLUÇÃO Nº 1.064/85. IMPOSSIBILIDADE. I – O tribunal não está adstrito aos fundamentos estampados pelas partes ou por juízos ‘a quo’, mas sim aos fatos apresentados, conforme o princípio jura novit cúria. (AgRgREsp 213.804/RS, Relator Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, DJ de 27/11/2000).

 

PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. Vige no nosso direito o princípio embutido na parêmia latina jura novit curia; assim, o Tribunal deve decidir a lide nos limites em que foi proposta, mas não está adstrito às razões invocadas pelas partes ou à fundamentação articulada pelo juiz. Embargos de declaração rejeitados (EaREsp 198.472/RS, rel. Min. ARI PARGENDLER, DJ de 12/6/2000).

 

“PROCESSO CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CÉDULA DE CRÉDITO INDUSTRIAL. LIMITAÇÃO DOS JUROS REMUNERATÓRIOS. JULGAMENTO ULTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. PRECEDENTES. MULTA POR PROCRASTINAÇÃO INDEVIDA. PROPÓSITO DE PREQUESTIONAMENTO. RECURSO PARCIALMENTE ACOLHIDO. Segundo o princípio consagrado nos brocardos iura novit curia e da mihi factum dabo tibi ius, ao autor cumpre precisar os fatos que autorizam a concessão da providência jurídica reclamada, incumbindo ao juiz conferir-lhes adequado enquadramento legal” (REsp. 148.894/MG, rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, DJ de 18/10/1999).

 

 

IV – ESTRUTURA DA SENTENÇA

 

                        O estudo dos limites objetivos da coisa julgada implica no conhecimento do objeto que é atingido pelo apanágio da imutabilidade, isto é, o que será imutável em decorrência da coisa julgada. Para tanto, urge desenvolver um brevíssimo estudo sobre a estrutura da sentença expondo as “partes” do ato decisório do juiz para, em seguida, discutir quais dessas “partes” transitam em julgado.

 

                        A sentença, definida no art. 162, § 1º, do CPC, é a decisão pela qual o juiz dá solução ao conflito de interesses existente entre autor e réu, como lembra LUIS IVANI DE AMORIM ARAÚJO[20].

 

                        Sabe-se que a estrutura da sentença divide-se em relatório, fundamento e dispositivo, a teor do art. 458 e incisos do CPC[21].

 

                        No relatório, o juiz faz uma breve síntese daquilo que foi pedido, da resposta do réu, assim como registra as principais ocorrências havidas no andamento do processo. O relatório obriga o magistrado a estudar a totalidade daquilo que está nos autos, lembram LUIZ GUILHERME MARINONI e SÉRGIO CRUZ ARENHART[22].

 

                        Na fundamentação, o juiz avalia os alicerces jurídicos oferecidos pelos interessados na demanda e as provas apresentadas para a sua apreciação[23]. Neste ponto o magistrado passa a explicar as razões de seu convencimento, que será expresso mais adiante.

 

                        Finalmente, o dispositivo é a parte em que o julgador decide exatamente aquilo que lhe foi posto à apreciação, dentro dos limites traçados pela atividade processual das partes[24]. É a resposta, positiva ou negativa, ao pedido.

 

                        A sentença, então, revela em sua estrutura quem é atingido pela decisão (relatório), por que é atingido pela decisão (fundamentação) e o que é a decisão (dispositivo).

 

                        A questão, agora, é saber-se quais dessas partes acabam sendo atingidas pela coisa julgada.

 

 

V – LIMITES OBJETIVOS DA COISA JULGADA

 

                        Diz-se, tradicionalmente, que os limites objetivos da coisa julgada estão determinados no dispositivo da sentença, que é delineado anteriormente pelo pedido da parte. Ou, em outras palavras, se no dispositivo há aquilo que é pedido pela parte, só faz coisa julgada aquilo que foi pedido pelo autor.

 

                        Com isso, está-se a dizer que não fazem coisa julgada os fundamentos pelos quais o magistrado julgou de tal ou qual jeito. As razões de decidir, pois, não transitam em julgado.

 

                        A relativa facilidade com que se chegou a essa conclusão não significa que haja unanimidade na doutrina a respeito do tema.

 

                        Deveras, autores há, como RONALDO CUNHA CAMPOS que defendem a idéia de que a coisa julgada se estende ao fato jurídico afirmado pelo juiz como fundamento de sua decisão[25]. O conceito de fato jurídico é aquele supra desenvolvido (v. causa de pedir, n.º 1.6.1.3.).

 

                        A tese de RONALDO CUNHA CAMPOS, balizada em estudos de SAVIGNY desenvolvidos em meados de século XIX, encontra baliza no art. 468 do atual CPC: A sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas. (grifos nossos)

 

                        Daí nasce o raciocínio do insigne jurista de que os limites objetivos da coisa julgada englobam, também, a lide e as questões decididas no processo[26]. Lide é a pretensão resistida[27] e a causa de pedir é a razão dessa pretensão[28], tornando-se questão à medida em que surge a dúvida resultante do contraditório estabelecido ou da incerteza do juiz quanto à sua veracidade[29]. A questão solucionada converte-se em razão, às quais se referem tanto o art. 468, como o 458, III, do CPC[30]. Isto é, a causa de pedir, e conseqüentemente os fundamentos da decisão, também fariam coisa julgada.

 

                        Ocorre que a lei é peremptória em alguns pontos: não fazem coisa julgada tanto os motivos quanto a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença (art. 469, I e II, do CPC). RONALDO CUNHA CAMPOS responde categoricamente: os dispositivos referem-se tão-só aos fatos simples, não aos jurídicos, que já estariam naturalmente nos limites da coisa julgada[31].

 

                        Por fim, a questão prejudicial prescinde de requerimento da parte para que tenha, também, força de coisa julgada após decidida. Vale dizer, também a questão prejudicial tem força de coisa julgada, ainda que a parte não requeira que se lhe estenda seus efeitos, isto porque, sendo o processo um instrumento da consecução do interesse público, não compete à parte eleger o que deve ou não se revestir de imutabilidade[32].

 

                        Assim é que o disposto no art. 469, III, do CPC tem valor apenas e tão-somente para a questão oriunda de fatos supervenientes, de maneira que seja trazida ao processo e integrada no mecanismo do art. 468 do CPC[33].

 

                        Contrariando essa ordem de idéias, ADROALDO FURTADO FABRÍCIO assenta que o pedido formulado pelo autor é que determina os limites objetivos da coisa julgada, certo que a res judicata não pode ter extensão maior do que a res judicanda e que a ação declaratória incidental é apanágio dos sistemas processuais que excluem do âmbito da coisa julgada a resolução de questões não compreendidas nos limites do pedido, como é o caso brasileiro[34].

 

                        A tese é corroborada inclusive pela doutrina alienígena, a exemplo de LEO ROSEMBERG: Pero no es la pretensión objeto de la autoridad de cosa juzgada, sino la resolución dictada por el tribunal sobre la pretensión. Mediante esta resolución desaparece la incertidumbre existente hasta entonces sobre la pretensión en el sentido de sua calificación jurídica[35].

 

                        Entre nós, parece mesmo majoritária a doutrina segundo a qual a coisa julgada encontra seus limites objetivos no dispositivo da sentença, a excluir, pois, os fundamentos ou motivos que ensejaram a prolação da decisão. Por outro lado, parece pacífico também que, malgrado não transitem em julgado, os motivos da decisão têm especial importância na delimitação desses limites.

 

                        Neste sentido a lição de LIEBMAN: Em conclusão, é exata a afirmativa de que a coisa julgada se restringe à parte dispositiva da sentença. A expressão, entretanto, deve ser entendida em sentido substancial e não apenas formalístico, de modo que compreenda não apenas a frase final da sentença, mas também tudo quanto o juiz porventura haja considerado e resolvido acerca do pedido feito pelas partes. Os motivos são, pois, excluídos, por essa razão, da coisa julgada, mas constituem amiúde indispensável elemento para determinar o alcance do dispositivo[36].

 

                        É que a alusão às razões da decisão permite o controle da sentença no sentido em que define exatamente o conteúdo da vontade do julgador, como esclareceu CRUZ E TUCCI[37].

 

                        A corroborar todo o exposto vem ADA PELLEGRINI GRINOVER: De todo o exposto, conclui-se que, embora a autoridade da coisa julgada se limite ao dispositivo da sentença, esse comando pode e deve ser entendido – tanto mais quando exista alguma margem para dúvida – à luz das considerações feitas na motivação, ou seja, na apreciação das questões surgidas e resolvidas no processo. Assim, da mesma forma que, para a mais perfeita determinação do objeto do processo, se conjuga o pedido à causa de pedir, para determinação do objeto do julgamento – e da coisa julgada que sobre ele se forma – conjuga-se o mesmo aos motivos da decisão. (…) assim como o pedido deve ser visto à luz da causa de pedir (ambos compondo o objeto do processo, isto é, a pretensão), o dispositivo só pode ser interpretado à luz dos motivos, sendo todos eles, conforme já demonstrado à saciedade, determinantes da extensão objetiva dos efeitos da sentença e da autoridade da coisa julgada[38].

 

                        Ao tratar especificamente do tema, após enfrentar com o tradicional estilo terso todas as questões que lhe são inerentes, OVÍDIO ARAÚJO BAPTISTA DA SILVA aremata: Se é correto dizer-se que os motivos ainda que importantes não fazem coisa julgada (art. 469), não é menos certo afirmar-se que o dispositivo se há de entender e “dimensionar” em razão desses motivos, tanto que o legislador os considera importantes para “determinar o alcance da parte dispositiva da sentença”[39].

 

                        De resto, convém anotar que a jurisprudência mais moderna tem se demonstrado pacífica ao se deparar com essas questões, outro motivo relevante na posição ora assumida.

 

                        A propósito:

 

O Código de Processo Civil, na inteligência do art. 469 e incisos, ressalva que o pálio da coisa julgada abriga somente o dispositivo da sentença que se alvitra executar, ficando, portanto, excluídos dessa proteção os motivos, a verdade dos fatos e a apreciação da questão prejudicial porventura existente. (RSTJ 107/399)

 

                        No mesmo sentido, o acórdão da lavra do Min. ATHOS GUSMÃO CARNEIRO:

COISA JULGADA MATERIAL. ARTIGO 469 I E II DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. Possibilidade de, em ação de rescisão de contrato de promessa de compra e venda serem novamente apreciados fatos postos como fundamento da sentença em anterior ação de adjudicação do imóvel objeto da lide. Limites objetivos da coisa julgada, que não abrangem os motivos da decisão, nem a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença. Recurso especial não conhecido.” (STJ, REsp 18993/SP, 4ª Turma, j. 16/1/1992, DJU 30/11/1992, v.u.)

 

                        Igualmente, vê-se em RSTJ 42/263:

 

A motivação da sentença ou premissas que não constituem a lide nem questão incidental, ficam fora dos limites objetivos da coisa julgada.

 

                        Em síntese, pode-se dizer que os limites objetivos da coisa julgada cingem-se à parte dispositiva da sentença, muito embora os fundamentos devam ser levados em consideração na interpretação do que foi decidido e, pois, do que é abrangido pela coisa julgada, pois os motivos dão completude à decisão, determinando seus próprios limites.

 

 

VI – AÇÃO DECLARATÓRIA INCIDENTAL – EXTENSÃO DOS LIMITES OBJETIVOS DA COISA JULGADA

 

                        Ficou esclarecido acima que a coisa julgada se limita apenas ao dispositivo da sentença, não alcançado a sua fundamentação.

 

                        Assim, fica a conclusão de que nosso ordenamento jurídico somente não admite a incoerência de decisões (dispositivos de sentenças diversas). Reflexamente, admite que fundamentações sejam díspares.

 

                        A opção legislativa cria situações embaraçosas à atividade jurisdicional. Imagine-se, por exemplo, um determinado contrato cujo preço se pagaria em dez prestações e no qual, por descuido, não foi incluída a cláusula de vencimento antecipado das parcelas no caso de inadimplemento. Vencida a primeira parcela sem que houvesse pagamento, o credor ingressou com uma ação contra o devedor pleiteando-lhe a respectiva quantia monetária. O devedor, em sua contestação, afirma que o contrato não existe. Transcorrido normalmente o processo, o magistrado da causa conclui que o contrato realmente não existe e julga a ação improcedente.

 

                        Pelo raciocínio desenvolvido no tópico acima, tendo em conta que apenas o dispositivo da decisão é que faz coisa julgada, os motivos (v.g., o contrato não existe) não transitaram em julgado, isto é, somente fez coisa julgada a conclusão de que a primeira parcela do contrato não é devida. O fato de a parcela não ser devida porque o contrato não existe é motivo da decisão, ou seja, não transita em julgado.

 

                        Vencida a segunda parcela deste mesmo contrato sem que também tenha havido pagamento, o credor ingressa com outra ação, pleiteando o adimplemento do valor. Mais uma vez, o devedor alega que o contrato não existe na sua defesa. Instruído o processo, o magistrado conclui pela existência do contrato e, conseqüentemente, condena o devedor a pagar ao credor o valor inicialmente pleiteado.

 

                        A situação acima descrita, embora inusitada, é perfeitamente compatível com o nosso ordenamento jurídico. Em primeiro lugar, as ações são diferentes, pois diferentes os seus pedidos, a autorizar a propositura da segunda ação. Em segundo lugar, se os motivos da decisão não fazem coisa julgada, o juiz da segunda ação não está vinculado à conclusão de que o contrato não existe, como entendeu o juiz da primeira ação. Logo, um juiz pode entender que o contrato não existe e outro entender que ele existe. E mais: um terceiro juiz, numa outra ação, pode entender que o contrato é nulo; um quarto juiz, noutra ação, pode entender que o contrato é anulável; e assim por diante.

 

                        A idéia que deve ficar clara é que nosso ordenamento jurídico, por uma questão opção política do legislador, não se importa com incoerência na fundamentação de sentenças, mas apenas com as incoerências no dispositivo de sentenças.

 

                        Isso não significa, porém, que nosso legislador fechou os olhos aos fatos. Atento à possibilidade de fundamentações conflitantes e que podem ferir a imagem do próprio Poder Judiciário, foram criados mecanismos com o escopo de minimizar a possibilidade de incoerências.

 

                        O instrumento mais marcante que visa a redução da possibilidade de incoerências no ordenamento jurídico é a ação declaratória incidental. Sobre ela se falará sucintamente nas próximas linhas, tendo em conta o objetivo deste escrito.

 

                        A ação declaratória incidental ingressou em nossa processualística com o Código de 1973, sendo sua ratio essendi submeter ao juiz determinados tópicos do processo para que ele dê um veredicto final (v.g., com força de coisa julgada),como anota CHRISTINO ALMEIDA DO VALLE[40].

 

                        É dizer, a ação declaratória incidental visa ampliar o âmbito da coisa julgada material, estendendo-lhe também às questões prejudiciais que seriam apreciadas tão-só incidentemente, nas palavras de JOÃO BATISTA LOPES[41]. É inspirada no princípio da economia processual, impedindo sentenças conflitantes e evitando o desprestígio da Justiça[42].

 

                        No exemplo acima citado, tanto o autor quanto o réu poderiam requerer que o magistrado declarasse, com força de coisa julgada, se o contrato realmente existia ou não. Desta forma, tendo em conta o entendimento do primeiro juiz no sentido de que o contrato não existia, haveria um óbice à propositura da segunda ação, pois o fato de não existir o contrato deixou de ser mero incidente processual (isto é, deixou de ser decidido apenas incidenter tantum) para ter força de coisa julgada. A inexistência do contrato, até então mera razão de decidir pela improcedência da ação, acabou sendo coberta pelo atributo da imutabilidade. É definitivo não só que a parcela não é devida, como também que o contrato não existe.

 

                        Em conclusão: a ação declaratória incidental tem como apanágio estender os limites objetivos da coisa julgada também às razões de decidir, se assim requererem as partes[43][44].

 

                        Conforme já decidiu o STJ, Os limites objetivos da coisa julgada não abrangem os motivos da decisão nem questões prejudiciais, salvo, quanto a estas, a propositura de ação declaratória incidental. (RSTJ 145/216)

 

E mais: COISA JULGADA. LIMITES OBJETIVOS. Não faz coisa julgada a decisão sobre questão prejudicial, salvo se pedida declaração incidental. (RDR 09/286)

 

No mesmo sentido: Coisa julgada. Não abrange a fundamentação, assim como não compreende, em seus limites objetivos, a decisão sobre a questão prejudicial, salvo se pedida a declaração incidental. (STJ, 3ª Turma, AgRgAG 5323/RJ, Rel. Min. EDUARDO RIBEIRO, j. 26/9/1994, DJU 24/10/1994)

 

 

VI – CONCLUSÕES

 

                        Após as ponderações acima articuladas, pode-se elencar as seguintes conclusões:

 

  1. O estudo dos limites objetivos da coisa julgada tem grandes e importantes conseqüências práticas, pois dele resulta a parcela da decisão judicial que terá a força da imutabilidade;

 

  1. A coisa julgada, atributo específico da jurisdição, pode ser definida como a decisão judicial de que já não caiba mais recurso algum, trazendo em seu bojo a idéia de segurança jurídica;

 

  1. Três são os elementos da ação: partes (personae), causa de pedir (causa petendi) e pedido (res), certo que, destes, a causa de pedir e o pedido são os mais importantes na caracterização dos limites objetivos da coisa julgada;

 

  1. Pedido é aquilo que o autor pleiteia em juízo, podendo este ser dividido em mediato (bem da vida perseguido) e imediato (providência jurisdicional eleita para se atingir o bem da vida almejado);

 

  1. Discute-se muito se ambos têm importância na identificação da ação, podendo-se dizer que, com vistas na verificação de coisa julgada, a identidade do pedido imediato é secundária, sendo de maior importância a verificação do pedido mediato, salvo nos casos em que a lei autoriza a formulação de mais de um pedido, alternativamente, em decorrência de uma mesma causa de pedir, quando então não estará o autor autorizado a repetir a ação alterando apenas o pedido que poderia ter sido alternativo, pois existe equivalência jurídica entre ambas pretensões;

 

  1. A causa de pedir é formada pela soma dos fatos e dos fundamentos jurídicos;

 

  1. Os fatos podem ser essenciais (jurídicos) ou acessórios (simples); os jurídicos são aqueles que encontram adequação m previsão abstrata, de forma que neles incide a norma; os simples, ao seu turno, não têm conseqüências jurídicas, mas tornam certa a existência ou inexistência do fato jurídico;

 

  1. Apenas o fato jurídico é que tem o condão de delimitar a ação, isto é, a renovação de uma ação substituindo-se tão-só os fatos simples implicará no reconhecimento de litispendência ou coisa julgada;

 

  1. Muitas vezes o enquadramento de um fato como simples ou jurídico dependerá daquilo que o réu alegar em sua defesa;

 

  1. Os fundamentos jurídicos, que também formam a causa de pedir, definem-se como a conseqüência jurídica que resulta dos fatos narrados, não se confundindo com os fundamentos legais;

 

  1. A sentença, decisão pela qual o juiz dá solução ao conflito de interesses existente entre autor e réu, é formada por relatório (onde se indica quem é atingido pela sentença), fundamentação (onde se indicam os porquês da decisão) e dispositivo (onde se diz o que foi decidido);

 

  1. Os limites objetivos da coisa julgada estão determinados no dispositivo da sentença. Assim, se no dispositivo há resposta àquilo que é pedido, só faz coisa julgada o pedido do autor, de tal sorte que os fundamentos nos quais o magistrado se baseou não são cobertos pela imutabilidade;

 

  1. Existe entendimento doutrinário, balizado nas lições de SAVIGNY e encabeçado no Brasil por RONALDO CUNHA CAMPOS, segundo o qual os limites objetivos da coisa julgada se estendem aos fatos jurídicos trazidos pelo autor, sendo exatamente este o sentido do art. 468 do CPC, certo de que, ainda, o art. 469 (incisos I e II) do CPC diz respeito apenas aos fatos simples;

 

  1. A mesma doutrina preconiza que a ação declaratória incidental só tem aplicação aos fatos supervenientes, pois a questão prejudicial, ordinariamente, será imutável ao fim do processo, até porque não cabe à parte decidir o que transitará ou não em julgado;

 

  1. De outro lado, contrariando as idéias de SAVIGNY, diz-se que a res judicata não pode ter extensão maior do que a res judicanda e que a ação declaratória incidental é apanágio dos sistemas processuais que excluem do âmbito da coisa julgada a resolução de questões não compreendidas nos limites do pedido, como é o caso brasileiro;

 

  1. Entre nós, é majoritária a doutrina segundo a qual a coisa julgada encontra seus limites objetivos no dispositivo da sentença, excluindo os fundamentos ou motivos que ensejaram a sua prolação.

 

  1. Parece pacífico também que, malgrado não transitem em julgado, os motivos da decisão têm especial importância na delimitação desses limites, pois a alusão às razões da decisão permite o controle da sentença no sentido em que define exatamente o conteúdo da vontade do julgador;

 

18.   Nosso ordenamento jurídico, por uma questão opção política do legislador, não se importa com incoerência na fundamentação de sentenças, mas apenas com as incoerências no dispositivo de sentenças;

 

19.   Nada obstante, o legislador criou meios de diminuir as possibilidades dessas incoerências acontecerem, como é o caso da ação declaratória incidental, que visa ampliar o âmbito da coisa julgada material, estendendo-lhe também às questões prejudiciais que seriam apreciadas tão-só incidentemente;

 

20.   Por isso, pode-se dizer que a ação declaratória incidental tem como apanágio estender os limites objetivos da coisa julgada também às razões de decidir, se assim requererem as partes;

 

21.   Ao final, em apertada síntese, conclui-se que os limites objetivos da coisa julgada cingem-se ao dispositivo da sentença, isto é, à resposta ao pedido do autor, não se estendendo, ordinariamente, aos fundamentos da sentença, tampouco à causa de pedir do autor, muito embora ambos sejam importantes para delimitar o conteúdo e extensão do dispositivo. Caso as partes assim requeiram, porém, os limites objetivos da coisa julgada podem se estender também às questões prejudiciais, reveladas não só pela causa de pedir como também pela fundamentação da decisão judicial.

 

 

 

* Mestrando e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Professor de Direito Civil e Direito Processual Civil no curso de graduação da Faculdade de Direito de Itu. Professor de Direito Civil e Direito Processual Civil em cursos preparatórios para Magistratura e Ministério Público no Curso Robortella, em São Paulo. Membro do corpo docente da Escola Superior da Advocacia de São Paulo (ESA/SP) e da Escola Paulista de Direito (EPD). Professor convidado no curso de pós-graduação “lato sensu” da Escola Paulista de Direito Social (EPDS). Professor de Direito Civil em diversos cursos preparatórios para o exame da OAB. Autor de inúmeros artigos e capítulos de livros na área jurídica. Advogado e consultor jurídico em São Paulo.

 

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[1] CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e competência. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 1983, p. 12.

 

[2] CARREIRA ALVIM, op. cit., p. 163.

[3] GRECO, Leonardo. A teoria da ação no processo civil. p. 53.

[4] Cf. REsp 256097/PR, rel. Min. WALDEMAR ZVEITER: “O pedido possui duplo enfoque - pede-se a prestação jurisdicional (pedido imediato) e o bem da vida perseguido pelas partes (pedido mediato)”.

[5] MANDRIOLI, Crisanto. Diritto Processuale Civile. p. 148, apud GRECO, Leonardo, op. cit., p. 53.

[6] MONTELEONE, Girolamo. Diritto Processuale Civile. p. 190. apud GRECO, Leonardo, idem, ibidem.

[7] op. cit., p. 794, nota n.º 19.

[8] op. cit., p. 454. Veja que o autor não tem o mesmo entendimento quando, ao invés da coisa julgada material, se fala da litispendência.

[9] Idem, ibidem, p. 448.

[10] Uma parcela da doutrina denomina os fatos como causa de pedir próxima e os fundamentos jurídicos como causa de pedir remota; outra parte, ao revés, chama os fatos de causa de pedir remota e os fundamentos de causa de pedir próxima. Não se vê grande relevância prática na distinção, de maneira que neste trabalho fica desde logo convencionada a nomenclatura fatos e fundamentos jurídicos.

[11] Note-se, com isso, que o insigne professor quis esclarecer que ao lado da condição da ação chamada de “possibilidade jurídica do pedido” existe a “possibilidade jurídica da causa de pedir”. Cf. CRUZ E TUCCI, José Rogério. A “causa petendi” no processo civil. p 159.

[12] O art. 282, III, do CPC, refere-se a fatos jurídicos, isto é, ao autor incumbe elencar os fatos jurídicos e os fundamentos jurídicos.

[13] CALMON DE PASSOS, José Joaquim. op. cit., p. 141.

[14] op. cit., p. 153.

[15] op. cit., p. 144

[16] O Professor de Firenze PROTO PISANI (Lezione di diritto processuale civile, p. 448-449; apud CRUZ E TUCCI, op. cit., p. 153-154) esclarece que “os fatos secundários ganham importância na medida em que o autor, não conseguindo produzir prova direta do fato principal, recorre à comprovação do fato secundário para que o julgador possa, por presunção, formar um juízo de verossimilhança acerca daquele”.

[17] op. cit., p. 160.

[18] op. cit., p. 143.

 

[20] Da sentença e da coisa julgada. p. 11.

[21] Note-se que se tem evitado falar-se em capítulos da sentença, mas meramente em partes da estrutura da sentença. È que esta divisão não representa os capítulos da sentença, pelo menos não de acordo com as mais modernas correntes processuais. Como se sabe, a capitulação da sentença é fruto de uma moderna corrente processualística encabeçada pelo Professor CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, mas se refere, na verdade, à capitulação do dispositivo da sentença, não à sentença integralmente considerada. A propósito, cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. Capítulos de sentença. São Paulo: Malheiros, 2004, especialmente p. 34 e 35.

[22] Manual do processo de conhecimento: a tutela jurisdicional através do processo de conhecimento. p. 442.

[23] ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim. op. cit., p. 12.

[24] O dispositivo deve esgotar a prestação jurisdicional, analisando e decidindo tudo que foi submetido ao órgão jurisdicional, inclusive a alegação de prescrição, a denunciação da lide, a reconvenção e o pedido cumulado, entre outros, sob pena de nulidade, como lembra THEOTONIO NEGRÃO em notas ao art. 458, III, do CPC. Cf., a respeito: NEGRÃO, Theotonio; GOUVÊA, José Roberto Ferreira. op. cit., p. 468.

[25] Limites objetivos da coisa julgada. p. 168.

[26] Idem, p. 39.

[27] Idem, p. 44.

[28] Idem, p. 45.

[29] Idem, p. 55.

[30] Idem, ibidem.

[31] Idem, p. 72.

[32] Idem, p. 116-117.

[33] Idem, p. 159-160.

[34] A ação declaratória incidental. p. 98.

[35] Tratado de derecho procesal civil. v. 2, p. 42.

[36] LIEBMAN, Enrico Tullio. Limites objetivos da coisa julgada. in Estudos sobre o processo civil brasileiro. p. 164.

[37] CRUZ E TUCCI, José Rogério. A motivação da sentença no processo civil. p. 22.

[38] Considerações sobre os limites objetivos e a eficácia preclusiva da coisa julgada. in Revista do Advogado (AASP), n.º 65, p. 77. (grifos no original)

[39] SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Limites objetivos da coisa julgada no direito brasileiro atual. RePro 14/15, p. 45-71.

[40] Teoria e prática da ação declaratória principal e incidente. p. 189.

[41] Ação declaratória. p. 127-128.

[42] LOPES, João Batista. op. cit., p. 131.

[43] Diversos detalhes sobre a ação declaratória incidental, entretanto, foram omitidos, tendo em conta os propósitos deste escrito. Por exemplo, só se admite a ação declaratória incidental se houver uma questão prejudicial autônoma que encerre uma controvérsia sobre a existência ou inexistência de uma dada relação jurídica. Sugere-se, para aprofundamento, a leitura da obra do Professor JOÃO BATISTA LOPES, já citada.

 

 

Como citar e referenciar este artigo:
DONOSO, Denis. Limites Objetivos da Coisa Julgada – Breve Contribuição Didática ao Tema.. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-civil/limites-objetivos-da-coisa-julgada-breve-contribuicao-didatica-ao-tema/ Acesso em: 16 abr. 2024