Direito Civil

A natureza jurídica do contrato de comodato

Nos termos do art. 579 do Código Civil, “O comodato é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis. Perfaz-se contra a tradição do objeto”.

Tratar-se de cessão gratuita de uma coisa para seu uso com estipulação de que será devolvida em sua individualidade, após algum tempo.

O comodato (commodum datum, ou seja, dado para o cômodo e proveito), empréstimo de uso, é contrato unilateral, essencialmente não oneroso, pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa móvel ou imóvel infungível, para que dela disponha em proveito, por período determinado ou não, devendo retorná-la ao comandante, quando findo o prazo do contrato ou ele tenha o seu término.

É o que deflui da definição de CLÓVIS BEVILÁQUA: “… contrato gratuito, pelo qual alguém entrega a outrem alguma coisa infungível, para que dela se utilize, gratuitamente, e a restitua, depois.

Embora gratuito, pode prever o contrato o uso da coisa mediante encargo, cujo descumprimento enseja a rescisão do contrato.

Com efeito, dispõe o Código Civil de 2002, em vigor:

“Art. 581. Se o comodato não tiver prazo convencional, presumir-se-lhe-á o necessário para o uso concedido; não podendo o comodante, salvo necessidade imprevista e urgente, reconhecida pelo juiz, suspender o uso e gozo da coisa emprestada, antes de findo o prazo convencional, ou o que se determine pelo uso outorgado”.

SILVIO RODRIGUES com a acuidade que lhe é peculiar comenta o dispositivo acima:

“Aqui colidem dois interesses. O do comodatário, que gratuitamente utiliza a coisa de outrem, e do comodante, que, por não poder prever uma necessidade urgente, deu de empréstimo coisa que agora lhe faz falta. É evidente que a lei deve proferir o interesse do comodante, que é dono” (Silvio Rodrigues, Direito Civil; dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, 27. ed., São Paulo, Saraiva, 2000, v. 3, p. 247-8, apud obr. cit. pág. 518).

Ainda sobre a definição do instituto jurídico do comodato, definido pelo art. 579 do novo Código Civil, ORLANDO GOMES ensina:

“Comodato é a cessão gratuita de uma coisa para seu uso com estipulação de que será devolvida em sua individualidade, após algum tempo” (“Contratos”, 12ª ed., Forense, p. 349).

SILVIO DE SALVO VENOSA leciona sobre a mesma matéria:

“O Código Civil dispõe que o contrato de comodato traduz-se em empréstimo gratuito de coisas não fungíveis e se perfaz com a tradição do objeto (art. 579). Se não houver prazo convencional, presume-se o comodato pelo tempo necessário para o uso concedido (art. 581). Ademais, o contrato de comodato “possui natureza intuitu personae, pois o comodante tem em mira a fidúcia que deposita na pessoa do comodatário, tanto que é contrato gratuito. Traduz favorecimento pessoal do comodatário. O benefício, salvo ratificação do comodante, não se estende, portanto, aos sucessores do comodatário.” (Sílvio de Salvo Venosa, Direito Civil: Contratos em espécie. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 225)

 O contrato de comodato é real porque só se completará com a tradição do objeto, ou seja, com a entrega do bem emprestado ao comodatário, que passará a ter a posse direta, ficando a indireta com o comodante.

Visto ser o comodato um contrato, é suposto, portanto, um acordo de vontades entre as partes; a simples inércia ou tolerância do dono da coisa, por si só, não gera a relação contratual.

É gratuito por ser cessão sem contraprestação, onerando apenas um dos contraentes e proporcionando, consequentemente, ao outro uma vantagem. Acresça-se que a gratuidade é fator essencial, e que, assim como os demais elementos, deve estar presente para a caracterização do contrato como tal, sob pena de configurar contrato de locação, vez que haveria a cessão da coisa, por tempo determinado ou não, para uso e gozo, mediante retribuição (CC 565).

É contrato não solene, pois sua forma é livre, não exigindo forma solene ad substantiam da manifestação da vontade para seu aperfeiçoamento. Poderá ser feito até oralmente, mas por uma questão de cautela será conveniente que seja estipulado por escrito, pois os tribunais tem decidido que o comodato se presume; havendo dúvida se contrataram locação ou comodato, prevalecerá o contrato locativo.

O uso da coisa dada em comodato deverá ser temporário, sendo convencionado por prazo certo, determinado, preciso ou então o empréstimo é por tempo indefinido, indeterminado, caso em que o tempo do contrato será o necessário para que o comodatário possa servir-se da coisa para o fim que se destinava. Durante o prazo convencional ou durante o tempo suficiente ao uso, o comodante não poderá exigir restituição do bem, salvo necessidade imprevista e urgente, reconhecida pelo juiz.

Por fim, temos que extingue-se o comodato pelo decurso do prazo, por rescisão baseada no inadimplemento do comodatário, por declaração unilateral do comodatário, e, tratando-se de contrato realizado intuitu personae, pelo falecimento do comodatário.

Filipe Rezende Semião, advogado

 

Como citar e referenciar este artigo:
SEMIÃO, Filipe Rezende. A natureza jurídica do contrato de comodato. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2012. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-civil/a-natureza-juridica-do-contrato-de-comodato/ Acesso em: 19 abr. 2024