Direito Civil

A Alienação Fiduciária e o Mercado Imobiliário: consumidor endividado

Hodiernamente os conceitos para empréstimo visando a aquisição de residência própria tornaram novos rumos. O cliente não precisa mais demonstrar de forma
exaustiva sua renda e capacidade de realmente adimplir o financiamento. As empresas financeiras concedem empréstimos sem sequer consulta à órgãos de
restrição de crédito, tais como SPC e SERASA , sendo esta a propaganda que vemos a todo momento nos outdoors, panfletos, rádio, televisão os nos gritos
incessantes no centro.

No que tange ao citado financiamento imobiliário, o cliente poderá financiar a aquisição, reforma ou construção de sua residência em até 360 meses, o que
significa 30 anos arcando com determinada prestação mensal. Muito embora o parecer de qualquer advogado seja no sentido de que o indivíduo comprometa no
máximo 30% de seus rendimentos líquidos, esta não é a proposta da financeira. Há casos em que aceitam a realização de empréstimos financiados a clientes
que comprometem 70% de sua renda. Ocorre que o desconhecimento técnico por parte do futuro cliente de tais financeiras acaba por enjaulá-los em
determinadas armadilhas. Isso porque, um indivíduo que comprometa 70% de seus rendimentos líquidos pelo período de 30 anos tem enormes chances de restar
endividado, e o pior, perder o imóvel dado em garantia e ainda continuar devedor de um aporte pecuniário. Vale lembrar que as empresas financeiras não
possuem um analista de risco adequado a cada casuística, mas sim de uma garantia que não haverá qualquer espécie de prejuízo, porque o próprio imóvel já
foi dado visando suprir eventual (ou fatal) inadimplemento.

Para que se entenda tal celeuma, resta imperioso um breve estudo acerca dos direitos reais (real vem do latim “res” que significa “coisa” ou “bem”. Ou
seja, tratam-se dos direitos que regulam os poderes do indivíduo sobre os bens.). Entre os direitos reais, estudar-se-á a propriedade fiduciária. Nesse
diapasão, imperioso mencionar que os antigos empréstimos eram realizados por intermédio de um instituto chamado Hipoteca, ao passo que atualmente são
realizados através de Alienação Fiduciária. Tal evolução foi crucial no desenvolvimento do mercado imobiliário, contudo sacrificou o consumidor, ora
chamado devedor fiduciante. Na hipoteca o comprador torna-se mutuário e é mantido como proprietário do bem imóvel no Cartório de Registro
Imobiliário, tendo o Agente Financeiro a garantia da hipoteca, que será executada caso não ocorra o pagamento. Ocorre que, a execução da hipoteca, muito
embora o credor tenha a preferência sobre qualquer outra dívida do devedor, quando este último toma a iniciativa de postular uma demanda judicial visando
discutir o contrato de financiamento, a demora ultrapassa, geralmente, o prazo de 03 anos. Levando em consideração que a penhora e o leilão são realizados
somente após a definição do processo que questiona o saldo devedor, essa garantia não é tão eficaz em razão da demora na solução do entrave, pois após
leiloar o bem, o novo adquirente ou o Agente Financeiro terão que promover o processo judicial de desocupação do imóvel. Após longo prazo decorrido, é
frequente o devedor deixar uma elevada dívida (como por exemplo, IPTU, taxa de condomínio, água e energia elétrica) o que agrava o risco do Agente
Financeiro.

De outra banda, na alienação fiduciária, o comprador, ao financiar o imóvel objeto de fidúcia, transmite a propriedade para o nome do credor, no caso, o
Agente Financeiro/Fiduciário, que passa a figurar no Cartório de Registro de Imóveis como proprietário. O comprador torna-se Fiduciante, e assim, apenas
permanece com a posse e o uso do imóvel enquanto mantiver o custeio das prestações acordadas. Em havendo a alienação fiduciária junto ao banco, este
devolverá a propriedade ao comprador após a quitação da dívida. Com efeito, a constituição da propriedade fiduciária dá ensejo ao desdobramento da posse,
tornando-se o Fiduciante/comprador possuidor direto e o Fiduciário/Agente Financeiro, possuidor indireto do imóvel. Denota-se, que o credor imobiliário
permanece proprietário na alienação fiduciária, ao passo que na hipoteca é mero credor de valor em dinheiro. Tão logo efetuado o pagamento do total do
débito, o credor terá o lapso temporal de 30 dias para comunicação do Registro de Imóveis, permitindo assim a liberação do imóvel da constrição de
alienação fiduciária, sob pena de incorrer em multa. Já nos casos de hipoteca, o devedor chega a demorar mis de um ano para conseguir realizar a baixa
junto ao Registro de Imóveis, situação esta que poderá atravancar eventual negociação e transferência do bem.

Caso o comprador atrase, por exemplo, três meses, o credor solicitará ao Oficial do Cartório de Registro de Imóveis que notifique, o devedor para quitar a
dívida, acrescida de juros, correção e multa no prazo de 15 dias. Em não havendo a quitação, o credor comparecerá à Prefeitura e quitará o ITBI (Imposto de
Transmissão de Bens Imóveis Inter Vivos) referente ao imóvel e assim consolidará a propriedade em seu nome. Após promover o leilão público extrajudicial,
já que o comprador perdeu a propriedade, este último somente receberá alguma quantia caso o valor arrecadado no leilão supere o débito total do saldo
devedor. A reintegração na posse e a desocupação do imóvel são deferidas liminarmente pelo Juiz, tendo o comprador 60 dias para desocupar, prazo esse curto
em relação à hipoteca, que demora anos. Frisa-se que no prazo de quinze dias após a notificação para pagamento do débito, poderá o devedor purgar a mora
(realizar o pagamento) convalescerá o contrato de alienação fiduciária.

Destarte, o que se pretende com o presente artigo, é alertar o cliente de financiamentos sobre um possível endividamento, haja vista que a facilidade na
aquisição imobiliária apenas trará benefícios ao credor e jamais ao devedor, visto que este corre o risco de perder o imóvel financiado, o valor já pago e
ainda continuar a dever, porquanto a incidência de juros acaba por aviltar o valor da dívida. Denota-se que de nada adiantará o devedor tentar vender ou
repassar o imóvel alienado a terceiros, haja vista que além de o imóvel já conter junto aos seus registros (matrícula no Registro de Imóveis competente)
encontra-se marcado pelo direito de sequela, que perseguirá o bem ainda que esteja na posse, ou até mesmo, propriedade de outro indivíduo. É a propriedade
do bem que garantirá a satisfação do débito, permitindo ao credor, agente fiduciário, que exerça a transferência do bem, ainda que não ocorra a tradição.

Newton Jancowski Neto

Advogado-Especialista em Direito Civil.

Como citar e referenciar este artigo:
NETO, Newton Jancowski. A Alienação Fiduciária e o Mercado Imobiliário: consumidor endividado. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2012. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-civil/a-alienacao-fiduciaria-e-o-mercado-imobiliario-consumidor-endividado/ Acesso em: 29 mar. 2024