Direito Civil

Amor não tem idade

Amor não tem idade

 

 

 

Maria Berenice Dias*

 

 

Sumário: 1. A supremacia da igualdade; 2. A colmatação dos vazios; 3. Convivendo o novo e o velho; 4. Transformando o velho no novo; 5. A discriminação do idoso; 6. A reação do STF; 7. O caminho traçado; 8. As soluções possíveis; 9. A perpetuação da discriminação; 10. Outras limitações injustificáveis; 11. Mais idade e maior pena; 12. Enfim…

 

 

1. A supremacia da igualdade

 

Não bastou a Constituição Federal proclamar o princípio da igualdade em seu preâmbulo. Reafirmou o direito à igualdade já no seu artigo primeiro, ao dizer que todos são iguais perante a lei. Mas foi além. De modo enfático, foi até repetitiva ao afirmar que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, decantando mais uma vez a igualdade de direitos e deveres de ambos no referente à sociedade conjugal.

 

A supremacia do princípio da igualdade alcançou também os vínculos de filiação, ao proibir qualquer designação discriminatória com relação aos filhos havidos ou não da relação de casamento ou por adoção. Em boa hora o constituinte acabou com abominável hipocrisia que rotulava a prole pela condição dos pais. A postura do genitor que descumpria o dever de fidelidade e cometia o crime de adultério era premiada, pois não lhe gerava obrigações com relação ao filho assim concebido.

 

Diante de tais assertivas constitucionais, não se pode negar que a isonomia recebeu especial atenção da Carta Política que, ao instaurar o regime democrático, revelou grande preocupação em banir discriminações de qualquer ordem. Como bem refere Rodrigo da Cunha Pereira: A idéia de igualdade interessa particularmente ao Direito, pois a ela está ligada a idéia de Justiça. A Justiça é a regra das regras de uma sociedade e é ela que dá o valor moral e o respeito a todas as outras regras dessa mesma sociedade. Portanto, é a questão da Justiça que permite pensar a igualdade.[1]

 

Muitas das transformações levadas a efeito pela Carta Constitucional são fruto da identificação dos direitos humanos como valor fundante da pessoa humana, a ensejar o conseqüente alargamento da esfera de direitos merecedores de tutela. A conscientização do conceito de cidadania leva ao descobrimento da possibilidade de vindicar o reconhecimento dos direitos e a busca dos meios de os fazer cumprir. Muitas vezes é mister socorrer-se do Poder Judiciário para dar efetividade às garantias asseguradas constitucionalmente. O acesso à cidadania pressupõe uma sociabilidade marcada pelo discurso iluminista que clama pela liberdade, fraternidade e igualdade. Entretanto, quanto mais se declara a universabilidade dos direitos, mais abstrata se torna a categoria dos cidadãos, mais e mais se ocultam as diferenças que essa ordem social gera, e cuja subsistência dependerá agora, em boa medida, da negação e encobrimento daquelas.[2]

 

 

 

2. A colmatação dos vazios

 

O advento de uma nova ordem jurídica, por meio da Constituição Federal, excluiu toda a legislação infraconstitucional que não se coadunava com o novo perfil do Estado. A não-recepção de um imenso número das normas legais existentes fez surgir vácuos na estrutura legislativa. Como a plenitude do sistema estatal não convive com vazios, a colmatação das lacunas é atribuída ao Poder Judiciário, por determinação do art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil. Identificada a omissão da lei, mesmo assim não há como o juiz se omitir do dever de julgar. Não cabe se escudar na ausência ou na não-vigência de norma legal para afirmar a inexistência do direito à tutela. Não pode ele se negar a dizer o direito, negar a jurisdição. A falta de lei não quer dizer inexistência de direito.

 

Ante determinada situação submetida a julgamento, o magistrado, ao esbarrar com dispositivos legais sem vigência, por afrontarem princípios constitucionais, deve reconhecer que está frente a um vazio legal. Como a ausência de lei não pode servir de justificativa para eximir-se de julgar, o jeito é manejar os instrumentos alcançados pela própria lei para colmatar as lacunas. A analogia, os princípios constitucionais e os costumes são as ferramentas a serem usadas na busca da solução que mais se amolda à justiça.

 

Revelar o direito para solucionar o caso concreto é, com certeza, a função mais significativa do Judiciário. Esse processo de atribuição de eficácia jurídica a comportamentos de fato decorre da vontade do legislador ou da atuação jurisprudencial, sendo de destacar-se o papel criador dos tribunais no reconhecimento de tais situações.[3]

 

 

 

3. Convivendo o novo e o velho

 

Durante quinze anos conviveu com o novo sistema constitucional a codificação civil de 1916, que retratava uma sociedade de outros tempos. O perfil patriarcal da estrutura familiar do início do século passado e o conceito sacralizado da família haviam levado o legislador a dar um tratamento discriminatório à mulher e aos filhos.

 

Até o advento do atual Código Civil, ainda permaneciam no texto legal assertivas como: o homem é o chefe da sociedade conjugal, o homem é o cabeça-do-casal. Talvez o mais emblemático dispositivo que evidenciava a defasagem do antigo Código Civil em relação à sociedade dos dias atuais é o que considerava o desvirginamento da mulher desconhecido do marido como erro essencial de pessoa a autorizar a anulação do casamento.

 

Os filhos, de outro lado, sofriam discriminações pelo simples fato de não haver nascido em uma família constituída pelos sagrados laços do matrimônio. Recebiam odiosas adjetivações por não ser fruto de uma família legítima, sendo chamados de naturais, ilegítimos, espúrios e incestuosos.

 

Essas normas do Código Civil, que relegavam tanto a mulher como os filhos a uma condição de inferioridade, não se harmonizavam com a igualdade decantada pela Constituição chamada cidadã. O sistema original de Direito de Família do Código Civil ficou irreconhecível, impondo-se a sua reconstrução, a partir dos princípios constitucionais vigentes, com o material remanescente do Código e o da legislação especial.[4]

 

Ingente foi a tarefa de garimpar as regras constantes do sistema jurídico infraconstitucional que não foram recepcionadas pela nova ordem constitucional. A perspicácia dos doutrinadores em muito facilitou a atividade jurisdicional. Verificado o confronto, proclamava-se a primazia da regra maior, tornando letra morta os artigos dos códigos e leis que não se coadunavam com o novo arcabouço jurídico. Assim, a Constituição Federal tornou-se a mais significativa norma de Direito de Família.

 

Os exercícios hermenêuticos no sentido de amoldar o velho código à realidade social e constitucional nem sempre obtinham unanimidade, o que trazia sérios inconvenientes e gerava inseguranças e produziam injustiças que afrontavam o princípio da igualdade. Situações iguais recebiam tratamentos díspares. Esses fatores levaram à aceleração das atividades legiferantes, para pôr em vigência uma nova codificação que se adequasse à linguagem constitucional.

 

 

 

4. Transformando o velho no novo

 

O Código Civil atual, que ainda se costuma chamar de novo, foi gestado mesmo antes da Lei do Divórcio e necessitou sofrer modificações profundas para adequar-se às diretrizes ditadas pela Lei Maior. Inúmeros remendos foram feitos, o que, no entanto, não deixou o texto com a atualidade e a clareza necessárias para reger a sociedade dos dias de hoje.

 

Talvez o grande ganho com a entrada em vigor do Código Civil tenha sido banir expressões e conceitos que causavam grande mal-estar e não mais podiam conviver com a nova estrutura jurídica e a moderna conformação da sociedade. Foram sepultados todos aqueles dispositivos que já eram letra morta, e que retratavam ranços preconceituosos e discriminatórios, como as referências desigualitárias entre o homem e a mulher, as adjetivações da filiação, o regime dotal, etc.

 

Mas esse não foi o único mérito do codificador. Alguns avanços foram significativos, e os exemplos são vários. Corrigiu alguns equívocos e incorporou orientações pacificadas pela jurisprudência como, por exemplo, não excluir compulsoriamente o sobrenome do marido do nome da mulher. Baniu, em boa hora, a única hipótese de pena de morte fora das exceções constitucionais, pois assegurou o direito a alimentos mesmo ao cônjuge culpado pela separação.

 

No entanto, perdeu a nova consolidação uma bela oportunidade de promover alguns avanços. Não trouxe a guarda compartilhada, não consagrou a posse de estado de filho, a filiação socioafetiva, nem mesmo normatizou as relações de pessoas do mesmo sexo, agora nominadas de uniões homoafetivas.[5]

 

O legislador infelizmente também cometeu inconstitucionalidades. A mantença da culpa na separação é um dos grandes exemplos da falta de sensibilidade do novo legislador. Impor a um dos cônjuges que desnude a conduta do outro, trazendo a juízo provas dos fatos que tornaram insuportável a vida em comum, fere o direito à intimidade e à privacidade, além de afrontar a dignidade do par do qual quer se desvencilhar. Também ao tratar desigualmente as entidades familiares decorrentes do casamento e da união estável, gerou diferenciação que não tem respaldo constitucional. O elenco constante do art. 226 da Constituição Federal não estabelece qualquer hierarquia entre as entidades às quais o Estado empresta especial proteção. O que o constituinte não distinguiu, não pode diferenciar a lei ordinária.[6]

 

 

 

5. A discriminação do idoso

 

A Lei Maior, que se quer cidadã, democrática e igualitária, de modo expresso veda discriminação em razão da idade, bem como assegura especial proteção ao idoso. Em face do direito à igualdade e à liberdade ninguém pode ser discriminado em função do seu sexo ou da sua idade, como se fossem causas naturais de incapacidade civil.[7] O Estatuto do Idoso[8] igualmente assegura todos os direitos e garantias a quem tem mais de 60 anos.

 

Tais postulados, no entanto, não foram suficientemente enfáticos para excluir da nova codificação civil uma capitis diminutio contra a chamada terceira idade. Quem pretender casar após os 60 anos tem subtraída de forma injustificável, aleatória e discriminatória a plenitude de sua capacidade para eleger o regime de bens que lhe aprouver. Absurdamente é imposto o regime da separação legal de bens, que gera a total incomunicabilidade para o passado e para o futuro. Sequer é tornado obrigatório o regime da comunhão parcial, que é o vigorante quando os nubentes nada manifestam e não convencionam diferentemente por meio de pacto antenupcial, o que, no mínimo, obviaria algumas injustiças.

 

A limitação, além de odiosa, é inconstitucional, pois, ao se falar no estado da pessoa, toda cautela é pouca. A plena capacidade é adquirida quando do implemento da maioridade e só pode ser afastada em situações extremas e por meio do processo judicial de interdição, que dispõe de rito especial (arts. 1.177 a 1.186 do CPC). É indispensável não só a realização de perícia, mas também é obrigatória audiência onde o interditando é interrogado pelo magistrado. Raros processos são revestidos de tantos requisitos formais, sendo imperiosa a publicação da sentença na imprensa por três vezes. Tal rigorismo denota o extremo cuidado do legislador quando trata da capacidade da pessoa.

 

Frente ao casamento, no entanto, tudo isso é olvidado. Quando alguém, após atingir a idade de 60 anos, quiser casar, ainda que não esteja impedido de fazê-lo, não pode dispor sobre questões patrimoniais e escolher livremente o regime de bens. Não dá para deixar de concordar com João Baptista Villela, ao afirmar que a proibição, na verdade, é bem um reflexo da postura patrimonialista do Código e constitui mais um dos ultrajes gratuitos que a nossa cultura inflige à terceira idade.[9]

 

Tão draconiana limitação já existia no Código Civil de 1916, só que estabelecia diferença de idade a depender do sexo dos nubentes. O inc. II do parágrafo único do art. 258 impunha o regime da separação de bens quando a noiva tinha mais de 50 anos ou o noivo houvesse ultrapassado os 60 anos de idade. Essa diferenciação de tratamento tinha origem na menos-valia emprestada à mulher, que só era valorizada por seus atributos físicos, beleza e sensualidade. Assim, uma mulher com mais de 50 anos não poderia ser alvo de um amor verdadeiro. Como o fator valorativo do homem sempre esteve ligado à virilidade, que perdura mais do que a beleza, somente quando sexagenário é que perdia ele a capacidade de despertar o interesse de alguém.

 

Luiz Edson Fachin já questionava se, com a vinda da Constituição Federal de 1988, a idade seria a mesma para os dois sexos, tendo em vista o princípio da igualdade.[10] A jurisprudência, igualmente invocando o mesmo princípio consagrado constitucionalmente, já havia unificado a idade em sessenta anos.[11]

 

 

 

6. A reação do STF

 

A situação de absoluta injustiça que ensejava a aplicação desse dispositivo legal, levou o Supremo Tribunal Federal, já no ano de 1964, a editar a Súmula nº 377,[12] simplesmente alterando o regime de bens imposto pela lei. Ao ser autorizada a comunhão dos bens adquiridos durante o casamento, acabou a Justiça transformado o regime da separação total dos bens para o regime da comunhão parcial.

 

A jurisprudência maciçamente adotou essa posição.[13] No julgamento do recurso especial[14] em que a alegação era exatamente a divergência de interpretação desse artigo da lei federal, firmou o Superior Tribunal de Justiça orientação sobre a natureza do estado de comunhão reconhecido pela Súmula. O voto do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, trazendo as divergências existentes nas turmas do STJ,[15] acabou por reconhecer a possibilidade da comunhão de aqüestos, afirmando que a interpretação exata da Súmula n° 377 é no sentido de que, no regime de separação legal, os aqüestos comunicam-se pelo simples fato de terem sido adquiridos na constância do casamento, não importando que hajam resultado ou não do esforço comum.

 

 

 

7. O caminho traçado

 

Quer pela inconstitucionalidade da diferenciação etária consagrada na lei, quer pelo estágio de desenvolvimento da sociedade, sem deixar de se atentar no alargamento do conceito de entidade familiar, o fato é que começou a se reconhecer que esse dispositivo não havia sido recepcionado pela ordem jurídica implantada pela Constituição Federal em 1988.

 

A doutrina e a jurisprudência, de forma majoritária, passaram a considerar encharcada de discriminação e preconceito a diferenciação legal, pois revela o conceito de uma distante época, onde o individualismo e a preocupação em proteger e preservar a família legítima justificavam a ingerência exercida pelo Estado sobre a vontade individual.[16] A restrição à escolha do regime de bens foi reconhecida como clara afronta ao cânone constitucional de respeito à dignidade, além de desrespeitar os princípios da igualdade e da liberdade consagrados como direitos humanos fundamentais.

 

A decisão do hoje Ministro do STF Cezar Peluso, enquanto Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, transformou-se em um paradigma a merecer especial referência sempre que se enfrenta o tema.[17] Impositivo que se reproduza toda a linha de argumentação sustentada no brilhante voto. Com firmeza, sustenta  que o inc. II do art 258 do CC é de todo em todo incompatível com as representações dominantes da pessoa humana e com as conseqüentes exigências éticas de respeito à sua dignidade. Nomina de autêntica ficção jurídico-normativa, com base em critério arbitrário e indução falsa, considerar homens e mulheres absolutamente incapazes para definir as relações patrimoniais de sua família. Prossegue o voto afirmando que a ratio legis vem do receio político de nas relações amorosas já não estarem nem os homens nem as mulheres, em idades diferentes, aptos para discernir seus interesses materiais e resistir à cupidez inevitável do consorte. Traz o Relator a lição de Clóvis Beviláqua, que afirmava que essas pessoas já passaram da idade em que o casamento se realiza por impulso afetivo, e o pensamento de Lafayette, que nominava a limitação legal de invento eficaz para neutralizar a influência desmoralizadora que a cobiça podia exercer no seio do casamento e ao mesmo tempo impedir que, obcecado pela força do amor, um dos cônjuges não se empobrecesse em benefício do outro.

 

Chama Peluso de anacrônica e caprichosa a regra que decreta como verdade legal perene a incapacidade absoluta de quem se achasse, em certa idade, na condição do cônjuge, por deficiência metal presumida juris et de jure contra a natureza dos fatos sociais e a inviolabilidade da pessoa. Mas o Relator vai além ao afirmar que a consciência jurídica contemporânea não pode tolerar a consagração nomóloga de um preconceito injurioso e rebarbativo, mal dissimulado sob a aparência de presunção legal absoluta, que, não correspondendo à verdade dos fatos originários nem comparando justificação autônoma, assume os contornos de ficção ilegítima, suscetível de invalidação jurídica. Ao afirmar que a evolução das condições materiais e espirituais da sociedade, repercutindo no grau de expectativa e qualidade de vida, garante que a idade madura não tende a corromper, mas a atualizar as virtudes da pessoa, as quais constituem o substrato sociológico na noção da capacidade jurídica, diz o acórdão que afronta e amesquinha a realidade humana reduzir, com pretensão de valor irrefutável e aplicação geral, homens e mulheres à condição de adolescentes desvairados, ou de neuróticos obsessivos, que não sabem guiar-se senão pelos critérios irracionais das emoções primárias.

 

O magistrado não poupa adjetivos à norma legal. Chama de absurda a tese fundada em critérios factuais aleatórios que perpetra discriminação não menos desarrazoada e injusta ao distinguir categorias de cônjuges. Diz ser irracional e injusto o alcance da norma, levando à mutilação da dignidade da pessoa humana por desconsiderar, de modo absoluto e sem apoio na observação da realidade humana, o poder de autodeterminação. Prossegue o voto afirmando que a regra vulnera ainda princípios constitucionais, até com gravidade maior. Sob outro ponto de vista, o resultado prático é exorbitante, pois se ressente de nexo de proporção entre o objetivo legítimo de tutela dos casos particulares de debilidade senil para gerar a incapacitação de ampla classe das pessoas na mesma faixa etária. Sacrifica, em nome de interesses sociais limitados e subalternos, o direito fundamental do cônjuge de decidir quanto à sorte de seu patrimônio disponível, que, não ofendendo direito subjetivo alheio nem a função social da propriedade, é tema pertinente ao reduto inviolável de sua consciência. Impecável o raciocínio do julgador: não há norma nem princípio jurídico que impeça a alguém, em razão de idade avançada e de envolvimento afetivo, doar bens ao parceiro, antes ou durante o concubinato, e sequer no decurso de relacionamento efêmero que reúna todos os ingredientes de uma aventura amorosa. Tampouco estão os mais jovens imunes aos riscos patrimoniais da ilusão e da farsa. Não dá para deixar de concordar com a afirmativa de que é muito curta a razão normativa para invasão tamanha.

 

Cabe transcrever trecho que sintetiza as razões que justificam chamar o julgado como um leading case: Por que é, pois, sob pretexto de vulnerabilidade psíquica, subentendida como doença peculiar da instituição matrimonial haveriam de ser tolhidos na mais nobre das manifestações humanas, que é o exercício da generosidade e da justiça, apenas os cônjuges – os quais não raro têm largas razões para compartilhar e repartir -, por conta de injunção normativa, esta, sim, decrépita, e cuja menor extravagância está em desestimular, por reação legítima em resguardo da autonomia ética e da liberdade jurídica, que relações não matrimoniais se convertam em casamento? E atentado considerável à estabilidade do ordenamento jurídico é já o descrédito notório, que, provocado pela inconveniência dessa conversão, capaz de satisfazer anseios genuínos e evitar incertezas danosas à ordem social levaria, ou vem levando, à ‘desuetudo’ dos casamentos tardios. Nessa moldura, percebe-se, logo, que o comando legal não encerra uma classificação normativa razoável e, como tal, viola a um só tempo as regras constitucionais do justo processo da lei (art. 5º, LIV, da Constituição Federal), tomado na acepção substantiva (substantive due process of law), e da igualdade (art. 5º, I), à medida que convergem ambas para, limitando a discricionariedade da produção normativa, manter o cidadão a salvo de leis arbitrárias e discriminatórias, a que, por definição, falta utilidade social e sobeja invasão das esferas das autonomias individuais.

 

 

 

8. As soluções possíveis

 

A partir desse julgamento, a doutrina não titubeou em seguir o norte traçado. A Constituição Federal de 1988 não recepcionou o disposto no art. 258, parágrafo único, inc. II, do CC (de 1916), que se encontra em descompasso com princípios constitucionais que tutelam a isonomia, a garantia do devido processo legal e, sobretudo, a dignidade da pessoa humana.[18]

 

Afora essa alteração levada a efeito pela via judicial, expedientes outros passaram a ser utilizados para contornar a injustificável limitação à liberdade e o desrespeito à vontade dos nubentes. A partir da vigência da Lei do Divórcio, que, em seu art. 45[19], abriu exceções à incidência dessa restrição, a alegação de preexistência de um vínculo afetivo passou a ser invocada como subterfúgio para afastar a imposição legal. A jurisprudência, a seu turno, flexibilizou o conteúdo desse dispositivo legal. Passou a admitir a eleição do regime de bens mesmo que não adimplido o prazo de 10 anos de vida em comum e ainda que a união não existisse antes da constitucionalização do divórcio.

 

Igualmente a Justiça passou a reconhecer a validade das doações feitas por um dos cônjuges ao outro, sob o fundamento de que o art. 312 do Código Civil de 1916 só vedava doações se realizadas por pacto antenupcial.[20]

 

Mas o que levou a jurisprudência a firmar posição alijando a eficácia da indigitada restrição foi o advento da Lei nº 9.278/96, que, em seu art. 5º, elegeu o regime da comunhão de bens à união estável, sem fazer qualquer ressalva sobre a idade dos companheiros quando do início do relacionamento.

 

A possibilidade de se conceder tratamento diferenciado ao casamento e à união estável, dando uma condição de maior liberdade a quem optasse pela vida em comum sem a celebração das núpcias, gerou grande desconforto e um amargo sentimento de injustiça. A solução se impôs com clareza solar. Quando alguém com mais de 60 anos resolvesse viver com alguém, o melhor era simplesmente viver em união estável. A impositiva incidência da restrição à capacidade do par e a impossibilidade de comunhão do patrimônio não deixavam margem a outra solução. Na união estável, havendo a presunção de mútua colaboração, que leva à formação de um estado condominial, é possível ao menos a partição do patrimônio amealhado.

 

 

 

9. A perpetuação da discriminação

 

Surpreendentemente, o novo Código Civil esqueceu de afastar essa incongruência de seu bojo. Limitou-se no inc. II do art. 1.641 a repetir a mesma regra, mas uniformizando a idade dos noivos. Ganharam as mulheres mais dez anos de capacidade de serem alvo de um afeto sincero, e o limite de idade da plena capacidade, para ambos os sexos, passou a ser de 60 anos. Mas essa equalização só atendeu à determinação constitucional de tratamento igualitário entre os sexos.

 

No entanto, a equiparação etária levada a efeito não tem o condão de emprestar vitalidade ao dispositivo legal ou lhe devolver a constitucionalidade. A alteração levada a efeito quanto à idade não é suficiente para manter no panorama jurídico esse dispositivo legal. A regra restritiva da liberdade, que, segundo Paulo Lins e Silva, tem origem medieval, trata os maiores de sessenta anos como se fossem verdadeiros moribundos, obrigando-os a uma forma de casamento, para dar proteção à expectativa sucessória dos eventuais descendentes dos nubentes.[21]

 

Nem sequer o legislador teve o cuidado de incorporar a diretriz sumulada pelo STF, que reconheceu a comunicabilidade dos aqüestos. Persistiu a imposição do regime da separação total de bens, sem atentar em que tal intransigência pode ensejar severo desequilíbrio e dar margem a enriquecimento injustificável. O só fato de determinados bens constarem em nome de um ou de outro cônjuge não significa ausência da participação do outro na sua aquisição.

 

Por componentes culturais e razões históricas ainda o patrimônio é gerido e está na administração do varão. Assim, nitidamente a regra impõe injustificável prejuízo à mulher, que, na maioria das vezes, é a grande artífice da consolidação do patrimônio do casal. Não ser permitida a comunhão de aqüestos gera a possibilidade de enriquecimento sem causa, com a qual não convive a justiça.

 

Mantida a mesma restrição na nova lei quanto ao casamento, surpreende é a desarrazoada ausência de igual limitação na união estável. Dito tratamento desigualitário deixa as uniões extramatrimoniais com maior liberdade de autodeterminação, até pela possibilidade de ser contratualmente ser possível qualquer avença, sem nenhuma restrição. Assim, não há como contornar a afronta à Lei Maior, que não permite ser violada nem convive com o injustificável. E nada justifica limitar a capacidade de alguém, pois cada ser humano é humano por força de seu espírito, que o distingue da natureza impessoal e que o capacita para, com base em sua própria decisão, tornar-se consciente de si mesmo, de autodeterminar sua conduta, bem como de formatar a sua existência e o meio que o circunda.[22]

 

 

 

10. Outras limitações injustificáveis

 

Não só o inc. II do art. 1.641, mas todo o artigo 1.641, ao impor coactamente a incomunicabilidade total de bens, mais do que inconstitucional, consagra desarrazoada restrição à liberdade de amar.

 

O dispositivo tem clara conotação punitiva, pois atribui apenação a quem desobedece a mero capricho legal. Como não há justificativa para simplesmente impedir o casamento, “recomenda” a lei que o par não se case. A expressão “não devem casar”, constante do art. 1.523, encabeça um rol de situações aleatoriamente pinçadas pelo legislador como causas suspensivas do casamento, que não dispõe de qualquer significado. Nada mais é do que mera tentativa de limitar o desejo dos nubentes mediante verdadeira ameaça. A forma encontrada pelo legislador para evidenciar sua insatisfação frente à teimosia de quem insiste em realizar o sonho de casar, é impor sanções a quem desobedece ao “conselho” legal. Como sempre acabam as penas tendo conotação patrimonial, nessa hipótese não poderia sr diferente: impõe a lei, de forma coacta, o regime da separação de bens.

 

Nitidamente a cautela do legislador é evitar a possibilidade de embaralhamento de patrimônios. Das várias previsões que visam a suspender a realização do casamento, cabe tomar como exemplo a  ausência de partilha dos bens de matrimônio anterior (inc. III do art. 1.523). Despicienda a imposição da incomunicabilidade total de patrimônios no novo casamento. Por construção jurisprudencial, a interrupção da vida em comum implica na cessação do que se chama de mancomunhão, isto é, o estado de co-titularidade do patrimônio constituído durante o período de vida em comum. Os bens amealhados depois do término da convivência passam a ser de propriedade exclusiva de quem os adquire, não se comunicando com o cônjuge, independe do regime de bens que vigore e da falta de dissolução judicial do casamento.

 

Como a separação de fato passou a ter efeitos jurídicos, pondo fim à comunhão patrimonial, nada justifica a cautela da lei. Observa Francisco Cahali que a separação de fato põe termo ao regime de bens e aos deveres do casamento, dentre eles coabitação e fidelidade. E conclui: Em assim sendo, tornam-se os cônjuges separados de fato desimpedidos para constituírem nova família da união estável.[23]

 

Em face da inserção da união estável no Código Civil, cabe um questionamento. Essa restrição à liberdade de escolher o regime de bens diz somente quando do fim de anterior casamento? Na hipótese de anterior união estável, em que a partilha de bens também é indispensável, se não foi levada a efeito, gera essa mesma penalidade? A resposta, ainda que paradoxal, é óbvia. Trata-se de norma restritiva de direitos e, como tal, só admite interpretação restritiva.[24]  Como a imposição do regime de separação de bens é norma de exceção, dispõe de aplicação limitada, não havendo como impingir o regime da separação de bens ainda que não procedida a divisão do patrimônio de anterior união estável.

 

De outro lado, cabe lembrar que o Código Civil dispensou a prévia partilha para a decretação do divórcio direto (art. 1.581), afastando a exigência constante da Lei do Divórcio (art. 31). Sequer quando da conversão da separação em divórcio é indispensável a partilha dos bens. Ditas posturas liberalizantes vieram a ratificar a posição já consolidada da jurisprudência. A partir da exigência de ordem meramente temporal feita pela Constituição (§ 6º do art. 226) para a concessão do divórcio, passou a ser dispensado o cumprimento das obrigações assumidas na separação e a ultimação da partilha de bens para a conversão da separação em divórcio (art. 36 da Lei nº 6.515/77). Como as questões patrimoniais sequer geram impedimento para o divórcio, não cabe obstaculizar novo matrimônio invocando exatamente a mesma motivação, ou seja, ausência de partição de bens. Assim, como os bens amealhados depois da separação não mais se comunicam, de todo irrelevante a ultimação da partilha para se extremar com precisão a titularidade dos bens em face do novo casamento.

 

Igualmente é de todo descabido o mesmo apenamento de ordem patrimonial quando o nubente necessitar de suprimento judicial para casar (inc. III do art. 1.641).  No caso de um dos noivos ter idade inferior a 16 anos, precisa da autorização de ambos os pais (art. 1.517). Negando qualquer dos genitores o consentimento, possível é o suprimento judicial da ausência de autorização (art. 1.519). Essa é uma das hipóteses em que o casamento se celebra mediante autorização judicial. No entanto, como o juiz só supre o consentimento quando injustificável foi a negativa dos pais, acaba sendo punido o casal por uma resistência descabida dos genitores em concordar com as núpcias. Assim, injusta a imposição do regime da incomunicabilidade total dos bens, não havendo por que o Estado impor qualquer tipo de punição quando a própria Justiça chancela a realização do casamento. Cabe aqui repristinar toda a linha de argumentação sustentada quanto à vedação que diz com o limite máximo de idade para o casamento.

 

 

 

11. Mais idade e maior pena

 

O tratamento desigualitário quanto às limitações de livre adoção do regime de bens dispõe de mais uma incongruência perversa. Em todas as hipóteses em que há a obrigatoriedade do regime da separação total, a imposição pode ser contornada. Essa possibilidade, porém, só não existe quando a separação de bens decorre da idade dos nubentes, norma que transmite um sentido de discriminação, como bem assevera Paulo Lins e Silva, ao afirmar que é bastante desigual o tratamento concedido àqueles que, após uma vida de vitórias, gloriosa e exaustivamente conseguindo amealhar valores e patrimônios representativos, tenham de ser obrigados a se casar nesta fase madura da vida, pelo regime imposto pelo Estado.[25]

 

Ora, se a seqüela legal de impor o regime da separação total de bens pode ser afastada, conforme faculta o parágrafo único do mesmo artigo 1.523, nada justifica que não se possa contornar a imposição coacta do regime de bens aos noivos sexagenários. O juiz pode liberar da penalização os noivos menores de 16 anos, a quem supriu a injustificável resistência dos pais. Também pode autorizar a livre escolha do regime quando ausente a partilha do casamento anterior ou quando não houve prestação de contas nos demais casos. Impositivo haver o mesmo “perdão” em se tratando de noivos com mais de 60 anos.

 

Mas essa não é a única motivação que põe por terra a sanção legal.

 

Ainda que aparentemente busque a lei preservar os interesses da família e garantir direitos sucessórios à prole, a regra não admite exceções, não condicionando o interdito patrimonial à existência de filhos. Ou seja, mesmo que ocônjuge “idoso” não tenha parentes sucessíveis, persiste o regime da separação. De qualquer forma, ainda que essa fosse a intenção da lei, a tentativa de preservar a herança dos descendentes esbarra na vedação do art. 426, que reproduz a mesma restrição do art. 1.916 do Código Civil revogado, o qual inadmite o pacto sucessório. Marcelo Truzzi Otero chama de imoral e, por conseguinte ilegal, o ‘pacta curvina’.[26]

 

Outro fundamento não deixa margem a qualquer resposta: a escancarada afronta ao princípio da isonomia que a regra legal encerra. É que essas restrições não existem na união estável, como bem refere Euclides de Oliveira: Não cabem como óbices à união estável os impedimentos matrimoniais meramente proibitórios, previstos no atual ordenamento, a que o novo Código Civil chama de causas suspensivas, eis que meramente penalizadoras na esfera patrimonial dos contraentes, sem invalidar o ato matrimonial.[27]

 

Assim, injustificável e desigualitário o tratamento dispensado ao casamento frente a união estável. As limitações impostas à vontade dos noivos torna mais vantajosa a união informal. Diante da vedação à livre eleição do regime de bens, a solução mais lógica é simplesmente abandonar a idéia de sacramentar a união pelo casamento. Mas, como persiste o desejo de constituição de família, para afastar as restrições legais, o jeito é viver em união estável, sede em que não vigoram quaisquer impedimentos. Pelos precisos termos do art. 1.725, na união estável o regime é o da comunhão parcial. Ao depois, por meio de contrato é possível fazer qualquer estipulação sobre questões patrimoniais. Assim não há maneira mais fácil para afastar a intervenção estatal e adotar o regime que melhor atende à realidade da vida e à vontade do par, do que escolher a união estável  como modalidade de convívio.

 

Nem cabe argumentar que o reconhecimento dessa espécie de entidade familiar depende da via judicial, até porque é possível produzir provas irrefutáveis da relação para o juiz reconhecer sua existência. Basta, por exemplo, a celebração do casamento religioso ou o estabelecimento da vida em comum com as características legais para comprovar a existência da união estável. Igualmente é possível o uso do procedimento voluntário da justificação judicial (art. 861 do CPC), recurso que está sendo cada vez mais utilizado até para o reconhecimento das uniões homoafetivas. Como se trata de ação em que não há lide, provado o fato que se quer reconhecer, nada mais resta ao juiz do que certificar sua existência. Outros subterfúgios são utilizados em larga escala, como a lavratura de escritura publica constitutiva da união estável, onde podem livremente ser feitas estipulações de aspectos patrimoniais sem qualquer afronta à normatização jurídica.

 

As doações entre os cônjuges também é mecanismos hábeis para a livre comunicação de bens. Sob o fundamento de serem vedadas somente doações por meio de pacto antenupcial, tais atos de liberalidade vêm sendo respeitados pela jurisprudência,[28] ainda quando vige o regime da separação legal de bens.

 

12. Enfim…

 

Não adianta fazer críticas e não apontar caminhos.

 

A conclusão que se afigura óbvia não é somente a necessidade de ser revogado o inc. II do art. 1.641, mas de todo o art. 1.641, que se reveste de inconstitucionalidade gritante.

 

Não se trata somente de injustificável restrição que infringe o princípio constitucional da liberdade. Igualmente há desrespeito ao princípio da igualdade ao se conceder tratamento desigualitário entre o casamento e a união estável. Persistir tal dispositivo no panorama legal codificado atinge direito cravado na porta de entrada da Carta Política de 1988, cuja nova tábua de valores coloca em linha de prioridade o princípio da dignidade da pessoa humana.[29]

 

Mister atentar no aconselhamento de Paulo Lins e Silva, para que num futuro breve e próximo sejam revistos tais critérios legislativos, pois afastam o direito natural de afeto, carinho e elevada sensibilidade que o ser humano contém no seu interior, muitas vezes quando rebrota nessa terceira idade, o amor para ser vivido na fase mais experiente da vida. Tornam-se semi-incapazes, dependentes de normas arcaicas, discriminatórias e protetivas daqueles que nada fizeram para a construção numa vida, de um patrimônio simples ou representativo, cerceando um livre direito de se exercer sem condições a realização formal e completa de um matrimônio digno e volitivo.[30]

 

Assim, impositivo é que, entre os projetos de reforma que já se avolumam, conste mais um: a revogação do art. 1.641.

 

Enquanto a reforma não vem, imperioso que a jurisprudência, como sempre e mais uma vez, desempenhe seu papel de não só fazer cumprir a lei, mas, antes e acima de tudo, velar pela efetividade da Constituição Federal. A Justiça não é cega nem surda. Precisa ter os olhos abertos para ver a realidade social e os ouvidos atentos para ouvir o clamor dos que por ela esperam. Mister que os juízes deixem de fazer suas togas de escudos para não enxergar a realidade, pois os que buscam a Justiça merecem ser julgados, e não punidos.[31]

 

Por isso, devem os juízes deixar cair como letra morta dispositivo legal que não tem vida, por não estar ao abrigo do manto da juridicidade.

 

 

[1] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família: uma abordagem psicanalítica. 2 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 92.

 

[2] Ibid., p. 94.

 

[3] AMARAL, Francisco. Direito Constitucional: a eficácia do Código Civil brasileiro após a constituição. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.). Anais do I Congresso Brasileiro de Direito de Família. Repensando o Direito de Família. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. p. 316.

 

[4] AMARAL, op. cit., p. 323, nota 3.

 

[5] Este neologismo foi cunhado em minha obra Uniões Homossexuais: o Preconceito e a Justiça. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

 

[6] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.). Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família. Família e cidadania. O novo CCB e a Vacatio Legis. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. p. 89-107.

 

[7] MADALENO, Rolf. Do regime de bens entre os cônjuges.  In: DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. (coord.) Direito de Família e o Novo Código Civil. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 223.

 

[8] Lei 10.741 de 1º/10/2003.

 

[9] VILLELA, João Baptista. Liberdade e família. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, v. 3, nº 2, p. 35.

 

[10] FACHIN, Luiz Edson. Elementos críticos do direito de família: curso de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 159.

 

[11] CASAMENTO – REGIME DE BENS. Comunhão universal. Mulher maior de 50 (cinqüenta) anos. Possibilidade. Inteligência do art. 5°, I, da CF/88. Proibição contida no art. 258, parágrafo único, II, do Código Civil. Igualdade entre homem e mulher. Com o advento da norma ínsita no art. 5°, I, da CF/88, que define a igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres, não resta dúvida de que a proibição contida no art. 258, parágrafo único, II, do Código Civil, relativamente à mulher, se igualou, no mínimo, àquela definida para o homem, ou seja, somente após os sessenta anos de idade completos é que ficaria a nubente proibida de contrair matrimônio em regime de comunhão universal de bens. (Apelação Cível, n. 243.087-4/00, 3ª Câmara. Cível, Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Relator: Lucas Sávio Gomes , julgado em 18.09.2002) In: Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre: IBDFAM, n. 15, p. 126, out../dez. 2002.

 

[12] Súmula 377 do STF: No regime de separação legal de bens comunicam-se os adquiridos na constância do casamento.

 

[13] (…) REGIME DE BENS. Não vigora a restrição imposta no inciso II do art. 258 do CC, ante o atual sistema jurídico que tutela a dignidade da pessoa humana como cânone maior da Constituição Federal, revelando-se de todo descabida a presunção de incapacidade por implemento de idade. Apelação provida. (Apelação Cível nº 70002243046, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relator: Maria Berenice Dias, julgado em 11/04/2001).

 

[14] CASAMENTO – SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA – SÚMULA Nº 377 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – PRECEDETNES DA CORTE. 1. Não violenta regra jurídica federal o julgado que admite a comunhão dos aqüestos, mesmo em regime de separação obrigatória, na linha de precedentes desta Turma. 2. Recurso especial não conhecido. STJ – REsp 208.640 – (1999/25259-4) – RS – 3ª T. – Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito – DJU 28.05.2001.

 

[15] A jurisprudência da Corte mostra que não há uniformidade na matéria. A Quarta Turma, com a relatoria do Sr. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, decidiu que no regime de separação obrigatória (art. 258 do Código Civil), “comunicam-se os bens adquiridos na constância do casamento pelo esforço comum” (REsp 9.938/SP, DJ 03.08.1992). A Terceira Turma, porém, com a relatoria do Sr. Min. Eduardo Ribeiro, assentou que os aqüestos comunicam-se, “não importando que hajam sido ou não adquiridos com o esforço comum” (REsp 1.615/GO, DJ 12.03.1990). Naquele precedente, destacou o Sr. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira a divergência para concluir que a doutrina enfrenta a Súmula, acabando por acolher o entendimento menos radical que subordina a comunicação ao esforço comum, na linha do magistério de Washington de Barros Monteiro e de Sílvio Rodrigues, sendo essa a sua compreensão porque “se afeiçoa à evolução do pensamento jurídico, repudia enriquecimento sem causa e dá sentido ao enunciado n° 377 da Súmula /STF”. Para a terceira Turma, porém, com a adesão dos Srs. Ministros Nilson Naves e Waldemar Zveiter, a “interpretação exata da Súmula n° 377 é no sentido de que os aqüestos comunicam-se, no regime de separação legal, pelo simples fato de terem sido adquiridos na constância do casamento, não importando que hajam resultado ou não do esforço comum. Neste sentido, o voto do Ministro Moreira Alves, transcrito no acórdão é bastante elucidativo” .

 

[16] OTERO, Marcelo Truzzi. A separação legal de bens para os sexagenários ou quinqüagenárias –  Uma afronta à dignidade da pessoa humana. In Jornal Síntese. Porto Alegre: Síntese, v. 51, maio 2001, p. l0.

 

[17] Apelação Cível n° 007.512-4/2-00, 2ª CDPriv., Tribunal de Justiça de São Paulo, Relator Juiz Cezar Peluso, julgado em 18.08.1998. In: Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre: IBDFAM, n. 1, p.98-103, abr../jun. 1999.

 

[18] OTERO, op. cit., p. 12, nota 13.

 

[19] Art. 45 da Lei do Divórcio: Quando o casamento se seguir a uma comunhão de vida entre os nubentes, existentes antes de 28 de junho de 1977, que haja perdurado por 10 (dez) anos consecutivos ou da qual tenha resultado filhos, o regime matrimonial de bens será estabelecido livremente, não se lhe aplicando o disposto no art. 258, parágrafo único, nº II, do Código Civil.

 

[20] APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA DE REVOGAÇÃO DE DOAÇÃO. LIBERALIDADE ENTRE CONJUGES CASADOS COM SEPARAÇÃO LEGAL DE BENS. DOACOES FORMAIS. DOAÇÕES INFORMAIS. COMUNICABILIDADE DOS AQÜESTOS. USUFRUTO VIDUAL. INDENIZAÇÃO. Embora a determinação legal no sentido de dever o casamento em que o nubente já completou sessenta anos (60) e a nubente cinqüenta (50) ser realizado sob o regime de separação total de bens, dali não decorre a impossibilidade de efetuarem os cônjuges doações, favorecendo-se reciprocamente, pois o artigo 312 do código civil, estabelece vedação apenas para a doação através de pacto antenupcial. A realidade social e as mudanças significativas em matéria de direito de família impuseram profundas modificações, algumas convertidas em lei, outras reconhecidas pela doutrina e jurisprudência revogaram grande parte dos dispositivos que regram as relações de família, sendo abrandado o rigor dos artigos que disciplinam o regime de bens do casamento, quando não revogados tacitamente, pois admitidas as doações informais. Reconhecida a validade das doações feitas entre cônjuges casados sob o regime da separação legal de bens, não é  aplicável a sumula n.377 do STF, que determina haver comunicabilidade dos aqüestos. O usufruto vidual em favor do cônjuge sobrevivente incide sobre a quarta parte dos bens do cônjuge falecido, sendo cabível buscar o usufrutuário a indenização pelo período em que foi obstaculizado de exercer o referido direito. Apelo não-provido. Voto vencido. (Apelação Cível nº 598060937, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relator: Alzir Felipe Schmitz, julgado em 26/08/1999)

 

[21] LINS E SILVA, Paulo. O casamento como contrato de adesão e o regime legal. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.). Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família. Família e cidadania. O novo CCB e a Vacatio Legis. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. p. 359.

 

[22] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 43.

 

[23] CAHALI, Francisco José. União estável e alimentos entre companheiros. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 60.

 

[24] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 5. ed. São Paulo: Freitas Bastos, 1951. Item 275.

 

[25] LINS E SILVA, op. cit., p. 358, nota 18.

 

[26] OTERO, op. cit., p. 12, nota 13.

 

[27] OLIVEIRA, Euclides Benedito de. Impedimentos matrimoniais na união estável. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.). Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família. Família e cidadania. O novo CCB e a Vacatio Legis. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. p. 190.

 

[28] APELAÇÃO CÍVEL. DÚVIDA REGISTRAL. Não e nula a compra e venda de imóvel realizada entre os cônjuges , mesmo quando realizada em casamento celebrado sob o regime de separação obrigatória de bens e considerada a sumula 377 do STF, por não existir qualquer vedação legal. O art-312 do Código Civil refere-se tão-somente a doação de bens através de pacto antenupcial entre os nubentes , não estabelecendo qualquer proibição para o período de constância do casamento. Apelação provida. (Apelação Cível nº 70000633636, Segunda Câmara Especial Cível, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relator: Marilene Bonzanini Bernardi, julgado em 14/06/2000).

 

ANULAÇÃO DE DOAÇÃO. REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS. Descabe a anulação de doação entre cônjuges casados pelo regime da separação obrigatória de bens, quando o casamento tenha sido precedido de união estável. Outrossim, o art. 312 do Código Civil de 1916 veda tão-somente as doações realizadas por pacto antenupcial. A restrição imposta no inciso II do art. 1641 do código vigente, correspondente do inciso II do art. 258 do código civil de 1916, é inconstitucional, ante o atual sistema jurídico que tutela a dignidade da pessoa humana como cânone maior da constituição federal, revelando-se de todo descabida a presunção de incapacidade por implemento de idade. (Apelação Cível nº 70004348769, Sétima Câmara Cível, Tribunal De Justiça do Rio Grande do Sul, Relator: Maria Berenice Dias, julgado em 27/08/2003).

 

[29] MADALENO. op. cit.,. p. 223, nota 7.

 

[30] LINS E SILVA, op. cit., p. 360, nota 18.

 

[31] DIAS, Maria Berenice Dias. A igualdade desigual. Revista Brasileira de Direito Constitucional, São Paulo, n° 2, p. 65. jul./dez. 2003.

                                   

 

* Advogada especializada em Direito Homoafetivo, Famílias e Sucessões. Ex-desembargadora do Tribunal de Justiça do RS. Vice-Presidente Nacional do IBDFAM

 

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Como citar e referenciar este artigo:
DIAS, Maria Berenice. Amor não tem idade. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-civil/amor-nao-tem-idade/ Acesso em: 28 mar. 2024