Direito Civil

Solidariedade e Vida

Solidariedade e Vida

 

 

 

Maria Berenice Dias*

 

 

Há palavras que por si só geram unanimidade, quer de aceitação, quer de rejeição. É o caso, por exemplo, da palavra solidariedade, cujo significado altamente positivo ninguém deixa de reconhecer.

 

Cada vez mais se busca conscientizar as pessoas de que a solidariedade é a mais valiosa arma no combate à desigualdade, chaga maior que assola o mundo. Tanto solidariedade como fraternidade, seu sinônimo, são vocábulos que titulam inúmeras campanhas que visam a sensibilizar os cidadãos para se engajarem em programas de atendimento a necessitados ou a vítimas de alguma tragédia.  Fraternidade está na declaração dos direitos do homem e do cidadão e serviu de lema à Revolução Francesa, junto com a igualdade e a liberdade. Solidariedade identifica a terceira geração dos direitos humanos, que consagra os direitos sociais, sintetizando o direito à liberdade e à igualdade.

 

Proliferam organizações não governamentais – as chamadas ONGs – que passaram a desempenhar papel fundamental na sociedade. Aliás, o chamado terceiro setor já está sendo reconhecido como o quarto poder, pois o trabalho voluntário tornou-se um indispensável aliado para se garantir a dignidade do ser humano.

 

Tudo isso tem o nome de solidariedade, que é também a tônica de todas as religiões. Independentemente do deus a que se louve ou da fé que se professe, todos exaltam a solidariedade, a generosidade, a fraternidade. Dar-se, doar-se é um lema; gestos solidários garantem o céu e a vida eterna.

 

Ao falar em vida, vem à mente a palavra morte, que igualmente gera um sentimento unânime. É algo de que ninguém quer falar. Quer o sofrimento de quem experimenta a ausência que a morte provoca, quer o medo do desconhecido, o fato é que a palavra morte ninguém gosta sequer de pronunciar.

 

Assim, enquanto solidariedade é uma expressão positiva, a palavra morte lembra coisas ruins, negativas. Outro não é motivo de as pessoas sequer fazerem testamento, abrindo mão de que sua vontade seja respeitada.

 

Em face do antagonismo dessas duas expressões, parecem elas inconciliáveis. Todos esquecem que, mais do que possível, é recomendável que se conjugue solidariedade e morte, de cuja união resulta vida. Não há atitude que melhor espelhe um gesto de solidariedade do que o dar-se, muito mais do que dar algo. Mais sublime do que dar algo seu é dar de si mesmo. Esse é o gesto que espelha a essência da solidariedade.

 

Mas, ao invés de se praticar a solidariedade somente durante a vida, é indispensável que se seja solidário até depois da morte. Essa é a única forma de se viver além da vida: dar de si a alguém que necessita de algo nosso mais do que nossos bens, a nossa vida.

 

Nada mais sintetiza a essência da solidariedade do que viver a vida em outro. Talvez este seja o gesto mais singelo que existe, mas é o que tem maior significado: doar os próprios órgãos para que se continue a viver até depois da morte.

 

É assim que se conjugam vida e solidariedade.

 

                                   

 

* Ex-desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM

 

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Como citar e referenciar este artigo:
DIAS, Maria Berenice. Solidariedade e Vida. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-civil/solidariedade-e-vida/ Acesso em: 25 abr. 2024