Direito Civil

Exoneração de Fiança-Contrato de Locação

Exoneração de Fiança-Contrato de Locação

 

 

Sergio Wainstock*

 

 

Marcado pelos casos cada vez mais frequentes de inadimplência no pagamento de alugueis e encargos, a exoneração de fiança vem recebendo uma preocupação cada vez maior, notadamente por parte da doutrina, bem como, da jurisprudência de nossos tribunais. A prestação da fiança em contratos de locação de imóveis, ato unilateral e, em geral, gracioso do garantidor, admite a sua exoneração; no entretanto, com posicionamentos e tratamentos diferenciados.

 

O QUE É FIANÇA E COMO SE PRESTA ?

 

Dá-se o contrato de fiança quando uma pessoa se obriga por outra, para com o seu credor, a satisfazer a obrigação, caso o devedor não a cumpra (art. 1.481 do Código Civil). É um contrato acessório, bilateral e expresso.

 

O marido não pode sem o consentimento da mulher prestar fiança, qualquer que seja o regime de bens ( art. 235, II, do Código Civil). Da mesma forma,

 

A fiança nunca se presume. Não admite a celebração tácita e não é reconhecida por indução. É necessária a forma escrita a teor do art. 1.483 do Código Civil, no seguinte teor: “A fiança dar-se-á por escrito e não admite interpretação extensiva” .

 

No contrato de fiança exsurge, de modo destacável, o carater intuitu personae posto que ajustado em virtude da confiança existente entre as partes, especialmente do lado do fiador.

 

Como já se disse a interpretação da fiança é sempre restritiva e, por isso, leva a convicção de que não há como se pretender subsistir o contrato de fiança, indefinidamente, em situação – muito comum – de prorrogação do contrato de locação, sem a interveniência expressa dos fiadores.

 

QUAIS OS EFEITOS JURÍDICOS NOS CASOS DE PRORROGAÇÃO DA LOCAÇÃO ?

 

Geralmente, vencido o contrato de locação, ele se prorroga e passa a vigir por prazo indeterminado. Neste caso, o que há de preponderar, frente aos precisos termos da legislação inquilinária e civil, especificamente que trata do contrato de fiança, é, como já se disse, a continuidade, automática, do contrato de locação e, por conseguinte, em princípio, a continuidade do contrato de fiança. No entretanto, na hipótese, de não ter participado, o fiador, da renovação ou prorrogação do contrato de locação, existe a possibilidade, tendo em conta o interesse do fiador, via ação específica, de pleitear a exoneração da fiança.

 

No entretanto, o autor, na qualidade de fiador, não mais deseja continuar como garante do cumprimento das referidas obrigações contratuais e, por isso, vem pedir que seja declarada, judicialmente, sua exoneração, de conformidade com o disposto no art. 1.500 do Código Civil.

 

Ressalta, o autor, que, na hipótese, a questionada locação venceu em 1º de Setembro de 1995, tendo sido prorrogada a prazo indeterminado.

 

Cinge-se a controvérsia sobre a exoneração da fiança prevista no artigo 1.500 do Código Civil, no caso de contrato de locação, prorrogado por prazo indeterminado, ressaltando, outrossim, que, na hipótese dos autos, não ocorreu a renúncia à faculdade de exoneração do encargo, por parte do fiador; que, além do mais, não estava, o mesmo, obrigado até a “entrega das chaves”; que, por último, não era considerado devedor solidário e principal pagador.

 

Esta matéria foi longamente debatida nos tribunais, especialmente quando consta, no contrato, cláusula de renúncia ao direito de exoneração.

 

O art. 1.500 do Código Civil tem a seguinte redação:

 

“O fiador poderá exonerar-se da fiança que tiver assinado sem limitação de tempo sempre que lhe convier, ficando, porém, obrigado por todos efeitos da fiança anteriores ao ato amigável ou à sentença que o exonerar”.

 

Tanto na doutrina como na jurisprudência, tem havido uma certa controvérsia sobre a eficácia, ou não, nos contratos de fiança, sem limitação de tempo, de cláusula de renúncia do fiador à faculdade de exonerar-se do ônus, prevista no art. 1.500 do Código Civil. Controvertida também é a cláusula “até a entrega das chaves”.

 

De um lado, entende-se que a garantia da fiança não induz perpetuidade, não podendo, o fiador, permanecer indefinidamente obrigado, conforme ensinam os civilistas brasileiros clássicos, CLÓVIS BEVILÁQUA e CARVALHO SANTOS.

 

Ademais, no contrato de locação, a prazo certo, prorrogado ex vi lege, argumenta-se que a renúncia ao direito de exoneração ocorreria antes da formação do próprio direito à liberação somente possível de ser exercitado quando o contrato não mais tivesse tempo certo.

 

Outra corrente considera impróprio o argumento de impossibilidade de perpetuidade, porque, contrato acessório, perdurará enquanto existir o contrato principal, sem que se questione a eternidade de ambos os contratos, mesmo os de prazo indeterminado. E salienta serem renunciáveis todos direitos disponíveis, previamente ou não, qualificação que matiza o direito consagrado no art. 1.500 do digesto civil.

 

Caio Mário da Silva Pereira, por exemplo, admite a renúncia a direito atual, como a situação jurídica futura, desde, por óbvio, não tenha o direito por fonte norma cogente ou indisponível.

 

O Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul, entretanto, já sumulou: “O fiador, uma vez prorrogada a locação residencial por força de lei, pode exonerar-se da fiança, embora tenha renunciado, quando a prestou, ao exercício da faculdade do art. 1.500 do C.C.” (Súmula nº 6).

 

Se é certo que a disposição do artigo 1.500 do Código Civil tem caráter privado, tanto que situado na esfera das obrigações em que vigora o princípio da autonomia da vontade, há que se reconhecer ao fiador a faculdade de exonerar-se do encargo, embora a ele tenha renunciado, quando o prazo de vigência da avença garantida encontra-se em regime de indeterminação.

 

Posicionar-se em sentido contrário é pretender perenizar uma obrigação que, em sua essência, é unilateral, gratuita e temporária.

 

Enfim, atualmente é predominante a jurisprudência que, no contrato de locação prorrogado a prazo indeterminado, se admite a exoneração do fiador, mesmo em ocorrendo cláusula de renúncia ou a condição “até a entrega das chaves”

 

FIANÇA – LOCAÇÃO – GARANTIA ASSUMIDA ATÉ A ENTREGA DAS CHAVES – CONTRATO PRORROGADO – EXONERAÇÃO DO FIADOR – Se o contrato prescinde não só da presença, como também da ciência e até mesmo do consentimento do afiançado, a sua intervenção também será dispensável em relação à exoneração do fiador, segundo o entendimento do que preceitua o artigo 1.484 do CC. Sendo da natureza da fiança a temporariedade do contrato, a perpetuação torna-se contrária à índole do instituto; destarte, há de admitir-se que o fiador possa obter exoneração das obrigações decorrentes da fiança, prestada em contrato de locação cujo prazo, prorrogado por força da lei, passe a vigorar sem limitação de tempo, uma vez ajustável à circunstância em que o artigo 1.500 do CC permita a liberação, a despeito de haver o fiador se obrigado à garantia até a entrega das chaves pelo afiançado e renunciado expressamente ao direito de exonerar-se. (TAMG – AC 29.224 – Rel. Juiz Leonidio Doehler) (RJM 38/131).

 

DECLARATÓRIA – EXONERAÇÃO DE FIANÇA – Locação prorrogada. Obrigação dos fiadores até a entrega das chaves. Admissibilidade. Podem os fiadores, em contrato de locação, prorrogado por prazo indeterminado, em que se obrigaram a cumprir as cláusulas contratuais até a entrega das chaves do imóvel, exonerar-se da garantia prestada, independentemente de notificação prévia, mediante ação declaratória (art. 1.500 do CC). (TAPR – AC 3.378/88 – 1ª C – Rel. Juiz Accacio Cambi – J. 20.12.88) (RTJE 69/172)

 

FIANÇA – CONTRATO PRORROGADO POR TEMPO INDETERMINADO – O art. 34 da Lei 6.649, de 1979, faculta ao locador exigir do inquilino novo fiador no prazo de trinta dias após a prorrogação da avença, sob pena de garantir-se mediante caução. Mas ao fiador incumbe, não mais desejando continuar como garante do cumprimento do contrato, pedir sua exoneração nos moldes do art. 1.500 do CC, não se podendo falar em interpretação extensiva, porque a vinculação da fiança ao contrato prorrogado não representa ampliação de ônus para o fiador. Provida. (TJMS – Ap. 1.004/86 – T. Civ. – Rel. Des. Sérgio Martins – J. 17.06.86) (RJ 123/153)

 

FIANÇA – Exoneração da garantia. Cláusula que prevê expressamente a obrigação solidária do fiador por tempo indeterminado. Desnecessidade de prévia interpelação judicial. Ação procedente. Inteligência do art. 1.500 do CC. (2º TACSP – AC 193.884-8 – 3ª C – Rel. Juiz Corrêa Viana) (RT 612/147)

 

FIANÇA – LOCAÇÃO – Cláusula “até a entrega das chaves´´ – Exoneração – Art. 1.500 do CC – A fiança dada a contrato de locação com cláusula “até a entrega das chaves´´ não implica renúncia à faculdade de exonerar-se o fiador da garantia, concedida pelo art. 1.500 do CC. (STJ – REsp 1.765-SP – 3ª T – Rel. Min. Cláudio Santos – DJU 23.04.90) (RJ 152/81)

 

Em suma, tem amparo legal a exoneração do fiador em contrato de locação, prorrogado a prazo indeterminado, especialmente sem a controvertida cláusula de renúncia ao art. 1500 do Código Civil; ou, especialmente sem a controvertida cláusula de “até a entrega das chaves”.

 

 

* Consultor Jurídico

 

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Como citar e referenciar este artigo:
WAINSTOCK, Sergio. Exoneração de Fiança-Contrato de Locação. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-civil/exoneracao-de-fianca-contrato-de-locacao/ Acesso em: 16 abr. 2024