Direito Civil

Evolução da concepção de filiação: Do paradigma consanguíneo para o sócio afetivo.

 

                Os precedentes históricos para a configuração da filiação nos trazem o brocado “pater is est quem nuptiae demonstrant“, oriunda do direito romano, onde o pai poderia aceitar ou repudiar o filho, configurando, desta feita, toda a situação de poder exercida pelo pai sobre a família.

 

                A antiga legislação civil de 1916, a relação paterno-filial e os direitos desta decorrente, havia origem no casamento e na consanguinidade, garantindo proteção somente à família legítima, afastando os filhos de uniões não matrimonializadas de qualquer proteção legal, além de qualquer possibilidade de ameaça aos filhos oriundos do enlace matrimonial, ou seja, os filhos naquela época recebiam tratamento desigual.

 

                Com o advento da Carta Magna de 1988, surge um novo conceito de paternidade que é fundado no afeto, e que vem ganhando cada vez mais espaço nos ensinamentos doutrinários e também nas decisões judiciais dos tribunais pátrios.  A ideia da verdade biológica como verdade absoluta para a resolução de conflitos concernente a atribuição ou desconstituição da paternidade, acaba sendo abrandada em decorrência da interpretação sistemática da Constituição Federal em vigência e do Código Civil de 2002, que apontam para a possibilidade das relações paterno-filiais serem originadas tão-somente no afeto.

 

Neste diapasão, hodiernamente, o conceito de paternidade evoluiu para a fragmentação entre o liame biológico, o jurídico e o socioafetivo. O conceito de filiação e sua definição no mundo jurídico evoluíram da filiação biológica até a atual filiação socioafetiva que prepondera em nosso ordenamento.

 

Nosso Código Civil apresenta três tipos de parentesco existentes: consanguinidade, civil e afinidade. Entretanto, com o advento da Carta Constitucional de 1988, preconizou-se em seu art. 227 que este estado de filiação caracterizado pelo “filho” e aquele que assumiu todos os deveres/obrigações oriundos da paternidade, é o mais puro elemento exigido para a configuração dessas “relações de parentesco”. Esta foi, sem dúvida, uma tentativa de proteger um direito subjetivo desse filho, sendo esta uma luta por um direito subjetivo que se dá quando há certa situação..

 

                Possuir uma visão conservadora de antigamente e negar que atualmente as relações baseadas no afeto e carinho são menos importantes do que as consanguíneas é um erro. A filiação biológica não está mais em pé de superioridade, uma vez que a criação do filho afetivo surge por circunstâncias alheias à imposição legal/natural que a paternidade impõe.

 

                Trata-se do vínculo que decorre da relação socioafetiva constatada entre filhos e pais — ou entre o filho e apenas um deles —, tendo como fundamento o afeto, o sentimento existente entre eles. Pois, melhor pai ou mãe nem sempre é aquele que biologicamente ocupa tal lugar, mas a pessoa que exerce tal função, substituindo o vínculo biológico pelo afetivo.

 

                Esse estado de filiação possui caracteres de cunho interno e externo. O primeiro se dá com os traços de indivisibilidade, indisponibilidade (pois diz respeito à personalidade) e imprescritibilidade (não se perde pelo não exercício), ao passo que o cunho externo se dá nos moldes de pessoalidade, generalidade e revestido de ordem pública. Comungamos do entendimento de que o estado de filiação é uma criação jurídica, a qual tem o escopo de proteger o núcleo familiar, na medida em que presume ser filho aquele que assim se mostra para a sociedade, ainda que não possua laço de sangue com seu pai.

 

                Conforme leciona a experiente doutora Professora Juliane Fernandes Queiroz:

 

 Assim o novo comportamento cultural, no tocante à paternidade, insere no mundo moderno em outro contexto social, em que a função de pai deve ser exercida no maior interesse da criança, sem que se atenha à própria pessoa em exercício da referida função. Por isso, atribui-se que o verdadeiro vínculo que se trava com os pais é o afetivo e, portanto, pais podem perfeitamente não ser os biológicos. Ser pai ou mãe não é apenas ser a pessoa que gera ou a que tem vínculo genético com a criança. É, antes disso, a pessoa que cria, que ampara, que dá amor, carinho, educação, dignidade, ou seja, a pessoa que realmente exerce as verdadeiras funções de pai ou de mãe em atendimento do que for melhor para a criança.1

 

A filiação, em suma, estabelece-se não apenas em face do vínculo biológico, mas principalmente em face do vínculo socioafetivo que atende mais ao princípio do melhor interesse da criança, da dignidade da pessoa humana e também da paternidade responsável.

 

 

* Diogo Grecco Giglio, Acadêmico do curso de Direito da UFRN. Membro do Projeto Pesquisas Jurídicas – PPJ (UFRN). Monitor de Direito Penal I.

Como citar e referenciar este artigo:
GIGLIO, Diogo Grecco. Evolução da concepção de filiação: Do paradigma consanguíneo para o sócio afetivo.. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-civil/evolucao-da-concepcao-de-filiacao-do-paradigma-consanguineo-para-o-socio-afetivo/ Acesso em: 16 abr. 2024