Direito Civil

União Estável Homossexual

 

 

No dia 05 de maio passado o Supremo Tribunal de Justiça, em julgamento da ADI 4244 e a ADPF 132, ajuizadas respectivamente pela Procuradoria-Geral da República e pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, reconheceram a união estável homoafetiva. O relator, Ministro Ayres Brito, votou por dar interpretação constitucional ao artigo 1.723 do Código Civil que não reconhecia esta entidade familiar tão comum em nossa sociedade. O artigo 3º inciso IV da Constituição foi o fundamento para alteração normativa do artigo do Código civilista. Por unanimidade foi concedido efeito vinculante à decisão, situação que determina submissão ao entendimento por parte dos Poderes Públicos. A decisão pacificou favoravelmente situação comum em nossa sociedade. Existe um batalhão de indivíduos, cidadãos brasileiros, que tiveram seus direitos mitigados ou mesmo desconsiderados por falta de reconhecimento de sua condição legal de amasiado, já que esta união se configurava pela união de pessoas do mesmo sexo.

 

O estado da Califórnia nos EUA e a Espanha autorizaram o casamento entre pessoas do mesmo sexo há poucos anos. Na Espanha este fato se deu através do Poder Legislativo que alterou o Código Civil, suprimindo as palavras “homem e mulher” do texto que regulamenta o casamento. Em visita à capital espanhola, pude notar que o número de casais envolvendo pessoas do mesmo sexo era quase o mesmo dos casais “convencionais”. Seres humanos vivendo em total harmonia com a comunidade, sem constrangimento, sem preconceitos. Lembrei dos inúmeros amigos e conhecidos homossexuais que levam uma verdadeira vida dupla na intenção de evitar a discriminação. Como diria o “velho guerreiro”: de dia é Maria e de noite é João”- ou vice-versa, claro. Certamente que ver em praça pública dois barbados se devorando aos beijos não é agradável. Porém, um casal hétero, no afã caloroso de um beijo público, também causa constrangimento. A questão está no âmbito de um pudor coletivo mínimo, que não pode ultrapassar determinado limite a ponto de se tornar preconceito. Na Europa o respeito e a convivência com os homossexuais é mais comum do que no Brasil. Na república em que morava em Coimbra/Portugal, apesar de não ter nenhum homossexual na casa, havia uma bandeira do orgulho gay estendida na parede com a palavra “peace” escrita no meio. Eu, curioso, perguntei aos colegas o que essa bandeira fazia lá e a resposta foi: – Porque é muito bonita. – simples assim, sem preconceitos, sem maiores comentários ou informações, tudo dentro de uma normalidade altamente civilizada.

 

As transformações sociais são muito mais rápidas que a produção legislativa que tende a suprir suas necessidades. Disso ninguém duvida, apesar da intensa produção legislativa na elaboração e alteração das mais diferentes normas do ordenamento, desde as mais simples determinações, até importantes conceitos constitucionais. Porém, algumas necessidades sociais são mais complexas para receberem adequação legal que outras.

 

Doutores do direito questionam o STF novamente ter agido contra seu múnus constitucional, fora de suas atribuições, fazendo papel do legislador. Porém, não se trata de legislar, mas sim de conceituação constitucional, de adequação legal. Cabe ao legislador elaborar a lei e ao STF a guarda normativa da Constituição, sendo que a primeira nunca pode ferir os preceitos axiológicos da segunda e, exatamente neste controle, agiu o STF.

 

Essa considerável parcela de brasileiros, beneficiados pela decisão, não precisa da anuência legislativa ou jurídica para amar e viver em comunhão permanente, o que se procura é ver muitos outros direitos dessas pessoas garantidos. Direitos estes relacionados com a sucessão, com a proteção à família, ao trabalho, à seguridade social, à dignidade da pessoa humana. Segundo Dra. Maria Berenice Dias foram 112 direitos alcançados pela igualdade garantida no acórdão proferido no dia 5 de maio de 2011, verdadeira data do orgulho gay.

 

Não havia como esperar atuação do Legislativo. Talvez o mundo legislativo seja antiquado e tradicionalista, submisso a conceitos religiosos determinados por séculos de influência da igreja católica, mas há a possibilidade de este ser simplesmente hipócrita e covarde. As pessoas aqui defendidas não são gays ou lésbicas, mas são apenas pessoas, protegidas pelo princípio da igualdade, da dignidade e por uma série de outros princípios expressos em nossa constituição. Infelizmente, a decisão judicial não extingue o preconceito social, mas este, em futuro próximo, será fato histórico vergonhoso que nossos netos terão dificuldades para conceber.

 

Nas palavras do Ministro Ayres Brito: “a ausência de lei não é ausência do direito, porque o direito é maior que a lei”.

 

 

Lúcio Corrêa Cassilla

Advogado e Pedagogo;

cassilla@uol.com.br

www.cassillaadvocacia.com

Como citar e referenciar este artigo:
CASSILLA, Lúcio Corrêa. União Estável Homossexual. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-civil/uniao-estavel-homossexual-2/ Acesso em: 16 abr. 2024