Direito Ambiental

Estado Mundial Ambiental: análise estrutural, desenvolvimento e estudo de caso

Estado Mundial Ambiental: análise estrutural, desenvolvimento e estudo de caso

 

 

Sergio Rodrigo Martinez*

 

 

INTRODUÇÃO

 

 

            O atual estágio do desenvolvimento social e econômico no planeta trouxe à tona a questão dos limites do uso global dos recursos naturais.

 

             Entender que a crise ambiental terá repercussões globais passou a ser algo necessário e útil para que o trabalho dos pesquisadores em Direito possam estabelecer o alicerce de suas investigações no caminho convergente dos fatos sociais.

 

            Nesse sentido, o presente artigo se propõe a enfrentar tal questão dentro de uma visão indutiva, a partir da análise dos três marcos teóricos atuais, os quais podem orientar o caminho de realização das coisas, no campo da proteção mundial ambiental.

 

            Primeiramente, observa-se a visão da teoria sobre a criação do Estado Mundial, a partir de sua sugestão pelo pesquisador social Alexander Wendt.

 

            Num segundo momento, verifica-se a tratativa dada por J. J. Gomes Canotilho perante a teoria estatal de uma democracia verde.

 

            Por último, surge a análise da temática sob o ângulo do trabalho de Wangari Mathaii, a partir de seu destacado trabalho no “Movimento do Cinturão Verde”, que lhe atribuiu o prêmio Nobel da Paz.

 

 

1 A INEVITABILIDADE DO ESTADO MUNDIAL AMBIENTAL: análise do pensamento de Alexander Wendt

           

Alexander Wendt é filósofo político e professor da Universidade de Chicago. Em 2003, publicou a obra “Por que o estado mundial é inevitável”. Suas idéias propositivas sobre a temática permitem uma análise política aprofundada das ocorrências atuais, as quais indicam para o estabelecimento futuro do Estado Mundial.

 

            O texto a seguir se propõe a enfrentar as questões tratadas pelo autor, traçando identidades, contornos e outras proposições para a temática, dentro do material teórico destacado.

           

 

1.1 Estado Mundial e ONU

 

            Alexander Wendt procura destacar que a ONU teria uma atuação central no processo de formação do Estado Mundial, vindo posteriormente, no longo prazo, a se transformar no próprio Estado Mundial.

 

            O problema atual em relação à ONU reside no fato de que esse fórum mundial de deliberações não tem legitimidade para interferir na gestão econômica e ecológica dos países desenvolvidos. Seu foco opinativo, restrito às questões humanitárias básicas, está muito aquém das necessárias deliberações sobre os limites do crescimento econômico mundial.

 

            A noção de veto no Conselho de Segurança da ONU, pelas cinco maiores potências militares nucleares, porventura as maiores poluidoras, também é fato impeditivo de que essa entidade venha a se configurar no Estado Mundial, caso seja mantida essa estrutura.

 

            Enquanto fórum mundial de Estados, ela também não abarca atualmente espaços para que a sociedade civil global manifeste sua presença. Desse modo, o meio empresarial, social, acadêmico e espiritual não possuem legitimidade para deliberarem sobre as temáticas, no Conselho Geral da ONU. 

 

            Nesse sentido, para vir a se configurar, enquanto Estado Mundial, a ONU teria que sofrer reformulações profundas, pois a mesma não se encontra atualmente preparada para o enfrentamento das questões multifatoriais, multipessoais e multiculturais que irão surgir durante a crise ambiental global vindoura.

 

 

1.2 Estado Mundial e União Européia

 

            No pensamento de Alexander Wendt, a distância do Estado Mundial da realidade dos cidadãos, como reconhece ocorrer atualmente na União Européia, seria o preço a pagar para a criação de uma estrutura desse porte. Segundo ele, os meios de comunicação teriam um papel fundamental ao reduzir esse “défice democrático”.

 

            Não obstante a existência desse distanciamento apresentado, a União Européia apresenta atualmente uma estrutura muita mais próxima do cidadão do que a ONU.

 

            Evoluções dentro do contexto de convivência pacífica e organizada de tantos povos e culturas diferentes, em ambientes próximos, sem imposição militar, como ocorreu na União Européia nos últimos cinqüenta anos, representam uma novidade na história da humanidade.

 

            A moeda única, a abolição das barreiras de trabalho, a harmonização das legislações nacionais, a Corte Européia de Direitos Humanos, estão presentes na vida dos cidadãos europeus diariamente. Esses são dados claros e demonstram que o início da formulação do Estado Mundial perpassa muito mais pela experimentação atual da União Européia do que da ONU.

 

            O Protocolo de Kyoto, que foi defendido pela União Européia, ou o exemplo da norma de 2008 que prevê a abolição da produção de lâmpadas altamente consumidoras de energia elétrica e tantas outras medidas sócio-ambientais de defesa do meio ambiente, perante o câmbio climático, são hoje temas do Estado Mundial Ambiental em voga na Europa.

 

            Nesse sentido, ainda há muito que se observar nas evoluções vindouras no contexto europeu, as quais estarão mais aptas a servir de modelo global de condutas universais.   

 

 

1.3 Estado Mundial e Capitalismo?

 

            Para Alexander Wendt, o Estado Mundial provavelmente conservaria a estruturação capitalista, mas sem manter sua formulação “liberal extrema”. Ele não vê a possibilidade de se pleitear um modo de organizar a produção econômica que possa ser uma alternativa viável ao sistema capitalista, cuja adesão será pacífica, gradual e global.

 

            Não obstante se observar que ocorre essa adesão gradual de todos os países ao modo de produção capitalista, o alcance e as possibilidades de expansão do atual modelo de mercado e consumo são limitadas. A idéia clássica de recursos naturais ilimitados, aliada à produção de externalidades abundantes aos processos de acumulação capitalista exauriu-se antes que o meio ambiente. Imaginar a incorporação de mais três bilhões de pessoas ao modelo americano de vida com geladeiras, televisores, eletrodomésticos e carros não é viável. Para Wendt, surge então, a idéia de um “capitalismo verde”, “eco-amigável”.

 

            Portanto, essa esperada expansão do capitalismo também deverá sofrer ajustes, o próprio modo de produção e acumulação deverá sofrer ajustes, logo a noção necessária de capitalismo ambiental deverá ser aprofundada, a qual recairá também sobre os limites e possibilidades da sociedade global de consumo.  

 

 

1.4 Poder de império e Estado Mundial

 

            Para Alexander Wendt um império poderia se transformar num Estado Mundial. Todavia, em sua análise, ao reconhecer que isso seria possível, também entende que sua duração não seria estável no tempo. Para exemplificar, ele cita o caso de Roma, a qual poderia ter avançado ainda mais suas fronteiras e se tornado um Estado Mundial.

 

            Na atual realidade multipolar do mundo, mesmo a força militar norte-americana não teria forças para manter uma estrutura mundial imposta sob seu controle. Para tanto, basta verificar as dificuldades atualmente vivenciadas (ano base 2008), nas ocupações do Afeganistão e Iraque, sem falar nas ogivas nucleares apontadas aos EUA.

 

            Nesse sentido, nas condições atuais da geopolítica não haveria espaço para um império se impor, o qual se possa atribuir a característica de Estado Mundial.

 

 

1.5 Estado Mundial, Igualdade e Anarquia (auto-regulação)

 

            Esse talvez seja o cerne na análise do pensamento de Alexander Wendt, a qual tem relação com sua obra “Porque um Estado Mundial é inevitável”. Para ele, o estabelecimento de um processo de igualdade entre os povos vai requerer uma estrutura coercitiva que imponha as regras, a segurança e a paz. Desse modo, o Estado Mundial figuraria com o monopólio do uso da força militar. Tal Estado teria a função de equilibrar as diferenças entre os povos com fins de estabelecer a igualdade. Essa estruturação deverá possuir legitimidade suficiente para que todos confiem que será mantida a igualdade:

 

Acredito que, de um ponto de vista realista, as pessoas nunca chegarão a um acordo sobre o reconhecimento mútuo de direitos a não ser que haja uma garantia como pano de fundo, o Estado Mundial.”

 

             Quando Wendt trata da questão da anarquia, o faz no sentido técnico do termo, ou seja, na possibilidade da auto-regulação da sociedade, a qual exigiria aquela estrutural prévia de seguridade, garantidora do cumprimento das regras estabelecidas.

 

Haveria então, dois níveis de realização: um nível estatal, no qual o Estado Mundial figuraria como garantidor da paz, segurança e cumprimento das regras entre os povos; e um nível social, no qual a auto-regulação entre os povos seria o meio de se efetivar a igualdade.

 

            Ao se pensar no poder de auto-regulação da sociedade civil mundial, especialmente em face da temática ambiental, pode-se observar como a idéia de Estado Mundial Ambiental já se apresenta como algo próximo. Ao exemplo de normativas como o “ISO 14.000”, muitas parcelas da sociedade civil mundial vão, aos poucos, estabelecendo, por sua autodeterminação, parâmetros de sobrevivência ecologicamente equilibrada.

 

 

1.6 Conclusões de viabilidade

 

            O pensamento de Alexander Wendt permite vislumbrar que a criação do Estado Mundial é algo em curso, que transcende a esfera do controle dos estados nacionais atuais, por seu alcance e necessidade. Muitas de suas proposições estão adequadas ao pensamento de que será a crise ambiental algo a unir o mundo, em torno de mesma idéia. Em sua análise, ele reconhece o espaço de auto-regulação, o qual, pela autodeterminação dos povos, terá o papel central no estabelecimento das normas do Estado Mundial Ambiental.

 

           

2 ESTADO MUNDIAL AMBIENTAL: estado das soluções para a crise ambiental

 

            Essa análise parte, enquanto marco teórico, do ensaio escrito pelo Prof. José Joaquim Gomes Canotilho, intitulado “Acesso à Justiça em Matéria de Ambiente e de Consumo. Privatismo, Associacionismo e Publicismo no Direito do Ambiente, ou o rio da minha terra e as incertezas do direito público”.

 

 

2.1 Procedimentos Metodológicos

 

            Ao se utilizar a contextualização do marco teórico sugerido, pretende-se estender a análise do texto ao entendimento da temática do Estado Mundial Ambiental.

 

            Essa contextualização da idéia do Estado Mundial Ambiental requer o enquadramento da temática nos paradigmas emergentes da “Complexidade”, “Transdisciplinariedade”, “Cosmoética” e “Universalismo”.

 

            A partir daí, buscar-se-á o lançamento de idéias propositivas sobre a temática, para futuro aprofundamento.  

 

 

2.1 Etimologia do Estado Mundial Ambiental

 

            O ensaio de Canotilho versa sobre a temática do Estado Ambiental, originário na Alemanha, sobre o termo “Umweltstaat”. Sua tradução é “Estado (staat) Ambiental (umwelt). Outrossim entendido como “Estado de Direito Ambiental”, ou também, “Estado Democrático de Direito Ambiental”

 

            Com seu alcance global, a temática da crise ambiental não está mais restrita a países ou continentes, nesse caso, há que se pensar no alcance maior, no planeta Terra, nos danos e soluções passíveis de atingir a tudo o que é vivo e que viverá futuramente. Daí proposição da noção de Estado Mundial Ambiental. Esse é o fundamento inicial para o entendimento de que o Estado Ambiental é Mundial (EMA). Essa idéia transpassa a visão dos limites tradicionais do Estado clássico, a qual não alcança a problemática ecossistêmica atual. Trata-se da globalização da crise ambiental e de suas soluções.

 

 

2.3 Relações Jurídicas Ambientais

 

            Tradicionalmente, as relações jurídicas são bilaterais em linha, coordenadas horizontalmente entre cidadãos, ou hierarquicamente verticais, estabelecidas entre esses e o Estado.

 

            Nas relações jurídicas ambientais globais, o contexto é inovador, pois sempre haverá formulações poliédricas e poligonais, pela alta complexidade do rol de atores, riscos e possibilidades de desenvolvimento humano e econômico envolvidas em cada ocorrência.

 

            Em modelos poliédricos e poligonais de relações jurídicas ambientais, o alcance dos fatos jurídicos supera a noção de espaço territorial soberano. Qualquer interferência ambiental requer uma preocupação global antecipada, pois sua repercussão passa a interessar a todos, já que os efeitos são para o todo (Gaia + Caos).

 

 

2.4 Sociedade de Risco e sua complexidade

 

            Ulrich Beck tratou da Sociedade do Risco, na qual os resultados de nossas ações ambientais são incertos, invisíveis, imprevisíveis e incontroláveis.

 

            Nesse sentido, em qualquer atividade que cause impacto no meio ambiente há sempre um “risco”. Segundo Canotilho, há um “perigo democrático” na sociedade do risco, pois as opções de nossas legítimas decisões ambientais atuais colocam em perigo o futuro da humanidade.

 

            Na sociedade de risco há uma gama inseparável de interesses convergentes, concorrentes e contrapostos, daí sua multidimensionalidade de interesses. São dimensões temporais, espaciais, cognitivas, espirituais, diversas, confluentes, conviventes, coniventes ou conflitantes.

 

            Na sociedade de risco há também uma multifinalidade de órgãos públicos a tratar da questão ambiental e uma multimaterialidade de intervenções jurídicas nas questões ambientais.

 

            O Direito tradicional e o Estado clássico têm suas dificuldades para captarem essa complexidade de multidemandas. No Estado Mundial Ambiental, essas multifatoriedades passam a ser conformadas em escala internacional por aquilo que aqui será chamado de Direito Ambiental Mundial (DAM).

 

 

2.5 O Direito Ambiental Mundial

 

            O DAM deixa a seara exclusiva dos interesses individuais ou públicos normatizados pelo Estado tradicional, atingindo a esfera do associativismo auto-regulatório.

 

            Ao seguir parte do modelo atual da União Européia, no Direito Ambiental Mundial prevalecerá uma parcela de reserva de soberania às ordens jurídicas nacionais, não obstante as leis nacionais passarem a ser harmonizadas às regras regulamentares internacionais e coordenadas com as regras auto-regulamentares emanadas da sociedade civil. Trata-se de uma ordem jurídica monista universal.

 

            Essa natureza jurídica “associativista” ganha maior alcance ao se visualizar a sociedade civil organizada mundialmente, em todos seus atores. Nesse sentido, a propositura inicial que aqui se faz permite pensar o EMA composto de variadas formas associativas de intercooperação e inter-regulação: Conselho Associativo dos Estados, Conselho Associativo das ONGs, Conselho Associativo das Empresas, Conselho Associativo das Populações e Conselho Associativo das Academias, dentre outros.

 

            Dos princípios gerais do Direito Ambiental Mundial surgem, a partir da leitura de Canotilho, alguns importantes pontos a observar.

 

            O primeiro princípio seria o da “abertura ambiental”. Trata de garantir o acesso à informação da situação ambiental à sociedade civil. O segundo princípio seria da “educação”, enquanto preparo das pessoas ao exercício econômico para o manejo da vida sustentável. O terceiro princípio seria da “participação”. O quarto princípio em destaque seria da “eqüidade ambiental”, no trato em igualdade de condições das nações, povos e territórios, quanto à questão ambiental.

 

            Destaca-se por último o princípio da “viabilidade”. Segundo Canotilho, como exemplo, “[…] a protecção da água deve salvaguardar a qualidade da água, mas isso não pode ir ao ponto, por exemplo, de impedir a sua utilização para fins industriais.” Num alcance maior, o princípio da viabilidade poderia estabelecer limites máximos ao uso da água para fins industriais, a partir da avaliação do impacto real gerado pela atividade, pois essa não pode ultrapassar a viabilidade de vida.

 

            A auto-regulamentação ambiental já está atualmente disponível para o estabelecimento dos limites de viabilidade desenvolvimentista, visando preservar a economia mundial. Para tanto, procura atuar no balanço da economia ambiental, dentro dos limites sustentáveis do uso dos recursos naturais, contrapostos à capacidade de absorção dos impactos e regeneração do meio.

 

            Um dos problemas destacados por Canotilho, que se aplica ao DAM está na questão da “retroatividade da regra ambiental”. Nesse sentido, em termos de interesses ambientais mundiais, não se pode prevalecer a proteção irrestrita dos direitos adquiridos. A manutenção, restrição ou delimitação do exercício de certas atividades industriais, agrícolas ou comerciais depende da realidade do momento vivenciado. Ou seja, uma atividade licenciada hoje, poderia ser futuramente proibida ou ter sua atuação condicionada a novos critérios ou condições.

 

 

2.6 Características do Estado Mundial Ambiental

 

            Segundo Canotilho, a primeira das características do Estado Ambiental é a “recusa da Estatização e Publicização”, de forma a não gerar um novo ente burocrático supra-nacional dissociado da sociedade civil. “A tutela do ambiente é uma “função de todos” e não apenas dos poderes públicos. A unilateral estatização/publicização do bem ambiente conduziria a um “Estado de ambiente” dissociado da sociedade.”

 

            A segunda característica e a “recusa da Tecnização”, ao não se permitir o afastamento tecnicista-normativo da sociedade civil. “O “Estado de ambiente” não é um Estado técnico […] correr-se-á o risco do ‘Estado de ambiente’ se transformar num ‘Estado tecnocrático’ se os cidadãos permanecerem longe das ‘normas e regras ambientais’, deixando de compreender como e em que medida as regulações do ambiente são regras de acção para os agentes da administração e regras de conduta para os particulares.”

 

            Há também a necessidade de se verificar a “insuficiência da visão liberal”. “O ‘Estado de ambiente’ não é um Estado liberal, no sentido de um Estado de polícia, limitado a assegurar a existência de uma ordem jurídica de paz e confiando que também o livre jogo entre particulares ­ isto é, uma ‘mão invisível’ ­ solucione os problemas do ambiente.”

 

 

2.7 O Tribunal Mundial Ambiental

 

            Essa complexidade decisória sobre a crise ambiental mundial recairá sobre a jurisdição dos Estados clássicos, ou poder-se-ia pensar em alguma estrutura mais ampla? Quem decidirá a favor de quem, no momento em que a crise ambiental se acentuar, de forma a gerar escassez manifesta de recursos essenciais?

 

            Segundo Canotilho, há um paradoxo de risco e incerteza também sobre a face decisória nas quais as questões ambientais estão expostas, pois se toda decisão gerará interferência no meio, há riscos recorrentes de incerteza sobre o melhor a decidir e se há algo melhor a decidir.

 

            Dentro da complexidade de valores, quem teria legitimidade para decidir? Seria a arbitragem internacional o instrumento de formulação do TMA, pois toda decisão aponta para um “arbítrio” entre uma ampla complexidade de valores em jogo, coligados ambientalmente.

 

            Como predispor as decisões para atender à terceira, à quarta, à quinta demanda apresentada no mesmo conflito de interesses ambientais?

 

            Novamente para Canotilho, “como ponderar esses interesses, tomar em conta a diversidade de situações jurídicas, ponderar os resultados do acto para os vários interessados?”

 

            Quem deve arcar com os custos e a responsabilidade pelas cargas poluentes acumuladas nos espaços geográficos nacionais? Cada país teria sua pessoal responsabilidade por sua poluição acumulada? Isso seria uma decorrência natural em face de suas riquezas acumuladas no processo?

 

            Como se observa, aqui existe muito mais questões que explicações ou proposições no momento, passíveis de orientar o caminho a seguir. A idéia ou terminologia aqui sugerida, de Tribunal Mundial Ambiental, não recai em formas tradicionais fechadas dos órgãos jurisdicionais, nacionais ou internacionais, até agora existentes, pois a complexidade requererá novos olhares para a questão.

 

 

2.8 Conclusões de viabilidade

 

            Em suma, a partir do ensaio por Canotilho buscou-se transcender a discussão do “Estado de Direito do Ambiente” para o Estado Mundial Ambiental. Com ele, surge a possibilidade de se propor e pensar sobre a criação do Direito Ambiental Mundial, hábil a conjugar a auto-regulação necessária da Economia versus Ecologia. 

 

 

3 ESTADO MUNDIAL AMBIENTAL E SOCIEDADE CIVIL: estudo de caso do exemplo de Wangari Mathaai e do Movimento Cinturão Verde

 

            O presente estudo de caso tem como ponto de partida a obra “Inabalável” (Unbowed), que trata da autobiografia de Wangari Maathai.

 

            Aqui se pretende demonstrar a colaboração do Movimento Cinturão Verde (www.greenbeltmovement.org) na construção do papel da sociedade civil, para o entendimento da idéia de Estado Mundial Ambiental.

           

 

3.1 Wangari Maathai

 

 

            Wangari Maathai nasceu no Quênia, em 1940, onde se bacharelou em ciências. Com uma bolsa de estudos teve a oportunidade de estudar nos Estados Unidos e ali concluiu seu mestrado. Foi a primeira mulher a concluir um curso de doutoramento na África Oriental e Central e também a primeira mulher a dirigir um departamento numa universidade do Quênia. Fez seu pós-doutorado em seguida.

 

            Depois de duas décadas lutando pela democratização do seu país, momentos em que foi presa e até ameaçada de morte, em 2002 foi eleita para o Parlamento do Quênia, nas primeiras eleições livres. Em 2003, foi nomeada ministra assistente do meio ambiente e em 2004 recebeu o Prêmio Nobel da Paz, por sua atuação sócio-ambiental.

 

“Todo o trabalho que fiz e continuo a fazer – pelo Quênia, pelo meio ambiente e pela paz – foi e continua a ser feito por eles e o será pelas gerações que virão a seguir. Quando a estrada faz uma curva e não tenho idéia de onde ela vai dar, penso neles e adquiro coragem para seguir adiante, mesmo que o caminho que tenho pela frente seja ainda desconhecido. Eles são a minha esperança e me dão um sentido de imortalidade.”

 

            Sua perspectiva espiritual, integrada à idéia de meio ambiente e pacificidade, demonstram o posicionamento de Wangari Mathaai, sua visão de mundo, a qual permite integrá-la a noção de Estado Mundial Ambiental que busca construir: uma noção de respeito plural, democrática, com respeito às diferenças, meios e realidades, dentro de uma postura pró-ativa em relação à questão ambiental, integral, sem limitações de bandeiras ou fronteiras.

 

 

3.2 Movimento Cinturão Verde

 

            O Movimento Cinturão Verde (MCV) foi criado por Wangari Mathaai em 1977, com a finalidade de preservar e reflorestar áreas no Quênia, degradadas a partir das políticas de colonização européia ocorridas no século XX. Sua atuação foi posteriormente ampliada a outros países da África, ajudando a recuperar florestas nativas do continente.

 

O MCV “incentivou mulheres do campo a plantar árvores em suas aldeias e a construir viveiros de mudas, trabalho pelo qual eram remuneradas.”

 

            Desde sua criação até 2004, o MCV foi responsável pela plantação de 30.000.000 de árvores. O sucesso nacional e internacional do movimento repercutiu na democratização do Quênia, pois o mesmo também serviu de centro de lutas contra a corrupção e a ditadura, presentes nas políticas públicas detratoras do meio ambiente. Atualmente, sua maior campanha é plantar 1.000.000.000 de árvores.

 

 

3.3 Estado Mundial e Pacificidade Ambiental

 

            Por que Wangari Mathaai recebeu o Prêmio Nobel da Paz? Numa análise inicial poderia ser questionado se a atuação ambiental dela e do MCV teriam realmente o condão de lhe proporcionar tal premiação. Se forem observadas suas palavras, poderá ser verificado que sua atuação, em prol do meio ambiente, tem uma ideologia pacificadora também presente:

 

“Se aqueles que são prósperos e tecnologicamente avançados forem capazes de tomar a frente no caminho que leva ao manejo sustentável, à boa governança, à justiça e à eqüidade, poderemos evitar inúmeros conflitos relacionados ao acesso aos recursos e a seu controle.”

 

            Nessas palavras ditas por Mathaai, pode-se observar que ela antevê a questão dos conflitos a serem gerados pela escassez de recursos naturais, num futuro próximo da humanidade.

 

            Mesmo sem falar-se em previsões futuras, hoje já se podem observar conflitos bélicos entre países, relacionados à questão da água, a exemplo do que ocorre nas Colinas de Golã, entre Israel e Síria, invadidas militarmente pelos primeiros, para garantir o suprimento de água desse país.

 

            No texto, também se pode verificar o destaque dado pela autora ao aspecto subjetivo, ou seja, quem deverá tomar o controle da proteção ambiental mundial. Ela fala sobre “os prósperos e tecnologicamente avançados”. Seriam esses os países desenvolvidos? Pode-se notar que ela não procurar falar de países, mas deixar aberto esse rol de atores, para que a sociedade civil, próspera e tecnologicamente desenvolvida, possa assumir seu papel na tutela ambiental, assim como o faz o Movimento Cinturão Verde.

 

            No aspecto objetivo da questão, sobre as atividades daqueles que tomarão a frente da questão ambiental estão: o manejo sustentável, à boa governança, à justiça e à eqüidade.

 

            Manejo sustentável e boa governança são apresentados em grande parte dos discursos empresariais e do restante da sociedade civil, enquanto elementos essenciais de suas atividades atualmente. Muitas vezes figurando apenas na face dos discursos, mas ainda demandando mais prática, vão os poucos mudando tais posturas.

 

            Já tópicos, enquanto Justiça e Eqüidade, ganham uma conotação estatal maior, especialmente alicerçados na idéia de que o tratamento eqüitativo dos problemas ambientais pode levar a um plano de justiça humanitária e igualitária ainda não vislumbrados na face terrestre.  

 

 

3.4 Uma Síntese Inabalável

 

            A história de vida de Wangari Mathaai e o histórico de sucesso do Movimento Cinturão Verde, os quais levaram à plantação e manutenção de 30.000.000 de árvores, cuja decorrência maior foi à obtenção do Prêmio Nobel da Paz, são uma demonstração inabalável da importância da sociedade civil na tutela do meio ambiente e na formação do Estado Mundial Ambiental.

 

            A continuidade do projeto do Movimento Cinturão Verde, na meta mundial de se chegar à plantação de 1.000.000.000 indica que a sociedade civil não deve ser encarada de maneira reduzida, secundária, em face dos Estados nacionais, na legitimidade para a tutela do meio ambiente.

 

            Por sua parte, em sua busca de seu próprio sentido existencial, Wangari Mathaai, trouxe sentido à vida de muitas outras pessoas, envolvidas no grande projeto ambiental do Movimento Cinturão Verde.

 

 

CONCLUSÃO

 

            A sociedade civil, enquanto espaço democrático, voluntário, social, amplo e autoregulatório, ganha em agilidade, eficácia e resultados. Nesse sentido, ao se pensar no alcance da expressão “Estado Mundial Ambiental”, não se pode olvidar de que, caso se pense que esta estrutura será formada somente por Estados nacionais, estar-se-á fazendo uma leitura equivocada do que está a ocorrer e do que virá.

 

            Como disse Wangari Mathaai em sua obra, não se tinha noção do alcance que seu trabalho individual, sua postura pró-ativa, gerariam a favor da convergência de muitas outras pessoas e instituições, a favor do meio ambiente. Seu papel de liderança, sua devoção às suas idéias, sua integridade, sua tenacidade, demonstram que existem valores além das causas materiais, que todos podem optar durante a vida.

 

REFERÊNCIAS

 

 

CANOTILHO, http://66.102.9.104/search?q=cache:JPukAfhm0VgJ:siddamb.apambiente.pt/publico/documentoPublico.asp%3Fdocumento%3D9212%26versao%3D1+%22Acesso+%C3%A0+Justi%C3%A7a+em+Mat%C3%A9ria+de+Ambiente+e+de+Consumo%22&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=1&gl=pt. Acessado em 09 de outubro de 2008, às 19 h, no horário de Brasília.

 

MATHAAI, Wangari.  Inabalável. São Paulo: Nova Fronteira, 2007.

 

WENDT, Alexander. Why a world state is inevitable. In: European Journal of International Relations.  Vol. 09.  S. loc.  SAGE Publications,  2003.  p.491-545.

 

DIAS, Tiago. Entrevista com Alexander Wendt: não vejo alternativa ao capitalismo.  Publicado no dia 25 de dezembro de 2005. Acessada em 07 de outubro de 2008, às 17 h, em: http://jpn.icicom.up.pt/2005/12/23/nao_vejo_alternativa_ao_capitalismo.html.

 

http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/lemonde/2008/10/06/ult580u3353.jhtm, acessado em 06 de outubro de 2008, às 21 h, horário de Brasília.

 

 

* Doutor em Direito e Professor do Programa de Mestrado em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas

Como citar e referenciar este artigo:
MARTINEZ, Sergio Rodrigo. Estado Mundial Ambiental: análise estrutural, desenvolvimento e estudo de caso. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-ambiental-artigos/estado-mundial-ambiental-analise-estrutural-desenvolvimento-e-estudo-de-caso/ Acesso em: 28 mar. 2024