Direito Administrativo

Aplicação de Penalidade na Sindicância e a Tipicidade da Transgressão Disciplinar

Aplicação de Penalidade na Sindicância e a Tipicidade da Transgressão Disciplinar

 

 

Ravênia Márcia de Oliveira Leite*

 

 

1.       Introdução

 

Maria Sylvia Zanela Di Pietro, citando José Cretella Júnior, afirma que Sindicância Administrativa é “o meio sumário de que se utiliza a Administração do Brasil para, sigilosa ou publicamente, com indiciados ou não, proceder à apuração de ocorrências anômalas no  serviço público, as quais, confirmadas, fornecerão elementos concretos para a imediata abertura de processo administrativo contra o funcionário público responsável”. Nesse conceito, a sindicância seria uma fase preliminar à instauração do processo administrativo; corresponderia ao inquérito policial que se realiza antes do processo penal.

 

Como sabido, a Sindicância deriva do Poder disciplinar que “é o que cabe à Administração Pública para apurar infrações e aplicar penalidades aos servidores públicos e demais pessoas sujeitas à disciplina administrativa; é o caso das que com ela contratam. Não abrange as sanções impostas a particulares não sujeitos à disciplina interna da Administração, porque, nesse caso, as medidas punitivas encontram seu fundamento no poder de polícia do Estado. No que diz respeito aos servidores públicos, o poder disciplinar é uma decorrência da hierarquia; mesmo no Poder Judiciário e no Ministério Público, onde não há hierarquia quanto ao exercício de suas funções institucionais, ela existe quanto ao aspecto funcional da relação de trabalho, ficando os seus membros sujeitos à disciplina interna da instituição.”

 

Segundo ainda, Maria Sylvia Zanela Di Pietro, “o poder disciplinar é discricionário, o que deve ser entendido em seus devidos termos. A Administração não tem liberdade de escolha entre punir e não punir, pois, tendo conhecimento de falta praticada por servidor, tem necessariamente que instaurar o procedimento adequado para sua apuração e, se for o caso, aplicar a pena cabível. Não o fazendo, incide em crime de condescendência criminosa, previsto no artigo 320 do Código Penal. A discricionariedade existe, limitadamente, nos procedimentos previstos para apuração da falta, uma vez que os Estatutos funcionais não estabelecem regras rígidas como as que se impõem na esfera criminal”.

 

Todavia, o que pode se observar na prática é que a discricionariedade de que trata a ilustre doutrinadora está cada vez mais mitigada podendo-se até  mesmo se falar que, atualmente, nas mais variadas esferas da Administração Pública, a Sindicância Administrativa é a regra, isso porque, a ausência de quaisquer investigações pode gerar uma responsabilidade para aquele que deixou de determinar a instauração da investigação.

 

Acrescenta a brilhante doutrinadora pátria citada que “nenhuma penalidade pode ser aplicada sem prévia apuração por meio de procedimento legal em que sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 52, LV, da Constituição).

 

Segundo Hely Lopes Meirelles, as Sindicâncias Administrativas devem ser instauradas por Portaria as quais assemelham-se às denúncias no Processo Penal.

 

 

2.       DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA TIPICIDADE ÀS SINDICÂNCIAS ADMINISTRATIVAS

 

Ainda segundo o ilustre jurisconsulto, “a punição administrativa ou disciplinar não depende de processo civil ou criminal a que se sujeite também o funcionário, pela mesma falta, nem obriga a Administração a aguardar o desfecho dos demais processos. Apurada a falta funcional, pelos meios adequados (processo administrativo, sindicância ou meio sumário), o servidor fica sujeito, desde logo, à penalidade administrativa correspondente. A punição interna, autônoma que é, pode ser aplicada ao funcionário antes do julgamento judicial do mesmo fato. E assim é porque, como já vimos, o ilícito administrativo independe do ilícito penal. O que a Administração não pode é aplicar punições arbitrárias, isto é, que não estejam legalmente previstas.  Desde já, deixamos esclarecido que tais atos exigem fiel observância da lei para sua prática, e impõem à Administração o dever de motivá-los, isto é, de demonstrar a sua conformidade com os dispositivos em que se baseia”.

 

A independência entre as esferas jurídicas é ponto relevante, já que, a maioria dos administradores não aguarda a conclusão das investigações criminais para determinarem a abertura das sindicâncias administrativas, obviamente.

 

Na motivação da penalidade, a autoridade Administrativa, competente para a sua aplicacão deve justificar a punição  imposta, alinhando os atos irregulares praticados pelo funcionário, analisando a sua repercussão danosa para o Poder Público, apontando os dispositivos legais ou regulamentares violados e a cominação prevista, necessário é que a Administração Pública, ao punir o seu servidor, demonstre a legalidade da punição. Feito isso, ficará justificado o ato e resguardado de revisão judicial, visto que ao judiciário só é permitido examinar o aspecto da legalidade do ato administrativo, não podendo adentrar nos motivos de conveniência, oportunidade ou justiça das medidas da competência específica do Executivo.

 

Os deveres, obrigações e proibições afetos aos servidores públicos estão alinhavados nos estatutos do serviço publico.

 

Normalmente as condutas ilícitas são descritas nesses diplomas, em capítulos afetos ao “regime disciplinar”, através de comandos normativos proibitivos ou impositivos que trazem ora minudentes descrições, ora padrões vagos, para a definição do ilícito administrativo e do ilícito disciplinar, constituindo tipificações fluidas, abertas, flexíveis.

 

Sem embargo, em análise ao direito posto afeto ao tema, verifica-se que o legislador ordinário não tem a praxe de descrever, em alguns casos, o que venha a ser exatamente a falta disciplinar ou administrativa, como, por exemplo, o ilícito descrito como “falta grave”, deixando a cargo da autoridade julgadora, na fundamentação do ato punitivo, (i) demonstrar a subsunção do conceito do fato praticado pelo servidor faltoso ao conceito fluido do ilícito descrito na lei e, por conseguinte, (ii) complementar o tipo ilícito.

 

Com base nessa característica, autorizada doutrina sustenta o princípio da atipicidade como regente do sistema em comento.

 

Da atipicidade extrai-se dupla afetação: (a) afastar o princípio da legalidade da falta disciplinar e por conseqüência, o da anterioridade da lei, o da retroatividade da lei e o da correlação entre preceito primário e a ameaça de sanção, preceito secundário; e, por corolário, (b) afastar a análise dos elementos objetivos, subjetivos e normativos do tipo disciplinar, em fomento à discricionariedade administrativa.

 

Com esses fundamentos a professora Maria Sylvia Zanella DI PIETRO ensina que “no direito administrativo prevalece a atipicidade; são muito poucas as infrações descritas na lei, como ocorre com o abandono de cargo. A maior parte delas fica sujeita à discricionariedade administrativa diante de cada caso concreto; é a autoridade julgadora que vai enquadrar o ilícito como ‘falta grave’, ‘procedimento irregular’, ‘ineficiência no serviço’, ‘incontinência pública’, ou outras infrações previstas de modo indefinido na legislação estatutária. Para esse fim, deve ser levada em consideração a gravidade do ilícito e as conseqüências para o serviço público.”

 

No entanto, em que pese os doutos argumentos da ilustre administrativista, há que se refutar a possibilidade de tipos vagos definidores de preceitos primários que, relacionados a preceitos secundários, ameaças de sanção, ensejarão suspensão superior a trinta dias, demissão, cassação da aposentadoria ou da disponibilidade – faltas de médio ou elevado potencial ofensivo à Administração e a seus fins, ou, na lição de José CRETELLA JÚNIOR, faltas graves e gravíssimas-, pois essa técnica legislativa faz surgir discricionariedade em casos que, nitidamente, com o fito de atendimento à certeza jurídica, o mais plausível seria a vinculação, técnica que proporcionaria, com efeito, decisões uniformes para os casos similares e facilitaria, de plano, a constatação de desvio de finalidade ou de abuso de poder na produção do ato de aplicação da penalidade administrativa.

 

A argumentação de que o ilícito disciplinar prescinde da aferição direta da subsunção do conceito do fato ao conceito do tipo – pois possível a subsunção indireta, complementável e, por conseqüência, ampliável ou restringível pela fundamentação do julgador -, possibilita a produção, em alguns casos, de atos punitivos pautados em prescritores desprovidos de densidade mínima para certificar a justiça das decisões disciplinares.

 

A vista do explanado, no que tange ao direito processual, no caso do presente estudo o disciplinar, verifica-se afetação do direito material no direito instrumental, ante a idéia de “mútua complementariedade funcional”  – teoria transportada do direito penal e processual penal – entre o direito material e o direito processual disciplinar.

 

Entende-se que o direito material disciplinar produz reflexos na seara processual e suas atecnias são capazes de produzir ofensas, por intermédio do instrumento, o processo, ao direito do servidor administrado, acusado em sede disciplinar, ferindo, dessarte, o sobreprincípio da justiça do direito, a ponto de tornar inconstitucional o ato punitivo pautado em padrões fluidos, tipificadores de condutas ilícitas, por não atender ao due process of law, face à ausência de efetividade do processo, que, in casu, pode servir de meio, de instrumento, para a produção de atos punitivos injustos.

 

Conforme preceitua Alexandre FREITAS CÂMARA, “devido processo legal é a garantia do processo justo. E processo justo é aquele capaz de produzir resultados justos (ou seja, é o processo efetivo)”.

 

Se o direito processual disciplinar tem a missão de, com a motivação do ato punitivo, complementar o tipo material fluido, ambos, direito processual e direito material disciplinar, são ofensores, nesse aspecto, a direitos fundamentais constitucionalmente qualificados, vez que não alcançam os fins a que se destinam: a aplicação do direito ao caso concreto de forma certa e justa, em sede de função administrativa.

 

No mesmo sentido, porém sob a óptica do devido processo legal substantivo aplicado ao instrumento de exercício da jurisdição, é a preciosa lição de Luiz FLÁVIO GOMES, declinando a interferência do legislador ao positivar normas procedimentais, taxando formalmente com o rótulo de “legal”, comandos desprovidos de justiça, afirmando que “não basta limitar o Estado somente do ponto de vista procedimental, obrigando-o a respeitar o ‘processo justo’ definido em lei.

 

Tão relevante quanto a observância das formalidades legais devidas é a imposição de limites à própria criação jurídica dessas formalidades. De nada adianta estabelecer limites formais à atuação estatal, se ela não conta com barreiras no precioso momento da formulação dessas mesmas regras jurídicas, primordialmente as que se destinam a restringir a liberdade das pessoas. Justo ou devido, portanto, deve ser não só o processo, senão também o próprio procedimento de elaboração da lei [ou de qualquer outro ato normativo] , seja no aspecto formal, seja no substancial (material), porque o legislador não pode transformar em ‘processo devido’ o que é, por natureza, arbitrário, desproporcional, indevido. (…) Toda pessoa tem o direito de reivindicar não somente que qualquer restrição a sua liberdade ou propriedade ocorra rigorosamente consoante os ditames legais (judicial process), senão sobretudo que o legislador observe o valor de justiça também no momento da construção dessas normas [ou dos seus atos], de tal modo a impedir-lhe que crie um arbitrário e injusto conjunto normativo (substantive process). (…) O significado essencial do substantive process of law (aspecto material) previsto no art. 5.° da Constituição Federal consiste em que todos os atos públicos devem ser regidos pela razoabilidade e proporcionalidade, incluindo-se primordialmente a lei [ou qualquer outro ato emanado do poder legislativo] , que não pode limitar ou privar o indivíduo dos seus direitos fundamentais sem que haja motivo justo, sem que exista razão substancial.”

 

Conclui-se, portanto, com amparo nos argumentos já explanados, que a existência de padrões de incidência fluidos nos estatutos disciplinares a “tipificarem” ilícitos afronta o princípio da segurança jurídica e da justiça das decisões disciplinares e, por conseqüência, ao devido processo legal material, pois dão margem a eventuais produções punitivas distintas para casos similares ou punições similares para casos distintos o quê, destarte, fere também, como se vê, o princípio da igualdade.

 

Nesse sentido, pontuando a importância dos princípios e institutos acima mencionados, é a elucidativa lição de Heleno TAVEIRA TÔRRES, para quem “a segurança jurídica seria o que se pode chamar de um direito a um direito seguro, na feliz expressão de César García Novoa, exaltado como princípio constitucional, a informar o conteúdo e aplicação das leis de um ordenamento, como uma forma de ‘segurança através do direito’. E um direito será definido como ‘seguro’ quando dele possa decorrer previsibilidade, pela certeza, previsibilidade, legalidade, respeito à hierarquia normativa e publicidade, e quando fique garantida a isonomia, a irretroatividade do não favorável, e a interdição da arbitrariedade. Com isso, figuram como inteiramente incompatíveis atuações discricionárias da Administração, bem como o uso de conceitos indeterminados.”

 

No mesmo sentido é o posicionamento de Gilmar FERREIRA MENDES, para quem “o princípio da segurança jurídica, elemento fundamental do Estado de Direito, exige que as normas restritivas sejam dotadas de clareza e precisão, permitindo que o eventual atingido possa identificar a nova situação jurídica e as conseqüências dela decorrem. Portanto, clareza e determinação significam cognoscibilidade dos propósitos do legislador.”

 

Com suporte nos abalizados ensinamentos dos mestres acima referidos, podemos sustentar extreme de dúvida que o princípio em comento, atipicidade, traz insegurança ao sistema jurídico disciplinar material, ao passo que deixa ao “livre” entender do julgador a aplicação da sanção disciplinar, para casos supostamente subsumidos aos tipos fluidos. Essa aplicação, conforme já afirmado, requer motivação em sede processual, para demonstrar a subsunção do conceito da conduta ao tipo, que, no caso, é fluido, aberto, vago, flexível.

 

Acerca do tema, porém em referência ao processo administrativo lato sensu, ministra Celso Antônio BANDEIRA DE MELLO – após critica à escola alemã, que sustenta a existência de vinculação administrativa nos padrões fluidos -, em defesa da perfeição do ato produzido dentro do limite discricionário permitido pela lei, que “se em determinada situação real o administrador reputar, em entendimento razoável (isto é, comportado pela situação, ainda que outra opinião divergente fosse igualmente sustentável), que se lhe aplica o conceito normativo vago e agir nesta conformidade, não se poderá dizer que violou a lei, que transgrediu o direito. E se não violou a lei, se não lhe traiu a finalidade, é claro que terá procedido na conformidade do direito. Em assim sendo, evidentemente terá procedido dentro de uma liberdade intelectiva que, in concreto, o direito lhe faculta. Logo não haveria título jurídico para que qualquer controlador de legitimidade, ainda que fosse o judiciário, lhe corrigisse a conduta, pois a este incumbe reparar violações de direito e não procedimentos que lhe sejam conformes.”

 

Quanto à validade de padrões fluindo, sustenta a maioria dos doutrinadores pátrios na área administrativa, em sede disciplinar, a tese de que há ofensa a direitos fundamentais, v.g., ao contraditório, à ampla defesa, ao princípio da legalidade e ao devido processo legal, consagrados em nossa Carta Política. Trata-se de invalidade material, pois o ordenamento disciplinar traz como vigente norma ofensiva, ainda que de forma reflexa, à Constituição da República.

 

Rogério GRECO, discorrendo sobre a importância do princípio da legalidade (do qual se infere o da tipicidade do ilícito) num Estado Democrático de Direito, ensina, guardadas as devidas proporções entre direito penal e direito administrativo, mas inteiramente aplicável ao direito disciplinar, que “em um Estado Democrático de Direito, no qual se pretende adotar um modelo penal garantista, além da legalidade formal, deve haver, também, aquela de cunho material. Devem ser obedecidas não somente as formas e procedimentos impostos pela Constituição, mas também, e principalmente, o seu conteúdo, respeitando-se suas proibições e imposições para a garantia de nossos direitos fundamentais por ela previstos.”

 

Ora, é inquestionável que os tipos indeterminados ferem, de plano, direito a uma acusação transparente, pública, e legalmente justa. Destarte, em obediência ao princípio da legalidade, faz-se mister, como corolário, observar, o legislador ordinário e o aplicador da lei, o princípio da tipicidade.

 

Com escopo no escólio do referido doutrinador,  o Dr. Sandro Lúcio Dezan, adaptando seus ensinamentos para o ambiente administrativo disciplinar, traz a lume as funções fundamentais do princípio da legalidade, em sede de cominação de ilícito e aplicação de penalidade, quais sejam:

 

          proibição da retroatividade da lei. (nullum sanctio iuris sine lege praevia);

          proibição de criação de ilícitos administrativos e penas pelos costumes. (nullum  sanctio iuris sine lege scripta);

          proibição do emprego da analogia para definir ilícitos administrativos e fundamentar ou agravar penas. (nullum sanctio iuris sine lege stricta);

          proibição de incriminação vagas e indeterminadas. (nullum sanctio iuris sine lege certa).

 

Quanto à aplicabilidade das três primeiras funções, estas são de forma uniforme observadas pela Administração e pelo legislador infraconstitucional. No entanto, a quarta função acima mencionada, vem sendo, sem qualquer fundamento, desrespeitada, em flagrante inconstitucionalidade, ofensora de direitos fundamentais.

 

Como preleciona Rogério GRECO, – e a necessidade de certeza do direito serve de fundamento para a defesa dessa aplicação em sede disciplinar – “a certeza da proibição somente decorre da lei.

 

O princípio da reserva legal não impõe somente a existência de uma lei anterior ao fato cometido pelo agente, definindo as infrações penais. Obriga, ainda, que no preceito primário do tipo penal incriminador haja uma definição precisa da conduta proibida ou imposta, sendo vedada, portanto, com base em tal princípio, a criação de tipos que contenham conceitos vagos ou imprecisos. A lei deve ser, por isso, taxativa.

 

O agente tem de saber exatamente qual a conduta que está proibido de praticar, não devendo ficar, assim, nas mãos do intérprete, que dependendo do momento político pode, ao seu talante, alargar a sua exegese, de modo a abarcar todas as condutas que sejam de seu exclusivo interesse (nullum crimen nulla poena sine lege certa).

 

Assim, o direito penal não se coaduna com preceitos flexíveis a tipificarem crimes ou contravenções, justamente por se consubstanciarem em ofensa à legalidade formal. Da mesma forma, a pena aplicada em sede disciplinar, com supedâneo em tipos vagos, também, pelos mesmos fundamentos, produz semelhante ofensa aos direitos e garantias fundamentais elencados na Constituição da República.

 

Sem embargo, ainda milita em favor da necessidade de descrição minuciosa da conduta tida pelo ordenamento como disciplinarmente ilícita uma outra óptica afeta ao princípio da publicidade, que serve para o controle dos atos administrativos, permitindo aferir a existência de excesso ou desvio de poder, que podemos extrair do posicionamento de Egon BOCKMANN MOREIRA, in verbis:

 

“Ao início, destaque-se o sério liame que existe entre o princípio ora em exame e o processo administrativo. Na dicção de Sérgio Ferraz, a teoria do processo administrativo é ‘pressuposto da existência de uma atividade administrativa transparente, onde seja possível, na verdade, detectar, com nitidez, as linhas de atuação do administrador, os seus desvios e a incidência de possíveis remédios corretivos a esses desvios” .

 

A par do acima exposto, mister ainda observar que a publicidade, descrição da conduta ilícita, com a correspondente cominação de pena, ameaça de sanção, cumprirá o papel de coerção preventiva, inibindo a prática de conduta publicamente tida como ilícita pelo ordenamento. Esse efeito não é alcançado pelos padrões flexíveis, ante se tratarem de conceitos vagos, indeterminados, a carecerem de construção intelectual motivadora, em complementação ao tipo e, assim, não sendo prestáveis a uma das finalidades da tipificação da ilicitude da conduta, mesmo em sede disciplinar, qual seja, a prevenção pela publicidade do fato tido como contrário ao sistema jurídico.

 

Como bem assevera Hans KELSEN, citado por Hugo de BRITO MACHADO: “o facto externo que, de conformidade com o seu significado objectivo, constitui um facto jurídico (lícito ou ilícito), processando-se no espaço e no tempo, é, por isso mesmo, um evento sensorialmente perceptível, uma parcela da natureza, determinada, como tal, pela lei da causalidade. Simplesmente, este evento como tal, como elemento do sistema da natureza, não constitui objecto de um conhecimento especificamente, jurídico, não é pura e simplesmente, algo jurídico. O que transforma este facto em nom acto jurídico (lícito ou ilícito) não é a sua factividade, não é o ser natural, isto é, o seu ser tal como determinado pela lei da causalidade e encerrado no sistema da natureza, mas o sentido objectivo que está ligado a este acto, a significação que ele possui. O sentido jurídico específico, a sua particular significação jurídica, recebe-a o facto em questão por intermédio de uma norma que a ele se refere com o seu conteúdo, que lhe empresta a significação jurídica, por forma que o acto pode ser interpretado segundo a norma. A norma funciona como esquema de interpretação. Por outras palavras: o juízo em que se enuncia que um acto de conduta humana constitui um acto jurídico (ou antijurídico) é o resultado de uma interpretação específica, a saber, de uma interpretação normativa” .

 

Os ensinamentos acima esposados estão nitidamente a declinar que, para a definição de conduta antijurídica, há de haver norma positivada a emprestar significação jurídica à conduta afeta ao sistema do “dever ser”, e a definição vaga, contida nos tipos indeterminados disciplinares, não possui essa densidade mínima para externar o conteúdo da norma.

 

Em matéria disciplinar, como já comentado, a fluidez dos tipos depõe contra o princípio constitucional da isonomia, da segurança jurídica e do devido processo legal substancial, pois, por mais que se percuta aplicar a melhor solução para o caso concreto, outros fatores alocados fora do campo jurídico, tais como a falibilidade humana, a cultura de determinada região ou o nível de conhecimento jurídico do julgador administrativo influenciam no resultado, punição ou absolvição, em apuratório disciplinar, sem que essas variações tenham sido miradas pelo legislador.

 

Assim há de se aceitar o princípio da tipicidade do ilícito administrativo disciplinar e, como conseqüência, o da correlação e vinculação entre o tipo e a prescrição da sanção.

 

Quanto à tipicidade e à referida vinculação, modal deôntico, entre preceito primário e o preceito secundário, prescritor e descritor, Romeu F. BACELLAR FILHO ministra que “na doutrina espanhola, Eduardo GARCÍA DE ENTERRÍA e Tomás RAMON FERNANDEZ incluem a tipicidade entre os princípios do direito administrativo sancionatório, a exigir a descrição legal de uma conduta específica conectada a uma sanção administrativa (…)”

.

Quanto à motivação do ato punitivo, esta é necessária, imprescindível, sob pena de nulidade, mas não pode ser tida como instituto exigido para a complementação do tipo disciplinar.

 

Com efeito, verifica-se na motivação requisito de validade do ato administrativo punitivo, não servindo para desencadear o efeito de suprir a omissão legislativa nos tipos disciplinares fluidos.

 

Assim, com os fundamentos já explanados, filio-nos aos ensinamentos do douto jurista Romeu Felipe BARCELLAR FILHO que, em sua excelente obra “Processo Administrativo Disciplinar”, defende a necessária existência de correlação entre preceito primário e preceito secundário e, por conseqüência, aceita a aplicação do princípio da tipicidade para a definição do ilícito administrativo disciplinar.

 

 

3.       DOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA

 

Conforme adiante se demonstrará caráter assume relevante na aplicação dos princípios do contraditório e da ampla defesa às sindicâncias administrativas a prévia previsão das penalidades e suas respectivas punições. Ora, o servidor público não pode estar submetido a um quadro de obrigações e suas conseqüências desconhecidas no desenvolver de suas atividades.

 

Além disso, para defender precisa saber claramente do que o faz, restando claro qual dispositivo da legislação funcional específica restou descumprido.

 

A sindicância poderá ser investigatória ou acusatória. No primeiro caso, o fato é conhecido, mas o autor do ilícito administrativo é desconhecido. No segundo caso, tanto o autor como o fato são conhecidos, e a autoridade administrativa busca colher elementos para comprovar os indícios dos fatos que são atribuídos ao funcionário.

 

Nesse ponto, já que, a sindicância administrativa, não tem formalidades previstas em lei para a defesa e o contraditório, verifica-se, muitas vezes, os sindicados empreendendo os próprios atos de defesa, para os quais não é possível auferir qualquer nulidade.

 

Em análise jurisprudencial junto ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais, verifica-se que, uma série de Sindicâncias Administrativas, das mais variadas, vêm sendo submetidas à apreciação do Poder Judiciário, e inclusive anuladas em razão de desobediência aos princípios do contraditório e ampla defesa. Senão vejamos:

 

 

Número do processo:

1.0312.05.002584-9/001(1)

 

 

 

Relator:

BRANDÃO TEIXEIRA

Data do Julgamento:

05/06/2007

Data da Publicação:

22/06/2007

Ementa:

MANDADO DE SEGURANÇA – PORTARIA – INSTAURAÇÃO DE SINDICÂNCIA – APURAÇÃO DE FALTA – AUSÊNCIA DE COMPARECIMENTO AO LOCAL DE SERVIÇO – FERIADO NACIONAL – INEXISTÊNCIA DE ATO NORMATIVO REGULAMENTANDO PLANTÃO NA UNIDADE POLICIAL – CONCESSÃO DA SEGURANÇA – SENTENÇA CONFIRMADA.

Súmula:

EM REEXAME NECESSÁRIO, CONFIRMARAM A SENTENÇA.


 

Número do processo:

1.0521.05.043703-2/001(1)

 

 

 

Relator:

NEPOMUCENO SILVA

Data do Julgamento:

03/08/2006

Data da Publicação:

19/09/2006

Ementa:

MANDADO DE SEGURANÇA – SINDICÂNCIA COM FORMA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – NECESSIDADE DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA – DIREITO LÍQUIDO E CERTO – COMPROVAÇÃO DE PLANO – ORDEM CONCEDIDA – SENTENÇA CONFIRMADA, EM REEXAME NECESSÁRIO. O Mandado de Segurança consubstancia remédio de natureza constitucional destinado a proteger direito líquido e certo contra ato ilegal ou abusivo de poder emanado de autoridade pública. Logo, se o conjunto probatório dos autos evidencia, de plano, tais evidências (é o caso), correta e legítima é a concessão da ordem pleiteada.

Súmula:

CONFIRMARAM A SENTENÇA, NO REEXAME NECESSÁRIO.


 

Número do processo:

1.0521.05.043705-7/001(1)

 

 

 

Relator:

NEPOMUCENO SILVA

Data do Julgamento:

03/08/2006

Data da Publicação:

19/09/2006

Ementa:

MANDADO DE SEGURANÇA – SINDICÂNCIA COM FORMA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – NECESSIDADE DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA – DIREITO LÍQUIDO E CERTO – COMPROVAÇÃO DE PLANO – ORDEM CONCEDIDA – SENTENÇA CONFIRMADA, EM REEXAME NECESSÁRIO. O Mandado de Segurança consubstancia remédio de natureza constitucional destinado a proteger direito líquido e certo contra ato ilegal ou abusivo de poder emanado de autoridade pública. Logo, se o conjunto probatório dos autos oferece, de plano, tais evidências (é o caso), correta e legítima é a concessão da ordem extrema.

Súmula:

CONFIRMARAM A SENTENÇA, NO REEXAME NECESSÁRIO.


 

Número do processo:

1.0180.04.019823-6/001(1)

 

 

 

Relator:

FERNANDO CALDEIRA BRANT

 

Data do Julgamento:

06/12/2005

 

Data da Publicação:

11/03/2006

 

Ementa:

 

INDENIZAÇÃO – DANOS MORAIS – INSTAURAÇÃO DE SINDICÂNCIA PARA APURAÇÃO DE EVENTUAL ATO ARBITRÁRIO – OFENSA E HUMILHAÇÃO NÃO DEMONSTRADOS – PUBLICAÇÃO DE MATÉRIA DE CONTEÚDO NEGATIVO À IMAGEM DE AUTORIDADE POLICIAL – ABALO À CREDIBILIDADE – VERBA REPARATÓRIA DEVIDA. A indenização por danos morais é devida diante da lesão da intimidade, da vida privada, da honra ou da imagem das pessoas. Necessário à ocorrência do dano, que o causador atue com culpa e que sua conduta tenha nexo com a lesão. Na fixação do dano moral, deverá o juiz, atendendo-se ao nexo de causalidade inscrito no art. 1060 do Cód. Civil, levar em conta os critérios de proporcionalidade e razoabilidade na apuração do quanto, atendidas as condições do ofendido e do bem jurídico lesado.


 

Número do processo:

1.0312.05.002584-9/001(1)

 

 

 

Relator:

BRANDÃO TEIXEIRA

Data do Julgamento:

05/06/2007

Data da Publicação:

22/06/2007

Ementa:

MANDADO DE SEGURANÇA – PORTARIA – INSTAURAÇÃO DE SINDICÂNCIA – APURAÇÃO DE FALTA – AUSÊNCIA DE COMPARECIMENTO AO LOCAL DE SERVIÇO – FERIADO NACIONAL – INEXISTÊNCIA DE ATO NORMATIVO REGULAMENTANDO PLANTÃO NA UNIDADE POLICIAL – CONCESSÃO DA SEGURANÇA – SENTENÇA CONFIRMADA.

Súmula:

EM REEXAME NECESSÁRIO, CONFIRMARAM A SENTENÇA.

 

 


 

Número do processo:

1.0521.05.043703-2/001(1)

 

 

 

Relator:

NEPOMUCENO SILVA

Data do Julgamento:

03/08/2006

Data da Publicação:

19/09/2006

Ementa:

MANDADO DE SEGURANÇA – SINDICÂNCIA COM FORMA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – NECESSIDADE DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA – DIREITO LÍQUIDO E CERTO – COMPROVAÇÃO DE PLANO – ORDEM CONCEDIDA – SENTENÇA CONFIRMADA, EM REEXAME NECESSÁRIO. O Mandado de Segurança consubstancia remédio de natureza constitucional destinado a proteger direito líquido e certo contra ato ilegal ou abusivo de poder emanado de autoridade pública. Logo, se o conjunto probatório dos autos evidencia, de plano, tais evidências (é o caso), correta e legítima é a concessão da ordem pleiteada.

Súmula:

CONFIRMARAM A SENTENÇA, NO REEXAME NECESSÁRIO.


 

Número do processo:

1.0521.05.043705-7/001(1)

6

 

 

Relator:

NEPOMUCENO SILVA

Data do Julgamento:

03/08/2006

Data da Publicação:

19/09/2006

Ementa:

MANDADO DE SEGURANÇA – SINDICÂNCIA COM FORMA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – NECESSIDADE DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA – DIREITO LÍQUIDO E CERTO – COMPROVAÇÃO DE PLANO – ORDEM CONCEDIDA – SENTENÇA CONFIRMADA, EM REEXAME NECESSÁRIO. O Mandado de Segurança consubstancia remédio de natureza constitucional destinado a proteger direito líquido e certo contra ato ilegal ou abusivo de poder emanado de autoridade pública. Logo, se o conjunto probatório dos autos oferece, de plano, tais evidências (é o caso), correta e legítima é a concessão da ordem extrema.

Súmula:

CONFIRMARAM A SENTENÇA, NO REEXAME NECESSÁRIO.


 

Número do processo:

1.0180.04.019823-6/001(1)

 

 

 

Relator:

FERNANDO CALDEIRA BRANT

Data do Julgamento:

06/12/2005

Data da Publicação:

11/03/2006

Ementa:

INDENIZAÇÃO – DANOS MORAIS – INSTAURAÇÃO DE SINDICÂNCIA PARA APURAÇÃO DE EVENTUAL ATO ARBITRÁRIO – OFENSA E HUMILHAÇÃO NÃO DEMONSTRADOS – PUBLICAÇÃO DE MATÉRIA DE CONTEÚDO NEGATIVO À IMAGEM DE AUTORIDADE POLICIAL – ABALO À CREDIBILIDADE – VERBA REPARATÓRIA DEVIDA. A indenização por danos morais é devida diante da lesão da intimidade, da vida privada, da honra ou da imagem das pessoas. Necessário à ocorrência do dano, que o causador atue com culpa e que sua conduta tenha nexo com a lesão. Na fixação do dano moral, deverá o juiz, atendendo-se ao nexo de causalidade inscrito no art. 1060 do Cód. Civil, levar em conta os critérios de proporcionalidade e razoabilidade na apuração do quanto, atendidas as condições do ofendido e do bem jurídico lesado.

 

No direito público, não existe sigilo, a não ser que por lei as informações sejam consideradas essenciais para a sobrevivência do Estado, o que não é o caso. O Estado de Direito não admite que uma pessoa seja punida ou fique sujeita a perda de seus bens sem que tenha exercido a ampla defesa e o contraditório, com todos os recursos a ela inerentes. Exercer a ampla defesa não é apenas oferecer alegações finais, mas acompanhar a realização de prova técnica, oitiva de testemunhas, podendo realizar reperguntas, formular quesitos, ou seja, tudo aquilo previsto em lei.

 

                        Sob a égide da atual Constituição Federal seria inadmissível admitir-se o contrário do exposto, já que, o direito ao contraditório e à ampla defesa é um direito individual, núcleo inatingível da Carta Magna, como sabido, devendo ser sobremaneira respeitado.

 

Além disso, o servidor público, no exercício da função, ou até mesmo fora dela, representa o Estado e seria inadmissível recusar lhe direito de tal monta.

 

Na sindicância acusatória, ao negar-se o direito do sindicado acompanhar o processo e exercer a ampla defesa e o contraditório, a autoridade administrativa está violando os direitos e as garantias previstas na Constituição Federal. A adoção deste procedimento, autoriza o acusado a buscar a proteção jurisdicional em atendimento ao disciplinado no art. 5.o, inciso XXXV, do Texto Constitucional. 

 

Todavia, ao permitir se que a Sindicância Administrativa resulte em uma punição ao servidor público acaba por desvirtuar-se do seu sentido etimológico necessitando uma interpretação sistemática da mesma em consonância com a Constituição Federal.

 

“Se da sindicância resultar, então, penalidade de advertência ou suspensão de no máximo 30 dias, será ela acusatória; se resultar arquivamento ou abertura de processo administrativo disciplinar, será investigativa. Observe, então, que a classificação da sindicância é retroativa, e não progressiva, porque será ela investigativa ou punitiva não em função de uma percepção inicial, e sim em função de uma percepção final, após o término da mesma. É dizer: os servidores públicos, membros da comissão de sindicância, encarregados pelo procedimento, só saberão se estão realizando uma investigação ou uma acusação no final dos trabalhos, quando elaborarem o relatório final, até mesmo porque, caso a comissão resolva dar ao procedimento a caracterização de sindicância punitiva (antevendo a possibilidade de punição apenas em advertência e suspensão de até 30 dias), e a autoridade competente entender que a pena deverá, por exemplo, ser de suspensão de 45 dias, a sindicância será caracterizada como meramente investigativa, com necessidade de abertura do processo administrativo disciplinar, independentemente de ter ou não garantido a ampla defesa e o contraditório.” (Rosa, Paulo Tadeu Rodrigues, juiz-auditor da Justiça Militar do Estado de Minas Gerais, mestre em Direito Administrativo pela Unesp, especialista em Direito Administrativo pela Unip, in http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=400).

 

Contudo, o eminente autor citado, não considerou o aspecto daquelas sindicâncias administrativas onde a hipotética autoria resta materializada, como é o presente caso, desde o princípio, razão pela qual, eminentemente, o sindicado desde o início deverá ser chamado a exercer o seu direito ao contraditório e a ampla defesa, desde o princípio das investigações.

 

O Exmo. Ministro Moreira Alves, na ementa do Recurso em Mandado de Segurança – RMS n. 22789/RJ, em que foi relator asseverou: “do sistema da Lei 8.112/90 resulta que, sendo a apuração de irregularidade no serviço público feita mediante sindicância ou processo administrativo, assegurada ao acusado ampla defesa (art. 143), um desses dois procedimentos terá de ser adotado para essa apuração, o que implica dizer que o processo administrativo não pressupõe necessariamente a existência de uma sindicância, mas, se o instaurado for a sindicância, é preciso distinguir: se dela resultar a instauração do processo administrativo disciplinar, é ela mero procedimento preparatório deste, e neste é que será imprescindível se dê a ampla defesa do servidor; se, porém, da sindicância decorrer a possibilidade de aplicação de penalidade de advertência ou de suspensão de até 30 dias, essa aplicação só poderá ser feita se for assegurado ao servidor, nesse procedimento, sua ampla defesa (Pontes, Bruno Cesar , in http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4240).

 

O processo administrativo denominado de sindicância tem por objetivo apurar a falta administrativa praticada por funcionário público, civil ou militar, e que seja passível de punição na forma dos Estatutos aos quais esteja sujeito.

 

A Lei nº 9.784/99 contém normas sobre o processo administrativo no âmbito federal.

 

A Lei n. 9.784/99, que fixa normas gerais para o processo administrativo federal, é aplicável à Administração Pública direta e indireta dos três poderes, bem como ao servidor ou agente público dotado de poder de decisão, conforme estabelece o artigo 1.º do referido diploma.

 

A Constituição Federal, em seu artigo 5.º, inciso LV, estabelece que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

 

Princípio não é mera declaração de intenção. São normas que determinam condutas obrigatórias ou impedem comportamentos incompatíveis. O princípio representa um valor. Nos dizeres da doutrina de Celso Antonio Bandeira de Melo, são verdadeiros pilares de sustentação de todo o sistema, funcionando como vetores de interpretação, que por sua generalidade,  informam o sistema jurídico, mesmo sem previsão expressa. Com efeito, na lição de Souto Maior Borges, conforme se colhe da obra de Roque Antonio Carrazza, “o princípio explícito não é necessariamente mais importante que o princípio implícito”.

 

Deve-se observar o contraditório e a ampla defesa como requisitos para que o devido processo legal seja respeitado. O contraditório é a possibilidade, assegurada a quem sofrer uma imputação em juízo ou em âmbito administrativo, de contraditar essa imputação, ou seja, de apresentar a sua versão dos fatos. A ampla defesa significa que as partes devem ter a possibilidade de produzir todas as provas que entendam necessárias ao esclarecimento dos fatos e ao convencimento do Juiz. Excepcionam-se apenas as provas obtidas por meio ilícito.

 

O princípio do contraditório é identificado na doutrina pelo binômio “ciência e participação”. A autoridade sindicante coloca-se eqüidistante das partes, só podendo dizer que o direito preexistente foi devidamente aplicado ao caso concreto se, ouvida uma parte, for dado à outra o direito de manifestar-se em seguida.

 

Já o Princípio da Ampla Defesa implica o dever do Estado de proporcionar a todo acusado a mais completa defesa, seja pessoal, seja técnica (art. 5.º, LV, da CF/88), seja o de prestar assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados  (art. 5.º, LXXIV, CF).

 

Decorre a obrigatoriedade de se observar a ordem natural do processo, de modo que a defesa se manifeste sempre em último lugar.

 

Segundo Lorival Carrijo Rocha, “o preceito constitucional da ampla defesa e do contraditório se harmoniza perfeitamente com o direito estatuído no art. 156 da Lei n.º 8.112/90, considerando que a segurança jurídica somente será completa se todos os atos praticados contra o servidor for devidamente acompanhado pelo interessado. O exercício da ampla defesa tem que ser completo, assegurando ao acusado o acompanhamento total do processo, tanto na sindicância como no inquérito administrativo, devendo acompanhar a realização de prova técnica e testemunhal, participando da oitiva de testemunhas, inclusive, podendo realizar perguntas, formular quesitos, ou seja, tudo aquilo previsto em lei. O estado de direito não admite que uma pessoa seja punida sem que tenha exercido a ampla defesa e o contraditório, com todos os recursos a ela inerentes.

 

Continua o ilustre colega, “na Sindicância acusatória, ao negar-se o direito do sindicado acompanhar o processo e exercer a ampla defesa e o contraditório, a autoridade administrativa está violando os direitos e as garantias previstas na Constituição Federal. A constituição não existe apenas para ser um mero referencial, é a norma fundamental. A hierarquia e a disciplina são fundamentos das instituições policiais, mas isso não significa a inobservância dos preceitos constitucionais. Uma corporação policial deverá ser rígida em seus princípios, sem, no entanto, desrespeitar a legalidade. A administração pública tem o dever de punir o servidor que pratique um ilícito administrativo, mas isso não significa que deixará de observar os preceitos e garantias fundamentais disciplinados na Lei Maior.” (http://www.fenaprf.com.br/index.php?a=ult_brasilia_temp.php&ID_MATERIA=156)

 

Precedentes, consoante a jurisprudência uniforme do Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA.  ADMINISTRATIVO. PROCESSO DISCIPLINAR. AUTONOMIA DAS INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVA E PENAL. SUFICIÊNCIA E VALIDADE DAS PROVAS. INCURSÃO NO MÉRITO ADMINISTRATIVO.

(…)

2. Compete ao Poder Judiciário apreciar a regularidade do procedimento disciplinar, à luz dos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, sem, contudo, adentrar no mérito administrativo.

(…)

(ROMS nº20010031584-4/TO, 6ª Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ de 28/06/2004, p. 417)

 

Ainda nesse mesmo sentido:

 

MILITAR. DETENÇÃO. IMPOSSIBILIDADE SEM A OBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. DANOS MORAIS. VERBA HONORÁRIA.

– O ato que determina a detenção de militar – que importa restrição ao direito da parte -, deve, necessariamente, ser precedido de regular procedimento administrativo, de modo a fornecer ao administrado a possibilidade de ser ouvido durante a instrução e permitir-lhe o pleno exercício de defesa. Ainda que a pena de detenção seja absolutamente procedente para determinados casos, deve ser precedida do devido procsso legal, pois isso não justifica o cerceamento do direito do militar de defender-se amplamente. No caso dos autos, em face da insubsistência da fundamentação do ato, além de não ter sido proporcionado o contraditório, nem a ampla defesa, acarretou a determinação e nulidade do ato exarado pela administração.

(…)

(AC nº 20017112001185-0/RS, 4ª Turma, Rel. Des. Fed. Edgard A. Lippmann Júnior, DJU de 21/07/2004, p. 698)

MILITAR. CONTROLE PELO PODER JUDICIÁRIO DO ASPECTO FORMAL DO ATO ADMINISTRATIVO. SINDICÂNCIA. PUNIÇÃO DISCIPLINAR. DEVIDO PROCESSO LEGAL. PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO.

1. Sob o pálio da CF-88, é inafastável o controle do Poder Judiciário da legalidade do ato administrativo, inclusive de autoridade militar. É nula a punição disciplinar quando não resulta do devido processo legal e quando não propiciado do servidor o direito ao contraditório. Simples sindicância não guarda consonância com os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, não podendo dar causa a sanção disciplinar.

2. Improvimento da apelação e parcial provimento da remessa oficial.

(AC nº 19997110009655-4/RS, 3ª Turma, Rel. Des. Fed. Carlos Eduardo T. Flores Lenz, DJU de 23/04/2003, p. 266)

 

MILITAR. PUNIÇÃO DISCIPLINAR. DEVIDO PROCESSO LEGAL. AMPLA DEFESA. VIOLAÇÃO. ILEGALIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS.

(…)

2. Os processos disciplinares militares não estão imunes à garantia constitucionalmente assegurada do contraditório e ampla defesa, insculpida no INC-55 do ART-5. As sindicâncias são processos administrativos e devem respeitar os princípios constitucionais a eles atinentes.

(…)

(AMS nº 9604041789/RS, 4ª Turma, Rel. Des. Fed. José Luiz B. Germano da Silva, DJ de 15/07/1998, p. 316)

 

Segundo Airton Rocha Nóbrega, vislumbrando-se, a possibilidade de que ao servidor venha a ser aplicada pena mais leve – advertência ou suspensão que não exceda de 30 dias – o mesmo procedimento a tanto se prestará, não admitindo-se, entretanto, a aplicação direta da penalidade sem que previamente exercite o servidor o seu direito de defesa. Com vista a atender-se a essa exigência de caráter constitucional deve-se, então, suspender a coleta de elementos probatórios, não realizando-se mais nenhum ato alusivo à instrução do procedimento, até porque essa prova assim colhida não terá sido submetida ao crivo do contraditório e não ensejará validamente a punição do servidor. Paralisado o procedimento, dever-se-á elaborar, de forma fundamentada, “termo de indiciação do servidor” onde se fará constar necessariamente a especificação dos fatos apurados, a avaliação das provas até então obtidas e a infração disciplinar praticada, com a indicação do dispositivo de lei afrontado.

 

O citado “termo de indiciação do servidor”, como não existe formalidades legais previstas para a Sindicância Administrativa, conforme já afirmado, pode ser substituído por outro ato que cientifique o servidor público que a partir daquele momento, a autoridade sindicante, entende que o mesmo restou identificado como autor de uma transgressão disciplinar, devendo exercer os seus direitos de defesa, por exemplo, pode abrir vista dos autos para o mesmo e conceder lhe prazo para que apresente defesa dos atos até então acostados aos Autos.

 

Continua o nobre jurista “cumprida essa providência básica, passo seguinte será o de realizar-se a citação do servidor, que agora já se encontra indiciado. A citação, como se sabe, é o ato através do qual dar-se-á ciência formal da acusação que é imputada ao servidor, estabelecendo prazo para a formulação de defesa e esclarecendo que, não sendo ela oferecida no prazo legal, a conseqüência imediatamente resultante é a declaração revelia (art. 164) com a oportuna nomeação de defensor dativo (art. 164, § 2º). Forma-se, a partir de então, a relação processual disciplinar. Cuidado que se impõe, nesse momento, é o de franquear o acesso do servidor ao processo, de modo a que tenha ele conhecimento amplo dos elementos de prova já colhidos, dando-lhe a oportunidade de impugná-los e de produzir a contraprova, estabelecendo-se, desse modo, o contraditório.”

 

Conforme já descrito o dito “indiciamento” pode ser substituído, tão somente, pela cientificação, alhures referida pelo lesto doutrinador.

 

“A defesa do servidor, é bom que se diga, deverá ser apresentada por escrito, em petição por ele firmada ou por advogado regularmente constituído. O prazo para apresentação da defesa na sindicância, embora a Lei 8.112/90 nada informe a respeito, poderá ser fixado em 10 dias, valendo-se, para esse efeito, do prazo fixado para o mesmo fim no procedimento disciplinar comum (art. 161, § 1º). À defesa poderão ser anexados documentos e poderá o servidor requerer livremente a produção de outras provas, inclusive a oitiva de outras testemunhas, a realização de exames periciais etc.”

 

“Regularizada nos moldes expostos a relação processual disciplinar, e nada mais havendo a produzir em termos de prova, cumpre tão-somente dar por encerrada a instrução processual, elaborando-se, em seguida, relatório minucioso em que serão resumidas as peças principais dos autos e onde serão mencionadas as provas colhidas, firmando-se, então, juízo no sentido da inocência ou da responsabilidade do servidor.”

 

O direito ao contraditório e ampla defesa vai ainda além, a legislação deve prescrever quais as transgressões disciplinares e as penalidades a elas impostas, sob pena de absoluta ilegalidade, conforme anteriormente afirmado. Além disso, verificou se que a desobediência aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa pode acarretar, inclusive, a nulidade do procedimento administrativo, já que, a atuação dissonante da Administração Pública  com a previsão constitucional, principalmente, as que venham aplicar penalidades, são inadmissíveis do ponto de vista legal e regulamentar.

 

Ainda, concluiu-se que o princípio do contraditório e da ampla defesa abrange não somente os atos processuais relativos ao desenvolvimento da sindicância administrativo, tais como, acompanhamento de depoimentos, declarações, produção de provas técnicas e defesa propriamente dita, mas, sobretudo, a necessidade das legislações específicas estabelecerem as previsões relativas as transgressões disciplinares e as penalidades às mesmas aplicadas.

 

A abrangência de tais direitos constitucionalmente previstos, alcança também, a necessidade de previsão recursal, por ser necessária conseqüência dos direitos alhures epigrafados.

 

4.       CONCLUSÃO

 

Em suma, a Sindicância Administrativa apesar de ter sido introduzida no Brasil anteriormente a Constituição Federal em vigor, deve ser interpretada à luz dos princípios introduzidas pela Carta Magna e pelo Estado Democrático de Direito a ela inerente.

 

Rogério GRECO, citando Assis TOLEDO, ensina acerca do conceito analítico de crime que “substancialmente, o crime é fato humano que lesa ou expõe a perigo bens jurídicos (jurídico-penal) protegidos. Essa definição é, porém, insuficiente para a dogmática penal, de outra mais analítica, apta a pôr à mostra os aspectos essenciais ou elementos estruturais do conceito de crime. E dentre as várias definições analíticas que têm sido propostas por importantes penalistas, parece-nos mais aceitável a que considera as três notas fundamentais do fato-crime, a saber: ação típica (tipicidade), ilícita ou antijurídica (ilicitude) e culpável (culpabilidade) O crime, nessa concepção que adotamos, é, pois, ação típica, ilícita e culpável”.

 

Pelo exposto, a aferição da tipicidade – com a constatação da subsunção do conceito do fato ao conceito da norma – é requisito indispensável à garantia de uma produção de ato administrativo punitivo justo, em harmonia com os princípios informativos da certeza e justiça do direito, sem embargo da necessária aferição da antijuridicidade e da culpabilidade, e com isso, podemos conceituar, a exemplo do direito penal, com fundamento no conceito estratificado, tripartite e analítico, esposado pela melhor doutrina, os ilícitos administrativo e disciplinar também como sendo o fato típico, antijurídico e culpável, porém com este, ilícito penal, por óbvio, não se confundindo, conforme discorreremos abaixo.

 

Aceitando a aplicação de toda a teoria do delito aos referidos ilícitos e em análise aos diplomas expostos em nosso sistema jurídico, chega-se à conclusão de que a diferenciação entre ilícito penal e os ilícitos do regime jurídico-administrativo opera-se em dois níveis distintos.

 

O primeiro, considerando os diplomas normativos em que são positivados tipos proibitivos de cada ramo do direito, entendendo como ilícito penal os tipos prescritores e descritores elencados em normas de direito penal, v. g., o Decreto-Lei n.° 2.848/40, Código Penal Brasileiro, Lei n° 8.137/90, Lei n.° 9.605/98, etc, e como ilícitos administrativo e disciplinar os tipos prescritores e descritores plasmados nos estatutos disciplinares dos servidores públicos, v. g., os tipos descritos na Lei n.° 8.112/90, Lei n.° 4.878/65, e, obviamente, a Lei Orgânica da Polícia Civil Mineira.

 

Crime é o fato típico, antijurídico e culpável, sendo que o tipo deve estar descrito em diploma penal, e considerando ilícito afeto ao direito administrativo (ilícito administrativo) o fato típico, antijurídico e culpável, sendo que o tipo ora referido deve estar positivado em diploma normativo afeto ao regime disciplinar do serviço público. Porém isso somente não basta para a diferenciação entre os dois institutos. Mister análise do segundo fator de distinção.

 

O Segundo leva em consideração o descritor, preceito secundário, a pena em tese a ser aplicada, a ameaça de sanção. Destarte, conforme delimitado no Art. 1.° do Decreto-Lei n.° 3.914/41, “considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativamente ou cumulativamente com a pena de multa;”.

 

Lógico que o legislador da época, ao prescrever o referido artigo tinha em mira diferenciar crime de contravenção, porém, numa interpretação ampliativa, podemos usar o conceito para diferenciar crime/contravenção penal dos ilícitos administrativo/disciplinar, vez que estes jamais poderão cominar, em seus preceitos secundários, pena que não seja de caráter civil, malgrado ter-se que aferir a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade, a exemplo do direito penal.

 

Logo, havendo descrição de, em hipótese, “mal atendimento ao público em geral”, em conformidade com o disposto no artigo em comento da Lei de Introdução ao Código Penal, não haverá ilícito afeto ao direito administrativo disciplinar.

 

Insta ressaltar que os dois fatores devem ser cumulativos e, assim, para a existência de ilícitos na seara administrativo-disciplinar há de haver: (a) fato tipificado em diploma disciplinar vinculado à ameaça de sanção, sendo esta distinta das elencadas no artigo 1.° da Lei de Introdução ao Código Penal; (b) o referido fato há de ser ilícito, contrário ao ordenamento, consistindo em fato ofensivo a um dever de conduta ou proibição imposta por lei ou por ato administrativo normativo; e (c) o fato há de ser culpável, com a existência de seus três elementos: (c1) consciência ao menos potencial da ilicitude, (c2) imputabilidade, consistente em ser o agente servidor público ou equiparado por dispositivo legal e (c3) exigibilidade de conduta diversa.

 

Ante o exposto, aufere-se que, para as faltas disciplinares, faz-se mister, em atendimento aos postulados da justiça das decisões e da certeza do direito, a implementação, pelo legislador e pelo aplicador do direito disciplinar, do princípio da tipicidade e da efetiva análise, pelo colegiado disciplinar e pela autoridade julgadora, dos elementos subjetivos do tipo (dolo e culpa), para a subsunção do conceito do fato ao conceito do tipo, corolário da observância do princípio da culpabilidade e do instituto da imputação subjetiva.

 

Quanto aos tipos fluidos, estes não se prestam à definição de faltas e a finalidade pública, por ofensa aos princípios da segurança jurídica, da isonomia e do devido processo legal substancial.

 

A descrição minuciosa, analítica, da conduta ilícita tem o condão de coagir o agente público a não praticar a conduta típica, concretizando eficaz papel preventivo.

 

Discorrendo sobre o tema aplicado ao direito penal, sua sede originária, Damásio E. de JESUS, ensina que “o Direito Penal, pela adequação típica, somente intervenha nos casos de lesão jurídica de certa gravidade, reconhecendo a atipicidade do fato nas hipóteses de pertubações jurídicas mais leves”.

 

Do acima aludido verificamos que a aplicação do princípio em comente torna o fato penalmente atípico e, na doutrina do mestre Rogério GRECO, essa tipicidade excluída é justamente a tipicidade material, vez que, para o referido jurista, amparado nos ensinamentos de ZAFFARONI, a tipicidade penal é formada pela tipicidade formal e pela tipicidade conglobante e esta, por sua vez, subdivide-se em (a) conduta antinormativa, (a1) contrária à norma penal e (a2) não imposta ou fomentada por ela e, ainda, (b)ofensiva a bens de relevo para o direito penal, tipicidade material.

 

A insignificância do bem ofendido, conforme a melhor doutrina pátria e estrangeira, exclui a tipicidade material e, por conseguinte, a própria tipicidade penal, ilidindo um dos elementos do conceito analítico de crime, qual seja, a tipicidade, fazendo com que o fato não seja considerado crime.

 

Ora, aceitando o princípio da tipicidade para o ilícito administrativo disciplinar, deve-se aceitar o princípio da insignificância ou da bagatela para excluir a referida tipicidade, em casos de irrelevância material dos danos causados.

 

“Tanto assim o é que dificilmente se defenderia a responsabilização, em sede judicial, por ato de improbidade administrativa, nos termos da Lei n.°. 8.429/92, do servidor público que se utilizou do telefone da repartição para fazer uma ligação de interesse particular, ou se utilizou de uma caneta fornecida pela repartição par assinar diversos cheques particulares. O mesmo se diga, somente para ficarmos com um exemplo, quanto ao ilícito prescrito no art. 117, XVI, da Lei n.°. 8.112/90, “utilizar pessoal ou recursos materiais da repartição em serviços ou atividades particulares”, onde também é indefensável a não aplicação do referido princípio ao agente que se utilizou de alguns envelopes da repartição pública para acondicionar documentos particulares. Por óbvio, nos exemplos acima, a aplicação do princípio da insignificância se impõe, face à pequena expressividade do dano causado. Assim também o é para os outros ilícitos disciplinares. Deste modo, o instituto reforça, mais uma vez, a necessidade de aceitação de toda teoria do delito, aplicada aos ilícitos administrativo-disciplinares de elevado ou médio potencial ofensivo.” (http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6154&p=2)

 

 

* Delegada de Polícia Civil em Minas Gerais. Bacharel em Direito e Administração – Universidade Federal de Uberlândia. Pós graduada em Direito Público – Universidade Potiguar. Pós-graduanda em Direito Penal – Universidade Gama Filho.

 

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Ravênia Márcia de Oliveira. Aplicação de Penalidade na Sindicância e a Tipicidade da Transgressão Disciplinar. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-administrativo/aplicacao-de-penalidade-na-sindicancia-e-a-tipicidade-da-transgressao-disciplinar/ Acesso em: 29 mar. 2024