Direito Administrativo

Contratação de Serviços Advocatícios Mediante Pregão. Ilegalidade

Antonio Sergio Baptista*

 

 

A advocacia é atividade de relevo para o  efetivo exercício dos direitos dos cidadãos,  para a distribuição da Justiça e para o aperfeiçoamento do Estado Democrático  de Direito.

 

Roberto Livianu. Promotor de Justiça.[1]

 

 

 

A forma de contratação de serviços advocatícios pelo Poder Público é tema que, recorrentemente, agita a doutrina e exige posicionamento das instâncias julgadoras administrativas e judiciais. Discute-se, com freqüência, em especial por provocação do Ministério Público, a legalidade da contratação direta dos serviços advocatícios pela Administração Pública com fundamento no permissivo estampado no artigo 25 da Lei de Licitações e Contratos.[2]

 

O tema, apesar de polêmico, tem sido enfrentado, de forma convergente, pelos mais notórios publicistas pátrios, bem como pela jurisprudência de nossas cortes administrativas (Tribunais de Contas) e judiciais (Tribunais de Justiça Estaduais, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal), sempre através de posicionamento uniforme, que pode ser resumido em aperatada síntese: a contratação de serviços advocatícios, de qualquer natureza, é personalíssima e, por esta razão, somente pode ser formalizada de forma direta, por inexigibilidade de licitação.

 

Aliás, o Colendo Supremo Tribunal Federal, acolhendo voto do eminente Ministro Eros Grau, lançou a derradeira “pá de cal” sobre o tema, sendo oportuno transcrever o seguinte trecho do decisum:

 

Serviços técnicos profissionais especializados são serviços que a Administração deve contratar sem licitação, escolhendo o contratado de acordo, em última instância, com grau de confiança que ela própria, Administração, deposite na especialização desse contratado. Nesses, casos, o requisito de confiança da Administração em que deseja contratar é subjetivo. Daí que a realização de procedimento licitatório para a contratação de tais serviços – procedimento regido, entre outros, pelo princípio do julgamento objetivo – é incompatível com a atribuição de exercício de subjetividade que o direito positivo confere à Administração para a escolha do “trabalho essencial e indiscutivelmente mais adequado à satisfação do objeto contratado” (cf.o § 1º do art. 25 da Lei 8.666/93).³

 

No entanto e mais recentemente, novo questionamento está exigindo tomada de posição dos segmentos envolvidos, doutrina, Ordem dos Advogados do Brasil e judiciário, desta vez envolvendo a contratação de serviços advocatícios através da modalidade de licitação denominada pregão, seja sob a forma presencial, seja por meio eletrônico e, para abordar o tema, é fundamental transcrever as normas legais de regência, estampadas no ordenamento vigente, ou seja, aquelas que disciplinam, de um lado, a contratação dos serviços objetivados pela administração e, de outra banda, o pregão.

 

Confira-se, portanto, o artigo 13 e, em especial, seus incisos II, III e V, da Lei nº 8.666/93[3] e artigo 1º e seu parágrafo único, da Lei nº 10.520/02 [4]:

 

Artigo 13. Para fins desta Lei, consideram-se serviços técnicos profissionais especializados os trabalhos relativos a:

[…]

II – pareceres, …;

III – assessorias ou consultorias técnicas…;

V – patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas; (g.n.)

 

e

                                    

Artigo 1º. Para aquisição de bens e serviços comuns, poderá ser adotada a licitação na modalidade pregão, que será regida por esta Lei.

Parágrafo único. Consideram-se bens e serviços comuns, para os fins e efeitos deste artigo, aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado. (g.n.)

 

Ora, para o observador mais atento, ainda que medianamente ilustrado, salta aos olhos a óbvia distinção entre serviços técnicos especializados e serviços comuns. Como diria Nelson Rodrigues, com o sarcasmo que lhe era peculiar: é o óbvio ululante!

 

Em primeira abordagem, é óbvio que não podem ser considerados comuns ou facilmente encontrados no mercado, quaisquer serviços que demandem, como condição de execução, o concurso de profissional com formação superior que, tratando-se de bacharel em ciências jurídicas, deve ultrapassar, ainda, exame sabidamente rigoroso, realizado pela entidade de classe: a Ordem dos Advogados do Brasil. Exame da Ordem que, consideradas as dificuldades que apresenta, pode significar, para quem é aprovado – a média é de aproximadamente vinte por cento dos milhares de inscritos – ao menos um início de especialização e, portanto, de notoriedade.

 

Ademais, como bem anota o ilustre Fulvio Julião Biazzi,  Conselheiro do Egrégio Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, para um bem ou serviço caracterizar-se como “comum”, para os efeitos de sua aquisição pela modalidade de Pregão, é necessário sua disposição de imediato no mercado fornecedor, possibilitando sua aquisição ou fruição por qualquer ente administrativo, satisfazendo as necessidades do contratante sem que seja necessária sua adaptação para atendimento de especificações individualizadas.[5]

 

Induvidosamente, resta cristalino que, na contratação de serviços advocatícios, seja qual for o objeto, “pareceres, assessorias ou consultorias técnicas, patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas”, as especificações individualizadas do serviço pretendido pela Administração estão sempre presentes, seja aquela singularidade que marca o trabalho de cada profissional, isto é, o caráter personalíssimo do seu trabalho, seja aquele laço de confiança entre contratante e contratado, pontua o festejado colega Alberto Zacharias Toron9 .

 

Caráter personalíssimo, laço de confiança que, a toda evidência e mesmo nos casos aparentemente simples, não podem ficar à mercê de escolha pautada por embate de ofertas de preços, verdadeiro leilão que muito se assemelha àqueles das bolsas de valores.

 

Lances verbalizados, no pregão presencial ou digitalizados, no eletrônico, mas verdadeira guerra de preços inaceitável, intolerável, sob o prisma do que dispõem o Estatuto e Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, como bem lembra a Professora Alice Gonzales Borges, in verbis:

 

“(…) O exercício ético da advocacia não se compadece com a competição entre seus profissionais, nos moldes das normas de licitação, cuja própria essência reside justamente na competição. Muito apropriadamente, o Código de Ética recomenda, no oferecimento do serviço de advogado, moderação, discrição e sobriedade (arts. 28 e 29).

O artigo 34, inciso IV, do Estatuto da OAB veda ao advogado angariar ou captar causas, com ou sem a intervenção de terceiros. O Código de Ética, no artigo 5º, estabelece o principio da incompatibilidade do exercício da advocacia com procedimentos de mercantilização e, no artigo 7º, veda o oferecimento de serviços profissionais que impliquem, direta ou indiretamente, inculcação ou captação de clientela. [6]

 

A oferta de preços em lances sucessivos, como acontece na licitação através de pregão, em que se busca o menor preço, é um demérito à qualificação do profissional, é “aviltar a atividade, assemelhando-a a um produto” decidiu o Tribunal de Ética e Disciplina I, da OAB de São Paulo, ao enfrentar o tema em debate.[7]

 

E, trilhando a mesma senda, o Egrégio Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, em mais de uma oportunidade, em sede de exame prévio de editais de licitações, na modalidade pregão presencial, tem assentado:

 

EDITAL. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. INAPLICABILIDADE DA MODALIDADE PREGÃO. CONFLITO COM O CÓDIGO DE ÉTICA DA OAB.

IMPOSSIBILIDADE DE SE ALOCAR A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS TÉCNICO-JURIDICOS OBJETO DO CERTAME DENTRE OS SERVIÇOS COMUNS DE QUE TRATA A LEGISLAÇÃO DE REGÊNCIA (LEI Nº 10.520/020; CONFLITO DO CÓDIGO DE ÉTICA E DISCIPLINA DA OAB E A SISTEMÁTICA DO PREGÃO; IMPRECISÃO NA ESPECIFICAÇÃO DO OBJETO.[8]

 

Ao fim e ao cabo, oportuno lembrar que, no âmbito da União, foi editado o Decreto nº 3.555, de 2000 que em seu ANEXO II, com a redação dada pelo Decreto nº 3.784, de 2001, estampa a CLASSIFICAÇÃO DE BENS E SERVIÇOS COMUNS, sendo certo que, dentre os 37 (trinta e sete) SERVIÇOS COMUNS relacionados não se encontra qualquer menção a serviços advocatícios.

 

 

…não se contrata advogado como se compra uma caixa de pregos.[9]

Alberto Zacharias Toron

Advogado. Secretário-Geral do Conselho Federal da OAB.

 

 

* Advogado. Especialista em Direito Público

 

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[1] Reflexões Acerca da Ética e das Prerrogativas dos Advogados, Revista do Advogado nº 93, Setembro de 2007 – p.82

[2] LEI Nº 8.666, DE 21 DE JUNHO DE 1993 – Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências

 

[3] Ação Penal 348-Santa Catarina, Rel. Min. Eros Grau, Revisor , Min. Sepúlveda Pertence, DJU 03/08/2007. www.stj.gov.br

[4] Institui no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, nos termos do art. 37, inços XXI, da Constituição Federal, modalidade de licitação denominada pregão, para aquisição de bens e serviços de natureza comuns, e dá outras providências.

[5] Licitações e Contratos Administrativos – Uma Visão Atual à Luz dos Tribunais de Contas – Diversos autores – Editora Juruá – 2007 – p.267

[6] Revista de Direito Administrativo – nº 206 – p.138

[7]  Proc. E – 3.474/2007 (veja a íntegra em www.asbadvogados.com.br)

[8]  Processos TC 985/026/07 – Relator Conselheiro Robson Marinho – DOE de 23.03.2007 e 9834/026/06 – Relator Conselheiro Edgard Camargo Rodrigues – DOE de 30.05.06.

[9] Prerrogativas Profissionais e Cidadania: Duas Palavras, Revista do Advogado nº 93, Setembro de 2007 – p.10

 

Como citar e referenciar este artigo:
BAPTISTA, Antonio Sergio. Contratação de Serviços Advocatícios Mediante Pregão. Ilegalidade. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-administrativo/advpregilel/ Acesso em: 28 mar. 2024