Direito Administrativo

Breves anotações sobre o Processo Legislativo Municipal

Eduardo de Carvalho Rêgo[1]

Sumário

1. Considerações iniciais – 2. A Função Legislativa – 3. Competência legislativa na Constituição Federal – 4. Fases de elaboração das leis – 4.1. Iniciativa – 4.2. Discussão – 4.3. Votação – 4.4. Sanção ou Veto – 4.5. Promulgação – 4.6. Publicação – 5. Espécies de atos normativos – 5.1. Lei Complementar – 5.2. Lei Ordinária – 5.3. Lei Delegada – 5.4. Medida Provisória – 5.5. Decreto Legislativo – 5.6. Resolução – 6. Técnica Legislativa – 6.1. Epígrafe – 6.2. Ementa – 6.3. Preâmbulo – 6.4. Texto – 6.5. Artigo – 6.6. “Caput” – 6.7. Parágrafo – 6.8. Inciso – 6.9. Alínea – 6.10. Item – 7.Execução da Lei Municipal – 8. Considerações finais – Referências.

1. Considerações iniciais

O art. 59 da Constituição Federal[2] trata do processo legislativo, tendente a produzir as leis complementares, as leis ordinárias, os decretos legislativos e os demais atos normativos, que prescrevem aos cidadãos obrigações, direitos e proibições, estabelecendo, enfim, condutas às pessoas.

Com efeito, o processo legislativo é o conjunto de atos que garante a legitimidade da lei e dos atos normativos, notadamente porque, na confecção dessas normas, há documentação dos projetos, dos debates, dos pareceres, das audiências públicas, da votação, da sanção ou do veto do Chefe do Poder Executivo, da promulgação, da publicação e de quaisquer outros documentos pertinentes aos mais diversos casos, que atestem a regular tramitação do projeto que deu origem à lei.

É válido sublinhar que o escopo do presente estudo é apresentar o panorama geral do processo legislativo como um todo e, além disso, detalhar algumas características específicas do processo legislativo municipal, englobando, dessa forma, atividades típicas dos agentes públicos atuantes nos Poderes Executivo (iniciativa, veto, sanção…) e Legislativo (discussão, votação, publicação…).

Evidentemente que não se objetiva aqui esgotar o tema ou apresentar um manual completo de consulta para gestores públicos e/ou legisladores em geral. O que se pretende, na verdade, é fornecer um material prático, simples e compacto para a consulta diária daqueles que se deparam quotidianamente com os conceitos aqui abordados.

Na medida do possível, serão apresentadas sugestões de aperfeiçoamento ao processo legislativo municipal, como, por exemplo, a possibilidade de edição de medidas provisórias assinadas pelos Prefeitos Municipais, que não é comum na realidade municipal brasileira, mas que poderia tranquilamente ser utilizada, a teor do que constar na Constituição do Estado e na Lei Orgânica do Município.

Ressalte-se, por derradeiro, que não se pode confundir o processo aqui abordado com o procedimento que se faz na aprovação de indicações, moções, recomendações e outros requerimentos mais simplificados que tramitam nas casas Legislativas. Referidos procedimentos são atos administrativos e independem da participação do Chefe do Poder Executivo.

2. A Função Legislativa

Dentre as funções do Estado, está a de produzir leis e atos normativos primários, inovando o Direito. Tal função, salvo algumas poucas exceções, compete primordialmente ao Poder Legislativo, seja ele federal (Congresso Nacional), estadual (Assembleia Legislativa), distrital (Câmara Legislativa do Distrito Federal) ou municipal (Câmara Municipal) e se concretiza por meio do processo legislativo.

No âmbito federal, por força do disposto no art. 59 da Constituição do Brasil, o processo legislativo compreende a elaboração de emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções.

O Estado de Santa Catarina, no art. 48 de sua Constituição, seguiu a mesma lógica, prevendo um processo legislativo que compreende a elaboração de proposta de emenda à Constituição Federal, emendas à Constituição do Estado, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções.

Os Municípios catarinenses, em suas leis orgânicas, prescrevem os seus próprios processos legislativos, tendentes a elaborar, com algumas variações de um Município a outro, emendas à Lei Orgânica Municipal, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, decretos legislativos e resoluções.

3. Competência legislativa na Constituição Federal

A Constituição Federal prevê, em seu texto, matérias que carecem de regulamentação legislativa, instituindo também a competência para tratar delas. Assim, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não possuem competência irrestrita para legislar, competindo-lhes tratar apenas dos assuntos de sua competência.

Neste sentido, o art. 22 da Constituição Federal determina que compete privativamente à União legislar sobre direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial, do trabalho, desapropriação, serviço postal, nacionalidade, cidadania, naturalização etc.

Destarte, percebe-se que a Constituição reserva à União determinadas matérias relevantes, o que demonstra, segundo o jurista Alexandre de Moraes, a supremacia da União, neste aspecto, em relação aos demais entes federativos.[3]

Tal assertiva parece ser correta, ainda mais quando se leva em conta o disposto no art. 24 da Carta Federal, que dispõe acerca da competência concorrente entre União, Estados e Distrito Federal (não inclui os Municípios). Aqui, há uma divisão interessante: enquanto à União cabe editar normas gerais acerca de direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico, entre outros, aos Estados e ao Distrito Federal cabe editar leis específicas, logicamente harmônicas com os preceitos federais, sobre os mesmos temas.

Aos Municípios, por força do art. 30 da Constituição Federal, cabe legislar sobre assuntos de interesse local; suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei; criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual; organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial; manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população; promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Assim, compete ao Município instituir, por lei, tributos de sua competência (tais como o IPTU e o ISS), normas sobre parcelamento do solo, o Plano Diretor do Município, normas que tratem do tempo adequado de espera dos consumidores em filas bancárias etc.

4. Fases de elaboração das leis

4.1. Iniciativa

O processo legislativo municipal de criação das leis é iniciado sempre que o Prefeito ou os Vereadores apresentam projeto de lei. As leis orgânicas municipais, respeitando sempre os preceitos das Constituições Federal e Estadual, e por força do princípio da simetria[4], devem estabelecer as matérias cuja iniciativa compete ao Chefe do Poder Executivo e aquelas que são de competência comum dos Poderes Executivo e Legislativo.

De acordo com Hely Lopes Meirelles, são de iniciativa do Prefeito as leis que versem sobre “a criação, estruturação e atribuição das secretarias, órgãos e entidades da Administração Pública Municipal; a criação de cargos, funções ou empregos públicos na Administração direta e autárquica, fixação e aumento de sua remuneração; o regime jurídico dos servidores municipais; e o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias, os orçamentos anuais, créditos suplementares e especiais”.[5] As outras matérias são de iniciativa comum. Vale dizer: tanto o Chefe do Poder Executivo quanto os edis podem propor projetos de lei para regulamentá-las.

Destarte, sempre que a iniciativa para propor projetos de lei for desrespeitada, haverá inconstitucionalidade formal, sendo cabível a impugnação judicial da lei ou do ato normativo viciados na origem por meio do controle abstrato de constitucionalidade (ação direta de inconstitucionalidade) ou por meio do controle difuso de constitucionalidade (em qualquer processo judicial em que a questão constitucional se apresentar).

4.2. Discussão

Após a apresentação do projeto de lei ao Poder Legislativo, seja ele de autoria do Prefeito ou de qualquer dos Vereadores, tem início a fase das discussões, que visa aprimorar o projeto. É nessa fase que os parlamentares apreciam e dão sugestões acerca do tema, podendo emendar o projeto de lei. Os debates travados pelos edis geralmente modificam a proposta legislativa inicial, adaptando-a aos anseios da sociedade.

Contudo, é importante advertir que, em projetos de lei de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, não são admitidas emendas parlamentares que acarretem aumento de despesa, conforme preceitua o art. 63, I, da Constituição Federal, e art. 52, I, da Constituição de Santa Catarina. Nos dizeres de Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco, “não se impede a emenda em casos de iniciativa reservada, mas a emenda estará vedada se importar incremento de dispêndio”.[6]

Estará eivada de inconstitucionalidade, por exemplo, a emenda parlamentar à lei de orçamento anual que for incompatível com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.[7]

4.3. Votação

Após a discussão acerca da proposta legislativa, tem início a fase de votação. É nesse momento do processo legislativo que o projeto de lei, com ou sem emendas, será aprovado ou rejeitado pela Câmara Municipal.

 

 A Constituição de Santa Catarina, em seu art. 36, estipula as regras de votação da Assembleia Legislativa, que devem ser observadas também, por força do princípio da simetria, pelas Câmaras Municipais.

 

 Dispõe a Constituição Estadual:

Art. 36. Salvo disposição constitucional em contrário, todas as deliberações da Assembléia Legislativa e de suas comissões, presente a maioria absoluta dos seus membros, serão tomadas através do voto aberto, exigida a maioria simples.

De acordo com Michel Temer, “só se instala a sessão deliberativa com a presença da maioria dos integrantes da Casa Legislativa. Esta é a maioria absoluta. Presente essa maioria, delibera-se. Aprova-se mediante voto favorável da maioria dos presentes à sessão. Trata-se da maioria simples”.[8]

Ressalte-se, entretanto, que, para algumas matérias, há exigência de quórum específico. É o caso das leis complementares, que dependem de voto favorável da maioria absoluta dos membros do Parlamento.

4.4. Sanção ou Veto

Após a votação do projeto de lei, e uma vez aprovado pela Câmara Municipal, ele é encaminhado ao Chefe do Poder Executivo, que poderá sancioná-lo ou vetá-lo, conforme veremos adiante.

a) Sanção

Para Hely Lopes Meirelles, “Sanção é o ato de aprovação do projeto de lei pelo Executivo”.[9] É dizer: sempre que o Prefeito sanciona o projeto de lei, ele o transforma imediatamente em lei.

A sanção pode ser expressa ou tácita. É expressa quando o Chefe do Poder Executivo Municipal a declara formalmente, por meio de sua assinatura no projeto. É tácita quando o Prefeito deixa transcorrer o prazo constitucional de quinze dias para manifestação sem realizar qualquer ato.[10]

Saliente-se, por fim, que a sanção é ato de natureza política, exclusivo do Chefe do Poder Executivo, não admitindo o ordenamento jurídico brasileiro, em qualquer hipótese, a sua delegação, conforme, aliás, já elucidou Meirelles[11].

b) Veto

Ao vetar o projeto de lei, o Prefeito demonstra a sua insatisfação com a versão final da proposta. Pode fazê-lo, de forma irretratável, em duas hipóteses: ao entender ser o projeto inconstitucional, quando é chamado de veto jurídico, ou ao entender ser o projeto contrário ao interesse público, quando é chamado de veto político.

O veto, sempre editado de forma escrita, pode ser total, quando engloba toda a proposta legislativa, ou parcial, quando engloba apenas parte dela.

No entanto, é importante ressaltar, com Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco, que “O veto parcial não pode deixar de incidir sobre o texto integral de artigo, parágrafo, inciso ou alínea. Busca-se prevenir, assim, a desfiguração do teor da norma, que poderia acontecer pela supressão de apenas algum de seus termos”.[12]

No Brasil, os efeitos do veto não são definitivos, são relativos, pois, quando o Prefeito veta o projeto de lei, não está invalidando a proposta legislativa, mas apenas suspendendo-a. É que a Câmara Municipal poderá, posteriormente, mediante votação, derrubar o veto, dando origem à lei.

Importante destacar, por derradeiro, que o Poder Legislativo pode aceitar o veto apenas de forma parcial, se assim o entender. Nesses casos, a Câmara Municipal pode acatar o veto em relação a algum dos dispositivos da lei, mas o rejeitar em relação a outros. No que concerne ao processo legislativo, a última palavra, portanto, é sempre do Poder Legislativo.

4.5. Promulgação

A promulgação é o ato pelo qual se atesta a existência da lei. Diz-se, por essa razão, que não se promulga o projeto de lei, mas sim a própria lei, que nasce com a sanção ou com a derrubada do veto do Prefeito pela Câmara Municipal.

Quando o Prefeito sanciona a lei, incumbe-lhe promulgá-la. Quando a sanção é tácita, ou quando há veto, pode o Presidente da Câmara Municipal, diante da omissão do Chefe do Poder Executivo, promulgar a lei.

Conforme ensina Hely Lopes Meirelles, a partir da promulgação “a lei não pode ser revogada senão por outra lei. Sua vigência, entretanto, dependerá de publicação, visto que a promulgação completa apenas o processo de formação da lei. A promulgação exige sempre manifestação expressa, diversamente da sanção, que pode ser tácita, isto é, presumida do transcurso do prazo sem oposição formal de veto”.[13]

4.6. Publicação

O processo legislativo é finalizado com a publicação da lei, ocasião em que se dá ciência a todos os cidadãos de que a ordem jurídica foi inovada. A partir desse momento, diz Michel Temer, ninguém mais poderá alegar “ignorância da lei”.[14]

Ressalta Kildare Gonçalves Carvalho que “A competência para publicar recai sobre a autoridade que promulga”.[15]

A publicação há de ser sempre feita em órgão oficial. Michel Temer adverte que, “Nos locais onde não haja jornal oficial, considera-se publicado o ato governamental pelos meios em que rotineiramente se os veiculam no local (afixação de texto no quadro próprio da Câmara Municipal ou da Prefeitura, por exemplo)”.[16]

É importante mencionar que a interpretação do Tribunal de Justiça de Santa Catarina quanto ao tema é no sentido de que a publicação de lei realizada exclusivamente em mural existente na sede da Prefeitura é possível somente se não existirem jornais de circulação local. Caso contrário, a norma será inconstitucional:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEIS N. 061/97 E 134/99, DO MUNICÍPIO DE PIÇARRAS. PUBLICAÇÃO RESTRITA AO MURAL EXISTENTE NO EDIFÍCIO SEDE DA PREFEITURA. EXISTÊNCIA DE JORNAIS DE CIRCULAÇÃO LOCAL. VÍCIO DE FORMA. EXEGESE DO ART. 111, PARÁGRAFO ÚNICO, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO. MEDIDA LIMINAR. PRESSUPOSTOS PRESENTES. CONCESSÃO. Têm aparência de inconstitucionalidade as lei municipais publicadas em mural existente no edifício sede da Prefeitura, havendo jornais da microrregião com circulação local, onde deveria ocorrer a publicação, segundo o preceituado no artigo 111, parágrafo único, da Constituição Estadual.[17]

Por fim, quanto ao prazo de entrada em vigor da lei após a sua publicação, convém citar o disposto no art. 1º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro: “Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada”.

5. Espécies de atos normativos

5.1. Lei Complementar

A Lei complementar somente deve ser utilizada quando a Constituição ou a Lei Orgânica Municipal assim determinarem. Conforme salienta Pedro Lenza, “As hipóteses de regulamentação da Constituição através de lei complementar estão taxativamente previstas no Texto Maior. Sempre que o constituinte originário quiser que determinada matéria seja regulamentada por lei complementar, expressamente, assim o requererá”.[18]

Nos dizeres de Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins, a lei complementar é o “segundo veículo legislativo mais relevante”, pois “complementa a Constituição, explicitando-a”.[19] Até mesmo por isso, a aprovação dessa espécie normativa requer quórum diferenciado do ordinário, carecendo da concordância da maioria absoluta dos parlamentares. Conforme salienta Alexandre de Moraes,

[…] a razão de existência da lei complementar consubstancia-se no fato de o legislador constituinte ter entendido que determinadas matérias, apesar da evidente importância, não deveriam ser regulamentadas na própria Constituição Federal, sob pena de engessamento de futuras alterações; mas, ao mesmo tempo, não poderiam comportar constantes alterações através de um processo legislativo ordinário. O legislador constituinte pretendeu resguardar determinadas matérias de caráter infraconstitucional contra alterações volúveis e constantes, sem, porém, lhes exigir a rigidez que impedisse a modificação de seu tratamento, assim que necessário.[20]

Destarte, sempre que matéria de lei complementar for editada por outro veículo normativo, destoando das regras do processo legislativo, tem-se uma inconstitucionalidade formal, por ofensa direta à Constituição.

Com efeito, também não pode a lei complementar, a pretexto de possuir um quórum mais enrijecido, tratar de assuntos reservados a outras espécies normativas, como, por exemplo, aqueles destinados à lei ordinária. É que o legislador infraconstitucional não está autorizado a conferir status complementar a matérias de perfis ordinários, engessando o processo legislativo que vise alterá-la.

Contudo, até mesmo em homenagem ao princípio da economia legislativa, a edição de lei complementar tratando de assunto reservado à lei ordinária não redunda verdadeiramente em inconstitucionalidade, mas, sim, em mera irregularidade. De acordo com Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco, “O dispositivo da lei complementar, no caso, vale como lei ordinária e pode-se ver revogado por regra inserida em lei ordinária. Nesse sentido é a jurisprudência do STF”.[21] Equivale a dizer: quando a lei complementar invadir a competência legislativa da lei ordinária, poderá ser alterada posteriormente por lei ordinária, ou seja, por maioria simples da Câmara Municipal.

5.2. Lei Ordinária

Utiliza-se a lei ordinária quando não for exigida lei complementar e a matéria a ser regulada dependa de lei. É por isso que Kildare Gonçalves Carvalho diz que “O campo de abrangência da lei ordinária é o residual, vale dizer, cabe-lhe dispor sobre todas as matérias que, a juízo do legislador, devem ser normatizadas”.[22]

Com efeito, não há, na Constituição, reserva de lei ordinária a matérias específicas. Isso porque, sempre que a Carta Magna exigir lei para determinado assunto sem indicar qual veículo legislativo deve ser utilizado, deve-se pressupor que ela está a falar da lei ordinária. Assim, quando a Constituição ou a Lei Orgânica determinarem que “lei” irá tratar do assunto, ela estará se referindo à lei ordinária.

Por essas razões, é correto dizer que a regra é o tratamento dos assuntos por lei ordinária, com quórum de maioria simples, sendo excepcional a utilização de lei complementar, que requer quórum qualificado.

É importante destacar, por fim, que, embora o quórum de aprovação da lei ordinária seja menor, ela não é hierarquicamente inferior à lei complementar, pois, conforme salienta Michel Temer, “Não há hierarquia alguma entre a lei complementar e a lei ordinária. O que há são âmbitos materiais diversos atribuídos pela Constituição a cada qual destas espécies normativas”.[23]

5.3. Lei Delegada

Lei delegada é a norma confeccionada na íntegra pelo Chefe do Poder Executivo, após a expressa delegação conferida a ele pelo Poder Legislativo, sempre observando os limites expressos da delegação. Assim, pode-se dizer que a delegação abrevia o processo legislativo, ficando a cargo do Prefeito produzir a lei, sem a participação da Câmara Municipal na sua edição.

Para obter a delegação legislativa, o Chefe do Poder Executivo deverá solicitá-la ao Poder Legislativo, que poderá conceder a delegação ou não, por meio de resolução, a seu critério, pois o Prefeito não tem direito à delegação, ficando a cargo da Câmara Municipal a decisão política de anuir ou não ao pedido.[24]

Quanto ao processo de criação da lei delegada no âmbito federal, que se aplica ao âmbito municipal, Michel Temer destaca:

Dependendo do estabelecido na resolução autorizadora, que especificará seu conteúdo e os termos de seu exercício, haverá ou não apreciação do projeto pelo Congresso Nacional. Se a resolução não determinar essa apreciação, dispensa-se a sanção, passando-se à promulgação.

Mesmo que a resolução determine a apreciação pelo Congresso Nacional, parece-nos dispensável a sanção, porque o conteúdo do projeto de lei delegada não se alterará, visto que se fará em votação única, vedada qualquer emenda (art. 68, § 3º).[25]

Importante destacar que nem todas as matérias são passíveis de delegação, não se a admitindo, por exemplo, quando o assunto a ser deliberado dependa de lei complementar ou, então, quando o assunto envolva o plano plurianual, diretrizes orçamentárias e orçamentos.

Em Santa Catarina, no âmbito municipal, a lei delegada não é muito utilizada, mas não se encontra nenhum óbice à sua utilização, dentro, lógico, dos limites estabelecidos na Constituição e na Lei Orgânica Municipal.

5.4. Medida Provisória

As medidas provisórias são atos emanados do Chefe do Poder Executivo, com prazo determinado de duração, e que devem ser apreciados pelo Poder Legislativo em curto período de tempo (até cento e vinte dias), a fim de que possa ser convertida em lei ou rejeitada, sob pena de trancamento da pauta da Câmara Municipal. Pressupõem, sempre, urgência e relevância, aptas a excepcionar o princípio da separação dos Poderes, que confere a função legislativa primordialmente ao Poder Legislativo, atribuindo tal função somente ocasionalmente a outro Poder.

No âmbito federal, há uma série de restrições quanto à edição de medidas provisórias. Além de não ser admitida a sua reedição, não pode tratar de diversos assuntos, tais como nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos, direito eleitoral, direito penal, processual penal e processual civil, organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros, entre outros.

Muito provavelmente, é por causa das fortes restrições, inerentes à sua natureza, que o instituto não é muito difundido no âmbito dos Municípios.

Interessante trazer à discussão o comentário do Professor e Promotor de Justiça de São Paulo Raúl de Mello Franco Júnior:

Embora nos pareça certa a possibilidade de edição de medidas provisórias municipais, é de se reconhecer a pouca utilidade que elas poderiam ter. Isto, por certo, bem explica o grande desinteresse demonstrado pelos legisladores municipais quanto ao instituto, haja vista o diminuto número de Municípios que fizeram inserir a previsão de tal espécie normativa em suas leis orgânicas.

Algumas peculiaridades da seara municipal apresentam-se como razoáveis justificativas. Primeiramente, o rol de competências administrativas e legislativas dos Municípios não tem, nem de longe, a vastidão de hipóteses verificadas no campo de incidência da legislação federal. As situações de urgência, nos Municípios, estão quase sempre atreladas muito mais a providências administrativas, materiais, do que, propriamente, legislativas. Além disso, o procedimento legislativo sumário, contrariamente ao que se verifica no nível federal, funciona razoavelmente bem, permitindo que os projetos de iniciativa do Executivo sejam deliberados em prazos exíguos. Os regimentos internos de algumas casas prevêem, ainda, urgências especiais que permitem a deliberação em pouquíssimos dias, sobretudo quando o prefeito, como sói acontecer, conta com base parlamentar que lhe dá o necessário suporte. Fosse o contrário e, por certo, muito pouco valeria a medida provisória, que seria rejeitada pelo Legislativo Municipal com rapidez equivalente àquela com a qual foi produzida.

De qualquer modo, são observações práticas acerca da utilização da medida que, tais como as razões políticas comumente invocadas, não atingem a possibilidade jurídica do uso do instrumento.[26]

Destarte, ainda que se considere possível a instituição, em Santa Catarina, de medidas provisórias no âmbito municipal, sua utilidade prática é pouca, uma vez que os outros veículos legislativos são mais céleres e eficazes.

5.5. Decreto Legislativo

Decretos Legislativos, na dicção de Pontes de Miranda, “são as leis a que a Constituição não exige a remessa ao Presidente da República para a sanção (promulgação ou veto)”.[27] Seu escopo principal, destarte, é tratar das matérias de competência exclusiva do Poder Legislativo que produzam, em regra, efeitos externos.

No âmbito Estadual, referidas matérias são as previstas no art. 40 da Constituição, cabendo citar, a título exemplificativo, a de autorizar referendo e convocar plebiscito, mediante solicitação subscrita por no mínimo dois terços de seus membros; a de aprovar ou suspender a intervenção nos Municípios; a de sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites da delegação legislativa; e a de julgar anualmente as contas prestadas pelo Governador e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de governo.

Ressalte-se que o decreto legislativo passa por processo legislativo semelhante ao das leis ordinárias, mas, por dispensar a participação do Chefe do Poder Executivo, deve ser promulgado pelo Presidente da Assembleia Legislativa ou, no caso do Município, da Câmara Municipal.

Sobre a natureza dos decretos legislativos, salienta Hely Lopes Meirelles,

O decreto legislativo não é lei nem ato simplesmente administrativo; é deliberação legislativa de natureza político-administrativa de efeitos externos e impositivos para seus destinatários. Não é lei porque lhe faltam a normatividade e generalidade da deliberação do Legislativo sancionada pelo Executivo; não é ato simplesmente administrativo porque provém de uma apreciação política e soberana do plenário na aprovação da respectiva proposição. Daí por que só deve ser utilizado para consubstanciar as deliberações do plenário sobre assuntos de interesse geral do Município mas dependentes do pronunciamento político do Legislativo, ainda que sobre matéria de administração do Executivo, ou concernentes a seus dirigentes. Nessa conformidade, o decreto legislativo é próprio para a aprovação de convênios e consórcios; fixação da remuneração do prefeito; cassação de mandatos; aprovação de contas; concessão de títulos honoríficos; e demais deliberações do plenário sobre atos provindos do Executivo ou proposições de repercussão externa e de interesse geral do Município.[28]

Por fim, não se pode esquecer que o decreto legislativo também é relevante no processo de confecção das medidas provisórias, pois, sempre que ela for rejeitada pelo Poder Legislativo, perde a eficácia desde a origem, cabendo ao Congresso Nacional, à Assembleia Legislativa ou à Câmara Municipal, conforme o caso, por meio do decreto legislativo, regulamentar as relações jurídicas construídas sob a égide da medida provisória rejeitada.

Assim, caso o Município adote a possibilidade de edição de medidas provisórias, deve também reservar ao decreto legislativo a mesma função que ele possui no processo legislativo federal e estadual.

5.6. Resolução

A resolução é o ato normativo que regulamenta as matérias de competência privativa da Câmara Municipal que, via de regra, produzam efeitos internos. A exceção é a resolução que concede delegação legislativa ao Prefeito, pois esta, obviamente, produz notórios efeitos externos.

A peculiaridade da resolução, conforme elucida o doutrinador Michel Temer, é que, fora a exceção já explicitada, “O constituinte não definiu quais os atos que serão veiculados por resoluções”.[29] Hely Lopes Meirelles, entretanto, ao comentar sobre o âmbito de sua utilização prática, esclarece que a resolução se presta à aprovação do regimento interno da Câmara Municipal; à criação, transformação e extinção dos seus cargos e funções; à concessão de licença a Vereador; à organização dos serviços da Mesa; e à regência de outras atividades internas da Câmara.[30]

Por fim, ressalte-se que, a exemplo do decreto legislativo, na resolução também não há a participação do Prefeito no processo de sua edição, notadamente porque a matéria a ser veiculada por este ato normativo diz respeito exclusivamente ao Poder Legislativo.

6. Técnica Legislativa

A uniformidade que requer o ordenamento jurídico não permite, no que concerne à forma, a plena liberdade do legislador ao elaborar as leis. Isto é, sempre que for deflagrado o processo legislativo, deve-se manter certo padrão, não sendo admitida a criação de estrutura destoante ou símbolos gráficos diversos daqueles comumente utilizados no processo de elaboração dos atos normativos.

Assim, faz-se mister que a lei possua sempre epígrafe, ementa e preâmbulo, devendo seu texto ser composto por artigos e, quando necessário, parágrafos, incisos e alíneas.

É importante assinalar, por último, que qualquer Lei Municipal produzida no Brasil deve buscar subsídios na Lei Complementar Federal nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, que “Dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal, e estabelece normas para a consolidação dos atos normativos que menciona”, pois referida Lei Federal, além de ser um documento legislativo oficial, é um verdadeiro manual de técnica legislativa.

6.1. Epígrafe

A epígrafe é composta pelo número da lei e a data de sua edição, tudo em letras maiúsculas, conforme pode ser visto no exemplo a seguir:

 

LEI COMPLEMENTAR Nº 95, DE 26 DE FEVEREIRO DE 1998.

No âmbito estadual, utiliza-se a numeração sequencial, garantindo-se que duas ou mais leis, independentemente do ano de sua promulgação, jamais tenham o mesmo número. A utilização da numeração sequencial proporciona uma maior organização e facilita a própria pesquisa à legislação.

No âmbito Municipal, por outro lado, ainda se percebe infelizmente uma certa predileção pela numeração anual, que parte da Lei Municipal nº 01 no início de cada ano, o que acarreta para o operador do Direito e para os próprios munícipes diversas confusões.

Ideal seria que os Municípios catarinenses adotassem o modelo de numeração utilizado pelo Estado de Santa Catarina, uniformizando, nesse aspecto, o processo legislativo.

6.2. Ementa

A ementa é o resumo do texto legislativo. Contém, por isso, a síntese dos assuntos a serem tratados na lei. De acordo com Kildare Gonçalves Carvalho, “A redação da ementa deve ser concisa, precisa nos seus termos, clara e real. É comum constar da ementa a expressão ‘e dá outras providências’ como referência aos assuntos complementares, não fundamentais da lei”.[31]

Geralmente, a ementa não é muito extensa, sendo composta por apenas uma ou duas frases, o que demonstra o seu caráter sintético.

Veja-se, a título de exemplo, a ementa da Lei Complementar Federal nº 95/1998, anteriormente citada:

Dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal, e estabelece normas para a consolidação dos atos normativos que menciona.

É importante salientar, por último, a importância de não haver qualquer contradição entre o texto da ementa e o texto normativo da lei, até porque, conforme ressalta Hely Lopes Meirelles, a ementa “ajuda a interpretação do texto, por conter a essência do pensamento do legislador”.[32]

6.3. Preâmbulo

O preâmbulo serve para apontar, resumidamente, os trâmites principais do processo legislativo, especificamente indicando de quem foi a iniciativa da lei e quem a promulgou. De acordo com o art. 6º da Lei Complementar Federal nº 95/1998, “O preâmbulo indicará o órgão ou instituição competente para a prática do ato e sua base legal”.

Hely Lopes Meirelles aponta alguns equívocos rotineiros na elaboração do preâmbulo de leis municipais no Brasil:

Nossas leis, por tradição, repetem uma impropriedade logo no preâmbulo, ao declarar, erroneamente, que “a Câmara decreta e o prefeito sanciona e promulga a lei”. Ora, a Câmara não decreta a lei; a Câmara a aprova. O decreto é ato do Executivo, que não deve ser confundido com a atividade legislativa da Câmara. O correto, portanto, será dizer-se, no preâmbulo, que a Câmara aprova e o prefeito sanciona e promulga a lei.[33]

No âmbito dos Municípios catarinenses, nem sempre é presente a indicação da origem da Lei, se de iniciativa do Chefe do Poder Executivo ou de membro do Poder Legislativo, deixando o preâmbulo incompleto e impossibilitando a identificação da autoridade que iniciou o processo legislativo.

6.4. Texto

O texto abrange todo o conteúdo normativo da lei. Conforme o tamanho e a quantidade de assuntos a serem tratados na lei, pode estar dividido em livros, títulos, capítulos e seções, devidamente compostos pelos artigos e desdobramentos destes.

6.5. Artigo

O artigo consagra direitos. Comumente prescreve condutas, sejam elas comissivas ou omissivas. O importante é que trate sempre de tema determinado, facilitando a atuação do intérprete, não concentrando, em sua redação, diversos assuntos destoantes.

Sobre a técnica legislativa dos artigos, comenta Kildare Gonçalves Carvalho:

Relativamente à numeração, a prática consagrada é a de adotar a numeração ordinal consecutiva até o artigo nono (art. 9º) e, a partir do artigo de número 10, empregar-se o algarismo arábico correspondente, seguido de ponto. Os artigos serão designados pela abreviatura “art.”, sem traço antes do início do texto, que será iniciado por letra maiúscula e encerrado com ponto-final, à exceção dos artigos que tiverem incisos, casa em que serão encerrados por dois pontos.

Dependendo da complexidade do artigo, ele pode conter apenas o caput ou desdobrar-se em parágrafos, incisos, alíneas e itens.

6.6. “Caput”

O caput (pronuncia-se “cáput”) ou a cabeça do artigo é a parte principal da norma. Muitas vezes os artigos possuem apenas o caput, não estando desdobrados em parágrafos, incisos, alíneas ou itens.

Um bom exemplo de artigo composto apenas pelo caput é o art. 2º do Código Civil brasileiro, que assim dispõe:

Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

Muitos autores tratam como sinônimos as expressões “artigo” e “caput”, mas esse não parece ser o entendimento mais correto, uma vez que, em termos práticos, o significado deste último é menos abrangente do que o primeiro.

6.7. Parágrafo

Via de regra, os parágrafos excepcionam a regra descrita no caput, mas podem também estabelecer regras complementares que não foram encaixadas na cabeça do artigo.

Entretanto, uma coisa é certa: o parágrafo sempre fará referência ao artigo, devendo ser interpretado em seu contexto.

Quanto à forma, é importante destacar que, quando houver apenas um parágrafo, será denominado “parágrafo único”, devendo ser escrito por inteiro, não comportando abreviações. Ao contrário, quando houver mais de um parágrafo, a abreviação é obrigatória, devendo o parágrafo assumir o seu símbolo (§), acompanhado do numeral ordinal (1º ao 9º) ou cardinal (10 em diante).

Hésio Fernandes Pinheiro elenca em sua obra algumas regras que devem acompanhar a redação dos parágrafos. São elas:

1ª Regra – Constitui objeto do parágrafo o conjunto de pormenores ou preceitos necessários à perfeita inteligência do artigo.

2ª Regra – A matéria tratada no parágrafo deve estar intimamente ligada à de que se ocupa o artigo.

3ª Regra – A regra fundamental, o princípio, nunca deve ser enunciado em parágrafo.

4ª Regra – O parágrafo deve conter as restrições do artigo ou, então, completar as disposições deste último.[34]

Seguindo-se à risca as quatro regras acima mencionadas, a técnica será correta e os equívocos legislativos serão evitados.

6.8. Inciso

O inciso, na dicção de Hely Lopes Meirelles, tem a função de “discriminar as várias hipóteses abrangidas pela disposição a que se subordina”.[35] Pode vir na sequência de artigo ou parágrafo e é sempre escrito sob a forma de algarismo romano.

Do Código Civil, pode-se extrair um exemplo de artigo subdivido em incisos:

Art. 3o São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:

I – os menores de dezesseis anos;

II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;

III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.

Note-se como, no caso, os incisos apresentam hipóteses distintas e não cumulativas de incidência da norma prevista no caput.

6.9. Alínea

A alínea ou letra é uma subdivisão que complementa o disposto no artigo, parágrafo ou inciso. Conforme salienta Meirelles, “A alínea é freqüentemente confundida com o inciso, mas a técnica legislativa os distingue. Os incisos contêm hipóteses diversas; as alíneas contêm hipóteses conexas com as da cabeça do dispositivo a que pertencem”.[36]

De acordo com Kildare Gonçalves Carvalho, “A alínea ou letra, grafada em itálico, será indicada em minúsculo e seguida de parêntese: a); b); c) etc.”.[37]      

6.10. Item

De acordo com Kildare Gonçalves Carvalho, “Os itens, que serão grafados por algarítimos arábicos, seguidos de ponto (‘1’ ‘2’, etc.), constituem desdobramento das alíneas. O texto dos itens inicia-se por letra minúscula e termina em ponto-e-vírgula, salvo o último, que se encerra por ponto final”.[38]

O item é muito pouco utilizado na técnica legislativa brasileira, sendo praticamente inexistente em leis municipais, até mesmo pelo fato de já existirem várias outras possibilidades de subdivisões. Com efeito, é muito difícil, dentro de um mesmo artigo, haver tantos assuntos distintos e tantas regulações a fazer a ponto de haver espaço para o caput, os parágrafos, os incisos, as alíneas e os itens.

7. Execução da Lei Municipal

Nos dizeres de Hely Lopes Meirelles, “Incumbe ao Prefeito, como agente executivo que é, executar e fazer cumprir as leis e outras normas legais”.[39] Ou seja: na condição de Administrador Público, cumpre ao Chefe do Poder Executivo dar efetividade à letra da lei, transformando-a de texto geral e abstrato em atos específicos e de efeitos concretos.

Para a consecução deste mister, dispõe o Prefeito do poder regulamentar, que se traduz na possibilidade de edição de decretos tendentes a regulamentar a legislação municipal produzida pela Câmara de Vereadores, conforme elucida Hely Lopes Meirelles:

O poder regulamentar é atributo do chefe do Executivo, e por isso mesmo não fica na dependência de autorização legislativa; deriva do nosso sistema constitucional, como faculdade inerente e indispensável à chefia do Executivo (CF, art. 84, II). Assim sendo, não é necessário que cada lei contenha dispositivo autorizador de sua regulamentação. Toda vez que o prefeito entender conveniente poderá expedir, por decreto, regulamento de execução, desde que não invada as chamadas reservas de lei nem contrarie suas disposições e seu espírito. O essencial é que o regulamento não extravase da lei, porque seu conteúdo há de ser o da própria norma legislativa, distendido em minúcias que só ao Executivo é dado conhecer. E se compreende essa restrição, porque, na ordem hierárquica das normas, o regulamento se encontra em plano inferior ao da lei. Não pode, por isso mesmo, revogá-la, modificá-la ou contrariá-la; pode apenas esclarecê-la.[40]

É comum a existência de dispositivo legal que condiciona a aplicação de lei municipal à edição de decreto regulamentar. Tal disposição é plenamente cabível e cria para o Prefeito a obrigação de expedir o ato regulamentar para que a norma legal possa ser aplicada. Em suma: havendo tal disposição na lei municipal, o Prefeito é obrigado a editar o decreto regulamentar, mas somente após a edição do ato administrativo é que, via de regra, a lei municipal poderá ser cumprida.

Por outro lado, é evidente que, pelo princípio da separação dos Poderes, não pode a Câmara Municipal fixar prazo para que o Chefe do Poder Executivo edite o decreto regulamentar, uma vez que este último é ato administrativo típico da Administração Pública do Município. Aceitar tal interferência do Poder Legislativo no Poder Executivo significaria pôr em xeque a própria independência do gestor público.

Contudo, conforme adverte Alexandre Magno Fernandes, a omissão em regulamentar a lei é inconstitucional, “visto que, em última análise, seria o mesmo que atribuir ao Executivo o ‘poder de legislação negativa’, ou seja, de permitir que a inércia tivesse o condão de estancar a aplicação da lei, o que, obviamente, ofenderia a separação de poderes”. A solução apresentada pelo autor é a seguinte:

Assim, se for ultrapassado o prazo de regulamentação sem a edição do respectivo regulamento, a lei deve tornar-se exequível para que a vontade do legislador não se afigure inócua e eternamente condicionada à do administrador. Nesse caso, os titulares dos direitos previstos na lei passam a dispor de ação com vistas a obter, do Judiciário, decisão que lhes permita exercê-los, suprindo a ausência de regulamento.[41]

A ação mencionada pelo autor é o mandado de injunção, em que o jurisdicionado reclama ao Poder Judiciário a ausência de norma regulamentadora de seu direito.

8. Considerações Finais

O processo legislativo municipal possui a mesma relevância do processo legislativo estadual ou federal. Como é sabido, a Constituição Federal de 1988 não colocou as normas federais, estaduais e municipais em nível hierárquico, mas reservou a cada uma dessas espécies normativas temas distintos. Vale dizer: as normas federais, estaduais e municipais se complementam.

É verdade que a Carta Magna Brasileira reservou à União e aos Estados as matérias mais relevantes, e é claro que as normas municipais devem respeitar os ditames das leis federais e estaduais, mas isto não significa dizer que os Municípios não possuam, dentro do contexto brasileiro, função legislativa importante. Conforme visto, em certas matérias, só o Município pode legislar, como, por exemplo, tributos municipais.

Ora, por força do art. 30 da Constituição Federal, há matérias indispensáveis à mobilização da sociedade que somente podem ser tratadas por meio de legislação municipal. Temas que afetam o dia-a-dia do cidadão comum passam necessariamente pelas discussões travadas dentro do Poder Legislativo Municipal. O parcelamento do solo urbano, o transporte coletivo, o regime jurídico dos servidores ou os tributos municipais, por exemplo, dependem da prévia deliberação dos Vereadores.

O processo legislativo municipal precisa ser levado a sério. A moderna visão do serviço público exige dos políticos brasileiros, daqueles que são os legítimos representantes do povo, um verdadeiro comprometimento e zelo para com a coisa pública. Não há mais lugar para leis que visem favorecer um pequeno grupo de pessoas em detrimento de toda a coletividade, tais como aquelas que concedem isenções tributárias descabidas, que autorizam o pagamento de pensões sem justificativa plausível, que alteram o plano diretor em prejuízo ao meio ambiente, que permitem a contratação temporária de servidores para a realização de serviços permanentes, que criam centenas de cargos comissionados para beneficiar os apadrinhados políticos, que promovem a prestação de serviços públicos sem a prévia licitação, etc.

           

Referências

BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed.São Paulo: Saraiva, 1999. vol. – Tomo I.

CARVALHO, Kildare Gonçalves. Técnica Legislativa. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.

_________. Direito Constitucional. 14. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.

CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. Salvador: Podvm, 2008.

FRANCO JÚNIOR. Raúl de Mello. Medidas Provisórias editadas por Estados, Distrito Federal e Municípios. Disponível em http://www.raul.pro.br/artigos/mp-est.htm.

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MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

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MOREIRA, Alexandre Magno Fernandes. Poder Regulamentar. Disponível em 19.01.2011 no seguinte link: http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20110118231013562.

TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.



[1] Advogado; Chefe de Gabinete de Auditor Substituto de Conselheiro no Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina; Doutorando em Direito, Política e Sociedade pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC; Mestre em Teoria, História e Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina UFSC; Especialista em Direito Constitucional pela Universidade do Sul de Santa Catarina UNISUL; Ex-Assessor Jurídico do Centro de Apoio Operacional do Controle de Constitucionalidade CECCON, do Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

[2] “Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de: I – emendas à Constituição; II – leis complementares; III – leis ordinárias; IV – leis delegadas; V – medidas provisórias; VI – decretos legislativos; VII – resoluções. Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis”.

[3] Cf. MORAES, Alexandre. Constituição do Brasil Interpretada. São Paulo: Atlas, 2002, p. 665.

[4] Conforme salienta o jurista baiano Dirley da Cunha Júnior, “as regras do processo legislativo, em especial as concernentes à iniciativa legislativa, por força da simetria, são de observância obrigatória para os Estados, Distrito Federal e Municípios” (CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. Salvador: Podvm, 2008, p. 909).

[5] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 732-733.

[6] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 831.

[7] Cf. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, p. 831.

[8] TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 140.

[9] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, p. 724.

[10] Cf. CARVALHO, Kildare Gonçalves. Técnica Legislativa, p. 147.

[11] Cf. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, p. 123.

[12] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, p. 833.

[13] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, p. 724-725.

[14] TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional, p. 145.

[15] CARVALHO, Kildare Gonçalves. Técnica Legislativa, p. 160.

[16] TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional, p. 145.

[17] TJSC, Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2000.001284-0, de Balneário Piçarras, rel. Des. Sérgio Paladino, j. 07-03-2001.

[18] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 10. ed. São Paulo: Método, 2006, p. 294.

[19] BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed.São Paulo: Saraiva, 1999, p. 324, 4. vol. – Tomo I.

[20] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 656.

[21] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, p. 836.

[22] CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. 14. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 1043.

[23] TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional, p. 150.

[24] Cf. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, p. 834.

[25] TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional, p. 153.

[26] FRANCO JÚNIOR. Raúl de Mello. Medidas Provisórias editadas por Estados, Distrito Federal e Municípios. Disponível em http://www.raul.pro.br/artigos/mp-est.htm.

[27] MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967: com a emenda nº 1 de 1969. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973, p. 142.

[28] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, p. 659-660.

[29] TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional, p. 157.

[30] Cf. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, p. 660.

[31] CARVALHO, Kildare Gonçalves. Técnica Legislativa, p. 105.

[32] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, p. 670.

[33] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, p. 670-671.

[34] PINHEIRO, Hésio Fernandes. APUD CARVALHO, Kildare Gonçalves. Técnica Legislativa, p. 114.

[35] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, p. 671.

[36] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, p. 671.

[37] CARVALHO, Kildare Gonçalves. Técnica Legislativa, p. 115.

[38] CARVALHO, Kildare Gonçalves. Técnica Legislativa, p. 115.

[39] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, p. 727.

[40] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, p. 728.

[41] MOREIRA, Alexandre Magno Fernandes. Poder Regulamentar. Disponível em 19.01.2011 no seguinte link: http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20110118231013562.

Como citar e referenciar este artigo:
RÊGO, Eduardo de Carvalho. Breves anotações sobre o Processo Legislativo Municipal. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2015. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-administrativo/breves-anotacoes-sobre-o-processo-legislativo-municipal/ Acesso em: 29 mar. 2024