Direito Administrativo

A lei de responsabilidade fiscal e o término dos mandatos dos prefeitos – a polêmica dos restos a pagar

A lei de responsabilidade fiscal e o término dos mandatos dos prefeitos – a polêmica dos restos a pagar

 

 

Antonio Sergio Baptista*

 

 

A questão dos restos a pagar, a partir da vigência da Lei Complementar nº 101/2000, recebeu disciplina bastante rígida, tanto no corpo deste último diploma quanto nas tipificações delituosas acrescentadas ao nosso Código Penal através da Lei nº 10.028/2000. Disciplina que tem origem em um dos pressupostos fundamentais da responsabilidade na gestão fiscal, dentre aqueles consagrados no parágrafo 1º, do artigo 1º, da Lei de Responsabilidade Fiscal: o equilíbrio das contas públicas.

 

 Equilíbrio que, em síntese, exige dos administradores públicos eficiente controle das despesas, mediante planejamento constante – outro pressuposto fundamental -, com adoção de medidas eficazes para adequá-las às receitas efetivamente arrecadadas.

 

 Neste contexto insere-se a questão dos restos a pagar, na medida em que, a partir do exercício de 2000 e, em seqüência, ao final de cada exercício financeiro, não mais poderão ser inscritos em restos a pagar os empenhos que oneraram dotações do exercício em curso, liquidados ou não, para as quais não existam, no encerramento do exercício, em 31 de dezembro, suficientes recursos financeiros em caixa para saldá-los, pecado capital que enseja a emissão de parecer de irregularidade das contas do exercício como, reiteradamente, vem decidindo o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.

 

Mas, no último ano do mandato, mesmo para aqueles que venham a reeleger-se, a Lei de Responsabilidade Fiscal, em seu artigo 42, caput, hospeda regra de vedação bastante severa. Confira-se:

 

 Artigo 42. É vedado ao titular de Poder ou órgão referido no art. 20, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação de despesas que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito. (destaquei)

 

 O texto acima, em primeira leitura, parece colocar as administrações públicas, nos últimos oito meses de mandato de seus titulares, em verdadeira camisa de força, quando proíbe contrair obrigação de despesas que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito.

 

 Traduzindo o verbo “contrair” por “contratar”, entenda-se, em princípio, que as despesas decorrentes de todos os contratos firmados a partir de 1º de maio de 2008, deverão ser liquidadas até 31 de dezembro de 2008 e, caso contrário, seja porque não houve tempo suficiente para o processamento do pagamento, seja porque o credor ainda não adimpliu seu obrigação, o numerário suficiente para os pagamentos deverá estar disponível no caixa.

 

 Mas não é só. Os recursos financeiros necessários para liquidar as obrigações assumidas, com previsão de pagamento para o(s) exercício(s) subseqüente(s), também deverão estar disponíveis no caixa, na mesma data, ou seja, 31 de dezembro de 2008.

 

Ora, neste ponto, a norma de vedação deve ser interpretada com certos temperamentos, inteligentemente, na lição de Carlos Maximiliano, nosso mestre maior da hermenêutica, não de modo que a ordem legal envolva absurdo, complementa o insigne jurista[1]; para que não se conclua, como querem alguns, que os recursos financeiros para pagar todas as parcelas vincendas, vinculadas a contratos, cujos cronogramas de execução perdurem ao longo de um ou mais exercícios, estejam disponíveis, congelados no caixa, em 31 de dezembro de 2008.

 

 Em verdade, aqueles que assim interpretam a regra de vedação, estampada no caput do artigo 42, parecem esquecer que a execução orçamentária é um conjunto harmônico de regras integrado: Plano Plurianual – PPA, Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO e Lei Orçamentária Anual – LOA, instrumentos com matriz constitucional que, disciplinam, dentre outras, as despesas decorrentes de obrigações contraídas pela Administração Pública, ou seja, aquelas obrigações contraídas no período de vedação – dois últimos quadrimestres – não estão sujeitas à regra geral de disponibilidade de caixa, desde que previstas no instrumental orçamentário relacionado nos incisos I a III do artigo 165 da Constituição Federal.[2]

 

 Exemplificando, imagine-se a contratação, após 1º de maio de 2008, de certa obra pública, prevista no PPA, na LDO de 2007 – que fixou diretrizes para o orçamento de 2008 – e na LOA de 2008, para ser executada em 24 meses e, portanto, avançando seu cronograma físico pelos exercícios de 2009 e 2010. Seria absurdo, verdadeiro exercício de teratologia, imaginar que a intenção do legislador infra-constitucional fosse no sentido de exigir que os recursos financeiros, necessários para o pagamento das parcelas a vencer em 2009 e 2010, fossem disponibilizados e congelados em caixa, no 31 de dezembro de 2008. Lembro-me de Fernando Pessoa: tudo, menos o ridículo!

 

 Aliás e para concluir, oportuno lembrar que o legislador colocou um freio no ordenamento de responsabilidade na gestão fiscal, um dispositivo de vedação, o artigo 45, caput [3], exatamente para evitar a tão costumeira paralisação de projetos e obras em execução, apenas por vontade política. Costume que, desgraçadamente, gerou um imenso número de projetos paralisados e obras inacabadas: mais de 2000, no âmbito federal, segundo apurou, a alguns anos atrás, o Tribunal de Contas da União.

 

 

 

 

 

[1] apud, Hermenêutica e Aplicação do Direito, Forense, 12ª edição, p.166

 

 

 

[2] Constituição Federal – Art. 165 –  Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:

 

I – o plano plurianual;

 

II – as diretrizes orçamentárias;

 

III – os orçamentos anuais.

 

 

 

[3]   Art. 45. Observado o disposto no § 5o do art. 5o, a lei orçamentária e as de créditos adicionais só incluirão novos projetos após adequadamente atendidos os em andamento e contempladas as despesas de conservação do patrimônio público, nos termos em que dispuser a lei de diretrizes orçamentárias.

 

 

* Advogado. Especialista em Direito Público

 

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Como citar e referenciar este artigo:
BAPTISTA, Antonio Sergio. A lei de responsabilidade fiscal e o término dos mandatos dos prefeitos – a polêmica dos restos a pagar. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-administrativo/a-lei-de-responsabilidade-fiscal-e-o-termino-dos-mandatos-dos-prefeitos-a-polemica-dos-restos-a-pagar/ Acesso em: 17 abr. 2024