Direito Penal

Segurança Pública – Misael Torquato Souza

Introdução

 

 

  A escalada da violência no Brasil tem levantado a questão da segurança pública como tema de importante relevância para a sociedade. A ineficiência das políticas públicas de segurança, a atuação pífia de nossas polícias, os casos de corrupção que envergonham essas corporações, a falta de efetivos que fazem crescer a segurança privada no país, entre outros, que jogam a imagem dos profissionais da segurança pública no descrédito.  

 

Por outro lado as queixas desses mesmos policiais em relação a seus comandos e do próprio tratamento da população em respeito aos mesmos. Os baixos salários, os desestímulos por falta de equipamentos, treinamento e apoio. Questões como a corrupção dentro da corporação, que consome por dentro os alicerces da mesma, ao mesmo tempo que desestimula o policial honesto, transformando-o as vezes em um policial omisso. 

 

Queremos abordar aqui nesse trabalho também a questão do desarmamento, questão já sepultada pelos noticiários nacionais mas de vital importância quando se trata de tratarmos da segurança pública no Brasil. 

 

Foi utilizado no levantamento para esse trabalho depoimentos de pessoas tiradas de jornais, e diretamente com elas falamos com comerciantes da avenida pequeno príncipe no bairro campeche, município de Florianópolis. Também foram ouvidos policiais da polícia militar, civil e rodoviária federal além de termos recorrido a duas obras de autores que escreveram crônicas policiais. O livro Rota 66 de Caco Barcelos, uma crítica ferrenha ao modelo policial atual, e o agora famoso Elite da Tropa de Luís Eduardo Soares que tenta mostrar a visão do policial numa tentativa de reconciliação da polícia com a sociedade. 

 

E por fim o sensacionalismo criado pelos meios de comunicação muitas vezes incentivando ao crime de forma indireta. Que motivos se podem elencar como responsáveis pela crescente escalada da violência no Brasil?   

 

As queixas da população

 

  É unânime entre a população o problema da falta da presença da polícia nas ruas. Em entrevistas feitas com moradores para a produção desse trabalho, todos eles sem exceção reclamam da ausência da polícia e das suas imensas burocracias. Os problemas de conflito de competência, como quando se vai atrás da Polícia Militar e ela manda procurar pela Polícia Civil e vice-versa. Situações que nos fazem desacreditar da instituição policial, ou quando temos que ligar para o número de emergência 190 e ele está sempre ocupado.   

 

A polícia exerce um fascínio dualístico na população, em parte ela faz o papel do mocinho, que deve prender o bandido, o delinqüente, aquele que gera o mal da sociedade. Ao mesmo tempo temos nela o órgão repressor do estado, o próprio mal social. Esse pêndulo onde se equilibra a imagem policial gera uma relação de ódio e amor de ambas as partes, como elucidaremos mais tarde.  Quando queremos ver os bandidos presos, e isso inclui também os criminosos de colarinho branco, está além de nós enxergarmos que não depende só da polícia. Há uma série de fatores políticos que influenciam em toda uma esfera estrutural corrupta, e historicamente corrupta. O fazendeiro que assassina, escraviza trabalhadores em suas terras não será condenado em um país marcado pela impunidade dos grandes. Essa revoltante realidade ultrapassa os poderes de polícia, e esfacela a credibilidade num estado liberal enfraquecido frente o poder econômico que como nunca influencia os caminhos da nação.  

 

Toda essa estrutura envolta em impunidade e corrupção transfere-se como revolta para a população civil, vítima do desemprego e do subemprego, mas isso é assunto para a questão da violência urbana e rural. O que falta nesse momento é o real poder de polícia, a polícia hierarquizada possui em seu comando um indivíduo ali colocado por indicação política, não por merecimento. Quando o crime é cometido por alguém que de uma certa forma gerencia o sistema, ele quase nunca será aborrecido pela punição prevista nesse sistema. O que em termos técnicos significa dizer que a injustiça está institucionalizada, vinculada à existência e manutenção do sistema. Logo o policial que vemos diante de nós é tão vítima do sistema quanto nós mesmos ao se ver impedido de fazer a justiça por empecilhos impostos pela lei.   

 

A estrutura do poder de polícia está diretamente ligada ao poder político vigente, não há independência do poder de polícia em relação ao poder político-eleitoreiro, diferentemente  do que há no poder judiciário. Ora se já vemos injustiças no poder judiciário que é um poder independente, o que esperar de um poder submisso aos ditames daqueles que patrocinaram suas campanhas?  

 

Ao contrário do que se tem pronunciado, a violência em alguns locais não são fomentadas por pobres sem vislumbre de uma vida melhor que ingressam no crime. Mas por fazendeiros poderosos que para manter seu poder ilegal usam de modos fraudulentos e violência desmedida para manter seu poder pelas vias do terror. Tendo ele alguma influência política será capaz de inclusive usar a polícia em benefício próprio contra seus adversários, sejam eles outros fazendeiros inimigos ou pobres exigindo justiça. Nesse caso a corrupção policial é ministrada de dentro para fora, com a inserção do agente político no comando capaz de desvirtuar a função policial, como um veneno injetado nas veias de uma pessoa que pode criar-lhe um mal temporário, permanente ou mesmo causar a morte. Em prova disso podemos citar a cidade de Colniza no interior do Mato Grosso que é líder do ranking brasileiro de violência com taxa média de homicídios de 165,3 para cada 100 mil habitantes.  

 

Presenciei uma querela entre polícia e população onde não se foi visto o verdadeiro inimigo, como é de costume, no dia 13/04/2007 por volta das 23:30 encerrava-se no estádio da Ressacada em Florianópolis o jogo do time da casa, o Avaí. Nesse mesmo horário pessoas, que passaram o dia todo estudando e trabalhando, retornavam a seus lares e depararam-se com a barreira policial que visava permitir o regresso dos que assistiram ao jogo à suas casas. Logo aqueles que estavam retornando do serviço, cansados e com fome ficaram por cerca de uma hora e meia trancados para que farristas pudessem regressar sem filas. Logo a população começou a se revoltar e tenho fotos comigo dos policiais sendo espancados. Não tiro da população seu direito de revolta contra tamanha injustiça, ainda mais que os torcedores que por ali transitavam vendo a revolta debochavam das mesmas. O problema é que elas não enxergaram que ali só havia policiais de baixa patente, executores de ordens e não indivíduos que tinham poder de decisão. A força da revolta chocou-se contra quem provavelmente tinha esposas retornando ao lar e ficaram igualmente trancadas na fila. Vemos nesse caso prático, uma vez mais, o descaso do poder de polícia para com os trabalhadores, o poder policial sendo uma vez mais usado de maneira injusta. Por quê? Porque há interesses políticos mais fortes em se manter o índice de público num estádio em alta, enquanto que trabalhadores não têm a opção de não mais trabalhar, pois do contrário morreriam de fome. Logo podemos enxergar nesses exemplos o problema da gestão da segurança pública e seu vínculo político que a desvirtua, tornando a imagem policial desgastada e no papel de algoz da sociedade ao invés de salvadores. Importante ressaltar que durante as entrevistas feitas à policiais para a execução desse trabalho, que os mesmos criticaram essas atitudes de seu comando chamando-os de comando politiqueiro e incompetente. Reclamam esses profissionais de serem regidos por um estatuto antigo, ultrapassado e “coronelístico”, mas isso estudaremos mais tarde.  

 

Em entrevistas feitas diretamente com a população do bairro onde moro, as queixas em geral são de falta da presença ostensiva policial. Moradores reclamam que há poucos policiais, poucas rondas. Alguns comerciantes locais fizeram as seguintes afirmações: 

 “Falta muito policial, a criminalidade só tem aumentado, a polícia não.” 

“Não me sinto segura de trabalhar domingo, tenho medo de ficar sozinha.” 

“Os PM’s não andam no bairro, os assaltos acontecem e eles não fazem nada.” 

“Falta ronda no bairro, eles não saem da base.” 

“Acho errado que os PM’s que  trabalhem aqui, também residam na comunidade, isso não dá segurança para eles.” 

“Em uma situação que uma moça alegou que seu carro foi assaltado nas proximidades, disseram que era caso para a Polícia Civil.” 

 

Uma das situações mais berrantes do descaso da polícia para com a população está contida na declaração da comerciante A. S.: 

“Não se vê a polícia na rua, parece que se escondem, se reclamamos mandam-nos contratar vigilantes. Parece que não querem trabalhar.” 

Também há muitas reclamações com as questões de trânsito no bairro: “O trânsito aqui é um caos.” 

“Falta atitude da PM para coibir questões de trânsito. Comerciantes se folgam com a carga e descarga em terreno alheio ou no meio da rua.”  

 

Todas essas situações foram descritas por comerciantes da Avenida Pequeno Príncipe, no Bairro Campeche. Fato interessante é que ao mesmo tempo a população agradece a presença da PM no local, cerca de um ano atrás a base Policial Militar ficava a menos de 1000 m do local onde se coletou essas informações e assim mesmo segundo os comerciantes houve significativa mudança no local:  

“A vinda da PM pra mais próximo de nós melhorou, reduziu a quantidade de danos praticados por delinqüentes.” 

“Havia muitos roubos,em especial em horário noturno.” 

“Fumavam maconha em terreno de estacionamento e depois ameaçavam as pessoas.” 

“Antes da vinda da PM pra cá isso daqui era uma anarquia.” 

“Em casa não posso reclamar, porque nem portão eu tenho.” 

“O tráfico sumiu depois que a PM veio pra cá. A presença deles coibiu a prática.” 

“Antes da PM vir pra cá, assaltaram minha mãe dentro do meu comércio.” 

“Longe daqui ( proximidades da base PM) continua a mesma coisa.”  

 

Interessante a colocação das pessoas ouvidas para o trabalho, que nem 1000 metros de distância fizeram considerável diferença na prática para esses cidadãos. O fato de que os mesmos afirmam que longe dos olhos da Polícia Militar, a segurança é apenas uma palavra sem sentido para as demais pessoas. Podemos concluir com isso que de fato faltam mais policiais de forma ostensiva, que atuem de forma a se fazerem presentes e exercerem efetivamente a função que lhes cabe na sociedade. Uma maior rigidez nas fiscalizações e presteza ao servir a população uma vez que são pagos para atuar e não para  mandarem contratar vigilante. 

 

Em um país em que a escalada do desemprego tem sido assustadora desde o governo Collor, vemos com raridade a ocorrência de concursos públicos para a polícia. Temos dois problemas que podem ser solucionados um com o complemento do outro, a falta de policiais e a falta de emprego. 

 

A população cobra medidas enérgicas e urgentes para coibir o crescimento da criminalidade, mas observadores internacionais afirmam ser desnecessário comparar a criminalidade brasileira ao terrorismo, como afirma o pesquisador da anistia internacional Tim Cahill:  

 

“A resposta do presidente Lula aos ataques, utilizando a temática do terrorismo, falando da introdução de uma legislação que vai definir esses crimes como terroristas, é uma das questões mais preocupantes desta crise. Isso nos assusta profundamente. É exatamente essa a linguagem que tem sido usada internacionalmente na guerra contra o terror e que o próprio Brasil, no âmbito das Nações Unidas, tem criticado como uma postura que representa uma das maiores ameaças para os direitos humanos hoje em dia. Se esta será a resposta do governo federal para confortar a população no segundo mandato, será uma traição a tudo que vem sendo prometido com a implantação do Susp e a proposta de desenvolver uma política de segurança verdadeira para a população.”( CAHILL, 2007.)    

 

Interessante a posição do Sr. Cahill à respeito da realidade pertinente ao nosso país e aos ataques contra o estado brasileiro ocorridos durante o ano de 2006. Talvez ele devesse se preocupar com o fato de que o Brasil é o terceiro país do mundo em violência contra jovens, segundo dados da Organização dos Estados Ibero-americanos pra a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI). Mas é claro que isso não é pertinente à sua pessoa pois isso é preocupação do governo brasileiro, por isso enumeramos aqui ao Sr. Cahill outros dados da mesma organização. “O Brasil ocupa o primeiro lugar no mundo no ranking de mortes de jovens por armas de fogo. A taxa de 51,7 homicídios por 100 mil habitantes jovens registrada no país também coloca o Brasil no topo da lista de mortes violentas: é o terceiro, ficando atrás somente da Colômbia e da Venezuela. Os índices brasileiros são cerca de 100 vezes superiores aos de países como a Áustria, o Japão, o Egito ou Luxemburgo.”    

 

Particularmente não entendo o que o Sr. Cahill quis dizer com política de segurança verdadeira para a população, mas me assusto com suas declarações de estar assustado com a política de “terrorificação” dos crimes que o país pode seguir. Se vivemos em um estado democrático de direito e os anseios da população exigem medidas mais enérgicas para proteção de suas vidas é dever do estado que se faça cumprir o que exige a população. No mesmo sitio que achei a entrevista do referido pesquisador encontrei a seguinte crítica de um brasileiro com relação à entrevista:    

 

“Incendiar um ônibus com os passageiros dentro, matando sete pessoas indefesas queimadas, não é terrorismo? As idéias deste tal de Tim Cahill são profundamente ofensivas aos milhões de familiares e vítimas da violência urbana. O brasileiro perdeu o direito de ir e vir, principalmente os moradores da periferia e das favelas, pois, a qualquer momento podem ser vitimados pela guerra civil causada pelo descaso das autoridades e a ideologia dominante nesta área que confunde autoridade do Estado com totalitarismo. Indivíduos que trabalham para organizações como esta Anistia Internacional e seus discípulos são também responsáveis por esta situação. Um exemplo claro é o tal do Viva Rio, que com suas panacéias, como abraçar pontos geográficos com inocentes úteis vestidos de branco, acredita mesmo que será capaz de contribuir para a solução do problema? será que esta ONG recebe recursos públicos? A única certeza que tenho é que os diretores destas organizações transformaram isto em seu meio de vida, muito bem pagos por sinal. Enquanto a política de combate ao crime continuar a responsabilizar as vítimas a tendência será a escalada da violência.”     

          

Acho que esse assunto já pode ser deixado para trás, continuemos com outros de igual relevância.    

 

Sobre o desarmamento

 

              A questão do desarmamento foi a maior falácia do governo lula, decidido a entrar para a história como um dos mais ineptos governantes da historia do Brasil, atrás apenas de seu antecessor FHC, lula atreveu-se a apoiar uma campanha no intuito de ludibriar a população menos esclarecida. Com uma inebriante conversa falaciosa de busca de paz, convencendo de princípio até a classe média que via na atitude uma promessa de um país pacífico para o futuro. A idéia ganhou no início apoio das camadas baixas da população, por sua fragilidade frente à criminalidade somar-se a idéia de ser um desarmamento geral, bandidos sem armas nas mãos nas ruas. A campanha do desarmamento foi tão fraudulenta que acidentalmente o número dois da votação seria o sim ao desarmamento, e dois nos dedos representa paz e amor, que lindo!            

A campanha falaciosa tentou argumentar que as armas quando não mais estivessem nas mãos de indivíduos despreparados, reduziriam os acidentes domésticos com armas. A campanha anti-desarmamento comprovou que morriam por ano mais crianças por ingestão de produtos de limpeza em casa do que por acidentes com armas, demonstrando que o problema estava na falta de cuidados e não no perigo exposto da arma. Uma arma é tão perigosa quanto ingerir veneno, só mata se não tomar os cuidados necessários.              

Outro argumento infundável da campanha foi declarar que os criminosos aumentavam seu arsenal roubando armas da população civil. Demonstrou-se falso tal argumento diante da realidade de que criminosos usam armas de calibre restrito que passam através de nossas fronteiras e vão parar nas mãos desses marginais. O cidadão brasileiro não possui em sua casa fuzis, metralhadoras, granadas ou qualquer outro instrumento para entrar em guerra com algum vizinho.            

Cogitou-se ainda estar ajudando a polícia ao permitir que somente indivíduos apoiados pela lei teriam acesso a armas, permitindo identificar os infratores pelo simples fato de estarem portando armas. A polícia não tem a intenção de desarmar a população pelo fato da corporação ser composta de homens que possuem família e parentes. Homens que têm a consciência de que o efetivo policial no Brasil é pequeno demais para se acreditar que a polícia estará de prontidão guarnecendo a casa de cada cidadão, inclusive seus familiares. Enfim todo um aparato bestialógico bem fundamentado por intelectualóides esquizofrênicos foi utilizado para convencer a população de que o governo não queria arrancar de suas mãos o direito a legítima defesa, em um estado fraco e caquético como o estado brasileiro. Nesse momento fico com as palavras do professor puggina:  

 

Como não se enfrenta com rigor o crime organizado e os estados paralelos em franco processo de constituição no país, nem se amplia o controle em portos, aeroportos e fronteiras e assim por diante, opta-se pela via do desarmamento civil. Os defensores da tese asseguram, sem mostrar estatísticas que o comprovem nas experiências de outros povos, que isso reduz o número de homicídios. Seus opositores sustentam o contrário e apresentam números relativos ao que ocorreu em países que adotaram essa medida. Não tenho como conferir a correção de quaisquer dessas contraditórias informações, embora tenda a crer que o desarmamento civil seja inócuo para o fim desejado.  Contudo, isso é irrelevante. Tanto é irrelevante que eu não mudaria minha convicção contrária à lei de desarmamento ainda que me exibissem certidões de instituições oficiais estrangeiras, traduzidas por tradutor juramentado, com todos os selos de ofício, comprovando que o desarmamento das pessoas de bem reduz o índice de homicídios. Minhas razões são superiores e se prendem ao Direito Natural. Nenhuma estatística e nenhuma lei tem força moral para tomar do cidadão o direito à legítima defesa de sua vida e da vida de sua família. (PÚGGINA, 2005)               

Parece-me estranho que pessoas de bem que não praticam homicídio mesmo tendo acesso e porte de armas, tenham algum grau de culpabilidade no problema da violência em nosso país. Parece-me estranho desarmar a vítima e não o algoz, não se falou em momento algum em medidas policiais para desarmar os bandidos e desmantelar o esquema de tráfico de armas. Também é estranho que na prestação de contas de uma das entidades mais dedicadas ao desarmamento,seu próprio sítio demonstra que mais de um terço do financiamento que recebe vem do governo britânico, dados em http://www.vivario.org.br/prestacaodecontas/relatorio2002/relpag42.htm.             

Uma última cartada dos defensores do desarmamento foi acusar os opositores de reacionários. Ora, cito Beccaria, que não se pode chamar de reacionário, quando defendeu o direito à legítima defesa em sua obra pelo uso das armas. Afirmava o filósofo que as leis de desarmamento só desarmavam os que não tinham determinação para delitos. Prossegue o marquês afirmando que essas leis “ colocam os agredidos em posição de inferioridade, privilegiando os agressores; ao invés de diminuir o número de homicídios, aumentam-no por ser mais seguro assaltar os desarmados do que os armados.”(BECCARIA, 2002, p129)            

Com essa explanação final feita pelo mestre Beccaria não precisamos mais discorrer sobre a nocividade do desarmamento para a segurança pública.   

 

A versão dos policiais

 

Resolvi chamar o tópico de versão dos policiais e não de versão da polícia pelo fato de que entrevistei policiais e não a corporação policial, que por ser uma entidade só emite opiniões oficiais através de seus mais bem escolhidos representantes. Quando entrei em contato com policiais deixei bem claro que não seriam utilizados seus nomes ou qualquer forma de identificação dos mesmos. Afinal de contas o que pensam os funcionários da segurança pública nacional, faz-se justo ouvir o que os mesmos tem a dizer a respeito de suas funções.            

É necessário lembrarmos que a instituição policial, diferente do que parece que desejam alguns, não é responsável por qualquer política no país. Não dá diretrizes de educação, nem tem poder de decisão frente aos aparelhos estatais. Não pertence à polícia a tarefa da justiça social, exigem dela uma imagem onírica de mocinhos salvando os fracos. Infelizmente a realidade é diferente e o policial de campo, o praça, o investigador, o patrulheiro é tão vítima do sistema corrupto quanto qualquer um. Há uma tendência para se exigir da polícia algo que está acima de suas atribuições, a educação é dever do estado, o emprego é dever do estado, o amor e carinho que o pai deixa de dar também reflete em personalidades agressivas no futuro. Hoje a tendência é transferir essa culpa para o sistema policial da mesma forma que nas filas de banco culpa-se o trabalhador do caixa pela fila e não a administração por não contratar mais caixas para atendimento.

Quando ouvimos os pronunciamentos institucionais oficiais da corporação aquilo não reflete aos anseios dessa classe de trabalhadores, mas ao discurso oficial que exige o estado. Como qualquer empresa que sempre afirma que lá seus trabalhadores são felizes e seus gerenciadores têm todos os compromissos que se deve ter para com o funcionário. Há uma série de problemas que precisam ser vencidos que está acima da própria corporação policial, um problema de cultura brasileira.            

Há um processo crescente de desvalorização –desmotivação -desmoralização da instituição policial no Brasil. Todo o trabalho policial é comumente questionado como imoral até prova em contrário. Seja pela população, pelos meios de comunicação, pelo poder judiciário, pelos superiores hierárquicos e até mesmo dentro da corporação pelos próprios colegas. Esse processo tem carcomido a instituição por dentro, desativando na prática o aparelho policial por dentro. Posso afirmar que a polícia no Brasil está morta pelos motivos de desvalorização –desmotivação –desmoralização do policial.            

O sonho do policial ao ingressar na corporação é fazer mesmo o papel do herói, combater o mal se pensarmos assim. Quantos nunca pensaram em ser policiais e fazer justiça? Ninguém nunca pensou em ser policial e aplicar a lei, ninguém que tem esse sonho fala algo assim ou pensa assim. Porque o sonho de ser policial é algo maior, envolve justiça e o desejo intrinsecamente humano de fazer o bem. Com exceção dos indivíduos de índole corrupta que desejam entrar numa entidade pública, qualquer que seja inclusive a polícia, para fazer o mal, a vocação do policial verdadeiro é para manter a paz na comunidade.             

A desmotivação do policial começa em seus primeiros anos de corporação, quando ele descobre que está em outro lugar que aquele que gostaria de estar. O papel dele não é o do mocinho, mas o do vilão. Isso porque acostumado em ouvir as queixas de todos, inclusive as suas próprias, da falta de ordem e respeito que tem imperado na sociedade o mesmo parte para uma cruzada contra as coisas erradas a sua volta. O policial recém ingresso arma-se de valores morais até em sua própria vida, há uma mudança significativa no caráter do iniciado. Torna-se mais policial e observador de seus próprios atos que dos outros, quer dar exemplo. A seguir tenta ensinar aos demais esses novos valores que a nova vida tem lhe passado, especialmente em seu serviço e é aí que sua desilusão começa.  Nos depoimentos colhidos dos policiais para esse trabalho, eles elencam uma lista de frases que os desanimam de trabalhar, porque acreditam infrutíferas suas tentativas de ensinar algo de bom para a sociedade. Pedidos do tipo “me libere porque você liberaria seu amigo”, “porque não vai prender ladrão de verdade”, “ de traficante tu tens medo, por isso estas te aproveitando de mim”, são palavras que tiram do policial sua vontade de passar bons ensinamentos aqueles que pagam seu salário. Os ensinamentos são coisas mínimas, como dizer a um indivíduo que não danifique o jardim porque pertence a todos. Que não estacione em local proibido para não cometer uma injustiça para com o coletivo, uma vez que todos são proibidos de estacionar num determinado local, se um único indivíduo desrespeitar essa norma ela estará sendo iníquo com os demais. Que não atravesse a rua com sinal desfavorável para não provocar um acidente. São todos temas aparentemente supérfluos se considerarmos o oceano pacífico de problemas da nação, mas que compõe o pressuposto da teoria da janela quebrada. Essa teoria afirma que se um menino quebra uma janela com uma bola e não é punido, terá cada vez mais motivos para continuar a transgredir já que não há punição na escala de delitos que ele vai galgando, e é isso que o transforma num criminoso um dia. É essa teoria da janela furada que tenta o policial trabalhar, mas apesar de ter o dever legal de coibir mesmo os menores atos imorais na sociedade, ao enfrentar frases como as citadas e outras de mesmo cunho o policial sente que é um elemento incômodo para a sociedade. Passa a trabalhar sob o signo de ser um empecilho a felicidade alheia, parece que à essas pessoas sua grande felicidade é transgredir e o policial está no caminho para impedir essa felicidade. Não obstante tal fato, nota também o policial que os mesmos indivíduos que o querem bem longe também exigem sua presença para impedir que outros transgridam sobre suas liberdades e aspirações. Se planto flores na beira da calçada, não quero que ninguém as danifique. Se possuo uma garagem, não quero ver carro alheio estacionado na frente me impedindo de ter acesso à minha casa ou à rua. Se estou no trânsito, não quero que um pedestre se atravesse na frente de meu carro quando o sinal me é favorável. São coisas óbvias que no papel e no discurso todos entendemos, mas na prática quase ninguém será capaz de aceitar.             

É essa seqüência de acontecimentos que faz o policial se sentir inimigo da sociedade, passa a sentir medo dela e tem receio quando chega num ambiente de se apresentar como policial. Mesmo em serviço parece que muitas vezes enterra a cabeça dentro da farda para que não o reconheçam. Para o policial há uma sociedade inteira de infratores que não o deseja, diferente do papel de herói que sonhava protagonizar o policial encontra uma sociedade hostil mais preocupada no status quo do jeitinho brasileiro que em uma nova época de paz, justiça e ordem.            

A próxima etapa para o esfacelamento da instituição policial pelas vias da inanição de seus componentes é a desmoralização. Frequentemente meios de comunicação tem feito de tudo para vender a imagem da polícia inimiga, corrupta e repressora. Fala-se muito, principalmente quando se trata das entidades em defesa dos direitos humanos, de resguardar a imagem do preso pois o mesmo ainda será inocente até prova em contrário. Porém à imagem do policial assim acusado jamais se cogita algo diferente de jogá-la na lama. Pode ser amplamente divulgada sem pudores, nem entidades de qualquer espécie que as defenda.             

A desmoralização não está em denunciar policiais corruptos, mas na imagem de que toda a corporação assim procede e de que a imensa maioria age daquela forma. Essa imagem preconceituosa do policial corrupto é largamente utilizada como álibi por indivíduos infratores que desejam livrar-se de situações causadas por ele mesmo. A maioria das denúncias contra policiais em suas corregedorias são feitas por indivíduos presos ou infratores de trânsito que, no intuito de transferirem suas culpas para o policial, inventam alguma denúncia infundada na esperança de anular uma multa ou inverter a situação de sua prisão. Mais uma vez o policial se vê como o inimigo da sociedade, não é preciso dizer que sua produtividade cai vertiginosamente e em se tratando de um problema comum a toda uma categoria, toda a instituição tem uma queda na produção. Não nos esqueçamos que o que eles produzem é a segurança da sociedade,ou tentam produzir.            

Essa desmoralização prossegue em duas situações com a interferência direta do indivíduo reconhecidamente corrupto na corporação, que nunca pode ser preso por falta de provas. Uma é no momento em que o policial correto arruma uma querela com um cidadão por ter prendido um parente seu ou aplicando-lhe uma multa. O indivíduo sai praticamente xingando o policial sem aceitar o erro e em seguida seu colega corrupto o afronta dizendo: “esse vai fazer alguma reclamação contra ti, se você tivesse sido mais flexível com ele, ele poderia sair daqui teu amigo. Eu não respondo processos porque sou uma pessoa flexível, está na hora de mudar os seus conceitos.” É nessas circunstâncias que vemos a morte da instituição policial por dentro dela, mas as circunstâncias ainda se agravam quando temos casos de comandos corruptos que oprimem policiais honestos da maneira mais abominável: processando-os pelos mínimos erros ou falhas de serviço, fazendo verdadeiras tempestades em copo d`água não com o intuito de condená-los mas de desmoralizá-los. Tornando qualquer denúncia sua indigna de crédito, uma vez que possuem uma longa ficha de processos administrativos disciplinares.             

Nessa circunstância o policial honesto e descente ao envelhecer e perceber que sua honestidade não o fez enriquecer como alguns que não tiveram os seus pudores, que foi processado mais do que muitos que não tinham seu caráter e, além de tudo, é jogado na “vala comum” do pensamento popular de que policial não presta, torna-se um alcoólatra em final de carreira e acaba sendo abandonado pela esposa. Não são raros os casos de policiais aposentados, divorciados e alcoólatras. Também essa faceta é explorada pelo policial corrupto para desmoralizar o recém ingresso dizendo que “não queremos envelhecer igual a fulano”. Diante dessa realidade a grande maioria desanima e se omite, efetivamente temos um policial a menos nas ruas trabalhando com afinco, uma vez que não deseja defender uma sociedade que o odeia e o teme, que exige que seja implacável frente aos erros dos outros e flexível diante de seus erros. É ainda mais vexatório para o policial honesto ter que conviver com o corrupto que parece estar lhe dando lições de moral e comportamento.            

Ao mesmo tempo essa sociedade está em constante vigília sobre ele, na intenção de devolver a ele o papel da vítima do fiscalizador implacável, como se quisesse fazê-lo sofrer do próprio veneno. Não se vê a população fiscalizando o policial corrupto, pois precisa dele para se livrar na hora que estiver fazendo algo de errado, o policial honesto é que é alvo da população. É por conta dessa realidade que cresce o número de policiais afastados por depressão. Notícias do tipo “33% dos policiais militares que foram afastados definitivamente do serviço em Sergipe estão com depressão” são cada vez mais comuns. Muito se tem especulado sobre que seria o agente responsável por essa realidade, poucos ouviram os policiais em suas queixas por falta de apoio da população e da legislação que parece mais condenar a ele mesmo do que aqueles que ele prende. Enquanto existe mil leis e organismos para fiscalizá-lo como se ele fosse o próprio erro que se movimenta, o indivíduo que ele leva preso sai primeiro que ele da delegacia isso lhe passa uma sensação de inutilidade.             

O último motivo o da desvalorização, só acontece por causa das circunstâncias anteriormente mencionadas. Policiais precisam antes de salários dignos, um ambiente de trabalho digno. Falta de respeito por parte da população, comando obsoleto, corruptos que não bastassem não serem presos às vezes estão em situações de chefia. Não se contrata novos policiais e explora-se os que estão na ativa e tantos outros que somam-se ao fato de que são mal pagos e mal preparados. Em entrevistas com policiais foram colhidos os seguintes depoimentos:              

“O problema da corporação é ser regido por um código penal militar obsoleto, autoritário e arbitrário.”            

“Já sofri prisão por falta ao serviço e por tentar fazer o trabalho de forma correta.”            

“Sei de quem sofreu punições brancas, transferência por punir infratores importantes.”             “Palavras que me irritam: o que esta acontecendo? Não dá pra conversar?”            

“Público quer polícia para os outros e não para si.”            

“Querem que a gente olhe na cara deles e saiba que são os indivíduos mais honestos do mundo. Os que mais exigem isso são os que mais devem.”            

“Exploram a folga policial, por necessidade do serviço. Amizade do comando com qualquer dono de bar ou vereador exige deslocamento de policiais extras para atender qualquer festinha. A polícia é brinquedo de politiqueiros.”            

“Remuneração, treinamento e segurança própria precárias.”            

“A PM é mal vista pela sociedade por atuar pelas vias da lei e incomodar a população. Exemplo? A farra do boi ou um condutor autuado.”            

“Infra-estrutura defasada.”            

“A lei é abstrata e não consegue absorver a realidade que nos cerca. Feita num mundo ideal, numa sala onde não se vê a realidade da segurança pública.”            

“Os juristas não sabem a realidade da segurança pública.”            

“A população exige a eficiência policial através da tortura, quando se tornam policiais querem efetivar essas práticas, comentam com policiais que queriam fazer isso ou aquilo. Não querem, porém para si os efeitos da polícia efetiva.”            

 “O poder judiciário é incapaz de entender o problema policial, não sabe o que a gente vive aqui. A lei não alcança nossas necessidades para nos ajudar.”            

“Máximas do desânimo policial: pensa que está falando com quem? Eu saio da delegacia primeiro que tu.”            

“Falta de preparo policial em questões legislativas. O policial mais novo é mais preparado.”            

“Falta de efetivo e exploração do trabalho policial, trabalho estafante e só pagam horas extras até 40 horas, depois tu trabalhas de graça. A folga e vida familiar não são respeitadas.”            

“O PM é consciente, ama sua farda e faz o seu serviço com vontade. Chamar o PM para trabalhar sem motivo plausível é fazê-lo de escravo.”            

“Mentalidades retrógradas do comando que revoltam o PM.”            

“Não bastasse as rixas entre corporações, dentro da nossa casa existem várias polícias.”            

“O furacão Catarina, os ataques de maio de 2006 mostraram o verdadeiro coração policial, o sentimento de dever para com a população. Os policiais mobilizaram-se por conta própria, sem intervenção do comando, sem receber por hora ou deslocamento, isso não reflete na mídia.”            

“A Guarda Municipal é um novo modelo de polícia, a polícia que conhecemos faliu institucionalmente.”            

“Acabem com a polícia! A população não deseja a polícia, não quer a polícia, não precisa da polícia. A polícia deve ser extinta!“      

Recentemente o filme tropa de elite fez grande sucesso no Brasil, o livro que o inspirou, elite da tropa faz uma declaração em sua primeira página : “há quem pense que as pessoas se corrompem porque ganham pouco. Raciocínio estranho. Afinal, há milhões de pobres, no Brasil: gente séria e honesta. Por outro lado, os crimes de colarinho branco multiplicam-se feito epidemia.”    

Logo não podemos ligar criminalidade a pobreza, é falta de respeito com os pobres.

REFERÊNCIAS

 

 AGÊNCIA CARTA MAIOR. Ativista conta como é a vida em Colniza, a cidade mais violenta do Brasil. Disponível em: < http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=13708&editoria_id=5 >. Acesso em 29 nov. 2007.  ___________. Entrevista Tim Cahill, 2ª parte. Disponível em:  <http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=13268&editoria_id=5 >. Acesso em 29 nov. 2007. ___________. Juventude é maior vítima da década da violência no país. <http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=12862&editoria_id=5>. Acesso em 29 nov. 2007.  BARCELLOS, Caco. Rota 66, a história da polícia que mata. Rio de Janeiro: Record, 2006. BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Martins Fontes, 2002.                    POLÍCIA MILITAR DO SERGIPE. Disponível em: < http://www.pm.se.gov.br/pm.php?var=1093015726 > . Acesso em 01 dez. 2007.             PUGGINA, Percival. Desarmamento: estatísticas e direito natural. In: MÍDIA SEM MÁSCARA. Disponível em: < http://www.midiasemmascara.com.br/artigo.php?sid=3467>. Acesso em 01 dez. 2007. 

* Acadêmico de Direito da UFSC

 

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Como citar e referenciar este artigo:
SOUZA, Misael Torquato. Segurança Pública – Misael Torquato Souza. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direitopenal-artigos/seguranca-publica-misael-torquato-souza/ Acesso em: 25 abr. 2024